FALTA DE CITAÇÃO
PRAZO DE ARGUIÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
SANAÇÃO
DIREITO DE DEFESA
PROCURAÇÃO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
CONHECIMENTO
CITIUS
MANDATÁRIO JUDICIAL
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
NOTIFICAÇÃO PARA PAGAMENTO DE MULTA
AUDIÇÃO PRÉVIA DAS PARTES
Sumário

I - O art. 189.º do CPC, determina que a falta de citação se considera sanada se o réu ou o MP intervier no processo sem arguir logo a falta de citação.
II - A sanação da nulidade por falta de citação assenta na ideia de que, se quem deveria ter sido citado e não foi, se apresenta ao processo, a função da citação que era a de dar-lhe a conhecer a pendência da causa e proporcionar-lhe a oportunidade de defesa, mostra-se assegurada, não subsistindo razões para manter tal vício.
III - Não dizendo a lei o que se deve entender por “intervenção no processo” a jurisprudência vem-se dividindo quanto ao valor e eficácia da junção de procuração desacompanhada da arguição de nulidade, para o suprimento da nulidade de falta de citação.
IV - Existe um entendimento jurisprudencial tradicional, apoiado no elemento literal, que defende que a junção de procuração a advogado constitui uma intervenção processual relevante e faz pressupor o conhecimento do processo, de modo a poder presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.
V - Existe um outro entendimento de sentido oposto que afasta a possibilidade de considerar a junção de procuração como ato processual relevante para efeitos de sanação da nulidade derivada de falta de citação.
VI - Vem firmando caminho uma terceira corrente jurisprudencial que considera a junção da procuração, ato processual relevante, mas não a toma como pressuposto de conhecimento imediato do processo, face ao modo como se desenrola o acesso do mandatário ao processo eletrónico.
VII - Defendendo a necessidade de compatibilizar o direito constitucional de acesso ao direito com a tramitação eletrónica do processo, esta interpretação atualista considera que a mera junção de procuração não traduz o conhecimento imediato e suficientemente seguro do processo, logo, não supre de imediato a falta de citação.
VIII - Pelo que, a simples junção de procuração não pode ser considerada preclusiva da possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação, nomeadamente no prazo geral para arguição de nulidades.
IX - Podendo ainda, esgotado este prazo, o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis seguintes, mediante o pagamento de multa nos termos do art. 139.º, n.º 5, do CPC.
X - O mandatário de requerida em autos de providência cautelar, só tem acesso aos autos, a partir do momento em que determinada a audição prévia da requerida, faça prova de ter sido constituído mandatário.

Texto Integral


P. 430/23.0T8ELV-A.E1.S1

Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

I.1. Corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Local Cível de … - Juiz …, providência cautelar de entrega judicial e cancelamento de registo no âmbito do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24-06 (redação do Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25-02).

Sendo Requerente a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. e Requerida, a sociedade ADITIOCONSTRÓI - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA.

Formulou a Requerente pedido de entrega imediata à Requerente do imóvel descrito no artigo 5.º do requerimento inicial, com apreensão através da autoridade policial competente, tendo indicado a sociedade “G..., S.A.”, para disponibilizar os meios necessários para o efeito.

Requereu ainda que, só depois de decretada a providência cautelar, fossem ouvidas as partes e antecipado o juízo sobre a causa principal, devendo esta ser julgada procedente e, consequentemente, a Requerida definitivamente condenada na entrega do imóvel, confirmando-se, se necessário, a decisão da providência cautelar pretendida.

Tendo indicado no requerimento inicial, como morada da Requerida: a Rua ....

I.2. A 1ª instância, por despacho de 07-07-2023, considerou que a audição prévia da Requerida não colocava em risco sério o fim ou eficácia da providência (cf. artigo 21.º, n.º 3, do DL nº149/95, de 24 de Junho), e decidiu não dispensar o contraditório prévio, ordenando a citação da Requerida para deduzir oposição “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 366.º, n.º 2, do C.P.C., observando o disposto nos artigos 227.º e 246.º1, ambos do C.P.C.”.

I.3. Em 14-02-2024 a 1ª instância deu a Requerida por regularmente citada.

I.4. E, considerando a inexistência de oposição, nos termos do artigo 567º nº 1 do CPC, aplicável por força do artigo 366.º n.º 5 do mesmo diploma, considerou confessados os factos articulados no requerimento inicial.

Proferindo “despacho final”, no qual julgou procedente, por indiciariamente provado, o presente procedimento cautelar e, em consequência determina-se a apreensão e entrega imediata à requerente da Fração Autónoma designada pela letra “F” que corresponde a um Armazém Comercial – Rés-do-chão – do prédio urbano situado em Rua …, Zona … lote n.º 22, freguesia de … e …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …80 e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo …16.”

I.5. A entrega do imóvel teve lugar em 05-04-2024, com a presença na diligência do legal representante da Requerida, AA – cfr. auto por si assinado, junto ao processo.

I.6. Em 22-04-2024 a Requerida juntou aos autos procuração a mandatário (ref. ...08).

I.7. Na mesma data foi a Requerida e seu Ilustre mandatário notificados nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 366.º, n.º 62, e 372.º, n.º 13, ambos do CPC.

I.8. Através de requerimento apresentado em juízo em 03-05-2024, veio a Requerida, por referência ao artigo 372º, nº 1, al. b), do C.P.C., deduzir oposição ao decretamento da providência, invocando a nulidade por falta da sua citação, e impugnando matéria alegada no requerimento inicial, sustentando nesta parte, a falta de fundamento para a resolução do contrato em apreço e a falta de receção da comunicação da aludida resolução, concluindo, a título subsidiário, por uma situação de abuso de direito.

Alegou ter sede em Urbanização ..., não tendo recebido, nessa morada, qualquer missiva no âmbito dos presentes autos, nem tão pouco sido citada na pessoa do seu ....

A missiva enviada para a Rua ..., não foi dirigida à sede da sociedade nem para qualquer morada do ....

Pugnando pela nulidade da citação e nulidade de todos os atos posteriores.

Ou, assim não se entendendo, pela improcedência da providência.

I.8. A Requerente em 16-05-2024 veio responder à nulidade de citação.

Defendendo que a mesma não ocorreu, mas que, a ter ocorrido, haveria de ser considerada sanada, nos termos do artigo 189º do CPC, face à intervenção da Requerida a 22-04-2024 através da junção da procuração aos autos, sem arguir logo essa falta. Sendo, tal oposição infundada.

I.9. Por despacho de 05-07-2024 a 1ª instância considerando:

- Que a mera junção de procuração forense a favor de mandatário não configura ato processual relevante e que a primeira intervenção da Requerida nos autos ocorreu em 03-05-2024, tendo, logo nesse momento, sido arguida a nulidade de citação, concluiu que arguição é tempestiva e a nulidade invocada não se mostra sanada, devendo ser apreciada.

