I - A providência de habeas corpus visa por termo a situações de prisão ilegal que se apresentem como evidentes
II - O requerente foi julgado em audiência pública em que esteve presente e faltou à sessão da audiência de leitura da decisão para que fora notificado e não justificou a falta, pelo que ele é representado nela para todos os efeitos pelo seu defensor (artº 332º nºs 4 e 5 CPP)
III - Na ausência do arguido na sessão de leitura da decisão e feita esta perante o seu defensor, o arguido considera-se notificado da mesma ( artº 373º3 CPP), iniciando-se o prazo para interpor recurso.
IV - Nessas circunstâncias e dispondo o artº 372º 4 CPP que “ 4 - A leitura da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência” o arguido que faltou à leitura da decisão não tem de ser obrigatoriamente notificado pessoalmente, nos termos do artº 113º 10 CPP.
V - Interposto recurso, decidido este e transitada em julgado a decisão, é esta exequível.
VI - Não é ilegal a prisão, ordenada pelo juiz, na sequência de condenação em pena de prisão, transitada em julgado e com vista ao seu cumprimento.
Acordam, em audiência, os Juízes na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça.
No Proc. nº 108/20.6PAETZ do Tribunal Judicial da Comarca de Évora - Juízo Central Cível e Criminal de ... - Juiz 4 em que é arguido / condenado AA, em cumprimento de pena no E.P. da ..., apresentou petição de Habeas Corpus, para o que alegou:
“O ora recorrente foi detido dia 30.08.2024, em ...- Itália, Ref. Citius ......54 por pender contra si mandado de detenção Europeu Ref. Citius ......69 emitido à ordem do processo supra em 24-04-2023, para cumprimento de pena. ( Docs. n.º 1 e 2 que se juntam)
2.º Tendo consequentemente o ora recorrente sido extraditado de Itália para Portugal, e entregue às autoridades Portuguesas em 08/11/2024, Ref. Citius .....60, encontrando-se dessa mesma data detido, em situação de cumprimento de pena, à ordem do Processo supra, no Estabelecimento Prisional .... ( Doc. n.º 3 que se junta)
3º Encontrando-se privado da sua liberdade ininterruptamente desde 30.08.2024.
4.º Ora,tendo em conta que se entende que, face à ausência de notificação pessoal do arguido do Douto Acórdão, que o condenou a uma pena efectiva de prisão, o mesmo ainda não deveria ter transitado em julgado, logo estando prejudicado o seu efectivo cumprimento de pena.
Ora vejamos,
5.º O Recorrente, não esteve presente na data da leitura do Douto Acórdão, no dia 30-09-2021, que o condenou a uma pena de prisão efectiva de, 3 anos e seis meses.
6.º Como consta da referida ACTA da audiência de julgamento para a leitura do acórdão Ref. Citius ......54 ( Doc. n.º 4 que se junta)
7.º Pese embora, o Recurso interposto para o douto Tribunal da Relação, restringido à apreciação da suspenção da pena de prisão, pela sua ilustre defensora- oficiosa nomeada, a verdade é que o mesmo não deveria ter sido atendido pelo Tribunal, por extemporâneo,
8.º uma vez que, o arguido não foi notificado da decisão do acórdão nos autos supra referidos,
9º Assim, ao não se ter procedido, à devida notificação pessoal nos termos do artº113º número 1, alínea a) e nº 10 do CPP, o processo não se poderá considerar transitado em julgado, sob pena de se considerar ferida de nulidade a sua detenção para cumprimento de pena.
10º Vejamos, dispõe o artigo 113º, nº 10 do Código de Processo Penal que “As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar.”. ( sublinhado nosso)
11.º Pelo que, a notificação do acórdão - fora das situações previstas no nº 2 do artigo 334º - deve ser feita obrigatóriamente por contacto pessoal e na pessoa do ora Recorrente e não através da sua Il. defensora oficiosa.
