Comete o crime de violência depois da subtração p.p. pelos artºs 211º 210º 2b) , e artº 204º 1ª) e 2e) CP punido com pena de 3 a 15 naos de prisão em concurso aparente com o crime de furto qualificado p.p. pelo artº 204º 1ª) e 2e) CP punido com a pena de 2 a 8 anos, o arguido que por arrombamento invade a cada de habitação e se apodera de bens de valor elevado e para garantir essa apropriação empurra o seu dono para evitar que este o agarre e assim conseguir fugir com os bens.
Acordam, em conferência, os juízes, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça.
No Proc. C. C. nº 530/18.8GAVNG do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal de ... - Juiz 2 em que é arguido AA, foi por acórdão de 21/5/2024, proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo em julgar a acusação procedente, por provada, pelo que, consequentemente:
A) Condenam o arguido AA pela prática, como autor material, em concurso real e na forma consumada, de:
1) um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2 alínea e) do C.Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
2) um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, nº 1, al. a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artigo 202º alíneas a) do C.Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e
3) um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, nº 1, al. a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artigo 202º alíneas a) do C.Penal, em concurso aparente com um crime de violência após subtração, p. e p. pelo art. 211º do C.Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
B) Em cúmulo jurídico, condenam o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
C) Condenam o arguido no pagamento de 2 UCs a título de custas criminais do processo, ao abrigo do disposto nos arts. 374º, nº 4; 513º, nº s 1, 2 e 3; 514º, nºs 1 e 2 e 524º, todos do C.P.P., bem como nos termos dos arts. 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais (em conjugação com a Tabela III).”
Recorre o Mº Pº para este Supremo Tribunal, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
“1. É o presente recurso interposto do acórdão depositado em 21.05.2024 que
condenou o arguido AA, pela prática, como autor material, em concurso real e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2 alínea e) do C.Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, nº 1, al. a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artigo 202º alíneas a) do C.Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, nº 1, al. a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artigo 202º alíneas a) do C.Penal, em concurso aparente com um crime de violência após subtração, p. e p. pelo art. 211º do C.Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e, em cúmulo jurídico, condenou o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2. O fundamento da nossa discordância assenta, apenas, na parte em que o tribunal condenou o arguido pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, nº 1, al. a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artigo 202º alíneas a) do C.Penal, em concurso aparente com um crime de violência após subtração, p. e p. pelo art. 211º do C.Penal - que considerou ser o menos grave - na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
3. Vinha o arguido - erradamente, diga-se -, acusado, além do mais e relativamente aos factos ocorridos em 7.08.2018, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e) do Código Penal e, em concurso real, de um crime de violência depois da subtração, previsto e punido pelo artigo 211º do mesmo diploma legal.
4. A qualificação jurídica correcta seria a de se ter acusado o arguido por um crime de violência depois da subtracção – crime mais grave – em concurso aparente com o acima mencionado crime de furto qualificado, o que, aliás, se assinalou em sede de alegações, alertando-se expressamente para o facto de o arguido dever ser condenado pelo crime mais grave, a saber, o da violência depois da subtracção.
5. Entendeu o tribunal, contudo, que, apesar de se verificar esse concurso aparente entre os mencionados crimes, o crime mais grave não era o de violência depois da subtração, mas sim o de furto qualificado.
6. Ora, os factos pelos quais o arguido foi condenado integram, assim, a prática do crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, nº 1, al. a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artigo 202º alíneas a) do C.Penal, e o crime de violência após subtração, p. e p. pelo art. 211º do C.Penal, por referência ao artigo 210º, n.º 2, al. b) e 204º, n.º 2, al. e), todos do mesmo diploma legal.
7. O que significa, sem qualquer dúvida, que estando-se perante um crime de violência após a subtração levado a cabo pelo arguido após a prática de um crime de furto qualificado, previsto em qualquer das alíneas do artigo 204º, a moldura penal abstracta é de 3 a 15 anos de prisão, logo, o crime mais grave é indiscutivelmente o crime de violência
após a subtração, por referência ao n.º 2, al. b) do artigo 210º. C.P, pelo que, o crime de violência após a subtracção consome o crime de furto qualificado (punido com uma moldura penal de 2 a 8 anos).
8. Sendo o mais grave, não poderia o tribunal decidir como decidiu, condenando o arguido, além do mais, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, nº 1, al. a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artigo 202º alíneas a) do C.Penal, em concurso aparente com um crime de violência após subtração, p. e p. pelo art. 211º do C.Penal, mas antes, devia ter condenado o arguido, pela prática de um crime de violência após subtração, p. e p. pelo art. 211º do C.Penal, em concurso aparente com um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, nº 1, al. a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artigo 202º alíneas a) do C.Penal.
9. Essa errada interpretação teve como consequência a de se considerar que a moldura penal abstracta era a de 2 a 8 anos de prisão, tendo o tribunal recorrido decidido aplicar ao arguido a pena de 3 anos e 6 meses de prisão para esse crime (praticado em 7.08.2018).
10. Para o crime de violência após a subtracção, previsto e punido pelo artigo 211º, por referência ao artigo 210º, n.º 2, al. b) e 204º, n.º 2, al. e), todos do C.P., acha-se prevista na lei uma moldura penal abstracta de 3 a 15 anos de prisão.
11. Concordamos com as considerações do tribunal recorrido, no que se refere à análise das circunstâncias relevantes para os efeitos do disposto no artigo 71º do C.P..
12. Contudo, considerando a moldura penal que se cifra entre os 3 e os 15 anos de prisão – e já não entre os 2 e os 8 anos de prisão -, consideramos ser ajustada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva.
13. Em sede de cúmulo jurídico de penas, a moldura penal dentro da qual se terá de encontrar a pena única já não se situa entre os 3 anos e 6 meses (limite mínimo) e os 10 anos (limite máximo), mas sim entre os 4 anos e 6 meses (limite mínimo, correspondente à pena mais elevada) e os 11 anos (limite máximo, correspondente à soma das penas parcelares).
