I - Com a alteração promovida pela Lei 94/2021 de 21/12, a possibilidade de o STJ conhecer da matéria de facto emergente dos vícios e nulidades não sanadas do artº 410º 2 e 3 CPP, é restrita aos recursos referidos nas al. a) e c) do artº 432º CPP em que o STJ funciona como 2ª instância (funcionando a Relação como 1ª instância, ou o Tribunal coletivo / ou de júri / recurso per saltum).
II - Estas normas (artº 432º, 1 a) e c), 434º e 400º 1 e) CPP foram introduzidas pela mesma lei 94/2021, pelo que é inequívoca a intenção legislativa de admissão de recurso sobre a matéria de facto (no que respeita aos vícios da decisão e nulidades do artº 410º CPP) apenas aos casos das al. a) e c) do artº 432º CPP em que não se insere o presente recurso.
III - A competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, está limitada à impugnação destas decisões, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos - al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.
IV - Foi intenção do legislador ao estabelecer a regra do nº3 do artº 400º (Lei nº 48/2007 de 29/8) colocar em igualdade o demandante civil em processo civil e em processo penal (até porque a fixação da indemnização emergente do crime é regulada pela lei civil – artº 129º CP), dai que se considere por força do artº4º CPP que nestas circunstancias é aplicável o regime de recursos do Código de Processo civil (única maneira, cremos, de atingir o objetivo legal: a igualdade entre demandantes civis e penais).
V - Por força dessa alteração o regime de admissibilidade dos recursos previsto no Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária aos recursos relativos a pedidos de indemnização cível formulados em processo penal, sendo de aplicar o regime da denominada dupla conforme previsto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo do 4.º do CPP.
VI - O princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (consagrado no artº 13º CRP) impõe também a igualdade na aplicação do direito, o que pressupõe em geral para a sua relevância que estamos perante uma igualdade de situações de facto, e constituindo uma proibição de discriminação, exige que as diferenciações de tratamento sejam fundadas e não discricionárias ou arbitrárias e se fundem numa distinção objetiva e se revelem necessárias.
VII - O juízo comparativo exigido pelo princípio da igualdade apenas se revela com eficácia no âmbito do mesmo processo no pressuposto de comparticipação (plural) nos mesmos factos, em que as exigências de prevenção e da culpa podem ser equiparadas.
Acordam, em conferência, os juízes, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça.
No Proc. C. C. nº 175/23.0PZLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de ... - Juiz ... em que é arguido AA foi por acórdão proferida a seguinte decisão:
a) Absolver o arguido da prática de um crime de violência doméstica;
b) Condenar o arguido pela prática, em autoria material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido (p. e p.) pelos artigos 131º e 132º/1 e 2, alínea b), do Código Penal (CP), na pena de dezanove anos de prisão;
c) Condenar o arguido pela prática, autoria material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º/1 e 145º/1, alínea a) e n.º 2, com referência ao artigo 132º/2, alínea b) do CP, na pena de um ano de prisão;
d) Condenar o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de dezanove anos e seis meses de prisão;
e) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público contra o arguido e demandado AA nos seguintes termos:
- Condenar o arguido e demandado a pagar, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos por BB, a quantia global € 100.000,00 euros, sendo € 75.000,00 a título de dano morte e € 25.000,00 pelo sofrimento padecido por BB antes da morte, na proporção de 50% para cada um dos filhos da vítima, CC e DD, quantias acrescidas de juros de mora vincendos, às taxas legais sucessivamente em vigor aplicáveis às obrigações civis, desde a presente data e até integral pagamento;
- Condenar o arguido e demandado a pagar a CC, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 50.000,00 acrescida de juros de mora vincendos, às taxas legais sucessivamente em vigor aplicáveis às obrigações civis, desde a presente data e até integral pagamento;
- Condenar o arguido e demandado a pagar a DD, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora vincendos, às taxas legais sucessivamente em vigor aplicáveis às obrigações civis, desde a presente data e até integral pagamento;
- Condenar o arguido e demandado a pagar a CC a quantia de € 8.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, acrescida de juros de mora vincendos, às taxas legais sucessivamente em vigor aplicáveis às obrigações civis, desde a presente data e até integral pagamento;
- Condenar o arguido e demandado a pagar a DD a quantia de € 17.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, acrescida de juros de mora vincendos, às taxas legais sucessivamente em vigor aplicáveis às obrigações civis, desde a presente data e até integral pagamento, absolvendo o arguido de tudo o demais peticionado;
f)-Julgar procedente o pedido de indemnização civil apresentado pelo Centro Hospitalar Universitário ... e, em consequência, condenar o arguido e demandado AA a pagar ao referido Centro a quantia de € 112,07, acrescida de juros de mora às taxas legais sucessivamente em vigor, aplicáveis às obrigações civis, desde a notificação do pedido e até integral e efectivo pagamento.”
Recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa (3ª Secção Criminal), o qual por acórdão de 8/5/2024 decidiu negar provimento ao recurso, sendo que as questões colocadas pelo recorrente, arguido, eram as seguintes:
1. Impugnação do provado em 8) e 22);
2. Discordância da subsunção dos factos à prática do crime de homicídio;
3-Discordância da subsunção dos factos à prática do crime de ofensa à integridade física qualificada;
3. Excesso da medida concreta da pena;
4. Excesso da indemnização fixada.
Recorreu o arguido para este Supremo Tribunal o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
“INTRODUÇÃO
1. O arguido foi condenado, em cúmulo, na pena única de19 anos e 6 meses de prisão, e no pagamento de € 225 000 a título de indemnização, pela prática de um crime de homicídio qualificado e de um crime de ofensa à integridade física qualificada. As penas individuais, que basearam o cúmulo, foram de 19 anos de prisão (homicídio) e 1 ano de prisão (ofensa à integridade física).
2. Em relação ao crime de homicídio, o Tribunal de 1.ª instância considerou provado que o arguido, agindo com dolo direto, aplicou à vítima, com quem mantinha relação análoga à dos cônjuges, uma manobra denominada mata-leão.
3. Em relação à ofensa à integridade física, o Tribunal considerou provado que o arguido, momentos antes de infligir à vítima o mata-leão, lhe desferiu dolosamente um murro na zona do olho esquerdo.
4.O arguido recorreu do acórdão de 1.ª instância junto do Tribunal da Relação. Impugnou os factos provados 8 e 22; rejeitou que pudesse ser condenado pela prática de dois crimes em concurso efetivo; impugnou a medida concreta da pena em relação aos dois crimes pelos quais foi condenado; e impugnou os montantes fixados na condenação civil.
5. O Tribunal da Relação, porém, negou provimento ao recurso. Por não se conformar, o arguido vem recorrer do acórdão proferido por este Tribunal Superior.
I. DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA, DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA E DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO
6. Nas conclusões 4 a 35 do seu recurso do acórdão de 1.ª instância, o arguido sumulou as razões para impugnar os factos provados 8 e 22.
7. Em relação ao facto provado 8, o arguido entendeu que o tribunal de 1.ª instância não poderia ter dado como provado que a vítima caíra inanimada no chão da casa de banho após ter-lhe sido aplicada a manobra do mata-leão.
8. O arguido explicou detalhadamente por que motivo o tribunal de 1.ª instância não poderia ter dado como provado tal facto, indicando os meios de prova que imporiam decisão diversa.
9. Nesse âmbito, o arguido indicou como fundamental o meio de prova consistente na chamada que manteve com o INEM.
10. O Tribunal da Relação não respondeu, porém, à argumentação do arguido. Na verdade, o Tribunal contornou a questão, dizendo, contra as regras da experiência comum, que seria irrelevante saber, para aquilatar do dolo do arguido, se a vítima estava ou não consciente depois de aplicada a manobra.
11. Por outro lado, o Tribunal da Relação tece considerações que só podem ser entendidas como um erro notório de apreciação da prova, contaminando rejeição da impugnação da matéria de facto, tais como:
a. “Ninguém esperneia em pé, no momento em que está a ser esganada”; e
b. “a vítima apresentou «áreas de infiltração sanguínea dispersas por todo o couro cabeludo; infiltração sanguínea do terço anterior do músculo temporal direito e terço médio do músculo temporal esquerdo» e «área de congestão / infiltração sanguínea subaracnoideia parietal direita» o que é compatível com uma pancada na cabeça”.
12. O Tribunal a quo é também contraditório quando considera que i) as lesões na cabeça da vítima são compatíveis com uma pancada; ii) a vítima foi posta no chão pelo arguido; e iii) o grau de raiva do arguido no momento dos factos, nomeadamente no momento em que colocou a vítima no chão, era “descomunal”.
13. Acresce que as considerações que o Tribunal a quo faz no sentido de que é indiferente, para provar um facto interno, os factos ocorridos a posteriori contraria o senso comum.
14. O Tribunal a quo erra ainda notoriamente ao considerar que o arguido não deixou sobrepor “a vontade de omitir os indícios da sua responsabilidade”.
15. O acórdão do Tribunal da Relação enferma assim de vários vícios: desde logo, o vício de omissão de pronúncia, nos termos conjugados dos artigos 379.º, n.º 1, alínea c) e 425.º, n.º 3; e os vícios de contradição insanável da fundamentação e erro notório de apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alíneas b) e c), todos do Código de Processo Penal.
Subsidiariamente,
II. DA NÃO EXISTÊNCIA DE CONCURSO EFETIVO
16. O arguido não pode ser condenado por dois crimes em concurso efetivo.
17. Isto porque a agressão consistente no mata-leão e o resultado da mesma assume um sentido de desvalor jurídico-social de tal forma dominante e único que a sua punição esgota a apreciação da ilicitude associada tanto a este comportamento, como ao comportamento consistente no murro desferido à vítima.
III. DA MEDIDA DA PENA
18. Em relação à medida da pena fixada pelo crime de homicídio qualificado, a mesma mostra-se excessiva, desadequada às circunstâncias do crime e injusta quando confrontada com penas fixadas em casos mais graves.
19. Deve notar-se, em primeiro lugar, que o homicídio foi praticado em contexto de discussão e que não foi usada qualquer arma, nem registada qualquer premeditação ou reflexão sobre os meios nem, enfim, qualquer outro facto que justificasse a aplicação do artigo 132.º do Código Penal, à exceção da relação análoga à dos cônjuges.
20. Por outro lado, a manobra aplicada pelo arguido é lícita em desportos de luta, o que significa que não se trata de uma manobra necessariamente letal ou excruciante. Na verdade, pode produzir a inconsciência em poucos segundos.
21. O arguido, depois de se aperceber do estado em que se encontrava a vítima, teve gestos de inequívoca contrição, esforçando-se genuinamente para evitar a morte desta.
22. Primeiro, contactou o 112. Depois, e ato continuo, contactou o irmão da vítima, requerendo auxílio. Por fim, aquando da chamada de retorno do INEM, deu conta, em manifesto desespero, da gravidade da situação, referindo tratar-se de uma emergência e que a vítima estava desmaiada e roxa, reiterando a sua morada e confessando ser o agressor. Agiu na convicção de que a vítima ainda estava viva, e de que seria possível salvá-la.
23. Note-se, igualmente, que aquando da interação do arguido com os agentes da PSP que acudiram ao locus delicti, este se assumiu como agressor.
24. Em relação ao cadastro do arguido, o mesmo não respeita à sua vida familiar.
25. Na verdade, o Tribunal de 1.ª instância considerou que arguido “[evidencia] competências parentais e uma boa relação com os filhos e aparentemente também com a vítima e os familiares desta (como foi até reconhecido pela irmã [da vítima]”.
26. Ficou ainda provado que o casal se apresentava “minimamente investido ao nível afectivo e parental” e que “o arguido mantinha uma relação de proximidade com os membros da família da companheira, tendo por hábito sair e conviver com os irmãos desta, residentes em zona próxima”.
27. Deve igualmente sublinhar-se que do relatório social para determinação da sanção decorre que o arguido tem sentido crítico face ao que fez, reconhecendo as consequências dos seus atos tanto em relação à vítima, como em relação aos filhos. Mantém uma conduta ajustada ao contexto prisional e, inicialmente, manifestou ideação suicida, o que se monstra incompatível com uma atitude de indiferença ou ausência de arrependimento face ao que aconteceu.