12.º Só assim, se compreendendo a necessidade do douto Tribunal, em 1 de Outubro de 2021, querer notificar o Arguido do acórdão, através de OPC .Ref. citius ......80,
(…) … De todo o conteúdo do acórdão proferido, cuja cópia se junta para lhe ser entregue neste ato.
De que tem o prazo de 30 dias, a contar da presente notificação, para exercer o direito de recurso do referido acórdão, devendo para o efeito contactar com a sua defensora. ( Doc. n.º 5 que se junta )
13º E consequentemente, sido junta aos autos, certidão negativa em 18/10/2021. Ref. citius .....57 da notificação requerida ao arguido, de todo o supra referido, ou seja, da notificação do Acórdão e que usufruia de um prazo de 30 dias, para interpor recurso do mesmo, se assim o entendesse, mas, a contar, da supra notificação ( Doc. n.º 6 que se junta )
14º É que, e salvo melhor entendimento, e de acordo com o disposto no art. 113º , n.º 10 do CPP tal notificação, por se tratar de uma decisão que impõe o cumprimento de uma prisão efectiva, e embora não estejamos, em sentido estrito na presença de uma decisão relativa à aplicação de uma medida de coacção, ( previstas nos arts. 196 a 203 do C.P.P.)
15º Efectivamente é inegável que em sentido amplo, a prisão efectiva também tem de ser considerada, para efeitos do disposto no n.º 10 do art. 113º, uma medida de coacção ( designadamente, prisão preventiva) tem de ser obrigatóriamente notificada ao arguido,
16º Então, por maioria de razão, uma notificação de uma decisão respeitante à aplicação de uma pena de prisão efectiva, também terá de o ser!
17º Assim e salvo melhor entendimento, a decisão do douto Tribunal em notificar o Arguido do douto Acórdão, e expressamente determinar, que o prazo de interposição de recurso só se iniciaria, a contar da supra referida notificação,
18º Ou seja só após a notificação pessoal do Acórdão.
19º Permite concluir que, o Arguido nem se encontrava notificado do douto Acórdão a contar da data do depósito do Acordão na secretaria em 30 de Outubro de 2021,
20º nem tão pouco considerou o douto Tribunal, que o Arguido, estivesse notificado do acórdão, na pessoa da ilustre defensora oficiosa.
21º Assim, não pode ser outra a conclusão e salvo melhor entendimento que;
22º O Recorrente, não foi até à data notificado do douto Acórdão, sendo intempestivos, tanto o Recurso interposto nos autos do douto Acórdão de 1ª Instancia, bem como o consequente Acórdão do douto Tribunal da Relação de Évora,
23º Assim como, os mandados de detenção para cumprimento da pena, não poderiam ter sido emitidos, e muito menos o Arguido ter sido detido, situação esta que é manifestamente ilegal e atentatória dos Direitos Constitucionais do mesmo ( art.º 27, n.º 2 e 32º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa)
24º Nomeadamente, o Mandado de detenção para cumprimento da pena emitido em 23/03/2022 Ref. citius ......54 e em 30/06/2022 Ref. Citius ......85
25º E o Mandado de Detenção Europeu Ref. Citius ......69 ao abrigo do qual o Arguido foi detido e posteriormente extraditado para Portugal no dia 8 de Novembro de 2024 Ref. Citius .....60 ( Doc. n.º 2 e 3 juntos nos artigos 1º e 2º)
26º Donde, se encontra, presentemente, em situação de prisão ilegal, por força da violação do estipulado nos artigos 113º nº1 a) e nº10, do CPP, pelo que deve ser notificado do douto acórdão condenatório e restituído à liberdade nos termos do artº222 do CPP.
