I – Em termos de concessão de liberdade condicional, a circunstância de se atingir o marco de 2/3 da pena imposta não desencadeia automática e imediatamente a libertação do recluso, tratando-se apenas e só de uma mera e simples possibilidade dependente de avaliação positiva, em concreto, de determinados pressupostos.
II - Os pontos referenciais de apreciação da liberdade condicional, constantes do artigo 61º, nºs 2 e 3 do CPenal – meio e 2/3 da pena -, a par do que reza o artigo 180º, nº 1 do CEPMPL, são momentos indicativos para a apreciação da liberdade condicional, não determinando a sua não precisa e exata verificação, em termos de apreciação da liberdade condicional, que a prisão até então legal, se torne ilegal.
III - Entendendo o recluso que a sua situação não estava a respeitar os prazos fixados na lei, tinha ao seu dispor instrumentos próprios como, ativar um pedido de aceleração processual a coberto dos incisos conjugados dos artigos 154º do CEPMPL, 108º e 109º do CPPenal, logo que atingida a data respeitante ao marco 2/3 e sem Conselho Técnico aprazado, juntar ao PUR um simples requerimento a solicitar a apreciação da liberdade condicional, e / ou reagir relativamente ao despacho designativo do Conselho Técnico para data posterior ao dito marco, e não o uso da providência de habeas corpus.
IV - A providência excecional de habeas corpus não serve, nem é o meio próprio para sindicar despachos proferidos pelos Senhores Juízes do TEP e, muito menos, para arguir nulidades desses mesmos despachos e / ou para questionar a observância estrita dos prazos de apreciação de liberdade condicional facultativa.
V - Emergindo que o recluso mais não fez do que tentar obter a sua libertação por mecanismo que não tem a menor aplicação in casu, omitindo socorrer-se dos efetivos meios, de que podia, para que a sua situação fosse apreciada no momento preciso e relativo ao marco de 2/3 da pena de prisão que cumpre e sendo certo que muito antes deste pedido tinha já conhecimento da data designada para apreciação da sua situação (quase dois meses), entende-se que está patente quadro de pedido manifestamente infundado.
Acordam em Audiência na 3ª Secção (criminal) do Supremo Tribunal de Justiça
I. Relatório
1. AA (adiante recluso Requerente), atualmente preso no Estabelecimento Prisional de ..., em cumprimento de pena de prisão, à ordem do processo nº 1160/21.2..., do Tribunal da Comarca de Lisboa, Juízo Central ... – Juiz 5, no âmbito do Processo Único de Recluso (PUR) que corre os seus termos sob o nº 430/14.0TXLSB no Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, Juízo de Execução de Penas de ... – Juiz 1, vem requerer ao Exmo. Senhor Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, através de Ilustre Advogado constituído, a providência de habeas corpus, a coberto do regime inserto no artigo 222º, nºs 1 e 2, alínea c) do CPPenal, invocando para tanto, e em conclusões: (transcrição1)
(…)
DOS FACTOS:
1. O arguido encontra-se em cumprimento de pena de prisão de 4 anos e 6 meses desde 2021.
2. O arguido tem a sua situação prisional definida daí não ter qualquer outro processo pendente
3. O arguido atingiu o cumprimento de metade da pena em 14/01/2024 e os 2/3 em 14/10/2024
4. O arguido termina o cumprimento da sua pena em 14/04/2026
5. Em Sentença de 16/02/2024 onde foi negada a Liberdade Condicional ficou determinado que :
”…para efeitos de renovação da instância se deve atender à data de 14 de Outubro de 2024 (marco dos 2/3 da pena)…”
6. Acontece que nada foi efetuado em conformidade e conforme consta na referida Sentença.
7. Existe uma patente violação ou a inobservância das disposições legais cominam na situação de prisão ilegal por terem os prazos da sua renovação ou analise serem realizados
8. O arguido desta forma tem os seus elementares direitos violados em sede de igualdade para com os demais reclusos .
9. Ao arguido AA não lhe estão a ser garantidos os direitos constitucionais plenos de poder nos termos do CPP manifestar a Liberdade Condicional nos 2/3 da pena que se diga já ultrapassados.
10. Não se pode deixar de dizer que o referido prazo está ultrapassado e a situação traduz-se objetivamente na prisão ilegal.
11. Logo, presentemente o arguido AA encontra-se preso ilegalmente desde o dia 14/10/2024
(…)
CONCLUSÕES
1- Resultam dos autos que foram violados os artigos 13º, 27º, 28º, 32º nº 7 todos da CRP; e art 222 nº 2 alínea c) do CPP.