14. Considerando os factos e a personalidade do arguido, consideramos como adequada a aplicação da pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses.
15. Violou o tribunal recorrido o disposto nos artigos acima invocados.
Pelo exposto, deverá o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, relativamente aos factos ocorridos a 7.08.2018, condene o arguido pela prática de um crime de violência após subtração, p. e p. pelo art. 211º do C.Penal, em concurso aparente com um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, nº 1, al. a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artigo 202º alíneas a) do C.Penal, …”
O arguido respondeu defendendo a improcedência do recurso
Neste Supremo Tribunal de Justiça o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no artº 417º2 CPP
Não houve resposta
Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Cumpre apreciar.
Consta do acórdão recorrido (transcrição):
“II - FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto:
Factos provados:
No dia ... de ... de 2017, pelas 09:05 horas, o arguido dirigiu-se à residência da ofendida BB, sita em Rua ..., ..., com o propósito de fazer seus objectos de valor que no interior daquela residência se encontrassem.
Assim, na execução de tal plano, aproveitando-se do facto de uma das janelas de encontrar aberta, introduziu-se, através dela, no interior da residência. Do interior desta habitação retirou um anel em ouro, um anel em prata com pérola branca, um anel em prata com pedra roxa, um relógio e um mealheiro que continha no seu interior o montante global de 50€.
Os anéis em causa tinham um valor não concretamente apurado mas seguramente superior a 102,00€.
Após, abandonou o local, fazendo de todos estes objectos coisa suas.
O arguido sabia que entrava num local do qual não era proprietário, sem autorização nem consentimento do seu proprietário, mais sabendo que os objectos que fez coisas suas não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo proprietário.
No dia ... de ... de 2018, cerca das 11:30 horas, o arguido dirigiu-se à residência da ofendida CC, sita em Travessa ... ..., com o propósito de fazer seus objectos de valor que no interior daquela residência se encontrassem.
Assim, na execução de tal plano, aproveitando-se do facto de uma das portas do quarto se encontrar ligeiramente aberta, saltou o muro, escalou até à varanda, e introduziu-se, através daquela porta, no interior da residência. Do interior desta habitação retirou os seguintes objectos:
- Anel de três alianças;
- Anel de outro branco com aplicação preta;
- Relógio Michael Kors de senhora preto e dourado;
- Relógio Michael Kors de senhora dourado e prateado;
- Relógio Michael Kors de senhora prateado;
- Relógio da Guess prateado com correia preta;
- Relógio Tissot senhora;
- Relógio Tissot homem;
- Relógio Emporio Armani homem;
- Relógio Rolex (réplica) dourado de homem;
- Escrava em ouro;
- Aliança senhora Cartier;
- Aliança homem Cartier;
- Anel solitário com brilhante em ouro amarelo;
- Relógio Moschino prateado de senhora e
- Relógio Seiko prateado.
Estes objectos valiam, globalmente, cerca de 7.355,00€.
Acresce que, quando o arguido se preparava para abandonar o local, foi abordado pela ofendida que o procurou agarrar a fim de recuperar os seus pertences, tendo o arguido desferido um empurrão no corpo desta, evitando que a mesma o agarrasse e impedisse que ele se ausentasse na posse dos objectos descritos.
O arguido agiu com o propósito concretizado de evitar ser interceptado, o que fez com o intuito de conservar os bens que tinha retirado do interior da residência da ofendida, bem sabendo que a molestava na sua integridade física ao actuar conforme descrito.
Após, abandonou o local, fazendo de todos estes objectos coisa suas.
O arguido sabia que entrava num local do qual não era proprietário, sem autorização nem consentimento do seu proprietário, mais sabendo que os objectos que fez coisas suas não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo proprietário.
No dia ... de ... de 2018, pelas 17:20 horas, o arguido dirigiu-se à residência do ofendido DD, sita em Rua ... Vila Nova de Gaia, com o propósito de fazer seus objectos de valor que no interior daquela residência se encontrassem.
Assim, na execução de tal plano, procedeu ao arrombamento de uma das janelas e, após, introduziu-se, através dela, no interior da residência. Do interior desta habitação retirou os seguintes objectos:
- um relógio Omega de Vile;
- Um relógio Seiko;
- Relógio Gucci;
- Alfinete e
- Cofre portátil
Os objectos em causa tinham um valor de cerca de 9.625€.
Após, abandonou o local, fazendo de todos estes objectos coisa suas.
O arguido sabia que entrava num local do qual não era proprietário, sem autorização nem consentimento do seu proprietário, mais sabendo que os objectos que fez coisas suas não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo proprietário.
O arguido agiu sempre de forma livre, voluntaria e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas por lei.
Do percurso de vida do arguido, suas condições socioeconómicas e antecedentes criminais:
Os factos pelos quais o arguido está acusado no presente processo, reportam-se a dois períodos distintos da vida do arguido. Os que se reportam ao ano de 2017, coincidem com uma fase em que AA residia com a companheira EE na cidade do .... Ambos eram consumidores de estupefacientes, e o seu modo de vida caracterizava-se pela constante alteração de residência, sendo o seu meio de subsistência garantido ou com recursos a apoios sociais ou a atividades menos normativas que já deram origem a anteriores condenações.
Os que se reportam a 2018 e 2020, coincidem com uma fase em que AA tinha regressado a meio livre em ........2018 e em virtude do falecimento precoce da companheira fruto de problemas relacionados com hábitos aditivos, durante o período em que esteve preso preventivamente, se encontrava especialmente fragilizado e deprimido.
Vivia com o amigo FF que o acolheu em sua casa junto do seu agregado familiar mas não se encontrava ocupado profissionalmente nem demonstrava vontade de o fazer, apenas deambulando pela cidade do ....
Apesar de se encontrar em acompanhamento pela DGRSP no âmbito de várias penas suspensas não comparecia às entrevistas agendadas.