- Que em face da informação prestada pelos serviços dos CTT em 25-01-2024, se constata que o expediente relativo à 2.ª carta de citação dirigida à Requerida não foi entregue nem ao seu legal representante, nem a funcionário seu (sendo certo que o responsável pela portaria/receção de uma urbanização não pode ser assim qualificado), tendo sido devolvido, intacto e inviolado, ao remetente (Tribunal), a isto acrescendo que o alegado responsável pela portaria/receção da Urbanização ... nem sequer foi devidamente identificado ou advertido do dever de pronta entrega ao citando, conforme resulta expressamente do disposto no artigo 228.º, n.ºs 3 e 4, do C.P.C..

- Que o referido expediente também não foi depositado, não tendo sido observadas as formalidades previstas no artigo 229.º, n.º 5, do C.P.C. (aplicável ex vi artigo 246.º, n.º 4, do C.P.C.), ou seja, o distribuidor do serviço postal não depositou a carta de citação, não certificou a data e local exato em que depositou o expediente, não remeteu qualquer certidão ao tribunal, nem deixou qualquer aviso, nos termos do disposto no artigo 228.º, n.º 5, do C.P.C..

- Que, no caso dos autos, não só a Requerida nunca chegou a ter conhecimento do ato de citação (tendo o expediente sido devolvido ao Tribunal intacto e inviolado), como tal circunstância não lhe é imputável (sendo-o, ao invés, à desconformidade da atuação dos serviços postais com as normas legais aplicáveis), redundando numa verdadeira falta de citação, como foram manifestamente preteridas formalidades prescritas na lei para a sua realização, sendo evidente que tal preterição afetou a defesa da requerida.

I.10. Pelo que decidiu:

Declarar “[…] nula a citação da Requerida Aditioconstrói – Sociedade de Construção Civil, Lda. para os termos do presente procedimento cautelar, anulando-se, em consequência, todos os atos praticados a partir da apresentação do requerimento inicial, incluindo a decisão proferida em 14-02-2024, devendo a requerida (por já estar representada em juízo por advogado) ser notificada para, em 10 (dez) dias, deduzir oposição, ao abrigo do disposto no artigo 366.º, n.º 2, do C.P.C. e 21.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho.”

I.11. Na sequência da nova citação a Requerida veio deduzir (nova) oposição. À qual a Requerente respondeu.

I.12. Inconformada com o despacho de 05-07-2024, veio a Requerente Caixa Geral de Depósitos recorrer de apelação, assim concluindo as suas alegações de recurso:

I- Vem o presente recurso interposto do douto despacho de 05/07/2024, de fls. (…) que, declarou “nula a citação da requerida Aditioconstrói – Sociedade de Construção Civil, Lda. para os termos do presente procedimento cautelar, anulando-se, em consequência, todos os atos praticados a partir da apresentação do requerimento inicial, incluindo a decisão proferida em 14-02-2024, devendo a requerida (por já estar representada em juízo por advogado) ser notificada para, em 10 (dez) dias, deduzir oposição, ao abrigo do disposto no artigo 366.º, n.º 2, do C.P.C. e 21.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho.”

II- Com o que a Requerente não se conforma.

III- Com efeito, mediante despacho de 07/07/2023 o tribunal admitiu liminarmente o presente procedimento cautelar e ordenou a citação da Requerida.

IV- Seguidamente, por despachos de 11/08/2023, 22/11/2023, 06/12/2023, 09/01/2024, 17/01/2024 e 23/01/2024, o tribunal diligenciou no sentido de assegurar a regularidade da referida citação.

V- Que culminou com o envio aos autos, pelos CTT, em 09/02/2024, do comprovativo da citação da Requerida, efetuada nos termos do disposto nos artigos 246.º n.º 4, 229.º n.º 5 e do CPC.

VI- Pelo que, o tribunal mediante decisão de 14/02/2024 considerou a Requerida regularmente citada.

VII- Não obstante, no seguimento do requerimento junto pela Requerida aos 03.05.2024, por despacho de 16/05/2024, o tribunal consignou que:

- Tomou conhecimento do auto da diligência (apreensão e entrega ao requerente do imóvel em causa nos autos à representante da G..., S.A.) realizada no passado dia 05/04./2024 e documentos anexos, consignando-se que, na mesma, se encontrava presente o legal representante da requerida, AA;

- A sociedade Requerida constituiu mandatário mediante procuração forense outorgada em 15/02/2018, a qual foi junta aos autos em 22/04/2024;

- A Requerida foi regularmente notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 366.º, n.º 6, e 372.º, n.º 1, do C.P.C., em 26/04/2024 (cf. artigos 247.º, n.º 1, e 248.º, n.º 2, ambos do C.P.C.).

E ordenou a notificação da Requerente para se pronunciar quanto à nulidade da citação da Requerida para os termos do procedimento cautelar invocada na sua oposição.

VIII- O que a Requerente fez através de requerimento de 16/05/2024, dado por reproduzido a 31/05/2024.

IX- E aos 05/07/2024 o tribunal conclui, afinal, pela nulidade da citação da Requerida, ordenando a sua notificação para deduzir, querendo, oposição ao requerido procedimento cautelar.

X- Ora, Subsumindo a exposta factualidade ao regime jurídico aplicável decorre que, à citação das pessoas coletivas, incluindo as sociedades, é aplicável o disposto no art. 246º do CPC. A citação deve, pois, fazer-se por correio registado com A/R (citado art. 246º, nº 2 e art. 228º do CPC) a remeter para sede da pessoa coletiva.

XI- Se esta for recebida a Ré encontra-se citada.

XII- E também se considera citada se a assinatura do A/R ou o recebimento da carta for recusado pelo legal representante ou por funcionário do citando, do que o distribuidor postal deve lavrar a nota desse incidente antes de devolver a citação (art. 246º, nº 3).

XIII- Nos restantes casos de devolução do expediente, a citação deve ser repetida, enviando-se nova carta registada com A/R à citanda.

XIV- Mais, sendo as pessoas coletivas, incluindo as sociedades, citadas na morada da respetiva sede, sobre elas recai o ónus de providenciarem pela mudança atempada da mesma e do respetivo registo ou, não o fazendo, cabe-lhe o ónus de garantir que a correspondência que para a mesma seja enviada lhe seja entregue, sob pena de, não o fazendo, sobre si correr o risco daí adveniente, qual seja o de ser citada sem que, todavia, poder disso ter conhecimento.

XV- Não obstante, necessário é que tenham sido devidamente cumpridas as formalidades legais.

XVI- Ora, no caso em apreço, foram cumpridos, quer os arts. 246º, nºs 1 e 2, e 228º, nº 1, (1ª tentativa de citação), quer o nº 4 do art. 246º (citação).

XVII- O próprio ... da Requerida, AA – cfr. certidão permanente junta aos autos, aos 19/01/2024- esteve, nessa qualidade, presente na diligência de tomada de posse do imóvel realizada aos 05/04/2024; e, não obstante, nada arguiu, quer no prazo de 10 dias quer, com se disse, aos 22/04/2024, aquando da junção da procuração.

XVIII- Acresce que, a morada constante da procuração forense junta aos autos pela Requerida a 22/04/2024 corresponde à morada onde foi citada.