28. Acresce que a pena aplicada ao arguido pelo crime de homicídio não é aceitável nem justa quando comparada com penas aplicadas a casos mais graves, nos quais a violência exercida, com recurso a armas de fogo ou contundentes, com premeditação e engodo, e por vezes à frente dos filhos, é manifestamente superior.
29. Vejam-se, a título de exemplo, e para ilustrar o que se diz, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:
a. Acórdão de 9 de maio de 2010, proc. 459/05.0GAFLG.G1.S121;
21 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt)
b. Acórdão de 23 de novembro de 2011, proc. 1064/10.4JDLSB.L1.S122;
c. Acórdão de 23 de novembro de 2011, proc. 1081/09.7JAPRT.P2.S123;
d. Acórdão de 7 de dezembro de 2011, proc. 830/09.8PBCTB.C1.S124;
e. Acórdão de 2 de março de 2017, proc. 126/15.6PBSTB.E1.S125; e
f. Acórdão de 26 de junho de 2019, proc. 763/17.4JALRA.C1.S126.
30. Ao nível das Relações, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de janeiro de 2010, proc. 517/08.9JACBR.C127.
31. Paralelamente, uma pena injustamente longa pode agravar ainda mais a tragédia pessoal dos filhos do arguido e da vítima, reforçando os sentimentos de vazio paternal que, necessariamente, já decorrem do falecimento desta.
32. Por outro lado, se o Tribunal ad quem considerar que o arguido deve ser punido a título de concurso efetivo, impõem também os deveres de patrocínio que se discuta especificamente a pena aplicada ao crime de ofensa à integridade física qualificada.
33. A este respeito, nota o arguido que o facto que está na base da condenação por ofensa à integridade física é um murro, desferido num contexto de discussão, sem consequências físicas relevantes.
34. Assim, uma pena de 1 ano de prisão para estes factos, que são de gravidade baixa para efeitos de um crime de ofensa à integridade física, parece igualmente excessiva, mormente considerando que a moldura penal vai de 1 mês de multa a 4 anos de prisão.
IV. DA CONDENAÇÃO CIVIL
35. Em relação à condenação civil, o arguido entende que o valor fixado, sendo sempre insuficiente para compensar a perda de uma vida, revela-se, porém, excessivo, se considerados, por um lado, a experiência e competências profissionais do arguido e, por outro, o tempo que o mesmo vai passar encarcerado.
………………….
22 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt) 23 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt) 24 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt) 25 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt) 26 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt) 27 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (dgsi.pt)
………………..
36. O valor indemnizatório, pelo menos no segmento apurado de acordo com a equidade, não pode ter por consequência esforçar indevidamente o arguido em termos financeiros, mormente depois de sair da prisão por cumprimento de uma pena longa, com as inerentes dificuldades de reinserção social e de refeitura da vida. Dito de outro modo, a indemnização determinada à luz da equidade não deve ser de tal modo elevada que funcione como um obstáculo desproporcional à reinserção social do indivíduo.
37. Neste conspecto, o arguido entende que o valor global indemnizatório deveria ser reduzido, nunca devendo ultrapassar os € 100 000 (cem mil euros).
Violaram-se as seguintes disposições:
Artigos 379.º, n.º 1, alínea c), 410.º, n.º 2, alíneas b) e c) e 425.º, n.º 3 do Código de Processo Penal;
Artigos 30.º, n.º 1, 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal;
Artigo 496.º, n.º 4 do Código Civil.
O Mº Pº na Relação respondeu defendendo a improcedência do recurso
Neste Supremo Tribunal de Justiça o ilustre PGA emitiu parecer no sentido, da rejeição parcial quanto aos vícios do artº 410º CP e quanto à existência de dupla conforme quanto ao crime de ofensa à integridade física e da improcedência do recurso no demais.
Foi cumprido o disposto no artº 417º2 CPP, o arguido respondeu defendendo o seu recurso e o seu conhecimento integral e invocando a inconstitucionalidade de interpretação sobre a inadmissibilidade do recurso quanto aos vícios do artº 410º2 CPP e quanto a omissão de pronuncia.
Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Cumpre apreciar.
“No acórdão da 1ª instância foram considerados provados os seguintes os factos:
1.O arguido AA e BB mantiveram uma relação amorosa, como se de marido e mulher se tratassem, desde data não apurada, mas situada cerca de um ano antes do nascimento da primeira filha comum.
2. A relação foi pautada por algumas separações, tendo o casal cessado a coabitação cerca de 2 anos após o nascimento da CC, retomando a vivência comum por volta dos anos de 2015/2016.
3. O arguido e BB tiveram dois filhos em comum: CC, nascida no dia ... de ... de 2010, e DD, nascido no dia ... de ... de 2017.
4. Depois de terem residido noutros locais, o casal fixou residência com os filhos na Rua ..., em ....
5. No dia ... de Fevereiro de 2023, entre as 3h00 e as 4h00, no interior do quarto que partilhavam na residência comum, AA e BB mantiveram uma discussão, no decurso da qual o arguido desferiu um murro que atingiu o olho esquerdo de BB.
6. Após, BB levantou-se da cama e deslocou-se até à casa de banho, tendo o arguido ido ao seu encontro.
7. Nesse local, quando BB se encontrava de costas para o arguido, este colocou os seus braços à volta do pescoço de BB, e apertou-o, fazendo-lhe uma manobra vulgarmente conhecida por “mata-leão”, asfixiando-a.
8. Na sequência dessa conduta do arguido, BB ficou caída no chão da casa de banho, inanimada.
9. Tendo o arguido seguido para a sala da residência comum. Entre 30 minutos a 1 hora depois, AA regressou à casa de banho, ocasião em que BB já apresentava os lábios roxos, espuma ensanguentada no canto da boca, um tom de pele pálida, um hematoma no olho esquerdo e marcas na zona do pescoço.
10. Pelas 5h07, ao verificar a condição física em que se encontrava BB, o arguido AA ligou para o 112, tendo desistido desse pedido de auxílio, por não querer responder às questões que lhe estavam a ser colocadas.
11. Após desligar, o arguido ligou para EE, irmão de BB, pedindo-lhe para ir à residência do casal, ao que EE acedeu.
12. Entretanto, operador do 112 retornou a chamada para o arguido.
13. Após terminar a chamada, chegou à residência do casal EE, deparando-se com a irmã, no chão da casa de banho.
14. Tendo o arguido e EE transportado BB pelas escadas, segurando-a pelos braços e pelas pernas, do primeiro andar até à porta do prédio, pretendendo levá-la para o hospital.
15. Pelas 5h15, quando chegaram à porta do prédio, acorreu ao local uma patrulha da Polícia de Segurança Pública, alertada para a ocorrência de uma eventual situação de violência doméstica.
16. Nessa ocasião, o arguido AA dirigiu-se ao agente da PSP FF, dizendo-lhe: “Ajuda-me, a minha companheira não reage. Eu não a queria matar, eu não a queria matar. Foi sem querer.”.
17. Momentos mais tarde, deslocou-se ao local uma equipa do INEM, que prestou assistência a BB, transportando-a para o Hospital de ....
18. Nesse dia ... 02.2023, pelas 6h19, foi declarado o óbito de BB.
19. Em consequência directa e necessária da actuação do arguido, BB sofreu as seguintes lesões:
Hábito externo
Cabeça:
• Equimose roxa, ténue, com 3 x 4 cm de maiores dimensões, na região frontal esquerda;
• Equimose roxa periorbitária esquerda;
• Hemorragia subconjuntival do olho esquerdo;
• Hematoma roxo, com 5 cm de diâmetro, parietal direita;
• Equimose roxa arredondada e infracentimétrica, na mucosa do lábio superior;
• Equimose avermelhada, com 3 x 7 cm de maiores dimensões, no ramo direito da mandíbula, com escoriação infracentimétrica no seu terço médio;
• Sangue exteriorizando-se pela boca e narinas.
Pescoço:
• Equimose avermelhada com 9 x 4 cm de maiores dimensões, na face anterolateral direita;
• Escoriação com 1 cm de diâmetro, na região cervical anterior;
• Equimose roxa com 1 cm de diâmetro, na face anterolateral esquerda.
Tórax:
• Equimose roxa com 1,5 x 4 cm de maiores dimensões, na região clavicular direita;
• Equimose roxa com 10 x 7 cm de maiores dimensões, na região infraclavicular esquerda, com edema associado;
Membro superior direito:
• Equimose roxa com 1,5 cm de diâmetro, no terço proximal da face anterior do braço;
• Equimose roxa com 1 cm de diâmetro, no dorso da mão.
Membro superior esquerdo:
Duas equimoses roxas, cada uma com 1 cm de diâmetro, no dorso da mão
Hábito interno
Cabeça
• Partes moles: Áreas de infiltração sanguínea dispersas por todo o couro cabeludo. Infiltração sanguínea do terço anterior do músculo temporal direito e terço médio do músculo temporal esquerdo.
• Meninges: Área de congestão / infiltração sanguínea subaracnoideia parietal direita.
• Encéfalo: Edema e congestão ligeiros. Parênquima firme. Vasos da base sem alterações macroscópicas.
• Cavidades orbitárias e globos oculares: Hemorragia subconjuntival esquerda.
• Fossas nasais, seios maxilares, frontais e esfenoidais: Fossas nasais com sangue.
• Cavidade oral e língua: Cavidade oral com sangue.
Pescoço
• Partes moles: Áreas localizadas de infiltração sanguínea dispersas pelos diversos planos musculares, com dimensões oscilando entre 1 cm e 3 cm de diâmetro.
• Estruturas Cartilagíneas: com infiltração sanguínea marcada ao nível da união tirocricoideia.
• Laringe e traqueia: Paredes de mucosa rosada e com lúmen com espuma rosada.
• Glândula Tiroide: Parênquima castanho-avermelhado, sem massas ou quistos. Infiltração sanguínea ao nível da união com a cartilagem tiroideia.
• Faringe e esófago: Paredes de mucosa esbranquiçada com lúmen vazio.
Tórax
• Paredes: Edema do tecido celular subcutâneo. Sem infiltração sanguínea.
• Traqueia e brônquios: Paredes de mucosa rosada e com lúmen com espuma rosada.
• Pleura parietal e cavidade pleural direita: Hemotórax de 75cc. Sem aderências.
• Pulmão direito e pleura visceral: expandido. Infiltração sanguínea perihilar. Petéquias dispersas. Hipocrepitante. Parênquima com congestão e edema moderados nas secções de corte.
• Pulmão esquerdo e pleura visceral: Expandido. Infiltração sanguínea perihilar. Petéquias dispersas. Hipocrepitante. Parênquima com congestão e edema moderados nas seções de corte.
20. As lesões detectadas ao nível do pescoço, supra descritas, produzidas pela acção contundente do arguido, mediante compressão extrínseca do pescoço de BB, foram causa directa e necessária da morte desta, devido a asfixia mecânica, por esganadura.
21. Ao adoptar a conduta descrita, quando ainda estavam no quarto, sabia o arguido que molestava a saúde física de BB, não obstante quis e agiu da forma descrita, faltando ao respeito e consideração devida para com a sua companheira e mãe dos seus filhos.
22. O arguido, ao colocar os seus braços no pescoço de BB, apertando-o impedindo-a de respirar, fê-lo com o propósito concretizado de lhe tirar a vida, bem sabendo que ao agir do modo descrito actuava de forma idónea a causar-lhe a morte, asfixiando-a, como veio a suceder.
23. O arguido agiu ciente de que BB era sua companheira e mãe dos seus filhos, e que adoptou as condutas supra descritas no domicílio comum.
24. Ao agir da forma descrita, o arguido AA pôs em causa, como bem sabia, a paz e harmonia familiar, indispensável ao saudável convívio entre os membros familiares, em especial os filhos, privando-os de forma definitiva da presença da mãe.
25. O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou, no que concerne à matéria dos pedidos de indemnização civil:
26. Nesse dia ... 02.2023, em consequência da actuação do arguido, BB foi transportada para o Hospital de ..., onde lhe foi prestada assistência médica.
27. A qual importou um custo de € 112,07.
28. No dia ... 02.2023 BB apercebeu-se da gravidade da conduta do arguido e demandado AA, bem como da sua morte iminente, às mãos do demandado, sofrendo dores, agonia e angústia.
29. À data da sua morte BB tinha 30 anos de idade, era solteira e vivia em união de facto com o ora demandado.
30. DD sempre viveu com a mãe, sendo que CC viveu com a mãe com excepção de um lapso temporal não concretamente apurado em que os progenitores não viveram juntos.