Foi apresentada a seguinte informação, nos termos do artº 223º1 CPP (transcrição)
“O Arguido AA foi condenado, por decisão transitada em julgado a 2.3.2022, na pena única de três (3) anos e seis (6) meses de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pela conjugação dos artigos 152.º, n.º 1, al. a), n.º 2, al. a) e 4 do Código Penal, um crime de violação agravada, previsto e punido pela conjugação dos artigos 164.º e 177.º, al. b). do Código Penal e um crime de injúria agravada, previsto e punido pela conjugação dos artigos 181.º, 184.º e 188.º, n. º1, al. a), todos do Código Penal.
O arguido esteve presente em todas as sessões da audiência de discussão e julgamento (conforme consta das respetivas atas de 14.09.2021 ref. ......94 e ......56 e 20.09.2021, ref. ......12) com exceção da data designada para leitura no dia 30.09.2021, ref. ......54, em que não compareceu nem justificou a sua ausência.
O arguido intentou recurso do acórdão proferido nestes autos em 22.12.2021, sendo a decisão confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora por acórdão proferido em 25.01.2022, transitado em julgado em 02.03.2022, conforme refs. .....87 e .....08.
Por despacho proferido em 18.03.2022 foi determinada a emissão de mandados de detenção para cumprimento da pena efetiva, que se foram renovando.
Por despacho proferido em 20.04.2023, foi determinada a emissão de Mandado de Detenção Europeu.
O arguido foi detido, em cumprimento de Mandado de Detenção Europeu, no passado dia 30 de agosto de 2024, em ..., Itália (ref. .....75, de 2.9.2024), sendo posteriormente entregue às Autoridades Portuguesas e estando recluído, no presente, no Estabelecimento Prisional ... desde o dia 8 de novembro de 2024 (ref. ......0, de 11.11.2024) para o cumprimento da pena.
Por se entender ser de aplicar à situação dos autos o disposto no artigo 373.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, tendo em conta a ausência injustificada do arguido à leitura do acórdão tendo estado presente em sessões anteriores – neste sentido, vide, Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 22/06/2021, proc. n.º 753/17.7PAVFX.E1 e do Tribunal da Relação do Porto de 29/03/2023, relatado por José António Rodrigues da Cunha, proc. n.º 14/18.4T9MLD-A.P1, ambos in www.dgsi.pt –, este Tribunal considera que o arguido foi validamente notificado do acórdão na pessoa do seu defensor e, como tal, não se verificou qualquer irregularidade/nulidade que pudesse inquinar a validade do Mandado de Detenção Europeu emitido e, consequentemente, da detenção/privação da liberdade.”
Foi autorizada a consulta do processo principal aos Senhores Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça aos quais caiba decidir a questão, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.
Convocada a Secção Criminal e notificados o Ministério Público e o mandatário/ defensor do arguido, procedeu-se à realização da audiência, com o formalismo legal e em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.
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Finda a audiência o coletivo reuniu para deliberar, o que fez, apreciando o pedido nos termos seguintes:
Os factos relevantes para a decisão mostram-se condensados na petição de Habeas Corpus e documentos juntos, na informação do tribunal requerido, supra reproduzidos e que aqui se dão por transcritos incluindo a informação sobre a liquidação da pena e consulta do processo no Citius e deles resulta que as questões a decidir se prendem com:
- saber se a prisão do arguido condenado é ilegal por falta de notificação pessoal do arguido e consequente trânsito em julgado da decisão condenatória..
Conhecendo e apreciando:
Para além dos supra descritos na petição e na informação, os factos a ter em conta são os seguintes:
O arguido foi julgado e condenado nas seguintes penas de prisão no presente processo nº 108/20.6PAETZ por acórdão de 30/9/2021 pela pratica dos seguintes crimes:
Como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo, de:
a) Um crime de violação agravada, previsto e punível pelos artigos 164.º, 1, a), e 177.º, b), do Código Penal, na pena de prisão de 02 anos e 09 meses;
b) Um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152º, 1, b), 2, a), 4 e 5, do Código Penal, na pena de prisão de 02 anos;
c) Um crime de injúria agravada, previsto e punível pelos artigos 181.º, 1, 184.º e 188.º, 1, a), do Código Penal, na pena de prisão de 02 meses.