XIX- Por todo o exposto, a Requerente não se conforma com o posicionamento do tribunal “a quo”.

XX- Mais, mesmo que se concluísse pela nulidade da citação da Requerida, o que apenas pro cautela e dever de patrocínio se admite, entende-se que a mesma se considera sanada, nos termos do artigo 189º do CPC, quando o réu intervier no processo sem arguir logo essa falta.

Ora, não só o representante legal da requerida esteve nessa qualidade, na tomada de posse judicial do imóvel, aos 05/04/2024, como o mandatário, nesse seguimento, juntou procuração aos autos a 22/04/2024; nada tendo porém arguido.

XXI- A junção de uma procuração por advogado pressupõe o conhecimento do processo e configura uma intervenção bastante para desencadear o ónus de arguição da falta de citação.

XXII- A falta de citação pode ser arguida em qualquer altura do processo, diferentemente do que se passa com a nulidade de citação, sujeita ao prazo (não aplicável à falta de citação) previsto no art. 191º, nº2, do CPC.

XXIII- Na verdade, a junção de uma procuração aos autos pressupõe o conhecimento da existência do processo, por parte de alguém que (pelo menos, na sua perspetiva) sabe que não foi citado, tratando-se, pois, de uma intervenção capaz de desencadear o ónus de arguir (“logo”), a falta de citação, sob pena de sanação do vício.

XXIV- Recorde-se que, no caso concreto, o representante legal da Requerida estivera, nessa qualidade, na tomada de posse, judicial, do imóvel que teve lugar aos 05.09.2024.

XXV- Ora, conforme se disse a nulidade por falta de citação e a nulidade a que se refere o artigo 191.º, n.º 1 do CPC tem-se por sanada aquando da intervenção nos autos, caso a mesma não seja invocada.

XXVI- Sem conceder, mesmo admitindo-se por mera hipótese académica que à Requerida não se impusesse arguir logo a falta de citação, devendo beneficiar de prazo para o efeito, tal prazo não poderia ir além dos 10 dias (prazo geral/artigo 149.º, n.º 1, do CPC), após o que preclude tal direito e o ato fica sanado.

XXVII- Nos autos, a Requerida arguiu a nulidade apenas no 11.º dia subsequente. Com efeito, juntou procuração forense aos 22/04/2024 e aos 03/05/2024 arguiu a nulidade da citação.

XXVIII- Ademais, insiste-se, o próprio ... da Requerida, AA – cfr. certidão permanente junta aos autos, aos 19/01/2024- esteve, nessa qualidade, presente na diligência de tomada de posse do imóvel realizada aos 05/04/2024; e, não obstante, nada arguiu, quer no prazo de 10 dias quer, com se disse, aos 22/04/2024, aquando da junção da procuração.

XXIX- Analisando a descrita factualidade ao regime jurídico aplicável (cfr. o supra exposto), improcede a determinação do tribunal “a quo”.

XXX- A não ser assim, estar-se-ia a legitimar (injustificada e ilicitamente) a conduta da Requerida de obviar-se, querendo, e ad aeternum, a qualquer notificação e/ou citação – aliás, veja-se a sua conduta nos autos: mesmo sabendo da sua pendência, a devolução das cartas de notificação continuam a ser uma realidade sistemática e reiterada; o que denota um posicionamento processual, no mínimo, irresponsável.

XXXI- Termos em que cumpre revogar o despacho em crise e substituí-lo por outro que considere a Requerida validamente citada e, consequentemente, determine a validade de todos os atos praticados a partir da apresentação do requerimento inicial, incluindo a decisão proferida em 14/02/2024.

Requerendo, a final, que se considere a Requerida validamente citada e, consequentemente, se determine a validade de todos os atos praticados a partir da apresentação do requerimento inicial, incluindo a decisão proferida em 14/02/2024.

I.13. Em contra-alegações a Recorrida apresentou as seguintes “Conclusões”:

a) A sociedade tem sede na Urbanização ....

b) A sociedade não recebeu qualquer missiva no âmbito dos presentes autos na morada supra identificada.

c) Nem tão pouco foi citada na pessoa do seu ....

d) O Tribunal foi bastante claro na sua decisão, tendo fundamentado a mesma corretamente:

(...)” É, pois, forçoso concluir que, no caso dos autos, não só a requerida nunca chegou a ter conhecimento do ato de citação (tendo o expediente sido devolvido ao Tribunal intacto e inviolado) e que tal circunstância não lhe é imputável (sendo-o, ao invés, à desconformidade da atuação dos serviços postais com as normas legais aplicáveis), redundado numa verdadeira falta de citação, como foram manifestamente preteridas formalidades prescritas na lei para a sua realização, sendo evidente que tal preterição afetou a defesa da requerida, na medida em que não teve a oportunidade de deduzir oposição ao procedimento cautelar e os factos alegados pela requerente foram considerados confessados por despacho de 14-02-2024, impondo-se, em consequência, declarar a nulidade da sua citação.

Como é consabido, a falta de citação tratada no artigo 188.º do C.P.C. configura uma nulidade absoluta, de conhecimento oficioso e determina a anulação de todo o processado após a petição inicial, conforme decorre expressamente das disposições conjugadas dos artigos 187.º, al. a) e 196.º do C.P.C. (...)”

e) Resulta claro dos autos que a Requerida não foi citada por via postal.....

f) Porquanto, sem mais delongas, deverá ser mantida a decisão proferida.

Pugnando pela improcedência do recurso.

I.14. O Tribunal da Relação de Évora proferiu acórdão em 12-09-2024, no qual ponderou:

- A decisão recorrida tem como pressuposto que a arguição de nulidade foi tempestiva e que a mera junção de procuração forense a favor de mandatário não configura ato processual relevante, logo, dele não se podendo extrair a conclusão de que a requerida tomou conhecimento do processado ficando em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa;

- Embora a Requerida alegue que ocorreu «nulidade da citação, devendo ser declarada a nulidade de todos os atos posteriores», em face das consequências que invoca, visou arguir a falta de citação;

- O n.º 44 do artigo 27.º da Portaria 280/2013, de 26-08, que regulamenta a tramitação eletrónica dos processos judiciais, ao estabelecer que “a consulta por advogados, advogados estagiários e solicitadores de processos nos quais não exerçam o mandato judicial, quando admitida por lei, é solicitada à respetiva secretaria através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, que disponibiliza o processo por um período de 10 dias para consulta na área reservada do mandatário naquele sistema”, bem como o disposto no art. 163 nº 2 que define o âmbito da publicidade do processo, permitem – sem necessidade de junção de procuração – que um advogado tenha acesso ao processo.

- Podendo-o consultar de modo a poder suscitar a falta de citação do réu logo na primeira intervenção em nome da parte, juntando só então aos autos a respetiva procuração forense.