31. BB sempre manteve uma relação afectuosa com os filhos, nutrindo grande afeição, carinho e ternura por estes, prestando-lhes os cuidados necessários, designadamente de saúde, alimentação, vestuário, habitação, acompanhando-os na escola e nos tempos livres.
32. Quando BB se encontrava a trabalhar, a mesma contribuía para o sustento dos seus filhos com os rendimentos auferidos.
33. Na sequência da actuação do demandado, CC e DD ficaram privados da figura materna, deixando de beneficiar do acompanhamento, amparo, assistência, carinho e afecto de sua mãe.
34. O que é gerador de tristeza, angústia e desgosto, agravados pelas circunstâncias da morte de sua mãe, às mãos do próprio pai, o que aliado à ausência da figura materna, irá repercutir-se no desenvolvimento psíquico, afectivo e emocional das crianças.
35. As crianças, actualmente com 13 e 6 anos de idade, necessitam e necessitarão nos próximos anos de cuidados básicos, relativos a educação, alimentação e vestuário, bem como de cuidados especiais devido não só à perda da mãe, mas às consequências da intervenção do pai, ora demandado, na morte daquela.
36. Não fora a actuação do arguido e demandado, CC e DD teriam o acompanhamento e apoio, quer financeiro, quer emocional, de sua mãe pelo menos até atingirem a maioridade, considerando a idade das crianças e a de BB.
37. Sendo que em face da idade de BB e a idade dos seus filhos, aquela previsivelmente iria auferir um vencimento com o qual poderia contribuir para o sustento e educação dos seus filhos CC e DD.
38. Possibilidade que o arguido coarctou aos filhos com a sua actuação.
39. Face à morte de BB, e enquanto perdurar a reclusão do arguido, os cuidados a prestar a CC e DD terão de ser suportados por terceiros.
40. Corre termos no Juízo de Família e Menores de ... – J7 acção de regulação das responsabilidades parentais n.º 7887/23.7..., relativa às crianças CC e DD, na qual ainda não foi proferida decisão, provisória ou definitiva.
41. Presentemente as crianças encontram-se entregues ao cuidado da avó paterna, GG, residente na Rua ..., em ....
42. BB faleceu no estado de solteira, deixando como únicos filhos CC e DD.
Provou-se ainda:
43. O arguido AA é praticante de ... desde 2009, sendo que na data dos factos em apreço, mantinha tal prática em treinos com amigos.
44. Sendo a manobra denominada de “mata leão” um dos golpes usados nessa arte marcial.
45. O arguido AA, natural de ..., é o mais novo de dois filhos de um casal de origem cabo-verdiana, com uma situação económica equilibrada, sendo a família sustentada com dos rendimentos laborais dos progenitores.
46. Porém, a dinâmica conjugal dos progenitores era pautada pelo conflito.
47. O pai do arguido cumpriu pena de prisão prolongada, quando AA tinha cerca de 10 anos, sendo que nesse período as necessidades da família eram supridas através do trabalho da mãe, como ... em mercados e como empregada de limpeza.
48. A família residia em habitação inserida em zona urbana de construção clandestina (...).
49. Quando o arguido tinha aproximadamente 20 anos, o agregado foi realojado em bairro de habitação camarária, na ..., gerido pela G.......
50. A progenitora manteve com o arguido uma relação de afecto e disciplina, limitando as suas saídas à escola e ao centro de ATL – Actividades Tempos Livres.
51. No plano escolar, o arguido abandonou o ensino durante a frequência do 9.º ano de escolaridade, num percurso pautado pelo absentismo, reprovações e comportamento disruptivo em contexto lectivo.
52. No ano 2011 o arguido retomou os estudos, ingressando no C...., frequentando um curso de certificação ... (nível IV), que lhe conferia equivalência ao 12.º ano de escolaridade.
53. No domínio laboral, o arguido ajudava a mãe na ... e o pai (...), que residia na mesma zona do agregado de origem.
54. O arguido também realizou vários estágios profissionais no âmbito do curso de ....
55. Mais tarde, o arguido desempenhou funções como operador ajudante em loja “...”, através de uma empresa de colocação de trabalho temporário.
56. Em termos afectivos, o arguido AA estabeleceu relação de namoro com BB quando ambos tinham 16 anos de idade.
57. Um ano mais tarde, no contexto da primeira gravidez, a companheira passou a integrar o agregado materno do arguido.
58. O historial da relação entre o casal, apesar de marcado por períodos de maior instabilidade, registando períodos de separação e reconciliação, apresentava-se como minimamente investido ao nível afectivo e parental.
59. Na data dos factos, o arguido mantinha uma relação de proximidade com membros da família da companheira, tendo por hábito sair e conviver com os irmãos desta, residentes em zona próxima.
60. Em ... de 2023 o casal passou a residir com os filhos na morada onde ocorreram os factos, na ..., habitação camarária atribuída à progenitora do arguido, que, entretanto, regressara a ....
61. Entre 2020 e início de 2022, o arguido trabalhou como empregado de logística em hipermercado “...”, através de empresa de trabalho temporário, auferindo a retribuição mínima mensal garantida.
62. Entre 2020 e início de 2022, BB trabalhava como ... no mesmo hipermercado, e como empregada de limpeza, auferindo cerca de € 900,00 mensais.
63. Após um período em que ambos os elementos do casal trabalharam em sociedade que constituíram para prestação de serviços ..., em ... de 2022 BB voltou a trabalhar na área das limpezas, actividade que interrompeu em ... de 2023, evidenciando dificuldade em fazer face aos compromissos laborais e parentais devido ao estado depressivo com que se debatia.
64. Nesse período, o arguido AA dedicava-se à ... por conta própria e como intermediário, auferindo em média cerca de € 750,00 mensais.
65. Mantinha a sua rotina centrada na actividade laboral esporádica, na vida familiar e parental, ocupando ainda o seu tempo livre com a frequência do ginásio e com o convívio e saídas nocturnas com amigos.
66. Na data dos factos BB apresentava um episódio depressivo major há cerca um ano, beneficiando de acompanhamento médico e medicamentoso.
67. No certificado de registo criminal do arguido encontram-se averbadas as seguintes condenações:
a) Por acórdão transitado em julgado em 4.02.2013, proferido em 18.05.2012 pela ... Vara Criminal de ..., no âmbito do processo n.º 118/11.4..., o arguido foi condenado na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, pela prática em 2010 de três crimes de roubo, um deles qualificado, pena que já se encontra extinta;
b) Por sentença transitada em julgado em 2.11.2016, proferida em 3.10.2016 pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de ... – J5, no âmbito do processo n.º 388/16.1..., o arguido foi condenado na pena de 190 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática em 20.03.2016 de um crime de condução sem habilitação legal, pena que já se encontra extinta;
c) Por acórdão transitado em julgado em 26.04.2017, proferido em 17.03.2017 pelo Juízo Central Criminal de ..., no âmbito do processo n.º 1035/16.7..., o arguido foi condenado na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, e mediante a condição de depositar à ordem dos autos a quantia de € 523,00, pela prática em 13.06.2016 de um crime de roubo qualificado, pena que já se encontra extinta;
d) Por sentença transitada em julgado em 2.06.2017, proferida em 26.04.2017 pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de ... – J2, no âmbito do processo n.º 907/14.8..., o arguido foi condenado na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, pela prática em 22.12.2014 de um crime de roubo, pena que já se encontra extinta;
e) Por sentença transitada em julgado em 19.09.2022, proferida em 4.07.2022 pelo Juízo Local Criminal de ...– J11, no âmbito do processo n.º 1577/19.2..., o arguido foi condenado na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com regime de prova, pela prática em 27.11.2019 de um crime de ofensa à integridade física simples.
Não se provou que:
a) Desde data não concretamente apurada, mas certamente a partir do ano de 2022, que a vida em comum do casal passou a ser pautada por discussões motivadas por ciúmes do arguido, que controlava o telemóvel da companheira, dizendo-lhe que o andava a trair, que se não ficasse consigo não ficava com mais ninguém, não lhe permitindo sair com amigos.
b) No decurso da discussão ocorrida no quarto do casal, o arguido, com as mãos, ainda desferiu pancadas na cabeça, tronco e membros superiores de BB.
c) O arguido arrastou BB pelos braços, até à porta do prédio da residência comum.
d) Ao comportar-se da forma descrita, o arguido sabia que molestava a saúde psíquica BB e punha em causa a sua honra e autodeterminação.
e) BB trabalhava como ..., na empresa por si detida com a denominação “S..., Lda”, auferindo rendimentos mensais brutos, pelo menos, equivalentes a € 705.
f) À data da sua morte, BB era uma pessoa dinâmica, com vontade de viver e de prosseguir a sua vida junto dos seus filhos, educá-los e acompanhar o seu crescimento e a sua vida adulta.
g) Na prestação de cuidados aos netos, GG conta com o apoio do tio paterno HH, residente na Rua ..., ....
O Tribunal a quo justificou a aquisição probatória nos seguintes termos:
« Em processo penal não existe um verdadeiro ónus probatório, vigorando o princípio da aquisição da prova articulado com os princípios da investigação, da verdade material e da presunção de inocência, que impõem que o tribunal assente a sua decisão na análise crítica e conjugada da prova validamente produzida, independentemente de quem a ofereceu, que investigue e esclareça oficiosamente os factos relevantes para o cabal esclarecimento da matéria em apreço no processo, em busca da verdade material, e que em caso de dúvida que se mostre razoável e insanável decida em benefício do arguido.
Cumpre ainda realçar que foram ainda seleccionados factos que derivam das declarações prestadas pelo arguido em audiência, e que por isso foram considerados sem carecerem de qualquer comunicação, nos termos previstos no artigo 358.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Tal como resulta do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, salvo quando a lei disponha diferentemente, a prova deve ser apreciada no seu conjunto, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, sendo certo que a livre apreciação da prova não se confunde, em momento algum, com a afirmação de uma convicção fundada na mera subjectividade do julgador. Ao invés, é ponto assente que a livre convicção terá sempre de assentar numa valoração racional e crítica da prova produzida e examinada em audiência, harmonizável com as regras da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, permitindo objectivar a motivação da decisão tomada.
Com efeito, a convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função da razão de ciência de cada um dos intervenientes processuais, das certezas e, ainda, das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, emoção revelada no discurso, (im)parcialidade, ansiedade, embaraço, serenidade, coerência de raciocínio e de atitude, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam dessas declarações e depoimentos, ou seja, a convicção é também formada pela linguagem silenciosa, não verbal e do comportamento.
No que concerne à prova documental incorporada nos autos, realça-se que a mesma pode ser valorada para a formação da convicção do Tribunal ainda que não tenha sido debatida ou formalmente examinada em audiência, porquanto se trata de prova acessível a todos os sujeitos processuais e, desse modo, mostra-se assegurado o princípio do contraditório.