2º Na pena única de prisão de 03 anos e 06 meses – cfr. artigo 77.º, 1 e 2, do Código Penal.”
O arguido esteve presente na audiência de julgamento, e não compareceu para a leitura do acórdão, faltando.
O arguido foi notificado da data da leitura do acórdão na sessão de audiência de 20/9/2021.
O arguido ausentou-se para parte incerta.
O arguido não foi notificado pessoalmente do acórdão condenatório da 1ª instância.
O arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Évora que por acórdão de 25/1/2022 negou provimento ao recurso e confirmou o acórdão recorrido.
Mostra-se certificado o transito em julgado do acórdão da Relação em 2/3/2022.
Foi emitido MDE, tendo o arguido sido detido para cumprimento da pena no dia 30.08.2024, em...- Itália e entregue às autoridades portuguesas em 8/11/2024 encontrando-se preso no EP ... em cumprimento da pena
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O pedido de habeas corpus é uma “providência [judicial) expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 303, 343-344)”1
O direito à liberdade é um direito fundamental dos cidadãos expresso no artº 27º 1 CRP que dispõe “1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.”, esclarecendo no nº2 que “Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”. Todavia há exceções também constitucionalmente consagradas, no mesmo normativo, no seu nº3 (que são:
a) Detenção em flagrante delito;
b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;
c) Prisão, detenção ou outra medida coativa sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão;
d) Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente;
e) Sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;
f) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente;
g) Detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários;
h) Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.) fora das quais as restrições à liberdade, através da detenção ou prisão, são ilegais, juízo que se tem afirmado em jurisprudência reiterada, quando ocorram fora dos casos previstos neste mesmo normativo (cf. por todos, o ac. de 2.2.2022, Proc. n.º 13/18.6S1LSB-G, em 2www.dgsi.pt)3.
O arguido/ requerente encontra-se a cumprir uma pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.
Argumenta no seu pedido que o acórdão condenatório da 1ª instancia não transitou porque não foi notificado pessoalmente dessa decisão e devia sê-lo, e o recurso não devia ter sido atendido por extemporâneo, ocorrendo una nulidade insanável (artº 119º c) CPP) pelo que não transitou.
Cremos que sem razão.
O arguido não foi julgado na ausência, nem se encontrou na situação de o haver sido sem a sua presença (a seu pedido).
O arguido foi julgado presencialmente, estando presente na audiência e faltou à sessão de leitura do acórdão que o condenou.
Daqui decorre que o arguido se encontrou na situação prevista no artº 332º nºs 4 e 5 CPP que dispõe: 4- O arguido que tiver comparecido à audiência não pode afastar-se dela até ao seu termo. O presidente toma as medidas necessárias e adequadas para evitar o afastamento, incluída a detenção durante as interrupções da audiência, se isso parecer indispensável.
5 - Se, não obstante o disposto no número anterior, o arguido se afastar da sala de audiência, pode esta prosseguir até final se o arguido já tiver sido interrogado e o tribunal não considerar indispensável a sua presença, sendo para todos os efeitos representado pelo defensor.” e sujeito à estatuição do artº 373º3 CPP que dispõe “3 - O arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído.”
Sendo que sobre ela o Tribunal Constitucional no ac.nº48972008 , DR, II Série de 11-11-2008 emitiu o seguinte juízo: “Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 373.º, n.º 3, e 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que tendo estado o arguido presente na primeira audiência de julgamento, onde tomou conhecimento da data da realização da segunda, na qual, na sua ausência e na presença do primitivo defensor, foi designado dia para a leitura da sentença, deve considerar-se que a sentença foi notificada ao arguido no dia da sua leitura, na pessoa do defensor então nomeado”
De todo o exposto decorre, que não estamos nas situações descritas nos artºs 333º e 334º CPP em que o prazo de recurso se conta da notificação pessoal do arguido como ali expressamente se prevê, pois não é o caso.