AA tinha cinco anos quando os pais emigraram para ..., onde nasceram duas irmãs e decorreu o seu processo de desenvolvimento e socialização, juntamente com os seis irmãos, sustentados com os rendimentos laborais do pai, ..., e da mãe, empregada ....
Realizou formação escolar geral até aos 18 anos, seguida de dois anos na frequência e conclusão de um curso profissional de cozinha, quando a dinâmica familiar já estava perturbada pelo consumo abusivo etílico do pai, sem trabalho, conflituoso, agressivo. Nesta altura AA optou por sair de casa e iniciou vida marginal, sustentando-se com recurso a práticas criminais.
Em 1989, aos 22 anos, casou com uma cidadã ..., estudante, no seio do qual nasceu o filho GG, atualmente com 31 anos, obtendo rendimento em tarefas indiferenciadas e na prática continuada de furtos a residências.
Este contexto comportamental contribuiu para condenações em penas de prisão desde 1995, distinguindo-se uma de 5 anos. Admite que foi em contexto prisional, ainda muito novo que iniciou o consumo de drogas leves.
Em 2010 iniciou o cumprimento de uma pena de 2 anos de prisão, período durante o qual gozou de uma saída jurisdicional a .../.../2011, da qual não regressou ao Centro Penitenciário de ..., colocando-se em situação de evadido, pena atualmente extinta.
AA, então separado do cônjuge, não quis envolver a mãe, que, entretanto, ficou viúva, nem outros familiares, para evitar a captura veio para Portugal, destruiu a documentação pessoal que o relacionava à anterior situação, iniciando um modo de vida marginal, sem residência fixa, alojado na rua, em espaços devolutos ou em quartos arrendados.
Conheceu e encetou relação marital com EE, consumidora de estupefacientes, comportamento que AA também assumiu com aproximadamente 30 anos (Cocaína), tendo passado a relacionar-se tendencialmente a elementos com interesses afins. Considerando a sua situação de evadido, não contactava instituições oficiais, com a companheira recorriam a apoio assistenciais de entidades particulares para assegurar alimentação, vestuário e calçado, aos balneários públicos para a higiene pessoal e mudavam os locais de permanência, com passagem por várias localidades.
No final de 2013 arguido e a companheira deslocavam-se e residiram temporariamente em ..., zona onde praticou crimes de furto qualificado, tendo sido condenado no processo 194/13.5... do Juiz 2 do Juízo de Competência Genérica de ....
Nessa altura, o casal integrou uma comunidade de consumidores de estupefacientes, na zona de ..., onde a .../.../2014 arguido praticou crimes de furto e violação de domicílio, que originaram condenação no processo 102/14.6... do Juiz 1 do Juízo de Competência Generalizada da ..., na pena única de 9 meses de prisão, que, entretanto, cumpriu.
Antes do regresso ao ..., residiram em ... e em ..., localidade onde morava e ainda mora a mãe de EE. AA manteve o protagonismo criminal como meio de subsistência, em 05/03/2015 foi condenado por furto qualificado a 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, mediante regime de prova, no processo 185/15.1... do Juiz 2 do Juízo Local Criminal de ... e depois a 24/10/2015 foi novamente condenado no processo 801/15.5... do Juiz 1 do Juízo Local Criminal de ..., pela autoria dos crimes de furto qualificado e falsas declarações, na pena única de 2 anos e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução, acompanhada de regime de prova.
As necessidades e a instabilidade do arguido e da companheira acentuaram-se quando esta engravidou, em .../.../2016 nasceu o filho, HH, atualmente com 7 anos. Face às circunstâncias, o recém-nascido foi acolhido e encaminhado para adoção, mas a avó materna tomou conhecimento da situação, interveio, assumindo a responsabilidade parental, que formalmente detém e exerce.
A 30/06/2017 o arguido ficou sujeito a prisão preventiva no âmbito do processo 455/17.4..., foi colocado em liberdade a 02/05/2018, na sequência de condenação por furto qualificado na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova.
A privação de liberdade alterou marcadamente a situação e o modo de vida do arguido, com reflexo na companheira, que se terá sentido desprotegida e desacompanhada e que visitou o arguido quando tinha capacidade económica. Contudo, não obstante, ser acompanhada em unidade terapêutica quanto à problemática aditiva foi mantendo consumo paralelo, que a vitimou mortalmente a .../.../2018, perda sentida pelo arguido como muito traumática.
Em contexto prisional AA foi avaliado em várias valências, a respeito da problemática aditiva foi sensibilizado e aderiu a programa de tratamento para desvinculação, internado na unidade específica.
Na sequência de conflito com outro recluso foi afastado do programa em fase recente, no entanto, considerado o período cumprido e a resposta positiva à intervenção foi colocado em meio protegido.
Manteve acompanhamento nas consultas das especialidades de psiquiatria e de psicologia consoante os agendamentos, reiterando manter a abstinência de consumo de estupefaciente com motivação para a consolidar.
De acordo com a informação disponível, AA foi afetado com a reclusão e o falecimento inesperado da companheira, beneficiou de acompanhamento especializado e suporte para superar a perda e recuperar o equilíbrio emocional, assumiu comportamento adaptado no relacionamento interpessoal e foi colocado em atividade laboral que solicitou, que lhe proporcionou um quotidiano estruturado e a possibilidade de auferir a compensação pecuniária para suprir pequenos gastos, atendendo à ausência de apoio exterior.
Em meio livre, AA ficou em situação de sem-abrigo durante dois três dias, após os quais contactou o amigo e antigo vizinho FF, de 37 anos, desempregado, que o acolheu em sua casa no .... O agregado familiar do amigo é constituído pela companheira, igualmente desempregada e pelo filho menor do casal. Não obstante apresentar uma situação económica caracterizada como deficitária, dependente do Rendimento Social de Inserção, o amigo mostrou disponibilidade para o apoiar a reorganizar a vida de forma normativa.
Desde que regressou a meio livre destocou-se a ..., na companhia do amigo, onde visitou e conviveu com o filho, de 20 meses na altura, momento de satisfação para si.