Assim, considerando o que se deixou exposto, o Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica da prova documental constante dos autos, com realce para a seguinte:
• Auto de notícia de fls. 2-6 e aditamento de fls. 171;
• Auto de apreensão do telemóvel do arguido de fls. 10-11;
• Auto de apreensão do telemóvel e roupas da vítima de fls. 312
• Cópia de assentos de nascimento de AA, de BB e dos filhos de ambos, CC e DD, juntos a fls. 29 a 36;
• Informação clínica remetida pelo Hospital de ... (Hospital...) ao Ministério Público na manhã de ... 02.2023, junta a fls. 40-42;
• Ficha do episódio de urgência relativa à assistência hospitalar prestada a BB no dia ... 02.2023, constante de fls. 158-159;
• Episódios de urgência relativos a assistências hospitalares prestadas a BB nos dias 13.07.2009 (fls. 157), 20.02.2010 (fls. 153), 1.01.2012 (fls. 151-152), 11.12.2018 (fls. 154) e 6.12.2022 (fls. 155-156);
• Informação da ACES ... de fls. 193;
• Factura referente à assistência hospitalar de dia ... 02.2023, junta a fls. 608;
• Informação clínica relativa a BB, prestada por médica interna de psiquiatria do Hospital de ..., junta a fls. 179;
• Prints de SMS’s trocados entre BB e sua irmã, juntos a fls. 67 a 70;
• Ficha de atendimento telefónico do CODU-INEM relativa à vítima no dia ... 02.2023, de fls. 114 a 119 verso;
• Registo fonográfico do contacto telefónico mantido entre o arguido e operador do INEM na madrugada de dia 8.02.2023, constante do CD de fls. 135;
• Transcrição da conversação telefónica mantida entre o arguido e o operador do INEM na madrugada de dia 8.02.2023, junta a fls. 375-377;
• Relatório de inspecção judiciária de fls. 284 a 304 (valorado apenas quanto aos elementos objectivos e fotográficos aí documentados, expurgando-se, naturalmente, quaisquer dados recolhidos junto de testemunhas, bem como as conclusões aí vertidas);
• CRC do arguido de fls. 651-656;
• Relatório social de fls. 665-668;
Tais elementos documentais foram concatenados com a prova pericial carreada para os autos, mais concretamente:
• Relatório pericial de autópsia médico-legal (preliminar e final) de fls. 194 verso a 197 verso e de fls. 444 a 447, que permitiu o apuramento das lesões sofridas pela vítima e a forma como as mesmas foram provocadas, para o que contribuíram ainda os esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito médico em audiência, como adiante melhor se concretizará;
• Relatórios de exame pericial e de recolha de objectos e de vestígios na habitação e, bem assim, de vestígios biológicos recolhidos ao arguido, juntos a fls. 343 a 370, e ainda o relatório pericial relativo à análise de tais vestígios biológicos, constante de fls. 390 e 431, o que permitiu apurar que o material biológico recolhido junto às unhas dos dedos das mãos do arguido continha um perfil de mistura de ADN de mais de um indivíduo, do qual não se podia excluir o arguido AA e a vítima BB.
• Relatório de exame pericial efectuado aos telemóveis do arguido e da vítima de fls. fls.455-465 e subsequentes autos de análise da prova digital recolhida, constantes de fls. 469-476 (telemóvel da vítima) e de fls. 477-480 (telemóvel do arguido), constando do telemóvel da vítima fotos recentes da mesma com o companheiro e os filhos, e do telemóvel do arguido o registo da chamada feita pelo mesmo para o 112 no dia ... 02.2023, pelas 05:06:09, que desligou, vindo depois a ser contactado pelo INEM, como se mostra patenteado nos autos.
Tais elementos probatórios documentais e periciais foram ainda conjugados com a prova produzida em audiência de julgamento: as declarações do arguido, os esclarecimentos prestados pelo Perito médico, Dr. II, e os depoimentos das testemunhas que revelaram conhecimento da factualidade em análise nos autos: FF, primeiro agente da PSP a chegar ao prédio onde residia o casal; EE e JJ, irmãos da vítima, KK e LL, respectivamente prima e amiga de infância da vítima; MM e NN, inspectores da Polícia Judiciária.
O arguido AA admitiu em grande medida os factos objectivos ocorridos no dia ... 02.2023.
Referiu que na noite em causa, de madrugada, quando o casal já se encontrava na cama, ele estava a usar o seu telemóvel, ocasião em que BB lhe pediu o telemóvel, por suspeitar que o companheiro estava a falar por mensagem com outra mulher.
Nessa ocasião gerou-se uma discussão entre o casal, insultando-se mutuamente.
Nesse momento, quando se encontravam deitados na cama, o arguido desferiu um murro em BB, atingindo-a no olho.
Após essa conduta do arguido, BB levantou-se, pegou no telemóvel dela e foi para a casa de banho.
Pese embora negando que pretendesse continuar a discussão, o arguido reconheceu que foi de imediato atrás da companheira, afirmando que ao dirigir-se para a casa de banho BB continuava com os insultos, dizendo-lhe “vais ver”.
A partir deste momento, o discurso do arguido quanto à sucessão de acontecimentos mostrou-se ainda mais inseguro e hesitante, referindo que quando estavam na casa de banho “a gente embrulhou-se”, não logrando descrever em concreto e de forma espontânea a actuação de cada um, acabando por dizer que a companheira o empurrou com as duas mãos abertas, pela zona do peito, procurando afastá-lo.
Foi nesse momento que conseguiu “encaixar-lhe um mata leão”, explicando que para o efeito teve de puxar BB para si, e quando esta estava posicionada de costas para si, colocou o seu braço esquerdo à volta do pescoço da companheira, apertando-o. Afirmou que o fez apenas para “a acalmar”, dizendo-lhe que só a largava quando se acalmasse, o que diz que fez poucos segundos depois, quando BB “parou de espernear”.
De forma confusa, referiu que quando largou a mulher, esta ficou caída sobre o bidé, referindo pouco depois que ficou de joelhos junto do bidé, para logo a seguir dizer que afinal BB se sentou no chão, acrescentando que esta estava consciente quando a largou, pois ainda agarrou no telemóvel, acrescentando o arguido que nessa ocasião tirou-lhe o telemóvel para ver se BB estava a ligar para alguém para pedir ajuda.
Negou, porém, a ocorrência de quaisquer outras agressões físicas, nessa noite ou em qualquer outro momento anterior, assim como negou a existência de discussões ou qualquer tipo de acções de controlo de sua mulher, nomeadamente motivadas por ciúmes, reconhecendo apenas discussões normais entre um casal.
Acrescentou o arguido que após BB ficar junto ao bidé, ele foi de imediato para a sala, onde ficou a mexer no telemóvel e a ver televisão, deixando BB na casa de banho.
Só voltou à casa de banho entre 30 minutos a uma hora depois do sucedido. Nessa ocasião, refere que encontrou BB deitada no chão da casa de banho, de barriga para cima, com a cabeça perto da base da banheira e os pés para a porta da casa de banho, (reconhecendo que a sua aparência era a descrita na acusação, com excepção da espuma ensanguentada, que disse só ter surgido quando EE chegou à residência). Deu-lhe umas bofetadas para ver se ela acordava, o que não sucedeu, ocasião em que ligou para o INEM.
Perante as perguntas que lhe estavam a ser colocadas e por achar que estava a ser “interrogado”, desligou a chamada, sendo posteriormente contactado por operador do INEM, cuja conversa se mostra transcrita nos autos, a fls. 375-377.
Após ter desligado a chamada para o INEM e antes de o operador lhe retornar a chamada, o arguido ligou para o irmão de BB, EE – morador no mesmo bairro –, dizendo-lhe “para ele ir lá rápido”, não adiantando mais pormenores.
Quando EE chegou à residência do casal – já depois de concluída a conversação com o operador do INEM – referiu que o cunhado lhe perguntou o que acontecera, tendo-lhe respondido que BB estava inanimada e que “devia ter sido da medicação”.
Em seguida, com o propósito de levarem BB para o hospital, pegaram nela (AA pelos braços e EE pelos pés) e desceram as escadas até à porta do prédio, ocasião em que o arguido levou BB ao colo.
Quando estavam a sair do prédio, já aí se encontrava o carro patrulha da PSP, concretizando os procedimentos que logo foram adoptados pelo agente da PSP que o abordou, confirmando o arguido a expressão que lhe é imputada na acusação, ainda que refira que a disse mais tarde, e não naquele momento, na via pública, confirmando ainda que os dois filhos menores se encontravam no quarto, a dormir.
Relativamente ao estado físico evidenciado por BB quando a encontrou na casa de banho, o arguido apresentou um discurso titubeante, começando por dizer que estava a respirar e que apenas estava pálida, sendo certo que tais declarações se mostram infirmadas pelo teor da conversa que manteve com o operador do INEM, donde resulta que a vítima já estava roxa e sem respirar, não mexendo o peito, apesar de dizer que o coração ainda estava a bater. Certo é que o arguido reconheceu que percepcionou espuma ensanguentada na boca de BB, ainda que apenas aquando da chegada do cunhado.
Por fim, elucidou arguido que é praticante de ... desde 2009, sendo o “mata leão” uma das manobras mais usadas nessa arte marcial, estando perfeitamente familiarizado com a forma de execução da mesma e, bem assim, as suas consequências, mas, apesar disso, manteve que não era sua intenção matar BB, mas apenas “acalmar” a companheira.
EE, por seu turno, prestou depoimento de forma agitada e exaltada, relatando o estado em que encontrou a irmã quando chegou a casa desta, na sequência da chamada do arguido.
Deparou-se com a irmã BB caída no chão da casa de banho, inanimada, fria, pálida, com os lábios roxos.
Asseverou a testemunha que AA lhe disse que a irmã tinha tomado comprimidos e que a tinha encontrado assim, dizendo-lhe que EE tinha de a levar para o Hospital, que o ajudaria a levar BB até ao carro, e que ele ficaria com os filhos, que estavam a dormir no quarto.
Corroborou ainda o relato feito pelo arguido quanto à forma como ambos transportaram BB até ao exterior do prédio, asseverando a testemunha que em momento algum a deixaram cair.
Relativamente à vivência familiar do arguido e de sua falecida irmã antes dessa madrugada, a testemunha referiu que a irmã nunca lhe fez desabafos sobre a relação conjugal nem teve conhecimento de anteriores agressões, sendo certo que nunca lhe viu quaisquer marcas.
O agente da PSP FF, primeiro elemento policial a chegar ao local, de forma segura e objectiva relatou os factos que então percepcionou, esclarecendo que se deslocou até àquele prédio na sequência de uma chamada da Central a alertar para uma eventual situação de violência doméstica. Ao chegar ao local, deparou-se de imediato com o arguido a arrastar uma senhora, segurando-a com as mãos pelas axilas, tendo o arguido, de imediato, proferido a expressão referida na acusação, tendo verificado que a senhora já não aparentava ter sinais vitais, tendo sido transportada para unidade hospitalar.
JJ, prestou um depoimento sofrido, evidenciando conhecimento aprofundado quanto à vivência familiar de sua irmã BB ao longo dos anos, nomeadamente desde o início da relação do casal, que teve um período de separação do casal já depois do nascimento da primeira filha, vindo a reatar o relacionamento em 2014.
Desde então, o casal evidenciava uma vivência conjugal normal, sendo que sua irmã nunca lhe relatou qualquer episódio de agressão ou outros comportamentos ofensores por parte do arguido, que a testemunha considerava como um irmão. Referiu que também nunca observou qualquer conduta agressora, ofensiva ou de ciúmes do arguido para com a sua irmã.
Elucidou ainda sobre o estado psicológico de sua irmã, que tinha um diagnóstico de depressão, estando a tomar medicação há algum tempo, o que se mostra corroborado pelos elementos clínicos anteriormente referidos.
Mencionou ainda que em ... de 2023 a sua irmã apresentava um quadro de grande tristeza (note-se que a mãe de ambas falecera há algum tempo), e certo dia disse-lhe que estava cansada e queria sair da relação, que o arguido a controlava, mas nada mais concretizou quanto a isso.
Certo é que a testemunha foi clara ao afirmar que a sua irmã saía com amigos, nomeadamente gostava de ir ao bingo, onde ia sozinha, com o arguido e mesmo só com amigos.
KK, por seu turno, que também mantinha uma relação próxima com a vítima, aludiu a um episódio situado em 2010, tendo sua prima lhe relatado que AA a teria agredido. Porém, depois de um período de separação, o casal reatou o relacionamento, sendo que a partir de 2016 passou a ter mais contacto com o casal, uma vez que viviam perto de si, em ....
Realçou que após o reatamento da relação com AA, a prima não voltou a queixar-se de qualquer tipo de violência física, referindo apenas que o companheiro era ciumento, sendo que numa ocasião BB lhe disse que não ia ao seu jantar de aniversário para evitar aborrecimentos que AA. Afirmou ainda que no decurso do ano 2022 a prima não se mostrava tão contente, manifestando estar desencantada com a relação.
LL, evidenciou conhecimento profundo da vivência familiar de BB, de quem era amiga de infância, convivendo com a mesma diariamente. De forma clara e segura reiterou em grande medida o testemunho de JJ, confirmando o estado depressivo que percepcionou na sua amiga, que andava muito triste, dizendo que não se sentia bem, o que também sucedia com o companheiro, fazendo-o, contudo, de forma genérica. Porém, tal como referido por outras testemunhas, reiterou que nunca assistiu a nada fora do normal no quadro da dinâmica daquele casal, nem agressões, nem insultos ou cenas de ciúmes. Quanto à vivência familiar, referiu que quando ia ao bingo com a sua amiga BB, os filhos desta ficavam com o pai.