E assim tendo o arguido faltado à sessão da audiência de leitura do acórdão condenatório para que estava notificado pessoalmente, faltando/ fugindo, o mesmo é para todos os efeitos representado pelo seu defensor, o que equivale a estar presente e à sua notificação em consequência do que foi notificado do acórdão condenatório na pessoa do seu defensor, pois este ato (a sua falta voluntária à sessão para que fora notificado e a presença do seu defensor), equivale à sua notificação - artº 372º 4 CPP que dispõe: 4 - A leitura da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência” – em função do que não tem de ser obrigatoriamente notificado pessoalmente (pois como tal a lei considera que o foi). Por isso, cremos fez muito bem a sua defensora oficiosa em recorrer.
O acórdão da Relação transitou, pois dele não foi interposto recurso ordinário ( nem o podia ser), pois ocorre o transito em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (artº 628.º do CPC, ex vi artº 4.º do CPP), pelo que se tornou exequível.
Pretendendo discutir aquele ato processual ou ausência dele, a providencia de habeas corpus não é o meio e local adequado, nem tal questão foi suscitada no processo em causa
É que a providencia de Habeas Corpus como dispõe o artº 223º 4 CPP, visa a libertação imediata do arguido / detido em virtude de uma prisão ilegal em conformidade com a imposição constitucional expressa no artº 31º 1 CRP “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal,”.
Nos termos do artº 222º2 CPP, a petição apresentada no Supremo Tribunal de Justiça funda-se em prisão ilegal, por ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente (al. a) ou ser motivada por facto que a lei não permite (al. b), ou manter-se para além dos prazos fixados na lei ou em decisão judicial (al. c).
Visto que o arguido se encontra em cumprimento de uma pena de 3 anos e 6 meses prisão, após recurso para a Relação, cujo termo ainda não ocorreu nem a lei impõe a obrigatoriedade da sua libertação antecipada, não se mostra que estejamos perante uma prisão ilegal, tanto que foi ordenada por um tribunal / juiz competente (e não por “incompetência da entidade donde partiu a prisão” no dizer do ac. STJ 26/6/2003 www.dgsi.pt) na sequencia da condenação do arguido em processo penal confirmada pelo acórdão da Relação transitado e por facto que a lei permite (crimes punidos com pena de prisão) e não por “motivação imprópria”, e não se mostra decorrido qualquer prazo, fixado por força da lei ou o fixado no acórdão condenatório “ excesso de prazos”.
Estes são os fundamentos do habeas corpus de caracter taxativo (ac. STJ de 19/5/2010 CJ STJ, 2010, T2, pág. 196) e como tal são só os fixados nas alíneas do nº2 do artº 222º CPP (numerus clausus), não podendo esta providencia ser utilizada para pôr em causa outros motivos de ilegalidade ou irregularidade da prisão ou a sua manutenção, ou para corrigir deficiências processuais ou promover o seu regular andamento, face ao caracter excecional da providencia em causa e suas razões que devem revestir natureza de erros grosseiros, evidentes e graves na aplicação do direito, pois não substitui o direito ao recurso nem é uma sua alternativa ( ac STJ 12/12/2007 www.dgsi.pt), talqualmente se reconhece que “…o habeas corpus não é meio adequado para impugnar as decisões processuais ou arguir nulidades e irregularidades processuais, que terão de ser impugnadas através do meio próprio” – cfr. ac. STJ de 16-03-2015 www.dgsi.pt, ou ainda “II. A medida de habeas corpus não se destina a formular juízos de mérito sobre a decisão judicial de privação de liberdade ou a sindicar eventuais nulidades ou irregularidades, cometidas na condução do processo. Para esses fins servem os recursos, os requerimentos e os incidentes próprios, na sede apropriada. Nesta sede cabe apenas verificar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante enquadrável em alguma das alíneas do n.º 2 do art. 222.º do CPP.” – ac STJ 9/11/2011 www.dgsi.pt 4
Acresce que após o transito em julgado da decisão, como foi o decidido pelo acórdão da Relação, quaisquer nulidades mesmo insanáveis que possam ter sido cometida se nunca alegadas ou invocadas nos recursos interpostos, não mais podem ser invocadas ou conhecidas.5
Estando o arguido preso em cumprimento de pena de prisão emergente de uma condenação judicial transitada em julgado e exequível, não tendo sido excedido qualquer prazo de cumprimento da pena e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça ordenar a libertação do arguido por não estar perante uma prisão ilegal, torna-se manifesto o uso abusivo e indevido do pedido de habeas corpus, para libertação do detido o qual não pode ser emitido, tem de ser indeferido (artº 223º 4 a) CPP)
- Indeferir o pedido de habeas corpus formulado pelo requerente AA por falta de fundamento, julgando o pedido manifestamente infundado.