Nos contactos efetuados na altura com FF decorre informação que nesta época o arguido foi desanimando progressivamente, já que não aceitava a morte da companheira, procurando-a pela cidade, ficando instável, sentido -se muito constrangido por não ter fonte de rendimento e onerar o seu agregado.
A partir de ... de 2018 AA decidiu regressar a ... sem avisar o amigo. Nesse país segundo referiu terá ficado a dormir na antiga casa em que viveu com os seus pais em ..., presentemente abandonada por morte da senhoria. Segundo admitiu terá também voltado a recorrer a praticas criminais para garantir a sua subsistência. Ao nível de consumos de estupefacientes refere que nunca mais consumiu já que, a morte da companheira por esse motivo, o levou a abandonar esta prática.
O estilo de vida mantido em ... levou a novos contactos com o sistema judicial ... em 2022, tendo o arguido novamente sido preso naquele país. Presentemente e desde ........2023 AA encontra-se no Estabelecimento Prisional de ... em cumprimento de 1825 dias de prisão no âmbito do Processo nº 392/22.0... do Juízo Local Criminal de ..., acórdão francês tendo sido extraditado para cumprimento da pena.
Neste contexto AA tem mantido um comportamento tendencialmente normativo, apesar de já registar uma sanção disciplinar por posse de objetos proibidos. Investe sobretudo no desporto e não mantém contactos com familiares ou amigos no exterior. Toma medicação para dormir, mas recusa o acompanhamento psicológico. Aderiu inicialmente à frequência escolar, atividade que também abandonou por se sentir deprimido.
AA cumpre atualmente pena de prisão no estabelecimento Prisional de ... por crimes contra o património que praticou em ....
AA apresenta uma histórica criminal relevante, apresentando já vários contactos com o Sistema de Administração da Justiça quer francês, quer português que remontam a 1995, com cumprimento de penas de prisão suspensas na sua execução e penas de prisão efetiva sempre pela mesma tipologia de prática criminal. À data de prisão encontrava-se em ..., país para onde se deslocou sem autorização, não obstante estar condenado a sete suspensões de pena com regime de prova, encontrando-se desta forma em situação de incumprimento.
AA vive a sua constituição como arguido no âmbito do Processo em apreço com resignação, já que tem consciência de que teve diversos contactos com a justiça por factos de idêntica natureza.
O arguido tem averbadas no seu certificado de registo criminal as seguintes condenações:
a) pela prática em ... em 24/09/1999 e 25/10/1999, de um crime de furto e de dois crimes de furto após violação de propriedade privada, por decisão transitada em julgado em 11/09/2002, na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão.
Esta pena foi extinta pelo cumprimento em 24/11/2003;
b) pela prática em ... em 27/04/1999, de um crime de furto após violação de propriedade privada, por decisão transitada em julgado em 21/11/2001, na pena de 6 meses de prisão.
Esta pena foi extinta pelo cumprimento em 17/12/2002;
c) pela prática em ... em 22/10/2004, de um crime de furto, por decisão transitada em julgado em 28/12/2004, na pena de 6 meses de prisão.
Esta pena foi extinta pelo cumprimento em 08/03/2005;
d) pela prática em ... em 04/09/2006, de um crime de furto agravado e de um crime de furto após violação de propriedade privada, por decisão transitada em julgado em 23/05/2007, na pena de 5 meses de prisão.
Esta pena foi extinta pelo cumprimento em 25/09/2007;
e) pela prática em ... em 29/12/2010, de um crime de furto após violação de propriedade privada, por decisão transitada em julgado em 09/05/2001, na pena de 2 anos de prisão.
Esta pena foi extinta pelo cumprimento em 08/01/2023;
f) pela prática em ... em 14/10/2011, de um crime de evasão de estabelecimento prisional, por decisão transitada de 21/11/2019, na pena de 6 meses de prisão.
Esta pena foi extinta pelo cumprimento em 21/11/2019;
g) pela prática, em 04/04/2014, de um crime de furto simples e um crime de violação de domicílio, por decisão transitada em julgado em 03/03/2017, na pena única de nove meses de prisão.
Esta pena foi extinta pelo cumprimento em 27/03/2018;
h) pela prática, em 27/12/2013, de três crimes de furto qualificado, por decisão transitada em julgado em 08/05/2017, na pena única de três anos e dois meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de três anos e dois meses, com regime de prova;
i) pela prática, em 05/03/2015, de um crime de furto qualificado, por decisão de 18/10/2017, transitada em julgado em 17/11/2017, na pena de três anos de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de três anos, com regime de prova.
Por decisão transitada em julgado em 10/09/2019 foi revogada a suspensão da execução da pena e determinado o cumprimento da pena de prisão efetiva;
j) pela prática, em 03/07/2014, de um crime de furto qualificado, por decisão transitada em julgado em 06/11/2020, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo mesmo período temporal.
Esta pena foi declarada extinta em 06/03/2023;
k) pela prática, em 20/12/2016, de um crime de condução sem habilitação legal, por decisão transitada em julgado em 21/05/2018, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €5.
Esta pena foi convertida em prisão subsidiária de 46 dias por despacho de 30/06/2023;
l) pela prática, em 03/02/2015 e 17/10/2016, de 2 crimes de furto qualificado, por decisão transitada em julgado em 28/11/2019, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
m) pela prática, em 13/12/2016, de um crime de furto qualificado, por decisão transitada em julgado em 03/09/2018, na pena de três anos e seis meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período temporal. Foi esta suspensão prorrogada por mais um ano por decisão transitada em julgado em 08.11.2019.
Por decisão transitada em julgado em 09/04/2024 foi revogada a suspensão da execução da pena e determinado o cumprimento da pena de prisão efetiva;
n) pela prática, em 25/08/2014, de um crime de furto qualificado, por decisão transitada em julgado em 06/11/2020, na pena de dois anos e dez meses de prisão;
o) pela prática, em 05/03/2015, de um crime de furto qualificado, por decisão transitada em julgado em 17/11/2017, na pena de três anos de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de três anos, com regime de prova.