Os inspectores da Polícia Judiciária inquiridos, MM e NN, prestaram depoimentos seguros e circunstanciados, descrevendo as diligências investigatórias desenvolvidas, nomeadamente na residência do casal, através de inspecção ao local, recolha de amostras biológicas ao arguido, tendo também procedido a exame de hábito externo da vítima.
De acordo com a sua experiência profissional de vários anos na secção de homicídios, ambas as testemunhas descreveram as marcas físicas que percepcionaram na vítima, em particular ao nível do pescoço, que se apresentavam claramente compatíveis com um quadro de compressão mecânica do pescoço, tanto mais que a vítima evidenciava outras marcas físicas habituais nesse tipo de quadro, designadamente hemorragia nasal e petéquias nos globos oculares.
Por fim, assumiram ainda particular relevo os esclarecimentos prestados pelo Perito médico que realizou a autópsia a BB, Dr. II, que esclareceu o teor do relatório pericial que elaborou, explicando que a morte por esganadura a que alude nas suas conclusões pode decorrer não apenas por compressão extrínseca do pescoço por acção das mãos, mas também por acção dos braços, ou seja, mediante execução da vulgarmente denominada manobra de “mata leão”, elucidando que tal manobra, se for “bem feita”, leva a uma perda de consciência da vítima em poucos segundos, ainda que isso não implique a sua morte imediata, tudo dependendo da força que for exercida pelo agressor e até da força com que a vítima se debate, o que permitiu dar como provado que BB estava inanimada quando o arguido a deixou na casa de banho, ainda que não sendo possível assegurar que nesse concreto momento já estivesse morta.
Concretizou ainda o Perito que a espuma rosada que a vítima apresentava ao nível da boca é demonstrativa da existência de sangue nas vias aéreas, o que habitualmente ocorre num quadro de asfixia, quando a vítima se debate, tentando respirar mais rápido, gerando essa espuma, tanto mais que, tal como apurou no decurso da autópsia, a vítima tinha vestígios de aspiração de sangue nos pulmões.
Sopesaram-se ainda os depoimentos de OO, PP, QQ e RR, amigos do arguido, cujos depoimentos relevaram apenas para o apuramento das condições pessoais e de vida de AA, nomeadamente no que respeita às suas características como pessoa e como pai, sendo considerado pelos seus amigos como uma pessoa sociável e alegre, participando na vida dos filhos, acompanhando-os no seio familiar e em actividades lúdicas.
Sendo este o acervo probatório a considerar, começando pelo crime de violência doméstica, entendeu-se que da prova produzida não é possível concluir pela sua verificação.
Com efeito, o arguido negou os factos que lhe eram imputados nessa matéria, que se reconduziam essencialmente à dinâmica conjugal de AA e BB desde o ano de 2022, sendo certo que os próprios familiares da vítima e amigas mais próximas negaram ter percepcionado quaisquer factos que indiciassem o quadro de controlo ou subjugação que era imputado na acusação.
É certo que as referida testemunhas afloraram a existência de algum desencanto de BB relativamente à relação com o arguido, alguns ciúmes que AA teria de BB, levando a que esta, numa ocasião, tivesse decidido não ir a uma festa de aniversário para evitar uma discussão com o arguido, mas na realidade não poderá dizer-se que essa opção configure um acto de submissão ou subjugação de BB ao companheiro.
Aliás, como bem assinalou KK, apesar de sua prima lhe ter referido que o ora arguido tinha alguns ciúmes pelo facto de BB se ter começado a arranjar mais desde que começou a trabalhar numa loja “...”, isso não levou a que BB alterasse o seu comportamento.
Por outro lado, pese embora o registo de várias assistências hospitalares prestadas a BB (vejam-se as fichas de urgência atrás referidas), certo é que apenas em uma delas é feita referência a “agressão”, em ... de 2012, nada se sabendo quanto ao contexto em que tal agressão terá ocorrido. Certo é que da informação prestada a fls. 193 pela ACES ... resulta que não haver registo de suspeitas de violência doméstica.
Assim, da conjugação de todos estes elementos probatórios, entendeu-se que a prova produzida era insuficiente para demonstrar a factualidade vertida no ponto 4 da acusação.
Relativamente à matéria atinente à discussão e agressão ocorrida no quarto do casal na noite de ... 02.2023, em face das declarações do arguido e o apurado em sede de autópsia, dúvidas não restaram quanto ao facto de o arguido ter desferido um murro que atingiu BB no olho esquerdo, sabendo, naturalmente, o arguido que ao agir dessa forma atingia a integridade física da sua companheira e mãe dos seus filhos de forma inadmissível e criminalmente punível.
Já no que concerne às restantes agressões físicas que lhe eram imputadas – pancadas na cabeça, tronco e membros – o arguido negou tais condutas, sendo certo que a demais prova produzida revelou-se insuficiente para demonstrar essa realidade.
Com efeito, considerando os esclarecimentos prestados pelo Dr. II – que referiu que as restantes marcas físicas poderiam resultar de acção defensiva da vítima, aliado ainda ao facto de o próprio irmão da vítima reconhecer que, juntamente com o arguido, transportaram BB pelas escadas, agarrando-a pelos braços e pelas pernas, subsistiu a dúvida quanto à origem das restantes lesões evidenciadas ao nível do tórax (note-se que são equimoses na região clavicular, ou seja, próxima do pescoço) e membros superiores: resultaram de agressões? De acção defensiva da vítima? Do transporte da vítima pelas escadas do prédio? Não sabemos.
Perante tal estado de incerteza, sendo tal dúvida insanável e razoável, impunha-se que fosse valorada em benefício do arguido, em homenagem ao princípio in dubio pro reo, o que determinou a decisão do Tribunal, dando esses factos como não provados.
Já no que concerne ao apuramento dos restantes factos, relativos à morte de BB, pese embora o arguido tenha admitido os factos objectivos, afirmou que não era sua intenção matar a companheira, dizendo que apenas a queria “acalmar”.
Porém, a invocada intenção do arguido não se compagina com o quadro fáctico apurado e restante prova carreada para os autos, e, por isso, as suas declarações, nesse conspecto, não nos mereceram credibilidade.
Com efeito, importa ter presente que depois de o arguido ter agredido a companheira com um murro, esta saiu da cama e dirigiu-se para a casa de banho, levando consigo o seu telemóvel, dizendo a AA: “vais ver”.
Foi, aliás, nesse momento que AA se levantou e foi de imediato no encalço da companheira até à casa de banho, sendo evidente que o fez para evitar que BB fosse ligar a alguém, dando conta de que acabara de ser agredida.
A corroborar a conclusão a que o Tribunal chegou está o facto de o arguido afirmar que retirou o telemóvel do alcance da mulher, já depois de ter efectuado a manobra de “mata leão”, dizendo que lhe retirou o telemóvel para ver se ela estava a ligar para alguém, e ao constatar que tal não ocorria, deixou-a prostrada no chão da casa de banho, dirigindo-se para a sala.
Foi, pois, este o quadro em que o arguido aplicou a manobra de “mata leão” a BB, não se afigurando minimamente credível que o arguido o tivesse feito “para a acalmar”, tanto mais que foi o arguido que decidiu seguir a companheira para a casa de banho, e se efectivamente não pretendesse prosseguir a contenda teria ficado no quarto.
Por outro lado, da própria versão apresentada pelo arguido resulta que BB estava a tentar afastar o arguido, empurrando-o pela zona do peito, com as duas mãos abertas – acção que evidencia claramente a intenção de apartar de si o agressor –, não colhendo minimamente a versão do arguido de que estavam “embrulhados”.
Acresce que em momento algum, e apesar das várias insistências do Tribunal, o arguido conseguiu sequer concretizar em que acções se traduzia esse estarem “embrulhados”, o que só conferiu ainda maior inverosimilhança à justificação aventada para que tivesse aplicado a manobra de “mata leão”.
Mas mesmo que se admitisse como possível que a intenção inicial do arguido fosse “acalmar” a companheira – o que não se concede –, nunca uma pessoa com os mais de 10 anos de experiência e prática de Jiu-jitsu o faria com recurso a uma manobra de “mata leão”, tanto mais que, como ficou cabalmente demonstrado em audiência, se tal manobra não for interrompida a tempo, culmina com a morte do oponente, existindo muitas outras manobras de contenção, não letais – como o arguido bem sabia e que praticava –, antes tendo AA decidido apertar o pescoço da sua companheira da forma como o fez, fazendo uso da força de tal forma que bem sabia ser letal, o que não o inibiu de actuar da forma descrita, culminando com o decesso de BB.
Ainda que se admita que ao deparar-se com a companheira caída no chão, inanimada e já com os lábios roxos, o arguido se tenha arrependido do que fez, procurando tentar ver se era possível reverter a situação, ligando para o INEM, certo é que ao ser confrontado com algumas perguntas por parte do operador desligou o telemóvel, assim impedindo o pronto socorro da companheira, sendo que apenas voltou a falar com quem poderia prestar assistência devido a contacto feito por iniciativa do próprio operador do INEM.
Estava, pois, o arguido perfeitamente consciente do que acabara de fazer, pretendendo apenas ocultar a sua conduta e a sua responsabilidade naquele resultado.
A reforçar tal convicção está o facto de o arguido ter procurado ocultar a sua conduta também do irmão da vítima, EE, dizendo-lhe que BB tinha tomado comprimidos e que a tinha encontrado assim.
Perante o que se deixa exposto, no que tange à intencionalidade subjacente às condutas do arguido, o Tribunal concluiu pela sua verificação de acordo com um juízo de verosimilhança, assente nas regras da experiência comum, no confronto com a demais factualidade objectiva apurada, com o percurso lógico supra enunciado, não se suscitando dúvidas quanto ao facto de o arguido ter actuado com dolo directo quanto a ambas as condutas, sendo que ao apertar o pescoço de sua mulher, da forma como se apurou ter actuado o fez com dolo homicida (e não de ofensas), ainda que se admita que o tenha feito num momento de raiva e descontrolo, como sucede, aliás, na maioria dos casos de idêntica natureza.
No que concerne à demais matéria dada como provada, mormente quanto à matéria do pedidos cíveis e às condições pessoais e de vida do arguido, da vítima e dos seus filhos, louvou-se o Tribunal nos elementos documentais supra referidos, designadamente nos assentos de nascimento, na informação clínica da médica psiquiatra que acompanhava BB, no relatório social e no CRC do arguido, bem como na factura hospitalar, conjugados ainda com as declarações do arguido e os depoimentos dos irmãos e amigas de infância de BB, anteriormente identificados, que evidenciaram conhecimento directo quanto a tal matéria, designadamente quanto à dinâmica familiar do arguido e da companheira.
Por fim, a restante matéria dada como não provada, mais concretamente a constante das alíneas c) a g), resultou da circunstância de se ter demonstrado outra realidade, e também da insuficiência probatória verificada, porquanto a prova produzida se mostrou insuficiente para persuadir o Tribunal a decidir de forma diversa, não podendo ignorar-se, quanto à alínea f), o estado depressivo em que a vítima se encontrava, tendo chegado a verbalizar à irmã que não tinha vontade de viver.»
Omissão de pronuncia
Erro notório na apreciação da prova
Contradição insanável da fundamentação
Inexistência de concurso efetivo
Medidas das penas parcelares.
Montante indemnizatório excessivo
A que acrescem as questões prévias invocadas pelo Mº Pº no seu parecer:
Rejeiçao do recurso quanto aos vícios do artº 410º CP
Rejeição do recurso por dupla conforme quanto ao crime de ofensa à integridade física, e
- ainda, oficiosamente, quanto ao pedido civil de indemnização
No que respeita às questões prévias suscitadas.
Como resulta do artº 414º3 CPP, a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior pelo que nada impede a apreciação destas questões ou outras que se suscitem.
Conhecendo
O Mº Pº neste STJ no seu parecer entende que o recurso na medida em que invoca o erro notório na apreciação da prova, deve ser rejeitado nessa parte, por inadmissibilidade legal, visto que o recurso para o STJ visa exclusivamente matéria de direito (artº 434ºº CPP), apenas podendo conhecer de tais vícios (da matéria de facto) oficiosamente (artºs 410.º, n.º 2, 426.º e 434.º, CPP e Ac. FJ n.º 7/95 e 10/2005, e apenas podendo ser alegados pelo recorrente nas situações recursivas previstas no artº432.º, n.º 1, a) e c), CPP (em que o STJ intervém como 2ª instância).