I.15. Vindo o mesmo acórdão a concluir que a não arguição da falta de citação com a junção da procuração determina a sanação da nulidade por falta de citação, cujo conhecimento resulta prejudicado (artigo 608.º, n.º 2, do CPC), e a julgar procedente a apelação, “revogando-se o despacho recorrido que decretou a nulidade da citação da Requerida e a anulação de todo o processado subsequente à apresentação do requerimento inicial”.

I.16. Deste acórdão veio a apelada Aditioconstrói - Sociedade de Construção Civil, LDA recorrer de Revista ao abrigo do art. 629º nº 2 alª b) do CPC, alegando clara contradição entre o Acórdão Recorrido e o consagrado no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do processo nº469/20.7T8AVV-A.G1.

Concluindo as suas alegações de recurso, nos seguintes termos:

a) A Requerida nos presentes autos, não se conformando com o Acórdão proferido vem ao abrigo do preceituado na alínea d) do nº 2 do artº 629º do CPC, apresentar Recurso dirigido ao Venerando Supremo Tribunal de Justiça.

b) O Acórdão Recorrido está em clara contradição com o consagrado no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do processo nº 469/20.7T8AVV-A.G1.

c) No âmbito do processo nº 469/20.7T8AVV-A.G1. foi decidido que:

IV- Nos termos do art. 189º e 198º, nº 2, do Código de Processo Civil, a nulidade (falta) da citação (nulidade principal) deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (artºs 189º e 198º, nº 2, do Código de Processo Civil).

V- Numa interpretação atualista da lei, atenta a tramitação eletrónica, não pode considerar-se que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial é suficiente para sanar aquela nulidade e pôr termo à revelia absoluta, constituindo intervenção processual que faz pressupor o conhecimento do processo, nos termos e para os efeitos do art. 189 do C.P.C..

d) No Acórdão recorrido foi decidido que:

I- A junção de procuração forense não é condição para o advogado poder consultar o processo eletronicamente, como decorre do n.º 4 do artigo 27.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, aditado pela Portaria n.º 267/2018, de 20-09.

II- Por conseguinte, a mera junção aos autos de procuração forense sem imediata arguição da nulidade da citação do réu, determina a sanação dessa eventual nulidade.

e) Ou seja, estamos perante uma evidente contradição entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão supra identificado no que tange à interpretação do artigo 189º do CPC nomeadamente quanto aos efeitos da junção de procuração na invocação da nulidade da citação.

f) A ora recorrente entende que a interpretação correta é a vertida no Acórdão do processo nº 469/20.7T8AVV-A.G1, ou seja, não pode considerar-se que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial é suficiente para sanar aquela nulidade e pôr termo à revelia absoluta, constituindo intervenção processual que faz pressupor o conhecimento do processo, nos termos e para os efeitos do art. 189 do C.P.C..

g) Pelo que se entende que a decisão recorrida violou o artigo 189º do CPC.

h) Mas vamos mais longe, a decisão recorrida considerou que:

A junção de procuração forense não é condição para o advogado poder consultar o processo eletronicamente, como decorre do n.º 4 do artigo 27.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, aditado pela Portaria n.º 267/2018, de 20-09.

i) Resulta claro que a alínea b) do artigo 164º do CPC que consagra uma limitação à publicidade do processo nos procedimentos cautelares, pelo que o mandatário não poderia ter acesso ao processo sem a junção de procuração.

j) Porquanto, resulta evidente que, nos presentes autos, a junção de procuração forense é condição para o advogado poder consultar o processo eletronicamente.

k) Ou seja, a decisão recorrida violou a alínea b) do artigo 164º do CPC.

l) Mas não ficamos por aqui, a Recorrente arguiu a nulidade no prazo de 10 dias, após ter tido conhecimento do estado do processo, nos termos do nº 2 do artigo 191º do CPC e do artigo 149º do CPC.

m) Ou seja, a arguição da nulidade foi tempestiva.

n) Pelo que a decisão recorrida violou o nº 2 do artigo 191º do CPC e o artigo 149º do CPC.

o) Assim sendo, desde já se requer que o Acórdão recorrido seja revogado e substituída por um Acórdão que repristine a decisão proferida em primeira instância.

I.17. A Caixa Geral de Depósitos, S.A., contra-alegou, pedindo que seja negado provimento ao recurso de Revista interposto pela apelada.

I.18. Veio ainda a apelante Caixa Geral de Depósitos, S.A., pedir a retificação do acórdão com fundamento em que o seu segmento decisório, contém na parte final um comando “anulação de todo o processado” em oposição com a decisão antecedente, de procedência da apelação.

I.19. Por acórdão em Conferência de 25-10-2024 da mesma Relação foi julgado improcedente tanto o pedido de reforma como a arguição de nulidade do Acórdão antecedente, com fundamento em que “o dispositivo do Acórdão é absolutamente claro e apenas se lhe pode assacar um sentido unívoco, ou seja, a decisão tomada foi apenas a de revogar o despacho recorrido; esse sim, decretou a nulidade da citação da Requerida e a anulação de todo o processado subsequente à apresentação do requerimento inicial.”

I.20. Veio ainda a Caixa Geral de Depósitos, S.A., recorrer de Revista, face ao indeferimento do pedido de retificação do acórdão antecedente, concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:

I- Estatui o douto Acórdão, na parte atinente à decisão de que se recorre (que:

“III- DECISÃO

Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido que decretou a nulidade da citação da Requerida e a anulação de todo o processado subsequente à apresentação do requerimento inicial.

(…).”

II- Ou seja, o último segmento decisório - “a anulação de todo o processado subsequente à apresentação do requerimento inicial.” - está em contradição com a restante decisão (procedência do recurso e revogação do despacho recorrido), bem como com a fundamentação de facto e de direito, o que constitui uma nulidade nos termos e para os efeitos do art.º 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC ex vi o disposto no artigo 666º do CPC.

III- Veja-se a cronologia processual ocorrida:

- Aos 05/07/2024, a 1.ª Instância proferiu despacho a declarar “nula a citação da requerida Aditioconstrói – Sociedade de Construção Civil, Lda. para os termos do presente procedimento cautelar, anulando-se, em consequência, todos os atos praticados a partir da apresentação do requerimento inicial, incluindo a decisão proferida em 14-02-2024, devendo a requerida (por já estar representada em juízo por advogado) ser notificada para, em 10 (dez) dias, deduzir oposição, ao abrigo do disposto no artigo 366.º, n.º 2, do C.P.C. e 21.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho.”;

- Aos 26/07/2024, a ora Recorrente inconformada interpôs recurso, pedindo a sua revogação e a substituição por outro que considerasse a Requerida validamente citada e, consequentemente, determinasse a validade de todos os atos praticados a partir da apresentação do requerimento inicial, incluindo a decisão proferida em 14/02/2024;

- Aos 12/09/2024 foi proferido o Acórdão em crise, o qual acordou em julgar procedente a apelação, revogando o despacho recorrido que decretou a nulidade da citação da Requerida e a anulação de todo o processado subsequente à apresentação do requerimento inicial.