Por decisão transitada em julgado em 04/09/2019 foi revogada a suspensão da execução da pena e determinado o cumprimento da pena de prisão efetiva;
p) pela prática, em 19/09/2016, de um crime de furto qualificado, por decisão transitada em julgado em 28/02/2018, na pena de três anos de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de três anos, com regime de prova.
Por decisão transitada em julgado em 06/11/2020 foi revogada a suspensão da execução da pena e determinado o cumprimento da pena de prisão efetiva;
q) pela prática, em 03/02/2015, de um crime de furto qualificado, por decisão transitada em julgado em 19/03/2018, na pena de três anos de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de três anos.
Por decisão transitada em julgado em 16/01/2020 foi revogada a suspensão da execução da pena e determinado o cumprimento da pena de prisão efetiva;
r) pela prática, em 25/10/2015, de um crime de furto qualificado e de um crime de falsas declarações, por decisão transitada em julgado em 16/04/2018, na pena de dois anos e cinco meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período temporal acompanhada de regime de prova.
s) pela prática, em 29/06/2017, de um crime de furto qualificado, por decisão transitada em julgado em 01/06/2018, na pena de três anos e nove meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período temporal.
Por decisão transitada em julgado em 26/11/2018 foi revogada a suspensão da execução da pena e determinado o cumprimento da pena de prisão efetiva.
Factos não provados.
Não se provaram quaisquer outros factos, constantes da acusação pública ou da contestação, que não se encontrem descritos como provados ou que sejam contraditórios em relação aos mesmos, sendo a demais matéria alegada, irrelevante, conclusiva ou de direito, designadamente que:
- No dia ... de ... de 2018, pelas 17:20 horas, o arguido retirou da residência do ofendido DD, sita em Rua ..., ..., um alfinete no valor de €500.
III - A convicção do tribunal:
A apreciação da prova produzida em audiência, suscetível de contribuir para a formação da convicção do tribunal, rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova, acolhido expressamente no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Este princípio significa, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova e, de forma positiva, que o tribunal aprecia a prova produzida e examinada em audiência com base exclusivamente na livre valoração e na sua convicção pessoal.
O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração; é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.
Tal princípio não é porém, absoluto, e entre as excepções a tal regra incluem-se o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados, o caso julgado, a confissão integral e sem reservas no julgamento e a prova pericial.
Para além da prova direta do facto, a apreciação do tribunal pode assentar em prova indireta ou indiciária, a qual se faz valer através de presunções. No recurso a presunções simples ou naturais (art. 349º do Cód. Civil), parte-se de um facto conhecido (base da presunção), para concluir presuntivamente pela existência de um facto desconhecido (facto presumido), servindo-se para o efeito dos conhecimentos e das regras da experiência da vida, dos juízos correntes de probabilidade, e dos princípios da lógica.
Assim, o tribunal ponderou, de forma conjugada, os seguintes elementos de prova:
- o teor do exame pericial de fls. 19 a 23 que identifica o vestígio referenciado como “AZ” como correspondente ao dedo médio da mão esquerda do aqui arguido;
- o teor do auto de notícia de fls. 6 a 7 – queixa apresentada em 7/08/2018, data do furto, e da relação de bens de fls. 8;
- o teor do relatório técnico de inspecção judiciária de fls. 10 a 11.
- o relatório fotográfico de fls. 12 a 13;
– o auto de visionamento de imagens de fls. 10 a 22 do apenso 293/17 (também constante de fls. 88 e ss. do processo principal) onde se pode ver claramente o aqui arguido;
- o teor da informação de fls. 36 e cópia de declaração de venda de fls. 40;
- o teor do auto de notícia de fls. 3 a 6 do apenso 599/18 e relação de bens subtraídos de fls. 8 do mesmo;
- o auto de visionamento de fls.38 a 43 do apenso 599/18;
- o depoimento sincero e seguro de BB (apenso 293/17.4...), a qual relatou que na altura em que os factos ocorreram, estava o seu pai e a sua neta em casa. Quando chegou a casa apercebeu-se no quarto de sua casa de um reboliço e reparou que a janela do quarto do meio estava aberta. A pessoa que ali entrou saltou o muro pois os portões estavam fechados, facto que viu nas imagens de videovigilância, e introduziu-se na sua casa por aquela janela.
Foram levados vários anéis em ouro e prata, sendo que só o de prata dourada tinha o valor de €100 e um mealheiro que tinha cerca de €400 euros.
Apresentou a queixa de imediato às autoridades e não recuperou os bens;
-o depoimento claro e consentâneo de FF, amigo do arguido que relatou ter-lhe dado guarida num anexo de sua casa antes de ele ir para ..., isto há cerca de 5-6 anos atrás.
Mais afirmou que as autoridades apreenderam uma roupa do AA que estava no anexo de sua , pensa que eram uns calções. Confrontado com fls. 39 e ss. do apenso, indicou que os calções são semelhantes aos apreendidos na imagem de fls. 40.
Confrontado ainda com fls. 90 - fotografia entre fotos 5 e 6 (apenso 293/17.4...) reconheceu nela o arguido AA claramente.
Explicou ainda que naquela altura a companheira do arguido faleceu e ele lidou mal com isso, passando a vida a chorar;
-o depoimento de CC, residente na Travessa ..., que nos indicou ter sido alvo de um furto há cerca de sete anos. Explicou que a sua casa é toda murada e tinha, na altura em que ocorreram os factos, os portões fechados. Deixou a porta do seu quarto que dá para o exterior ligeiramente aberta e esta acabou por ser forçada para abrir completamente.
A dada altura a sua filha ligou e disse que estava uma pessoa a saltar o muro de casa. Quando estava mesmo a chegar a casa, a pessoa sai e salta o muro para o exterior. Viu-o e tentou agarrá-lo pela camisa. Como não teve força suficiente ele empurrou-a e então largou-o. Com ele tinha uma saca do continente.