Dispõe o artº 434º CPP: “O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º”
Por sua vez o artº 432º CPP diz-nos que:
“1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;
d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.
2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º”
Dispõe por sua vez o artº 400º CPP sobre a não admissibilidade dos recursos:
“1 - Não é admissível recurso:
a) De despachos de mero expediente;
b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;
c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º;
d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos;
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;
g) Nos demais casos previstos na lei.
2 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.
3 - Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.
Como decorre das normas supracitadas com a alteração promovida pela Lei 94/2021 de 21/12, a possibilidsde de o STJ conhecer da matéria de facto emergente dos vicios e nulidades não sanadas do artº 410º 2 e 3 CPP, é restrita aos recursos referidos nas al. a) e c) do artº 432º CPP em que o STJ funciona como 2ª instancia (funcionando a Relação como 1ª instancia, ou o Tribunal coletivo / ou de júri / recurso per saltum). Estas normas (artº 432º, 1 a) e c), 434º e 400º 1 e) CPP foram introduzidas pela mesma lei 94/2021, pelo que é inequívoca a intenção legislativa de admissão de recurso sobre a matéria de facto (no que respeita aos vícios da decisão e nulidades do artº 410º CPP) apenas aos casos das al. a) e c) do artº 432º CPP em que não se insere o presente recurso.
No sentido da não admissibilidade, com tais fundamentos, de recurso de acórdãos da Relação tirados em recurso, tem decidido o STJ (ac. 1/3/2023 Proc 589/15.0JABRG.G2.S1 www.dgsi.pt Cons. Ernesto Vaz Pereira; ac 23/3/2022 Proc 4/17.4SFPRT.P1.S1 www.dgsi.pt Cons. Lopes da Mota).
Não sendo admissível recurso com tais fundamentos (matéria de facto – vícios do artº 410º2CPP nos quais também se inclui a contradição insanável da fundamentação), deve o mesmo ser rejeitado nessa parte, face à cindibilidade das questões recursivas (arts 400º, 403º, 414º, nº 2, e 420, nº 1, al. b).
Assim sendo, não é possível conhecer do vicio assacado ao acórdão da Relação, de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação, ambos submetidos ao mesmo regime como questões de facto.
Em face dessas normas e vista a sua justificação traduzida, no facto de inexistir nem a CRP exigir um duplo recurso sobre a matéria de facto e esta haver sido reapreciada no recurso da Relação – única exigência constitucional -, não vemos que seja essa limitação ao direito ao recurso, tal como a CRP o exige, por violação do artº 32º CRP.
Deverá neste âmbito funcionar a dupla conforme, gerando a irrecorribilidade quanto a essa questão?
Afigura-se-nos que a resposta deve ser positiva, e isto não apenas pela questão em si mesma, pois que a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, está limitada a impugnação destas decisões, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos - al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP atrás transcrito. Ou seja, só é admissível recurso para o STJ com base neste normativo quando a pena seja superior a 8 anos, o que ocorre no caso quanto à pena única, mas não quanto à pena de um ano de prisão aplicada ao crime de ofensa à integridade física. O recorrente pretende ver diminuída apenas a pena única retirando do concurso (e do cumulo jurídico) a pena (de 1 ano de prisão) relativa ao crime de ofensa à integridade física. Ora esta questão traduzida na averiguação da existência autónoma do crime de ofensa à integridade física, por fazer ou não fazer parte do iter criminis que conduziu ao crime de homicídio (facto consumido por este), depende da admissibilidade do recurso quanto ao ilícito da ofensa à integridade física.
Assim, não sendo admissível o recurso quanto ao crime de ofensa à integridade física, por a respetiva pena de 1 ano de prisão ter sido a aplicada no tribunal da 1ª instância e confirmada pelo Tribunal da Relação, ocorrendo a dupla conforme, que confirmou a pena e a existência do concurso efetivo (dependente da apreciação da matéria de facto) não é possível conhecer consequentemente das questões a tal ilícito relativas, já apreciadas pela Relação em recurso, e que pressupõem a admissibilidade do recurso para o STJ.
A Jurisprudência5 tem sido unânime no sentido da inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça na parte criminal quando existe a dupla conforme e a pena em causa seja inferior a 8 anos de prisão e da prejudicialidade do conhecimento das questões suscitadas nesse âmbito no recurso, pelo que deve o recurso ser rejeitado também nesta parte.
Assim:
Reclama o arguido contra o montante indemnizatório arbitrado, e por entender que “a indemnização determinada à luz da equidade não deve ser de tal modo elevada que funcione como um obstáculo desproporcional à reinserção social do indivíduo” pede a sua fixação global em 100.000€.
Dispondo o artº 400ºnºs 2 e 3 CPP que: “2 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.
3 - Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.” desses normativos resulta uma limitação ao recurso da parte civil da sentença condicionada ao valor do pedido e da sucumbência ( nº2), e uma extensão do mesmo no que respeita ao mesmo pedido civil, ao admiti-lo sem subordinação à parte penal, concedendo-lhe por isso autonomia, o que está em consonância com o disposto no artº 403º 1 e 2 c) CPP que permite a limitação autónoma do recurso ( em especial parte crime e parte civil) por parte do recorrente, pondo em causa e fazendo cessar o principio de adesão (artº 71º CPP), segundo o qual o pedido civil segue o processo penal.
Se na parte crime o recurso interposto é admissível (apesar da dupla conforme: a Relação confirma a pena da 1ª instância) face à medida da pena – superior a 8 anos de prisão – já em relação à parte civil a questão se coloca noutros termos, pois que existe quanto a ela também a dupla conforme.
Não se mostra que ocorra qualquer óbice ao recurso por via do artº 400º2 CPP (valor do pedido e da sucumbência), mas em face do disposto no nº3 já é questionável.
Apreciando:
Foi intenção do legislador ao estabelecer a regra do nº3 (Lei nº 48/2007 de 29/8) colocar em igualdade o demandante civil em processo civil e em processo penal (até porque a fixação da indemnização emergente do crime é regulada pela lei civil – artº 129º CP), dai que se considere por força do artº4º CPP que nestas circunstancias é aplicável o regime de recursos do Código de Processo civil (única maneira, cremos, de atingir o objetivo legal: a igualdade entre demandantes civis e penais).
Por força dessa alteração a jurisprudência vem entendendo no sentido de que o regime de admissibilidade dos recursos previsto no Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária aos recursos relativos a pedidos de indemnização cível formulados em processo penal, sendo de aplicar o regime da denominada dupla conforme previsto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo do 4.º do CPP6.
O artº 671º3 CPC dispõe que “3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte” (sendo que este subsequente artº se refere à revista excecional que não é o caso). Este normativo consagra a exceção da “dupla conforme” sujeita assim a que o acórdão sob recurso (da Relação) seja confirmatório da decisão da 1ª instância7, recolha a unanimidade dos subscritores (logo sem voto de vencido), e a fundamentação da concordância não seja essencialmente diferente8.
Ora no presente caso o acórdão da Relação, por unanimidade, negou provimento ao recurso e confirmou o valor das indemnizações arbitradas pela 1ª instancia (e discriminadas supra no relatório deste acórdão), sem quaisquer fundamentos materiais ou jurídicos novos, em face do que existe a dupla conforme quanto ao pedido civil de indemnização.9
Existindo a dupla conforme no que respeita à parte civil da decisão (indemnização civil), o recurso nessa parte não é admissível por força do dispositivo analisado - artº 671º3 CPC e artºs 4º e 432º2 b) CPP10 o que determina nos termos do artº 420º 1b) CPP, a rejeição do recurso, com a condenação do recorrente no pagamento de uma importância entre 3 a 10Uc ( artº 420º3 CPP). A tal não obsta a decisão da Relação que admitiu o recurso, pois não vincula o tribunal superior – artº 414º3 CPP.
Deve assim também ser rejeitado o recurso nesta parte.
Neste âmbito inicia o arguido o seu recurso invocando a nulidade do acórdão da Relação por omissão de pronuncia.
Esta teria ocorrido porque a Relação no seu acórdão sobre a impugnação do nº8 dos factos provados “[não teria respondido] porém, à argumentação do arguido. Na verdade, o Tribunal contornou a questão, dizendo, contra as regras da experiência comum, que seria irrelevante saber, para aquilatar do dolo do arguido, se a vítima estava ou não consciente depois de aplicada a manobra.” - cls. 10ª) e isto porque “Em relação ao facto provado 8, o arguido entendeu que o tribunal de 1.ª instância não poderia ter dado como provado que a vítima caíra inanimada no chão da casa de banho após ter-lhe sido aplicada a manobra do mata-leão.” - cls 7ª.
Dispõe o artº 379º 1c) CPP que “É nula a sentença:
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar …” do qual resulta que a nulidade só ocorre quando a não pronuncia se refere a questões, como a jurisprudência tem uniformemente interpretado tal norma, e não aos argumentos que o recorrente expenda sobre a questão11.
Ora o recorrente expressamente refere que o tribunal não teria respondido a um ponto da argumentação do recorrente invocada na impugnação do nº 8 dos factos provados, pelo que não ocorre a nulidade invocada, que só existiria se a questão suscitada (não prova do nº8 dos factos provados na parte por si assinalada) não tivesse ocorrido como ocorreu e abundantemente foi escalpelizada por parte da Relação de fls 35 a 39 do acórdão que aqui se dá por transcrita.
Improcede assim esta questão.
Dado que não existe essa omissão de pronuncia, fica prejudicada a apreciação da alegada, na resposta ao parecer doo Mº Pº, inconstitucionalidade por violação do direito ao recurso.
Vejamos.
Após a consideração das normas legais, de soluções doutrinais e jurisprudenciais a Relação no seu acórdão manteve a decisão da 1ª instância e para tanto ponderou: “Os argumentos do arguido mostram-se inaptos para modificar a medida das penas.”
Desde logo, no que respeita ao crime de ofensas à integridade física é manifesto que um murro num olho, com a intensidade que as lesões decorrentes demonstram, está longe de ser considerado sem consequências físicas relevantes. A gravidade ofensiva do acto, decorrente não só do ilícito mas do local onde foi exercido, a dor provocada segundo critérios de experiência comum e o resultado decorrente, de hemorragia subconjuntival do olho apontam para um ilícito de elevada gravidade objectiva, aliado a um grau de culpa igualmente intenso. O facto de ter sido desferido no decurso de uma discussão não minimiza nenhum dos factos em causa, porque o tipo de crime ocorre, normalmente, na sequência algum desaguisado entre os intervenientes. No caso, aumenta, porque sabendo o arguido que a sua companheira, mãe dos seus filhos, padecia de depressão, agiu de forma a garantir o agravamento da doença.
A questão da discussão também não releva para efeitos da diminuição da ilicitude ou da culpa quanto ao crime de homicídio. Nem a discussão, nem a ausência de circunstâncias susceptíveis de integrar qualificativas, porque não haver agravantes especiais não significa uma menor ilicitude ou culpa em face das características concretas do homicídio.
A forma de atuação, em manobra de mata-leão, em face das concretas características do arguido, praticante de luta desportiva funciona claramente como agravante geral, porque sabia da letalidade da manobra, que executou em termos adequados a provocar o resultado,
Se os filhos não se aperceberam do ocorrido não foi por qualquer especial cautela do arguido, mas porque simplesmente não acordaram, o que fugiu ao seu controle. Acordaram depois, com a mãe morta e o pai na prisão!
A questão das ligações para e da emergência médica e bem assim a solicitação da intervenção do irmão da ofendida já foram analisadas. E o que se retira do conjunto das atitudes é que o arguido estava mais preocupado em “salvar a pele” do que propriamente em pedir ajuda médica para a ofendida. Isso só pode ter dois significados: ou ele sabia que ela estava morta e devia ter dito isso mesmo quer ao INEM quer em julgamento, ou se não sabia, ainda depois do crime, agiu com frieza de ânimo, no sentido de não se comprometer com o facto de ter sido ele o autor do crime.
O cadastro do arguido não é nada inócuo face aos crimes em causa. Desde 2010 (os seus 17 anos) que foi condenado pela prática de cinco crimes de roubo e um de ofensa à integridade física simples. Em todos estes crimes está em causa a integridade física dos ofendidos, o exercício de atos de agressão danosos contra as pessoas dos ofendidos.
A preocupação com o futuro dos filhos, num pai normal, é um assunto que deve nortear todos os atos da sua vida. Matar a mãe está nos antípodas dessa pressuposta preocupação, pelo que a argumentação não colhe.