2- Deve o arguido ser restituído à liberdade de forma imediata caso o arguido aceite o Regime de Liberdade Condicional.
3- Ordenando ao tribunal Recorrido (JUIZ ... de Execução de Penas de Lisboa) que em sede do regime da liberdade condicional que se imponha o plano do seu cumprimento no prazo máximo de 5 dias
4-Que seja fixada residência ao arguido, por si indicada.
NESTES TERMOS
E com o elevado saber de Vªs Exªs, colendos conselheiros que se requer muito respeitosamente que seja dado provimento ao presente incidente de HABEAS CORPUS, declarando-se ilegal a prisão atual em que o arguido recorrente se encontra e ordenar a sua libertação imediata.
2. Da informação prestada, em respeito ao que se consigna no artigo 223º, nº 1 – parte final – do CPPenal, notando sobre as condições em que foi efetuada e se mantém a prisão do recluso Requerente, consta: (transcrição)
(…)
No uso na competência da parte inicial do artigo 138.°, n.° 1 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade - como garante do direito dos reclusos - e em obediência ao disposto no artigo 223.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, informa-se o Colendo Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que:
A. No âmbito do processo n.° 1160/21.2..., do Juiz ... - Juízo Central Criminal de ..., por acórdão de 18 de Março de 2022, transitado em julgado a 18-04-2022, o arguido AA, foi condenado pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 75.°, 76.°, e 210.°, n.° 1, todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
B. Nos autos referidos em A., por despacho de 28-04-2022, foi levada a efeito homologação da liquidação da pena de prisão efectuada por promoção de 26-04-2022, nos termos da qual se considerou:
- O arguido entrar-se privado de liberdade à ordem de tais autos desde 14-10-2021 (data em que foi detido e presente a primeiro interrogatório judicial lhe foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva).
- Como marcos relevantes da pena, para efeitos de apreciação da liberdade condicional:
-1/2 da pena: 14-01-2024;
-2/3 da pena: 14-10-2024; Termo da pena: 14-04-2026.
C. Em sequência e com relevo para a questão a apreciar, no âmbito dos presentes autos
de liberdade condicional:
i)Por despacho liminar de 28-06-2022, foram considerados os precisos marcos referidos em B.
ii) Por decisão de 24-01-2024, foi declarada encerrada a instrução (artigo 173.°, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade), convocado o Conselho Técnico para 01-02-2024.
iii) Em 01-02-2024, teve lugar a realização de Conselho Técnico, com audição de recluso e com pareceres integralmente desfavoráveis emanados do Serviço de Vigilância e Segurança, Área do Tratamento Penitenciário, Serviços de Reinserção Social e Director do EP.
iv) Em 05-02-2024, o Ministério Público lavrou parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.
v) Em 16-02-2024, foi proferida decisão não concessória da liberdade condicional ao condenado AA, mantendo-se o cumprimento efectivo da pena de prisão em curso e mais se determinando para efeitos de renovação da instância o dever atender à data de 14-10-2024 (marco dos 2/3 da pena).
vi) Por despacho de 31-10-2024, foi declarada encerrada a instrução (artigo 173.°, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade), convocado novo Conselho Técnico para 17-01-2024, às 09h30, no EP de ..., seguido de audição do recluso.
vii) Notificado legalmente de todo o teor decisório, o arguido nunca revelou qualquer oposição, mormente em forma de reclamação, impugnação ou recurso.
D. Como tal e ao contrário do alegado pelo arguido impetrante, com reporte à decisão de 16-02-2024 - no sentido de que "nada foi efectuado em conformidade e conforme consta da referida sentença", os presentes autos seguem o seu estrito curso em plena observância dos termos legais aplicáveis, estando na actualidade a aguardar a realização de Conselho Técnico convocado conforme supra aludido em vi), inexistindo fundamento ínfimo para a alegação de que o arguido impetrante se encontra ilegalmente preso desde 14-10-2024, não se observando qualquer violação dos seus elementares direitos tal qual invocado - artigos 13.°, 27.°, 28.°, 32.°, n.° 7, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 222.°, n.° 2, alínea c), do Código de Processo Penal - bem como razão legal para restituição imediata à liberdade.
É o quanto entendemos que cumpre informar para os termos do artigo 223.° do Código de Processo Penal.
Subam de imediato estes autos de apenso ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser instruídos com certidão de todo o apenso G (processo de liberdade condicional).