- Condenar o requerente na taxa de justiça de 4 UC e nas demais custas
- Condenar o requerente no pagamento da some de 6 UC nos termos do artº 223º 6 CPP.
Notifique
José A. Vaz Carreto (relator)
Horácio Correia Pinto
Carlos Campos Lobo
Nuno Gonçalves (Presidente)
_______
1. Cf. ac. STJ 4/6/2024, Proc. 1/22.8KRPRT-K.S1 Cons. Lopes da Mota www.dgsi.pt
4. Cfr. também ac. STJ 16/11/2022 proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1 www.dgsi.pt cons. Lopes da Mota: “- I- Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, de enumeração taxativa, têm de reconduzir-se à previsão das alíneas do n.º 2 do art. 222.º do CPP, pelo que o STJ apenas tem de verificar (a) se a prisão resulta de uma decisão judicial exequível, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial.
II - O arguido fundamenta a sua pretensão em alegada nulidade insanável [art. 119.º, al. c), do CPP] resultante do facto de não ter sido ouvido no procedimento de formação da decisão que revogou a suspensão de execução da pena de prisão, nos termos do art. 495.º, n.º 2, do CPP, a qual, do seu ponto de vista, afetando a validade e eficácia da decisão e impedindo a execução da pena, determinaria a ilegalidade da prisão; para além disso, alega que o despacho de revogação da suspensão de execução da pena viola várias normas de direito penal substantivo, nomeadamente os arts. 50.º, 55.º, 56.º e 70.º do CP, bem como o princípio in dubio pro reo.
III - A providência de habeas corpus não se destina a apreciar a validade e o mérito de decisões judiciais, a apurar se foram ou não observadas as disposições da lei do processo e se ocorreram ou não irregularidades ou nulidades resultantes da sua inobservância; trata-se de matérias para as quais se encontram legalmente previstos meios próprios de intervenção no processo, onde devem ser conhecidas, de acordo com o estabelecido nos arts. 118.º a 123.º, do CPP e por via de recurso para os tribunais superiores (art. 399.º e ss., do CPP).
IV - Se a não observância da lei determinar uma “nulidade insanável”, tal nulidade deve ser declarada no processo, “em qualquer fase do procedimento”, isto é, até ao trânsito em julgado da decisão, como impõe o art. 119.º do CPP. Não foi suscitada nem declarada, no processo, qualquer nulidade que possa afetar a validade ou a eficácia do ato que ordenou a detenção para cumprimento da pena de prisão ou a manutenção da situação da privação da liberdade em que o requerente atualmente se encontra.”
5. Ac. STJ de 11-02-2010 proc. 21/07.2SULSB-E.S1 www.dgsi.pt Cons Arménio Sottomayor: “…mesmo as nulidades insanáveis, que a todo o tempo invalidam o acto em que foram praticadas e os actos subsequentes, ficam cobertas pelo trânsito em julgado da decisão, o que significa que, transitada em julgado a decisão, jamais podem ser invocadas ou oficiosamente conhecidas quaisquer nulidades, mesmo aquelas que a lei qualifica de insanáveis.”