Não encontramos fundamento para alterar a pena. Há penas de todo o tipo para o mesmo tipo de crime. Tudo depende do peso das circunstâncias, ou seja, do grau de ilicitude e da culpa, das necessidades de prevenção geral (elevadíssimas e alarmantes, quanto ao crime de homicídio) e especial. Os contornos dos casos referidos não são idênticos aos deste processo. A questão é saber se, em face da ilicitude e da culpa as penas aplicadas são, ou não, excessivas e, com segurança, não são.”
Apreciando:
À determinação da medida da pena, para Figueiredo Dias “há-de subjazer um juízo de censura global pelo crime praticado, pelo que se impõe aqui, também para a determinação da sua necessidade e medida concreta o recurso aos critérios estabelecidos nos artigos 40º e 71.º do Código Penal.” e assim “grosso modo” a determinação da medida da pena concreta a aplicar ao arguido e a cada crime envolve diversos tipos de operações mentais e materiais, ponderando-se que em face do artº 40ºCP, as finalidades das penas reconduzem-se à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial) e, dentro da moldura legal, estabelece o artº71º nº 1 CP, que a pena concreta é achada “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” – sendo a culpa o suporte axiológico de toda a pena, pois “A culpa é o pressuposto e fundamento da responsabilidade penal. A responsabilidade é a consequência ou efeito que recai sobre o culpado. (...) Sendo pressuposto e fundamento da responsabilidade deve ser também a sua medida, (...). O domínio do facto pelo agente é o domínio da sua vontade racional e livre, e é esta que constitui o substrato da culpa”12, tendo presente que o princípio da culpa é a “consequência da exigência incondicional da defesa da dignidade da pessoa humana que ressalta dos artigos 1º, 13º, n.º 1 e 25º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa”13– sendo as exigências de prevenção quer gerais quer especiais, e que (e assim Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 227 e sgt.s) as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção atuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer;
Por outro lado há ter em atenção que o recurso sobre a medida da pena versa sobre a inobservância dos critérios previstos no artº 71º CP por se ter considerado factos que não ocorreram, ter-se omitido a ponderação de factos que devia considerar, ou existir uma inadequada valoração da culpa e das exigências de prevenção, que revelem quantificação desproporcionada da pena, pelo que se o facto invocado como não ponderado na determinação da medida da pena, foi, na realidade, ponderado, e se é invocada a desproporção da pena sem qualquer esforço de demonstração do alegado, a questão suscitada não pode produzir o efeito pretendido pelo recorrente na sequência da doutrina de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra edit, 2005 pág. 197, de que em caso de recurso é possível quanto à medida da pena proceder “ à correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. (…) a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Esta última posição é a mais correcta (…). Mas já assim não será, e aquela tradução será controlável (….) se v.g. tiverem sido violadas regra das experiencia ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (sublinhado nosso), no que é seguido pelo STJ (ac. 12/4/2007 proc 07P1228 Cons. Carmona da Mota in www.dgsi.pt/jstj) que se expressou do seguinte modo: “Daí que, depois de controladas e julgadas correctas todas as operações de determinação da pena, não reste ao tribunal ad quem, num recurso limitado às correspondentes questões de direito, senão verificar se a quantificação operada nas instâncias, respeitando as respectivas «regras de experiência», se não mostra «de todo desproporcionada».
Como que fazendo uma síntese de tais regras expressas na doutrina e na jurisprudência, o STJ no seu ac. de 16/6/2010 proc. 7/09.2GAADV.E1.S1 Cons. Raul Borges, www.dgsi.pt/jstj decidiu: “VII - Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão, o juiz serve-se do critério global contido no art. 71.º do CP – preceito que a alteração introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09, deixou intocado, como de resto aconteceu com o referido art. 40.º –, estando vinculado aos módulos-critérios da escolha da pena previstos do preceito.
VIII - Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.”
Neste âmbito apenas há que ponderar e extrair ilações que se repercutam na determinação da pena dos factos provados e não quaisquer outros avançados pelo recorrente.
Assim visto o decidido e os critérios do artº 71º CP, e adotados pelo tribunal em face dos factos provados verifica-se que todos os suscitados pelo recorrente foram analisados e ponderados, como supra se transcreve e não é descurado nenhum elemento que o devesse ser e não é tido em conta facto que não devesse, pelo que as penas parcelares tendo em conta a moldura penal (do crime de ofensa à integridade física e do de homicídio), não se mostram por efeito daquelas circunstancias desajustadas, tendo em conta a sensibilidade social atual para este tipo de crimes, cometidos no âmbito familiar, geradora de uma maior exigência de prevenção geral positiva, relativa à eficácia do direito penal e por essa via da manutenção da validade da ordem jurídica, o que aliado à personalidade do agente, que se revela violenta, como o demonstram não apenas os atos em apreciação mas também o seu violento passado criminal (desde o momento em que adquire imputabilidade penal): ofensa à integridade física e roubo) se mostram justas, adequadas e proporcionais aos factos e à personalidade do arguido que aqueles revelam e sem que se ultrapasse o limite imposto pela sua culpa.
Suscita o arguido a comparação com outros casos e outras penas, que a Relação apreciou e como supra se transcreveu, rejeitou.
Estamos no âmbito do principio da igualdade na aplicação das penas.
Se a diversidade de juízos e apreciações é inerente à independência dos juízes e dos tribunais, e é essa diversidade e a procura dela que motiva este e os demais recursos, não se pode esquecer que sempre se visa também uma uniformidade, e é neste âmbito que releva o principio da igualdade dos cidadãos perante a lei (consagrado no artº 13º CRP) que impõe também a igualdade na aplicação do direito, o que pressupõe em geral para a sua relevância que estamos perante uma igualdade de situações de facto, e constituindo uma proibição de discriminação, exige que as diferenciações de tratamento sejam fundadas e não discricionárias ou arbitrárias e se fundem numa distinção objetiva e se revelem necessárias.
Daí que se assinale (cf. ac. TC 223/95 de 27/6/95) ao princípio da igualdade fundamentalmente três dimensões ou vertentes: a proibição do arbítrio, a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, significando a primeira, a imposição da igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais; a segunda, a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em critérios subjetivos (v.g., ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social), e a última como forma de compensar as desigualdades de oportunidades, impondo e reconhecendo essa diferença.14
A nível do direito penal e das penas, expendeu o STJ no seu ac. 16/2/06, proc. nº 06P124 in www.dgsi/pt/jstj Cons. Simas Santos, que: “ 3 – O princípio da igualdade, no domínio da aplicação do direito significa que nessa aplicação não há lugar a discriminação em função das pessoas; todos beneficiam por forma idêntica dos direitos que a lei estabelece, todos por forma idêntica se acham sujeitos aos deveres que ela impõe. 4 – Um dos princípios fundamentais do direito penal é o da igualdade nas decisões de justiça, preocupando quase todas as sociedades democráticas o problema conexo das disparidades na aplicação das penas. Com efeito, a desigualdade no sistema de justiça penal é uma questão fundamental pois que, mal é notada, perturba não só a paz social mas também as infracções a que pretende responder, problema a abordar de maneira operacional, pois seria uma operação vã confrontar os sistemas de justiça penal com um ideal absoluto e mítico – por essência, inacessível. 5 – Na individualização da pena o juiz deve procurar não infringir o princípio constitucional de igualdade, o qual exige que, na individualização da pena, não se façam distinções arbitrárias. Sem deixar de reconhecer que considerações de justiça relativa impõem que se considerem na fixação de penas em caso de comparticipação as penas dos restantes co-autores, importa notar que a questão das disparidades injustificadas nas penas deve gerar essencialmente uma resposta sistémica, tendente a, em geral, compreender e reduzir o fenómeno. (…)7 – Se é patente, no quadro de facto, o diferente o posicionamento dos dois arguidos, e de muito maior responsabilidade, para o arguido, que se situa num patamar acima no tráfico de droga, de que a co-arguida é mero correio, colaborando esta com a Polícia e aceitando a materialidade dos factos apurados e negando-os o arguido, procurando debalde construir uma versão que o inocentasse, justificasse a imposição de uma pena mais grave para este último.”15
Apesar da globalização comunicacional, inclusive a nível judiciário, não é ainda possível cumprir com esse desiderato e promover uma igualdade de penas, e nem esta é possível, na verdade, (a não ser em automatismo onde falece a apreciação humana) em face da diferença e diversidade de casos, de factos e seus contornos e de pessoas, e esta realidade é evidenciada pela analise dos casos que o recorrente suscita. O juízo comparativo exigido pelo principio da igualdade apenas se revele com eficácia no âmbito do mesmo processo no pressuposto de comparticipação (plural) nos mesmos, em que as exigências de prevenção e da culpa podem ser equiparadas. Assim também por esta via não podem ser alteradas as penas parcelarmente aplicadas ao arguido, e isto partindo das regras legais e normativas existentes, sem cuidar.
a) - Rejeitar o recurso do arguido AA, quanto à invocação dos vícios do artº 410º CPP, quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada, e quanto à parte civil, por inadmissibilidade legal;
b)- Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, quanto à parte crime da decisão, pelo que a mantém;
Condenar o arguido no pagamento da taxa de justiça de 7 Ucs e nas demais custas
Registe e notifique
José A. Vaz Carreto (relator)
Antero Luís
Lopes da Mota
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1. Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335
2. in DR I-A de 11/12/94 e DR. I-A de 28/12 / 95
3. G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742,
4. - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100f
5. Cfr por todos os acórdãos do STJ, acessíveis in www.dgsi.pt:
De 17-06-2020, Proc.91/18.8JALRA.E1.S1, cons. Raul Borges
“Tem sido jurisprudência constante deste STJ, que a inadmissibilidade de recurso decorrente da dupla conforme impede este tribunal de conhecer de todas as questões conexas com os respectivos crimes, tais como os vícios da decisão sobre a matéria de facto, a violação dos princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, da qualificação jurídica dos factos, da medida concreta da pena singular aplicada ou a violação do princípio do ne bis in idem ou de quaisquer nulidades, como as do artigo 379.° do CPP.”
De 10.03.2021 Proc. 330/19.8GBPVL.G1.S1Cons. Nuno Gonçalves
II - Salvo disposição legal expressa, as mesmas questões já duplamente apreciadas e uniformemente decididas por tribunais de duas instâncias, não podem legitimar mais uma reapreciação em 2.º grau recurso, pelo STJ.
III - Irrecorribilidade extensiva a todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a matéria de facto, nulidades, vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, a qualificação jurídica, a escolha das penas e a respetiva medida. Em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais.
De 15.09.2021, Proc.350/14.9JAFAR.E1.S1 Cons. Ana Brito:
I - Em caso de dupla conforme, à luz do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, são irrecorríveis as penas parcelares e únicas aplicadas em medida igual ou inferior a 8 anos de prisão e confirmadas pela Relação, conhecendo o Supremo apenas das penas de prisão, parcelares e únicas, aplicadas em medida superior a 8 anos.
II - E restando para apreciação no recurso a medida da pena única, circunscrevendo-se o conhecimento da impugnação estritamente a matéria de direito, não cumpre apreciar de nenhuma questão relativa à condenação nas penas parcelares precedentes, nem dos fundamentos do pedido de redução da pena única desenvolvidos na estrita decorrência da impugnação das penas parcelares.
De 19/01/2023, proc 151/16.0JAPTM.E1.S1 Cons. Maria do Carmo Silva Dias:
I- Tendo a Relação reduzido a pena imposta pela 1ª instância e aplicado ao recorrente a pena única de 7 anos 10 meses de prisão, a irrecorribilidade para o STJ estende-se a toda a decisão e, tal como assinalado no ac. do TC n.º 186/2013, abrange “todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e conduziu à condenação”.
II- Assim, as questões suscitadas no recurso da decisão da 1ª instância, foram decididas definitivamente pela Relação, atenta a pena única (inferior a 8 anos de prisão – art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP) aplicada ao recorrente, que foi objeto de dupla conforme (que, no caso, inclui a confirmação in mellius), não sendo admissível recurso para o STJ, razão pela qual é o mesmo de rejeitar, não vinculando este tribunal a admissão do recurso pela Relação (art. 414.º, n.º 3, do CPP).