(…)
3. O processo encontra-se instruído com a documentação pertinente2.
4. Convocada a secção criminal, notificado o Digno Mº Pº e o Ilustre Mandatário do recluso Requerente, teve lugar a audiência, após o que o tribunal reuniu e deliberou, no respeito pelo consignado no artigo 223º, nºs 2 e 3 do CPPenal, o que fez nos termos que se seguem.
A. Dos factos
Com relevância para a decisão do pedido de habeas corpus, extraem-se dos autos os seguintes factos:
i) O recluso Requerente encontra-se a cumprir no Estabelecimento Prisional de ..., a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, em que foi condenado pela prática de um crime de roubo, no Processo nº 1160/21.2..., do Tribunal da Comarca de Lisboa, Juízo Central ... – Juiz ...;
ii) Iniciou o cumprimento da dita pena em 14 de outubro de 2021, tendo alcançado o marco do meio da pena em 14 de janeiro de 2021, o marco dos 2/3 em 14 de outubro de 2024, estando previsto o seu termo para 14 de abril de 2026;
iii) No âmbito do Processo nº 430/14.0TXLSB-G (PUR) que corre os seus termos no Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, Juízo de Execução de Penas, Juiz ..., e na sequência do alcance do cumprimento do meio da pena, foi apreciada a Liberdade Condicional do recluso Requerente, sendo que por decisão proferida em 16 de fevereiro de 2024, foi decidido não a conceder, fixando-se que para efeitos de renovação da instância se deveria atender à data de 14 de outubro de 2024, reportando-se tal ao marco dos 2/3 da pena;
iv) Em 11 de julho de 2024 foram solicitados os Relatórios a que se reportam as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 173º do CEPMPL – relatório dos serviços prisionais e relatório dos serviços de reinserção social3 -, os quais foram juntos aos respetivos autos em 30 de julho de 20244;
v) Por despacho proferido em 31 de outubro de 2024, foi designado o Conselho Técnico a ter lugar no dia 17 de janeiro de 20255;
vi) Tal despacho foi notificado ao Digno Mº Pº e comunicado ao Estabelecimento Prisional de ..., em 4 de novembro de 2024, mencionando-se, expressamente, (…) Pela mesma via, será solicitada ao(à) Exmº(a). Sr.(a) Diretor(a) a notificação ao recluso da data designada para a sua audição;
vii) Em 28 de dezembro de 2024, o recluso Requerente veio juntar procuração forense, constituindo mandatário forense.
B. Questões a decidir
Versando sobre o requerimento apresentado, cumpre apurar se o recluso Requerente se encontra em situação de prisão ilegal, por ter sido ultrapassado o marco de 2/3 respeitante à pena de prisão que cumpre e, concomitantemente, como deve ser lido o estatuído no artigo 61º do CPenal, mormente os seus nºs 1 e 2.
C. O direito
Visitando o artigo 31º, nº 1, da CRP6 de imediato se pode retirar a consagração do instituto do habeas corpus como via de reação ao abuso de poder advindo de um aprisionamento ilegal / privação da liberdade sem respaldo na lei.
Este mecanismo, bebendo, ao que se pensa, do Habeas Corpus Act de 16797 aprovado pelo Rei Carlos II, destinado a acautelar / sufragar a proteção da liberdade pessoal perante detenções abusivas do rei, apelando à apreciação / ponderação da justeza / bondade da captura por um juiz, teve acolhimento claro no ordenamento jurídico português através da Constituição de 21 de agosto de 19118.
A providência de habeas corpus, ao que pacificamente se tem entendido, veste a ideia de remédio excecional, expedito e urgente9 em sede de proteção e salvaguarda da liberdade individual, destinando-se a superar / ultrapassar, de pronto, situações de prisão arbitrária ou ilegal ou de privação ilegítima da liberdade de um cidadão10.
Ou seja, este mecanismo providencial visa apenas e só, apreciar e decidir se em determinado retrato, se verifica algum dos fundamentos expressos na lei, não se apreciando ou decidindo sobre o mérito da decisão que determina a prisão ou a privação da liberdade, nem tão pouco os eventuais erros processuais que possam ter operado, pois, esses devem ser apreciados por outras vias, mormente o recurso ordinário11.
Diga-se, ainda, que para fazer funcionar este instituto, imperioso se torna que a ilegalidade da prisão se exiba como manifesta, grosseira, inequívoca, inquestionável e seja diretamente verificável a partir dos documentos e informações constantes dos autos12.
Cabe, também, reter que este mecanismo se encontra tratado, em termos infraconstitucionais, pela normação inserta nos artigos 220º e 221º do CPPenal, quando em causa recorte de detenção ilegal, e nos artigos 222º e 223º do mesmo compêndio legal, nos casos de prisão ilegal.