IV- Ora, considerando a procedência do recurso interposto pela Recorrente e consequentemente estabilizando-se na ordem jurídica a sanação da eventual nulidade da citação da Requerida, não se vislumbra como é que, a final, o douto Acórdão termina anulando o processado subsequente à apresentação o requerimento inicial, em clara nulidade, porquanto os fundamentos estão em oposição com a decisão.

V- Concretizando, resulta de. fls. 2 e 3 do “I-RELATÓRIO” do douto Acórdão:

“(…) Por despacho proferido em 14-02-2024, a Requerida foi considerada regularmente citada para deduzir oposição, tendo, em consequência da sua falta, sido considerados confessados os factos articulados no requerimento inicial e proferida decisão – cf. Ref.ª Citius …12.

A entrega do aludido imóvel foi concretizada em 05-04-2024, tendo a Requerida sito notificada (em 26-04-2024), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos366.º, n.º 6, e 372.º, n.º 1, ambos do CPC (Ref.ªs Citius …32, …34, …22 e …56).

Através de requerimento apresentado em juízo em 03-05-2024, a Requerida, ao abrigo do disposto no artigo 372.º, n.º 1, al. b), do CPC, deduziu oposição ao decretamento da providência, invocando a nulidade da sua citação e impugnando a matéria alegada pela requerente no seu requerimento inicial, sustentando, por um lado, a falta de fundamento para a resolução do contrato em apreço e, por outro, a falta de receção da comunicação da aludida resolução, concluindo, a título subsidiário, por uma situação de abuso de direito (Ref.ª Citius …15).

Para tanto notificada, a Requerente pronunciou-se quanto à nulidade da citação invocada pela Requerida na sua oposição, nos termos do seu requerimento de 16- 05-2004 (Ref.ªs Citius …46, …61 e …83).

Em 05-07-2024, foi proferido despacho cuja parte dispositiva tem o seguinte teor:

«III – Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais citadas supra, declara-se nula a citação da requerida Aditioconstrói – Sociedade de Construção Civil, Lda. para os termos do presente procedimento cautelar, anulando-se, em consequência, todos os atos praticados a partir da apresentação do requerimento inicial, incluindo a decisão proferida em 14-02-2024, devendo a requerida (por já estar representada em juízo por advogado) ser notificada para, em 10 (dez) dias, deduzir oposição, ao abrigo do disposto no artigo 366.º, n.º 2, do C.P.C. e 21.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho.”

VI- O douto Acórdão pese embora declare a procedência do recurso e revogue o despacho recorrido, faz retroagir os autos principais ao requerimento inicial, ignorando, i) o despacho proferido em 14/02/2024 e ii) a consequente entrega do imóvel concretizada aos 05/04/2024.

VII- Logo, a decisão final proferida encerra em si mesma uma contradição, e está em oposição com a sua fundamentação de facto e de direito; situação subsumível à alínea c) do artigo 615.º, n.º 1 do CPC ex vi o disposto no artigo 674.º, n.º 1, alínea c) do CPC, e que determina a nulidade do douto Acórdão de fls (…).

VIII- Consequentemente, deve a presente arguição de nulidade ser julgada provada e procedente anulando-se, na parte afetada, o douto acórdão em análise, com as legais consequências.

Requerendo a final que seja o Acórdão substituído por outro que determine a validade de todos os atos praticados a partir da apresentação do requerimento inicial, incluindo a decisão proferida em 14/02/2024 e a entrega do imóvel ocorrida a 05/04/2024.

II. Objeto do recurso

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º 2, 635.º, nº 4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC), importa conhecer das seguintes questões:

1. Revista da apelada Aditioconstrói - Sociedade de Construção Civil, LDA:

- Se a mera junção de procuração forense a mandatário judicial não tem, no caso, o efeito preclusivo da possibilidade de invocação da nulidade que resulte da falta de citação do Réu.

- Se a Recorrente arguiu essa nulidade no prazo de 10 dias, após ter tido conhecimento do estado do processo.

2. Revista da Apelante Caixa Geral de Depósitos, S.A.

- Se ocorre contradição na decisão final do Acórdão, e se esta decisão está em oposição com a sua fundamentação de facto e de direito.

III – Os factos

A factualidade a considerar resulta da tramitação dos atos e dos impulsos procedimentais expostos no relatório supra.

IV – O Direito

1. Da Revista da Aditioconstrói - Sociedade de Construção Civil, LDA.

Pretende a Recorrente que a decisão recorrida ao apreciar da nulidade por falta de citação e ao decidir da sanação automática de tal vício por força da junção de procuração a mandatário, violou o disposto nos artigos 189º e 164º alª b) do CPC.

“A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.” - art. 219 nº 1 do CPC

Salientam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, nota ao art. 219, que: “Quer pela forma, quer pelo seu conteúdo e finalidade, a citação constitui o meio privilegiado para a concretização de um dos princípios basilares do processo civil: o contraditório. Num processo de natureza dialética, como é o processo civil, é a citação do réu que determina o início da discussão necessária a iluminar a resolução do conflito de interesses, com vista à justa composição do litígio. É pelo ato de citação que se dá conhecimento ao réu da petição ou do requerimento inicial, propiciando-lhe a faculdade de deduzir oposição.”

A lei distingue a falta de citação, da nulidade da citação.

Haverá falta de citação, nos termos do art. 188º, nº 1, do Código de Processo Civil, quando: (a) o ato tenha sido completamente omitido; (b) tenha havido erro de identidade do citado; (c) se tenha empregado indevidamente a citação edital; (d) se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade; ou (e) quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.

Não prevendo a lei norma específica para a sua arguição, recai o seu regime nas regras gerais sobre a nulidade dos atos previstas no art.s 195º, 199º e 200 nº 3 do CPC.

Quanto à nulidade da citação, a mesma ocorre quando na sua realização não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei, devendo essa nulidade ser arguida no prazo indicado para a contestação ou, sendo a citação edital ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, na primeira intervenção do citado no processo – art. 191º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso dos autos, estamos perante um caso de alegada falta de citação, geradora de nulidade nos termos do art. 195 nº 1 do CPC, porquanto a Recorrente alega ter ocorrido falta de citação pessoal uma vez que não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe fora imputável.

O art. 189º do CPC determina que a falta de citação se considera sanada, se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta de citação.

Tal solução assenta no entendimento de que, se quem deveria ter sido citado e não foi, se apresenta ao processo, a função da citação que era a de dar-lhe a conhecer a pendência da causa e proporcionar-lhe a oportunidade de defesa, mostra-se assegurada, não subsistindo razões para regularizar tal vício. Ficando este sanado com a intervenção do réu no processo.

Não diz a lei o que se deve entender por “intervenção no processo”.

O Tribunal a quo considerou que a mera junção de procuração forense a favor de mandatário configura ato processual relevante, dele se podendo extrair a conclusão de que a Requerida tomou conhecimento do processado ficando em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa.

Mais entendeu o acórdão recorrido que, tendo a Requerida juntado aos autos procuração a mandatário, sem arguir logo a nulidade de citação, em tal momento, por força do disposto no referido art. 189º, ocorreu a sanação de tal (eventual) nulidade, ficando prejudicado o seu conhecimento.