De 12/01/2023, proc. 757/20.2PGALM.L1.S1 Cons. Orlando Gonçalves:
I - O propósito do legislador, nas alterações introduzidas no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, pela Lei n.º 20/2013, de 21-02, substituindo no texto da lei a referência a pena aplicável, por pena aplicada, foi reduzir a admissibilidade de recurso para o STJ dos acórdãos proferidos, em recurso pela Relação, em caso de “dupla conforme, acolhendo a jurisprudência o entendimento de que ocorrendo “dupla conforme” e tendo sido aplicadas várias penas por diversos crimes em concurso que nos termos do art. 77.º do CP, devam ser aglutinadas numa única pena, só quanto à pena única superior a 8 anos de prisão e aos crimes punidos também com penas de tal dimensão, é admissível recurso para o STJ.
II - Constitui jurisprudência sedimentada do STJ, que o recurso para este tribunal não só não é admissível quanto às penas propriamente ditas não superiores a 8 anos de prisão, como também em relação a todas as questões processuais e de substância com elas conexas colocadas a montante que digam respeito a essa decisão, tais como, as relativas às nulidades, vícios indicados no art. 410.º do CPP, à apreciação da prova, incluindo o respeito da livre apreciação da prova e do princípio in dúbio pro reo, à qualificação jurídica dos factos e à determinação da medida da pena.
Esta interpretação que o STJ faz da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, não foi julgada inconstitucional pelo TC, no seu acórdão n.º 186/2013, decidido em Plenário.
De 21.02.2024 Proc. 424/21.0PLSNT.S1.L1.S1 Cons. Lopes da Mota:
I. Da conjugação do disposto nos artigos 400.º, n.º 1, als. e) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, resulta que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância.
II. Estando, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, encontra-se o Supremo Tribunal de Justiça também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que lhe digam respeito, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP ou respetivas nulidades (artigo 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP).
III. Porque as nulidades e vícios do acórdão da Relação que vêm invocados dizem respeito à decisão na parte que se refere aos crimes em concurso, a que foram aplicadas penas singulares não superiores a 5 anos de prisão, e tendo o acórdão recorrido confirmado, sem qualquer alteração, a decisão da 1.ª instância que aplicou essas penas, o recurso para este Supremo Tribunal de Justiça não é admissível nesta parte.
IV. Na procedência desta questão prévia, é, pois, o recurso rejeitado quanto a essas questões, limitando-se a sua apreciação à questão da determinação da pena única…”
De 1.03.3023 proc. 685/10.0GDTVD.L2.S1 Cons. Lopes da Mota:
I. O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é um segundo recurso do acórdão da 1.ª instância, mas um recurso do acórdão da Relação, que conheceu daquele recurso.
II. Só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância, regra que é aplicável quer se trate de penas singulares, aplicadas pela prática de um único crime, quer se trate de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas aos crimes em concurso.
III. Estando, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, o Supremo Tribunal de Justiça encontra-se também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que lhe digam respeito, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP ou respetivas nulidades (artigo 379.º e 425.º, n.º 4) e questões ou matérias relacionadas com a apreciação da prova – nomeadamente, de respeito pela regra da livre apreciação (artigo 127.º do CPP) e do princípio in dubio pro reo ou de questões de proibição ou invalidade de prova –, com a qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas correspondentes aos tipos de crime realizados pela prática desses factos ou com questões de constitucionalidade suscitadas a esse propósito.↩︎
6. Apud ac STJ 9/5/24 Rec 161/22.8PAENT.E1.S1 Cons. Celso Manata “Neste sentido veja-se, entre outros, os seguintes acórdãos: de 27.06.2012, proc. 1466/07.3TABRG.G1.S1; de 15.05.2013, proc. 7/04.9TAPVC.L2.S1; de 29.01.2015, proc. Proc. n.º 91/14.7YFLSB; de 07.09.2016, proc. 256/10.0GARMR.E1.S1; de 25.01.2017, proc. 1729/08.0JDLSB.L1.S1; de 19.12.2018, proc. 10179/12.3TDLSB.L2.S1; de 04.12.2019, proc. 354/13.9IDAVR.P2.S1; de 24.09.2020, proc. 416/13.2GBTMR-A.E1.S1; de 12.11.2020, proc. 163/18.9GACDV.C1.S2; de 20.10.2022, proc. 1991/18.0GLSNT.L1.S1; de 07.12.2022, proc. 406/21.1JAPDL.L1.S1; de 14.09.2023, proc. 1923/16.0T9VNG.P2.S1)
7. Ac. STJ 14/6/20 proc.8641/14.2RDLSB.C1.S1 Cons. Helena Moniz in ECLI:PT:STJ:2020:8641.14.2RDLSB.C1.S1.apud ac STJ 9/5/24 Rec 161/22.8PAENT.E1.S1 Cons. Celso Manata “considerando que integra o conceito de “dupla conforme” a situação em que a Relação profere uma decisão que, embora não seja quantitativamente coincidente com a da 1.ª instância, seja mais favorável à parte – isto é, quando o recorrente foi beneficiado com o acórdão da Relação comparativamente com a decisão da 1.ª instância. E isto tanto assim é quando a conformidade ocorre porque o demandado recorreu e viu a sua pretensão provida com uma diminuição do quantitativo da indemnização arbitrada, como quando o demandante recorre e vê o seu pedido provido e, consequentemente, aumentado o quantitativo da indemnização arbitrada” que constitui o conceito de conformidade racional em oposição à conformidade formal ( que exige a conformidade entre todos os elementos) sendo que “A conformidade decisória em causa afere-se pela medida em que existe uma confirmação decisória por inclusão quantitativa entre as decisões da 1.ª instância e do Tribunal da Relação, com decisão da Relação mais favorável aos recorrentes” e por isso aferida em função do beneficio para quem recorre.
8. “… deixa de existir dupla conforme “quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, sejam o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada» (acórdão de 17.11.2021, proc. n.º 22990/16.1T8PRT-B.P1-A.S1; acórdão de 31.03.2022, proc. n.º 14992/19.2T8LSB.L1.S1, contendo diversas referências jurisprudenciais; cf. caderno de jurisprudência temática sobre o tema da dupla conforme, incluindo o conceito de “fundamentação essencialmente diferente”, disponível na página do Supremo, de 2013 até março de 2022, no seguinte link: https://www.stj.pt/wpcontent/uploads/2022/05/dupla_conforme.pdf), apud ac. STJ 9/5/24 citado supra
9. Ac. STJ 5/7/2012 proc. 696/03.1PAVCD.P1.S1 Cons Santos Carvalho www.dgsi.pt: “I - Nos termos do art.º 721º, nº 1, referido ao art.º 691.º, n.º 1, do CPC, na versão resultante do DL nº 303/2007, de 24 de agosto, cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que tenha incidido sobre uma decisão de 1ª instância que tenha posto termo ao processo. Mas, de acordo com a norma do nº 3 do primeiro destes preceitos, «não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte». II - Este n.º 3 do art.º 721.º do CPC é aplicável ao processo penal. Se o legislador do CPP quis consagrar a solução de serem as mesmas as possibilidades de recurso, quanto à indemnização civil, no processo penal e em processo civil, há que daí tirar as devidas consequências, concluindo-se que uma norma processual civil, como a do n.º 3 do art.º 721.º do CPC, que condiciona, nesta matéria, o recurso dos acórdãos da Relação, nada se dizendo sobre o assunto no CPP, é aplicável ao processo penal, havendo neste, em relação a ela, caso omisso e a sua aplicação não afeta a unidade do sistema. III - No caso do acórdão recorrido, ora em apreço, a Relação confirmou os montantes dos danos patrimoniais e dos danos não patrimoniais que a 1ª instância fixara, pois apenas acrescentou aos primeiros a quantia de € 165,92. Nesta situação, o acórdão recorrido constitui dupla conforme para a demandante e é, portanto, irrecorrível para ela. Na verdade, se a demandante não tivesse logrado qualquer vencimento no recurso, não haveria revista para o STJ; por isso, não tem sentido ter direito a tal recurso de revista no caso de haver logrado algum vencimento no recurso para a Relação. IV - É evidente que a decisão da Relação, no presente caso, seria recorrível para os demandados, caso tivessem querido interpor recurso de revista para eventual correção do valor da indemnização, pois, em relação aos mesmos, não foi confirmado o valor indemnizatório e ficaram mais prejudicados do que já estavam com a decisão da 1ª instância. V - Por isso, pode dizer-se que a decisão da Relação que confirma total e irrestritamente a que foi proferida na 1ª instância é irrecorrível para ambas as partes. Mas a decisão da Relação que confirma parcialmente a da 1ª instância, pode ser irrecorrível para a parte que foi beneficiada (o demandante que obteve mais do que o fixado na 1ª instância, ou o demandado que foi condenado em menos), mas pode ser recorrível para a outra parte que foi prejudicada.”
10. Ac STJ 15-05-2024 Proc. n.º 24/09.2TELSB.L1.S1, Cons. Pedro Branquinho Dias, www.dgsi.pt V -Por força do disposto no art. 4.º do CPP, e uma vez que a ação civil se autonomiza dos destinos da causa penal, dever-se-á também ter em conta que a admissibilidade de recurso não está condicionada apenas pela circunstância do n.º 2 do art. 400.º. Com efeito, a pretendida igualação com o regime de recursos da ação civil importa que os casos de inadmissibilidade previstos no art. 671.º do CPC, nomeadamente, o da “dupla conforme”, previsto no n.º 3, sejam aqui aplicáveis.”
Ac.STJ 4/7/2024 Proc 432/20.8JARL.G1.S1 Cons. João Rato, www.dgsi.pt “V –Também quanto à indemnização arbitrada, se o seu montante não exceder a alçada do tribunal da relação ou verificando-se a “dupla conforme”, ainda que in mellius, da sua decisão não será admissível recurso para o STJ, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400º, n.ºs 2 e 3, do CPP e 629º, n.ºs 1 e 2, a contrario, e 671º, n.º 3, do CPC e 44º, n.º 1, da LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.08, com as consequências referidas no ponto anterior. VI – Dessa irrecorribilidade, como é jurisprudência uniforme do STJ e do TC, também acolhida doutrinalmente, não resulta qualquer violação das garantias de defesa do arguido, nomeadamente quanto ao direito ao recurso, que a CRP impõe, pelo menos (mas apenas) num grau, o suficiente para assegurar o duplo grau de jurisdição, em respeito pelos ditames dos seus artigos 18º, 20º e 32º, que consagram o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e as garantias do processo criminal, e correspondentes instrumentos de direito internacional a que Portugal se encontra vinculado, designadamente a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (CEDH – artigo 2.º do Protocolo n.º 7), a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE – artigo 48º) e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP - artigo 14.º, n.º 5).”
11. Cfr. por todos ac STJ 24/10/2012 www.dgsi.pt proc. 2965/06.0TBLLE.E1 (Cons. Santos Cabral):
“I - A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
II - A «pronúncia» cuja «omissão» determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou às razões alegadas. (…)”
-cfr. também ac. STJ 03.07.2008, proc. 08P1312, Cons. Simas Santos, em www.dgsi.pt.
-A propósito da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, o Prof. Alberto dos Reis ensinava que “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”-Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág. 143.
12. - Prof. Cavaleiro Ferreira, Lições de Dto. Penal, I, págs. 184 e 185)
13. ”- Prof. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 84,
14. “O princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global (cf.., neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 198), que vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cf.. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição Anotada, 1.º vol., cit., p. 151, e Jorge Miranda, «Princípio da Igualdade», in Polis/Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. iii, Lisboa, São Paulo, Verbo, 1985, pp. 404 e 405). Este facto resulta da consagração pela nossa Constituição do princípio da igualdade perante a lei como um direito fundamental do cidadão e da atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição)” in Tribunal Constitucional, ac. de 6/6/1990 nº 187/90 DR, II Série, de 12/9/1990, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19900187.html - dai que se imponha a sua apreciação sem necessidade da sua invocação, abrangendo toda aplicação do direito;
15. Cremos por isso que, a este nível, o princípio da igualdade, como se evidencia no Acórdão n.º 157/88 do TC (DR, I Série, de 26/7/1988), assume a “sua função ‘negativa’ de princípio de ‘controle’” em que a apreciação a fazer é a de saber se se justifica a desigualdade de tratamento em causa, ou seja, a pena aplicada, face ao seu caracter gravoso, se não deve ser minorada essa desigualdade, numa situação em que essa desigualdade se evidencie.