Na situação em apreço, tanto quanto se crê, exulta o apelo ao regime relativo à prisão ilegal que, como é consabido e pacificamente sufragado, demanda a verificação de algum dos fundamentos expressos no elenco taxativo das alíneas do nº 2 do artigo 222º do CPPenal, ou seja, estar-se na presença de prisão efetuada ou ordenada por entidade incompetente, motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou, finalmente, manter-se para além dos prazos estipulados pela lei ou por decisão judicial13.
Exulta de todo o narrado que pretende o recluso Requerente fazer operar a condição expressa na alínea c) do nº 2 do artigo 222º do CPPenal – prisão ilegal por se manter para além dos prazos fixados pela lei -, ou seja, fazer ponderar sobre o período temporal que o legislador entendeu como razoável que, funcionando como uma causa de certeza para quem está aprisionado, igualmente se apresenta como um corolário do princípio da proporcionalidade, pois reflete / sufraga os limites temporais de restrição admissível do valor liberdade constitucionalmente albergado14.
Nesse desiderato, ancorando-se a pretensão apresentada, ao que se pensa, na circunstância de não ter sido apreciada a liberdade condicional do recluso Requerente, na data precisa em que alcançou o marco de 2/3 da pena de prisão que cumpre, importa visitar, ainda que em jeito breve, o instituto da liberdade condicional e o regime constante do disposto no artigo 61º do CPenal, mormente o que rezam os seus nºs 1 e 215.
O mecanismo da liberdade condicional, ao que se vem decifrando, apresenta-se como uma providência que visa essencialmente promover a ressocialização de condenados a penas de prisão de média ou de longa duração e, nesse seguimento, proporciona uma libertação antecipada, permitindo ao recluso a sua gradual preparação para o reingresso na vida livre16, ou seja, por via deste instituto pretende-se criar um tempo de transição entre a prisão e a liberdade, de molde a proporcionar ao recluso recobrar o sentido de orientação social enfraquecido / depauperado / exaurido por força da reclusão17.
Bebendo a sua origem histórica em modelo de criação francesa,18 comportava uma providência tendente a promover a regeneração e a reinserção social dos criminosos e, assim, de sentido eminentemente preventivo-especial, que estaria destinada a integrar, no âmbito de uma pena de prisão executada segundo o chamado sistema “progressivo” ou “por períodos”, a última fase de preparação para a liberdade definitiva19.
Partindo do regime inserto no sistema penal português, mormente de tudo o que se ensaia no artigo 61º do CPenal, a liberdade condicional apresenta-se como um incidente da execução da pena de prisão e já não como uma medida coativa de socialização pois, depende sempre da anuência do condenado e, por outro lado, nunca ultrapassa o período de tempo de prisão que o condenado tem para cumprir por força da sua condenação20.
A liberdade condicional surge assim em momento posterior à execução da pena de prisão, assumindo-se como um tempo de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente pode equilibradamente recuperar / sedimentar o seu sentido de orientação / adequação social, fatal e decididamente enfraquecido por efeito do afastamento do viver em comunidade livre decorrente da reclusão.
Por força da concessão da liberdade condicional, emerge como cristalino, há uma alteração do conteúdo da decisão condenatória já que esta deixa de ser de privação da liberdade para envergar uma restituição à liberdade, ainda que possa conter algumas limitações / restrições.
Em último, diga-se que a liberdade condicional, no ordenamento jurídico português, pode ser facultativa ou obrigatória, sendo que no primeiro caso é necessário que se verifiquem determinadas condições – artigo 61º, nº 2, alíneas a) e b) do CPenal – e, no segundo, basta o tempo de prisão cumprida.
Nesta senda, a liberdade condicional facultativa, por conseguinte quando referida aos marcos metade21 e / ou dois terços da pena, exige, em termos materiais, um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado e, bem assim, um juízo de prognose sobre o impacto do sujeito em sociedade sobre as exigências de ordem e paz social – conduzir a sua vida de modo responsável, longe do cometimento de crimes22.
Em caso de liberdade condicional facultativa na modalidade do cumprimento de 2/3 da pena de prisão – quadro que aqui desponta -, segunda modalidade de concessão da liberdade condicional facultativa, estabelece o artigo 61º, nº 3 do CPenal que (o) tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
Da referida alínea a) exubera que só será concedida a liberdade condicional quando for seguramente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, ou seja, não se trata de solução automática e direta, determinando a verificação objetiva do dito marco, a libertação imediata do cidadão recluído.