Chamou a polícia e entrou em casa apercebendo então que tinha desaparecido uma caixa de relógios que estava no hall do primeiro andar contendo uma aliança, anéis e brincos.
Tinha seguro e fez também a listagem para o seguro que lhe pagou uma percentagem dos bens.
Confirmou que os objetos furtados foram os de fls. 8 e que os mesmos não foram recuperados.
Não conseguiu confirmar se a pessoa em causa era o aqui arguido presente em audiencia de julgamento mas sabe que foram recolhidas impressões digitais.
Confrontada com as fotografias de fls. 13, reconheceu ser a parte traseira da casa de onde viu o indivíduo a saltar.
-o depoimento de DD (apenso n.º 599/18.5...), que relatou singelamente que a sua casa foi assaltada - na Rua .... Apercebeu-se pois o alarme da casa disparou, desligou-o e ele voltou a disparar. Foi então para casa tendo demorado cerca de 15 a 20 minutos. Quando saiu de casa tinha as portas todas fechadas.
Quando chegou a casa verificou que a porta de acesso em vidro à sala estava estroncada e o “blackout” da mesma foi arrancado.
No quarto dos seus pais estava tudo desarrumado e foi levada uma caixa de relógios.
Na altura foi feita uma lista de bens furtados pelos seus pais. O valor estimado do furto foi de cerca de 8000 euros.
Como tinham seguro ainda receberam um valor do mesmo mas já não sabe precisar qual;
- o depoimento escorreito de II (apenso n.º 599/18.5...), pai da anterior testemunha que nos referiu com toda a sinceridade ter sido ele quem elaborou a lista de fls. 8 relativa aos objetos furtados e precisou que, afinal, o alfinete antigo afinal apareceu mais tarde não tendo assim sido Furtado.
Por ultimo, indicou que recebeu uma indemnização do seguro de 6400 euros.
Já o arguido optou inicialmente por não prestar declarações no exercício de um direito que lhe assiste mas, no final da prova produzida pediu a palavra, assumiu a prática de todos os factos e indicou estar arrependido da prática do mesmos. Ora, esta confissão efetuada neste momento processual tem já reduzido valor e não convenceu o Tribunal do seu verdadeiro arrependimento.
Quanto ao percurso de vida do arguido e suas condições socioeconómicas, levou-se em conta o teor do relatório social juntos aos autos com a Ref.ª ......10.
No que se refere aos averbamentos constantes do seu CRC, o teor do mesmo junto aos autos com a Ref.ª ......77.”
-Se o arguido deve ser punido pelo crime de violência depois da subtração, p. e p. pelo art. 211º do C. Penal ou como foi pelo crime de furto qualificado, p.p. pelos artºs 203º, n.º 1 e 204º, nº 1, al. a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artº 202º a) do C. Penal
- Medida da pena parcelar e única.
Assim, na execução de tal plano, aproveitando-se do facto de uma das portas do quarto se encontrar ligeiramente aberta, saltou o muro, escalou até à varanda, e introduziu-se, através daquela porta, no interior da residência. Do interior desta habitação retirou os seguintes objectos:
- Anel de três alianças; - Anel de outro branco com aplicação preta; - Relógio Michael Kors de senhora preto e dourado; - Relógio Michael Kors de senhora dourado e prateado; - Relógio Michael Kors de senhora prateado; - Relógio da Guess prateado com correia preta; - Relógio Tissot senhora; - Relógio Tissot homem; - Relógio Emporio Armani homem; - Relógio Rolex (réplica) dourado de homem; - Escrava em ouro; - Aliança senhora Cartier; - Aliança homem Cartier; - Anel solitário com brilhante em ouro amarelo; - Relógio Moschino prateado de senhora e - Relógio Seiko prateado.
Estes objectos valiam, globalmente, cerca de 7.355,00€.
Acresce que, quando o arguido se preparava para abandonar o local, foi abordado pela ofendida que o procurou agarrar a fim de recuperar os seus pertences, tendo o arguido desferido um empurrão no corpo desta, evitando que a mesma o agarrasse e impedisse que ele se ausentasse na posse dos objectos descritos.
O arguido agiu com o propósito concretizado de evitar ser interceptado, o que fez com o intuito de conservar os bens que tinha retirado do interior da residência da ofendida, bem sabendo que a molestava na sua integridade física ao actuar conforme descrito.
Após, abandonou o local, fazendo de todos estes objectos coisa suas.”
Com base em tais factos o tribunal recorrido considerou estar perante um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, nº 1, al. a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artigo 202º alíneas a). – cuja pena é de 2 a 8 anos de prisão.
Todavia a questão da relação existente entre o crime de furto e o crime de violência após a subtração, foi analisada no acórdão recorrido, onde se ponderou:
“Nos termos do disposto no art. 211º do CP, as penas previstas no artigo anterior (ou seja, as aplicáveis ao crime de roubo) são, conforme os casos, aplicáveis a quem utilizar os meios previstos no mesmo artigo para, quando encontrado em flagrante delito de furto, conservar ou não restituir as coisas subtraídas. É, manifestamente, o caso dos autos no que diz respeito aos autos principais. Na verdade, o arguido, quando o arguido se preparava para abandonar o local, foi abordado pela ofendida que o procurou agarrar a fim de recuperar os seus pertences, tendo o arguido desferido um empurrão no corpo desta, evitando que a mesma o agarrasse e impedisse que ele se ausentasse na posse dos objectos descritos. (…)
Consequentemente, com esta conduta o arguido preencheu os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de violência após subtração. Este “consome o tipo legal de furto simples” distinguindo-se do roubo “através do momento em que o agente exerce a violência: se for antes da subtracção, estaremos perante o tipo legal de roubo, se for depois da subtracção, estaremos perante o presente tipo leal” (Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense ao Código Penal, dir. Figueiredo Dias, Tomo II, p. 200).
À semelhança do que sucede com o roubo em relação ao furto, também aqui a relação que se estabelece entre normas é a de consumpção. Ou seja, a circunstância de à conduta do arguido, num primeiro momento, serem abstractamente aplicáveis duas normas incriminadoras, não leva a concluir estar-se em presença de um concurso de factos puníveis.