Posição que traduz um entendimento doutrinário e jurisprudencial tradicional que apoiado no elemento literal da expressão “sem arguir logo a falta da sua citação” defende que a junção de procuração a advogado constitui uma intervenção processual relevante e faz pressupor o conhecimento do processo, de modo a poder presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.

Entendimento que se mostra consentâneo com a posição de Lebre de Freitas in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 2ª ed., pág. 357 “[a]o intervir no processo, o réu ou o Ministério Público tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir iuris et de iure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se.”

Na jurisprudência, a favor dessa tese, entre outros, o acórdão TRL de14-07-2020, P. 3347/16.0T8OER-A.L1-6 (Nuno Lopes Ribeiro), in www.dgsi.pt, que sumaria:

“I. A intervenção do executado no processo, relevante para os fins do art. 189.º do Código de Processo Civil, pressupõe o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da pendência do processo, bastando para tal a junção de procuração a mandatário judicial, pois tal ato permite presumir que o réu conhece o processo e não arguiu a falta de citação.

II. Não se desconhece jurisprudência no sentido de uma interpretação atualista, em virtude da natureza eletrónica da tramitação dos processos.

III. Contudo, a tese tradicional da jurisprudência, no sentido da suficiência da simples junção de procuração a mandatário judicial, para efeitos de sanação da nulidade, assenta no pressuposto de que a parte pode conhecer o processo – diretamente ou por intermédio de um advogado – antes ou independentemente da constituição de mandato forense nos autos.

IV. Ora, esse pressuposto tanto se mostra válido num quadro clássico de tramitação em papel como no quadro atual de tramitação eletrónica dos processos judiciais, dada a similar garantia de acesso, consulta e obtenção de informação processual que é proporcionada à parte, quer diretamente quer por intermédio de um advogado, em ambos os tipos de tramitação.”

Em sentido oposto, a posição jurisprudencial expressa no Ac. TRC de 24-04-2018, P. 608/10.6TBSRT-B.C1 (Isaías Pádua) afasta a possibilidade de considerar a junção de procuração como ato processual relevante para efeitos de sanação da nulidade derivada de falta de citação.

Assim:

«I- O conceito de intervenção do processo, de que de fala o artº. 189º do CPC para efeitos de sanação de nulidade decorrente da falta de citação, deve ser interpretado no sentido de pressupor uma atuação ativa no processo da parte demandada através da prática ou intervenção em ato judicial, que lhe permitam tomar pleno conhecimento de todo o processado ou, pelo menos, que façam presumir esse efetivo conhecimento.

II- A simples junção autos de uma procuração forense pela parte demandada não se integra, só por si, nesse conceito de intervenção no processo.»

Uma terceira corrente jurisprudencial, que ressalta do sumário do acórdão do P. 3347/16.0T8OER-A.L1-6 anteriormente citado, não deixando de considerar a junção da procuração ato processual relevante, não a toma como pressuposto de conhecimento imediato do processo, face ao modo como se desenrola o acesso do mandatário ao processo eletrónico.

Pelo que confrontada com a necessidade de compatibilizar o direito constitucional de acesso ao direito com a tramitação eletrónica do processo, vem fazendo uma interpretação atualista relativamente aos efeitos relacionados com essa junção, que não toma por imediatos, assim prevenindo que a simples junção de procuração forense seja preclusiva da possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação, nomeadamente no prazo geral para arguição de nulidades.

São exemplos desta corrente, no mesmo site, os Acórdãos:

- TRE de 28-04-2022 P.4008/18.1T8LLE-C.E1(Manuel Bargado), que sumaria:

“(…)

III - Impondo o artigo 189º do CPC ao réu que intervier no processo o ónus de arguir logo a falta da sua citação, da interpretação literal do preceito decorre que, não tendo a ré invocado a falta da sua citação aquando da junção aos autos da procuração forense, incumpriu tal ónus, em consequência do que é de considerar sanado o vício.

IV – O artigo 189º do CPC deve, porém, ser objeto de uma interpretação atualista face à tramitação eletrónica do processo, pois resulta da Portaria 280/2013, de 26.08 que a junção da procuração é condição de acesso ao processo eletrónico, pelo que a expressão “logo” prevista no referido normativo, não pode ser simultânea a essa junção.

V – Ainda que se conclua que a nulidade da citação dos executados não ficou sanada em virtude da não arguição imediata da falta da citação aquando da junção pelos executados da procuração forense, sempre haverá que considerar suprida a nulidade por falta da respetiva arguição no prazo geral de 10 dias previsto no artigo 149º, nº 1, do CPC, contado desde a junção aos autos de tal procuração.”

Expressão desta corrente atualista, também o Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 24-11-2020, P. 2087/17.8T8OAZ-A.P1.S1 (Raimundo Queirós) in www.dgsi.pt, que pronunciou:

“I - A nulidade decorrente da falta de citação deve ser arguida no próprio ato que constitua a sua primeira intervenção no processo, sob pena de sanação nos termos do art. 189.º do CPC.

II - A intervenção do réu no processo, relevante para os fins do art. 189.º do CPC, pressupõe o conhecimento, ou a possibilidade de conhecimento, da pendência do processo, bastando para tal a junção de procuração a mandatário judicial, pois tal ato permite presumir que o réu conhece o processo e prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.

III - No caso dos autos, com a junção da procuração e acesso eletrónico aos autos o executado tomou conhecimento de que ainda não tinha sido citado, assim como passou a ter conhecimento de todos os elementos do processo.

IV - Defendemos uma interpretação atualista do art. 189.º, do CPC face à tramitação eletrónica do processo. Com efeito, resulta da Portaria 280/2013 de 26-08 que a junção da procuração é condição de acesso ao processo eletrónico. De modo que a expressão "logo" prevista no art. 189.º, do CPC não pode ser simultânea a essa junção.

V - Neste contexto, entendemos que o prazo para a arguição da nulidade da falta de citação será o que tiver sido indicado para a contestação (art.º 191.º, n.os 1 e 2, do CPC), ou seja, no caso concreto dos autos porque estamos no âmbito de um processo executivo, o prazo de vinte dias fixado no art. 726.º, n.º 6, do CPC.”

Também no âmbito do processo nº 469/20.7T8AVV-A.G1, cujo acórdão se apresenta como acórdão fundamento, considerou-se que uma interpretação atualista da lei, atenta à tramitação eletrónica dos autos, não permite considerar que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial é suficiente para sanar a nulidade por falta de citação e pôr termo à revelia absoluta, constituindo este ato, intervenção processual que faz pressupor o conhecimento do processo, nos termos e para os efeitos do art. 189 do CPC (suprimento da nulidade de falta de citação).

E isto porque, segundo o mesmo Acórdão “(…) resulta da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto que a junção da procuração é condição de acesso ao processo eletrónico. De modo que a expressão "logo" prevista no art. 189°, do CPC não pode ser simultânea a essa junção.”