Como ensina Figueiredo Dias, “importa antes de tudo determinar se as normas abstractamente aplicáveis se não encontram numa relação lógico-jurídica tal (…) que, em verdade, apenas uma delas ou algumas delas são aplicáveis, excluindo a aplicação desta ou destas normas (prevalecentes) a aplicação da ou das restantes normas (preteridas); pela razão de que à luz da(s) norma(s) prevalecente(s) se pode já avaliar de forma esgotante o conteúdo de ilícito (e de culpa) do comportamento global (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal…, p. 992). E embora para estes casos Figueiredo Dias prefira a expressão “unidade de norma ou de lei”, em detrimento da tradicional “concurso aparente”, assim sucedendo mormente nos casos de “especialidade” e de “subsidiariedade”, já na “consumpção” considera que se trata mais de um concurso aparente.
No caso em análise, como se disse, a relação que se estabelece entre os dois tipos é a de consumpção, uma vez que “a condenação pelo ilícito típico mais grave exprime já de forma bastante o desvalor de todo o comportamento: lex consumens derogat legi consuntae” (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 1001).1
Deve assim o arguido ser punido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência após subtração, p. e p. pelo art. 211º do C.Penal, em concurso aparente com um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, nº 1, al. a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artigo 202º alíneas a) do CPenal, sendo este último o crime mais grave por confronto com o regime punitivo previsto no art. 211º e 210º, n.º 1 do C.Penal - prisão de 1 a 8 anos.”
Do descrito constante no acórdão recorrido, resulta que o tribunal considerou por um lado ser punido pelo crime de violência após subtração e pelo outro aplicar a pena do crime de furto por a considerar mais grave.
Vejamos qual a subsunção jurídica dos factos e a pena aplicável.
A pena do crime de furto qualificado em causa, por força do preenchimento da al. e) do nº 2 do artº 204º CP é de 2 a 8 anos de prisão.
A pena do crime de violência depois da subtração (p.p. pelo artº 211º CP) que remete para o artº anterior (o artº 210º CP: roubo), é pelo simples facto de uso da violência de 1 a 8 anos (nº1 do artº 210ºCP), mas a pena é de 3 a 15 anos se “Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 204.º, …” artº 210º 2b) CP.
Dado que se verificam as agravantes do artº 204º CP al. a) do nº1 – valor elevado – e al. e) nº2 – penetrando em habitação por escalamento -, a pena abstrata aplicável é de 3 a 15 anos de prisão. Sendo esta a pena mais grave, era esta que o tribunal recorrido devia ter ponderado, punindo o arguido pelo crime de violência depois da subtração p.p pelos artºs 211º e 210º 2b) e artºs 204º 1a) e 2e) CP com concurso aparente com o crime de furto qualificado p. p pelo artº 204º 1a) e 2 e) CP.
Neste circunspecto o tribunal recorrido ponderou em particular:
“A ilicitude dos factos, em ambos os crimes, é mediana, quer pelo modo de actuação do arguido, espelhada no seu modo de entrada nas residência quer pela circunstâncias de os objectos, na sua globalidade, não terem sido recuperados.
No que toca à censura ético-jurídica dirigida ao arguido, esta radica na modalidade mais intensa do dolo, o directo (art.14º nº1 do C.P.), que presidiu a todas as suas actuações (art.71º nº2 al.b) do C.P.).
Ao nível da prevenção especial, contra o arguido depõe a sua já muito relevante história criminal, tendo o mesmo já sofrido, anterior e posteriormente às datas da prática dos factos ora em análise, condenações judiciais por crimes da mesma natureza - furto qualificado.
Na verdade, os antecedentes criminais remontam a 1999, com cumprimento de penas de prisão suspensas na sua execução e penas de prisão efetiva sempre pela mesma tipologia de prática criminal. O arguido inclusive evadiu-se durante o cumprimento de uma pena de prisão em ... destruindo depois os seus elementos de identificação passando a adotar um modo de vida marginal, sem residência fixa, alojado na rua, em espaços devolutos ou em quartos arrendados. Considerando a sua situação de evadido, não contactava instituições oficiais, com a companheira recorriam a apoio assistenciais de entidades particulares para assegurar alimentação, vestuário e calçado, aos balneários públicos para a higiene pessoal e mudavam os locais de permanência, com passagem por várias localidades.
AA manteve durante mais de 20 anos o comportamento criminal como meio de subsistência.
Estas condenações e comportamentos revelam uma personalidade desajustada, por parte do arguido, designadamente relativamente ao bem jurídico patrimonial e pelo cumprimento das regras de convivência numa sociedade normativa.
Por fim, consideram-se as modestas condições de vida do arguido, nelas se incluindo as suas habilitações literárias, as condições sociais, familiares e económicas, etc, designadamente as existentes na data da prática dos factos, bem assim as suas condições de vida atuais. Em especial, que o arguido, com o falecimento da sua companheira a .../.../2018, ficou verdadeiramente traumatizado.
Mais ainda, em contexto prisional, tem mantido um comportamento tendencialmente normativo, apesar de já registar uma sanção disciplinar por posse de objetos proibidos. Investe sobretudo no desporto e não mantém contactos com familiares ou amigos no exterior. Toma medicação para dormir, mas recusa o acompanhamento psicológico. Aderiu inicialmente à frequência escolar, atividade que também abandonou por se sentir deprimido.
Em termos de prevenção geral positiva, as necessidades são elevadas (art.71º, nº2, do C.P.). No que respeita concretamente aos crimes de furto qualificado, sublinha-se que é tido em consideração que estamos perante um tipo jurídico-criminal que visa proteger o património das pessoas, sendo o tipo de crime concretamente levado a cabo pelo arguido gerador de grande insegurança e intranquilidade públicas.
Deverá, por conseguinte, ser convenientemente sublinhada, perante a sociedade, a validade da norma que pune tal conduta e protege o respectivo bem jurídico fundamental.” em face do que o condenou na pena de 3 anos e 6 meses.
Ora se tivermos em conta os mesmos critérios e circunstâncias que não são colocados em causa pelo recorrente ou pelo arguido a pena a aplicar pelo crime em causa terá de ser agravada, e em face da moldura penal, dos critérios expressos e do valor dos bens apropriados, afigura-se-nos ainda justa no limite mínimo da sua culpa, adequada e proporcional, a pena peticionada pelo Mº Pº de 4 anos e 6 meses de prisão.
Em face do exposto, terá de ser revista também a pena única a aplicar ao arguido face ao concurso de crimes em causa.
Atento o disposto no artº 77º, CPº na determinação da pena única “são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, tendo “como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (…) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”
Quanto aos limites, ela deve ser encontrada entre os 4 anos e 6 meses e os 11 anos de prisão, que constitui a moldura do concurso.
No que respeita aos critérios da sua determinação, traduzidos na apreciação, em conjunto dos factos e da personalidade do arguido há a considerar que a pena única é fruto “das exigências gerais de culpa e de prevenção”5 a coberto do artº 40º CP, e que se exige uma apreciação dos factos, na sua globalidade, e da personalidade do arguido neles revelada artº 77º1 CP), e como se expressa F. Dias “ tudo deve passar-se… como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global … “6, - o que é interpretado pelo STJ no ac. 18/6/2014 www.dgsi.pt/jstj7 como “A explanação dos fundamentos que, à luz da culpa e prevenção, conduzem o tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. Na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os factos que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade.”- e também no ac. STJ de 03/04/2013 www.dgsi.pt8, onde se defende que “…importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos e da motivação que lhes subjaz, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele” - e na “avaliação da personalidade – unitária- do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutivel a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade … “9,10
Como em qualquer pena a justa medida, limitada no seu máximo pela culpa,- suporte axiológico de toda a pena - da pena única, há-de ser encontrada, tendo em conta as exigências de prevenção (da reincidência), traduzidas na proteção dos bens jurídicos e de reintegração social (ressocialização) – artº 40º CP – como finalidades preventivas e positivas de toda a pena – ponderando as penas aplicadas a cada facto, o conjunto desses factos e a personalidade do arguido neles manifestada como um comportamento global 11 a apreciar no momento da decisão.
Em termos de prevenção geral há a ponderar a natureza dos crimes, todos eles contra o património e visando bens de grande valor e facilmente transportáveis e vendáveis, com invasão da privacidade do domicilio e por isso de grande abrangência, perturbação e relevo social criando enorme sensação de insegurança pelo que há que reafirmar energicamente a validade das normas jurídicas violadas.
Em termos de integração social do arguido ela inexiste, vivendo “como calha” e do que furta ou angaria por donativos ou por instituições sociais e por essa razão não podem ser menorizadas as razões de prevenção especial no que aos factos ilícitos concretos respeita, tendo presente que os factos na sua globalidade e na sua génese são despoletados por uma vivência à margem da sociedade e ausência de um modo de vida consentâneo com a normalidade do viver em sociedade, nem o arguido o pretende fazer, agravado ou por causa da sua dependência.
Em conformidade com isso a personalidade do arguido em face do modo e condições da sua vida, traduz o seu modo de viver, fazendo do ilícito o seu modo de vida, e sem quaisquer limites éticos que se sobreponham às suas necessidades, pelo que a pratica dos ilícitos contra o património radicam na sua personalidade e modo de viver e sentir como os seus antecedentes criminais revelam, não se perspetivando qualquer ideia de ressocialização, antes se impõe a sua inoculação não se vislumbrando que a pena tenha qualquer efeito preventivo especial.
Visto o exposto e tendo em conta a moldura do concurso, e apreciando os factos na sua globalidade e a personalidade do arguido neles revelada e as penas parcelares aplicadas, as exigências de prevenção, a ilicitude dos factos, o valor dos bens e a culpa do arguido, e a sua ausência de capacidade de observar as regras sociais numa vivência sem cometer crimes, afigura-se-nos proporcional, adequada e justa a pena única de 6 anos de prisão.
Na ausência de outras questões de que cumpra conhecer, procede o recurso
Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Publico e em consequência condena o arguido AA:
- como autor material de um crime de violência após a subtração, p.p. pelos artºs 211º, 210º 2b) e 204º 1a) e 2e) CP com concurso aparente com o crime de furto qualificado p. p pelo artº 204º 1a) e 2 e) CP (factos de .../.../2018) na pena de quatro anos e seis meses de prisão,
E refazendo o cúmulo jurídico, condena-o na pena única de seis anos de prisão.
Sem custas
Registe e notifique
José A. Vaz Carreto (relator)
José L. Lopes da Mota
António Augusto Manso
_________
1. Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335
2. in DR I-A de 11/12/94 e DR. I-A de 28/12 / 95
3. G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742,
4. - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100
5. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 2005, pág. 291,
7. Proc. 585/09.6TDLSB.S1 Conselheiro Santos Cabral
8. Proc. 789/11.1TACBR.C1.S1 Cons. Oliveira Mendes
9. Figueiredo Dias, ob. loc. cit.
10. Ac. STJ de 2007-09-12 Proc. nº 07P2601 Cons. Raul Borges www.dgsi.pt - sendo que esta (pluriocasionalidade) como se escreve no texto do acórdão “ “verifica-se quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não se radicam na personalidade do agente, em que não se está perante a formação paulatina do hábito enraizada na personalidade, tratando-se antes de repetição, de renovação da actividade criminosa, meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não são susceptíveis de revelar maior culpabilidade, em que desaparece a indiciação de especial perigosidade, normalmente resultante da reiteração dum crime.
A pluriocasionalidade fica atestada, certificada, face à mera constatação da «sucessão» de crimes”.
11. Ac. STJ 16/05/2019, proc. 765/15.5T9LAG.E1.S1 (Cons. Nuno Gonçalves), in www.dgsi.pt.