Importa destacar o artigo 27.º da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto (red. em vigor à data dos factos) o qual dispõe:

«Consulta de processos por advogados e solicitadores

1 - Quando admitida por lei ou despacho, a consulta de processos por parte de advogados, advogados estagiários e solicitadores é efetuada:

a) Relativamente à informação processual, incluindo as peças e os documentos, existentes em suporte eletrónico, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com base no número identificador do processo; ou

b) Junto da respetiva secretaria.

2 - O acesso ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais para efeitos de consulta de processos requer o prévio registo dos advogados e solicitadores, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º

3 - (Revogado.)

4 - A consulta por advogados, advogados estagiários e solicitadores de processos nos quais não exerçam o mandato judicial, quando admitida por lei, é solicitada à respetiva secretaria através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, que disponibiliza o processo por um período de 10 dias para consulta na área reservada do mandatário naquele sistema.»

Dispondo o seu artigo 5.º que:

«Sistema informático de suporte à atividade dos tribunais e registo de utilizadores

1 - A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados por mandatários judiciais é efetuada através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, no endereço eletrónico https://citius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes.

2 - O registo e a gestão de acessos ao sistema informático referido no número anterior por advogados, advogados estagiários e solicitadores são efetuados pela entidade responsável pela gestão de acessos ao sistema informático, com base na informação transmitida, respetivamente, pela Ordem dos Advogados e pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, respeitante à validade e às vicissitudes da inscrição junto dessas associações públicas profissionais.

3 - Após o registo previsto no número anterior, são entregues os elementos secretos, pessoais e intransmissíveis que permitem o acesso à área reservada do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.»

O acórdão recorrido não ignorando a interpretação atualista da lei, invocou para contrariá-la, o nº 4 do art. 27º da referida portaria (aditado pela Portaria n.º 267/2018, de 20-09, com entrada em vigor em 30-09), defendendo que, com tal previsão mostra-se possível ao advogado, mesmo antes de se constituir mandatário e juntar procuração aos autos, ter acesso ao processo.

Com a redação ora em vigor, por via desse aditamento, permite-se, efetivamente, “quando admitida por lei” a consulta dos autos eletrónicos por advogado ainda não constituído mandatário.

Contudo, este acesso não resulta imediato nem livre de um procedimento burocrático: o advogado solicita à secretaria a respetiva consulta e esta confrontada com o registo e a gestão de acessos de advogados ao sistema informático previstos no art. 5º nº 2, disponibiliza (ou não, se não for admitido por lei) o processo por um período de dez dias.

Não só não é automático o conhecimento do processo pelo advogado ainda não constituído mandatário, como esse conhecimento é-lhe dado pelo prazo de dez dias.

Face a este conjunto de procedimentos afigura-se-nos que a interpretação atualista se afigura como mais capaz de atingir o propósito subjacente ao suprimento da nulidade de falta de citação.

A intervenção relevante para efeitos do art. 189º do CPC tem por propósito preencher as finalidades da citação; pressupõe, portanto, o conhecimento do processo que esta propiciaria. Só com tal conhecimento será legítimo presumir que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.

E esse conhecimento reclama, na normalidade dos casos um hiato temporal entre o pedido de acesso (com ou sem procuração) e o efetivo acesso.

Não sendo, por sua vez, exigível que todos os pedidos de acesso se façam sem procuração e esta seja junta apenas depois do efetivo conhecimento do processo.

Sucede que, o presente caso justifica ainda uma particular ponderação conforme à natureza do processo, limitativas do seu acesso.

Sendo este um procedimento cautelar importa atender às limitações à publicidade do processo que decorrem da alínea b) do nº 2 do artigo 164º do CPC, que dispõe:

Artigo 164.º

Limitações à publicidade do processo

1 - O acesso aos autos é limitado nos casos em que a divulgação do seu conteúdo possa causar dano à dignidade das pessoas, à intimidade da vida privada ou familiar ou à moral pública, ou pôr em causa a eficácia da decisão a proferir.

2 - Preenchem, designadamente, as restrições à publicidade previstas no número anterior:

(…)

b) Os procedimentos cautelares pendentes, que só podem ser facultados aos requerentes e seus mandatários e aos requeridos e respetivos mandatários, quando devam ser ouvidos antes de ordenada a providência;” (sublinhado nosso)

Tendo nestes autos, sido determinada a audição prévia da Requerida antes de ordenada a providência, por despacho de 07-07-2023, era possível a partir deste momento o acesso aos autos por parte do seu mandatário, mas estava condicionado à prova dessa qualidade, logo, à junção de procuração.

O mandatário de Requerida em autos de providência cautelar, só tem acesso aos autos, a partir do momento em que determinada a audição prévia da Requerida, faça prova de ter sido constituído mandatário.

Assim, na linha da posição jurisprudencial atualista que se nos afigura mais capaz de dar conteúdo ao conceito de intervenção relevante subjacente à sanação da nulidade por falta de citação (art. 189 CPC), impõe-se o entendimento de que a sanação não ocorreu em 22-04-2024 com a junção da procuração.

Importando questionar em que momento ou em que prazo se deve considerar efetiva tal sanação.

O que é suscetível de uma resposta casuística.

Assim, o Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 24-11-2020, P. 2087/17.8T8OAZ-A.P1.S1 supra referido, considerou que, o prazo para a arguição da nulidade da falta de citação no caso em apreciação, seria o que havia sido indicado para a contestação (art.º 191.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), ou seja, aquele caso concreto, estando no âmbito de um processo executivo, o prazo seria de vinte dias fixado no art. 726.º, n.º 6, do CPC.

Cremos, contudo, que a ponderação adequada e que conjuga maior consenso dentro desta posição jurisprudencial atualista, é a que aponta para um prazo certo, o prazo geral de 10 dias.

Defende-o, entre outros, o Ac. do TRG de 14-03-2024, P.4774/23.2T8VNF-A.G1 (Rosália Cunha) que refere:

«(…)

II - Dada a função da citação e a gravidade da cominação decorrente do art. 189º, do CPC, a expressão “intervir no processo” pressupõe a prática de qualquer ato por parte do réu do qual se possa concluir com segurança que o mesmo tomou pleno conhecimento de todo o processado por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa, ou, dito de outro modo, que teve conhecimento, ou possibilidade de conhecimento, do processo idêntico àquele que lhe seria dado pela citação.

III - A expressão “logo” utilizada no art. 189º, do CPC, não deve ser interpretada como sendo de forma simultânea com a junção da procuração, mas antes após o decurso de um prazo razoável, coincidente com o prazo geral de 10 dias.

(…).»

Também o Ac. do TRE de 29-09-2022, P.4232/17.4T8ENT-A.E1 (Isabel de Matos Peixoto Imaginário) que pronuncia:

“-Nas ações tramitadas apenas eletronicamente, designadamente as ações executivas sujeitas à disciplina da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, o acesso à tramitação eletrónica implica a junção de uma procuração;

- A mera apresentação da procuração, que é condição de acesso ao sistema eletrónico e constitui pressuposto de atuação processual subsequente, não preclude a possibilidade de arguir a falta de citação;

- Nos processos tramitados eletronicamente, a arguição da falta de citação pode ter lugar no prazo de 10 a contar da apresentação da procuração.»

Sendo esse o prazo que resulta das regras gerais (art. 149º nº 1 CPC) é o que simultaneamente permite satisfazer a necessidade de segurança subjacente à interpretação das leis.

Importa, assim, averiguar se no caso dos autos tal arguição se mostra tempestiva.

Tendo a procuração sido junta em 22-04-2024 tinha a Requerida que arguir a falta de citação até 02-05-2024 (10º dia).

Tendo-o feito apenas em 03-05-2024.

Podia, ainda, o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis seguintes, mediante o pagamento de multa.

Com efeito, de acordo com o disposto no art. 139º, nº 5 do CPC «Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos:

a) Se o ato for praticado no 1.º dia, a multa é fixada em 10 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 1/2 UC;

(…) »

O ato foi praticado no 1º dia útil seguinte ao termo do prazo.

De acordo com o disposto no art. 139º nº 6 do CPC, que rege: «6 - Praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por mandatário.»

O que, naturalmente, não ocorreu porque a definição do prazo apenas foi feita na presente decisão judicial, sem a qual não poderia a secretaria atender ao prazo de complacência previsto em tais normas.

Definido o mesmo - prazo de 10 dias para a prática do ato - deverá a secretaria notificar a Requerida para o pagamento da multa devida.

Só depois de cumprido tal pagamento se poderá aferir em definitivo da tempestividade da arguição da nulidade.

Se a Requerida não pagar a multa correspondente à prática do ato no 1º dia útil seguinte, dir-se-á que, incumpriu o prazo para a arguição da nulidade, não sendo a mesma tempestiva, logo presumir-se-á citada.

Se a Requerida pagar a multa, ter-se-á por tempestiva a arguição de nulidade por falta de citação, importando então apurar se efetivamente ocorreu ou não falta de citação, questão que se mantém controvertida, pois que, tendo a 1ª instância decidido pela nulidade por falta de citação e tendo havido recurso também quanto a essa questão, o Tribunal da Relação não a conheceu por a ter considerado prejudicada em razão dum fundamento que ora em Revista, deixou de subsistir (suprimento da nulidade com a junção da procuração), logo, em tal hipótese, impor-se-á o seu conhecimento pelo Tribunal da Relação, a fim de se pronunciar sobre o decidido.

Por inexistência de fundamento para considerar, por ora, intempestiva a arguição de nulidade por falta de citação, impõe-se revogar o acórdão recorrido e determinar que a 1.ª instância dê cumprimento ao n.º 6 do art.º 139.ºdo CPC.

Ficando o conhecimento da efetiva nulidade por falta de citação, em sede de recurso de apelação, dependente da prática do ato tributário acima fixado.


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Desse modo, se julga a Revista interposta pela Requerida, como procedente.

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Da Revista da Caixa Geral de Depósitos, S.A.:

Pretende a Recorrente que ocorre contradição na decisão final do Acórdão, e que esta decisão está em oposição com a sua fundamentação de facto e de direito, pelo que está inquinada pela nulidade que tem previsão no art. 615º nº 1 alª c) por vi ado art. 666, nº 1, do CPC.

Reação que foi objeto de pronúncia de indeferimento em sede de Conferência do Coletivo responsável pelo acórdão recorrido.

Considerando a revogação de todo o segmento decisório por via da revogação do acórdão, face à procedência do recurso de Revista da Requerida, julga-se prejudicado o conhecimento do mesmo.


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Síntese conclusiva:

1. O art. 189º do CPC determina que a falta de citação se considera sanada, se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta de citação.

2. A sanação da nulidade por falta de citação assenta na ideia de que, se quem deveria ter sido citado e não foi, se apresenta ao processo, a função da citação que era a de dar-lhe a conhecer a pendência da causa e proporcionar-lhe a oportunidade de defesa, mostra-se assegurada, não subsistindo razões para manter tal vício.

3. Não dizendo a lei o que se deve entender por “intervenção no processo” a jurisprudência vem-se dividindo quanto ao valor e eficácia da junção de procuração desacompanhada da arguição de nulidade, para o suprimento da nulidade de falta de citação.

4. Existe um entendimento jurisprudencial tradicional, apoiado no elemento literal, que defende que a junção de procuração a advogado constitui uma intervenção processual relevante e faz pressupor o conhecimento do processo, de modo a poder presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.

5. Existe um outro entendimento de sentido oposto que afasta a possibilidade de considerar a junção de procuração como ato processual relevante para efeitos de sanação da nulidade derivada de falta de citação.

6. Vem firmando caminho uma terceira corrente jurisprudencial que considera a junção da procuração, ato processual relevante, mas não a toma como pressuposto de conhecimento imediato do processo, face ao modo como se desenrola o acesso do mandatário ao processo eletrónico.

7. Defendendo a necessidade de compatibilizar o direito constitucional de acesso ao direito com a tramitação eletrónica do processo, esta interpretação atualista considera que a mera junção de procuração não traduz o conhecimento imediato e suficientemente seguro do processo, logo, não supre de imediato a falta de citação.

8. Pelo que, a simples junção de procuração não pode ser considerada preclusiva da possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação, nomeadamente no prazo geral para arguição de nulidades.

9. Podendo ainda, esgotado este prazo, o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis seguintes, mediante o pagamento de multa nos termos do art. 139º nº 5 do CPC.

10. O mandatário de requerida em autos de providência cautelar, só tem acesso aos autos, a partir do momento em que determinada a audição prévia da requerida, faça prova de ter sido constituído mandatário.

V. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em julgar:

- Procedente a Revista interposta por Aditioconstrói - Sociedade de Construção Civil, LDA, revogando-se o acórdão recorrido e, ordenando, em sua substituição, a baixa dos autos, de modo a que a 1.ª instância dê cumprimento ao n.º 6 do art.º 139.ºdo CPC, por referência ao ato praticado em 03-05-2024, um dia útil após o prazo.

Ficando o conhecimento da efetiva nulidade por falta de citação, em sede de recurso de apelação, dependente da prática do ato tributário acima fixado, nos termos supra determinados.

- Prejudicado o conhecimento da Revista interposta pela Caixa Geral de Depósitos, S.A..

Custas pela Recorrida Caixa Geral de Depósitos, em razão do decaimento.

Lisboa, 10 de dezembro de 2024

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Jorge Leal (1º Adjunto)

Henrique Antunes (2º Adjunto)

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1. Art. 227 – Elementos a transmitir obrigatoriamente ao citando

Art. 246 – Citação de pessoas coletivas↩︎

2. «6 - Quando o requerido não for ouvido e a providência vier a ser decretada, só após a sua realização é notificado da decisão que a ordenou, aplicando-se à notificação o preceituado quanto à citação.»↩︎

3. «1 - Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º:

Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;

Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º.»↩︎

4. Introduzido pela Portaria n.º 267/2018 de 20-09.↩︎