Na verdade, ante o alcance deste ponto de cumprimento de pena, ainda se exige a ponderação de notas de prevenção especial, seja negativa, de que o condenado não voltará a delinquir, seja positiva, conducente à sua reinserção social23, sendo que aquando da avaliação da liberdade condicional, em que o condenado já cumpriu dois terços da pena, deve entender-se que esse cumprimento parcial satisfaz plenamente as razões de prevenção geral, ficando a liberdade condicional, quando facultativa, apenas dependente do cumprimento das exigências de prevenção especial.
Cotejando todos estes considerandos, e visitando a factualidade concreta supra enunciada, ao que se entende, não desponta a menor indicação / linha / traço que ilustre estar o recluso Requerente preso ilegalmente.
Primeiramente porque a circunstância de ter já atingido o marco de 2/3 da pena, como se viu, não desencadeia automática e imediatamente a sua libertação. Trata-se apenas e só de uma mera e simples possibilidade dependente de avaliação positiva, em concreto, de determinados pressupostos.
Por seu turno, o TEP ao determinar como o fez na sua decisão de 16 de fevereiro de 2024 – (…) para efeitos de renovação da instância se deve atender à data de 14 de outubro de 2024 (marco dos 2/3 da Pena) -, por nenhuma forma anunciou que o recluso Requerente iria e / ou teria que ser libertado nessa data – nem o poderia fazer -, apontando apenas e só esse momento como o a atender para efeitos de renovação da instância e, nessa medida, se desencadearem os procedimentos necessários a tal.
Diga-se, neste conspecto, e em abono da verdade, que os pontos referenciais de apreciação da liberdade condicional, constantes do artigo 61º, nºs 2 e 3 do CPenal – meio e 2/3 da pena -, a par do que reza o artigo 180º, nº 1 do CEPMPL24, são momentos indicativos para a apreciação da liberdade condicional, não determinando a sua não precisa e exata verificação, em termos de apreciação da liberdade condicional, que a prisão até então legal, se torne ilegal.
Faça-se notar que in casu, como transparece de todo o PUR – Processo nº 430/14.0TXLSB-G – foram desencadeados todos os mecanismos para apreciação da liberdade condicional do recluso recorrente, estando já designado Conselho Técnico para o próximo dia 17 de janeiro de 2025, por despacho proferido em 31 de outubro de 2024, facto que o recluso Requerente conhece e que, relativamente ao mesmo não esboçou qualquer reação, a não ser vir agora com a presente providência, cerca de dois meses depois da prolação de dito despacho e da sua dimensão.
Entendendo o recluso Requerente que a sua situação não estava a respeitar os prazos fixados na lei, tinha ao seu dispor instrumentos próprios como, ativar um pedido de aceleração processual a coberto dos incisos conjugados dos artigos 154º do CEPMPL, 108º e 109º do CPPenal, logo que atingida a data de 14 de outubro de 2024 e sem Conselho Técnico aprazado, juntar ao PUR um simples requerimento a solicitar a apreciação da liberdade condicional, e / ou reagir relativamente ao despacho de 31 de outubro de 2024, o que nada fez.
Ora, tanto quanto se entende, a providência excecional de habeas corpus não serve, nem é o meio próprio para sindicar despachos proferidos pelos Senhores Juízes do TEP e, muito menos, para arguir nulidades desses mesmos despachos e / ou para questionar a observância estrita dos prazos de apreciação de liberdade condicional facultativa25.
Por isso, quanto ao presente pedido, não se consideram verificados quaisquer dos fundamentos exigidos nos termos do artigo 222º, do CPPenal, concluindo-se que o recluso Requerente se encontra preso, em cumprimento de pena em que foi condenado, por força de uma decisão judicial exequível, proferida pelo juiz competente, motivada por quadro factual que a lei permite, mostrando-se respeitados os respetivos limites de tempo fixados por lei.
E, assim sendo, inexistindo o fundamento bastante de habeas corpus invocado pelo recluso Requerente, e nenhum outro despontando, há que indeferir a peticionada providência.
Não se descortina, se por via desta fórmula se pretende apontar a verificação de alguma inconstitucionalidade.
Se assim for, míster é que se vá além da mera citação de uma norma ou conjunto de normas, reclamando-se que seja indicado o critério normativo cuja sindicância se pretenderia, reportando-o ao específico segmento legal ou conjugação de segmentos legais de que seria extraível, e enunciando-o de tal forma que, caso o Tribunal Constitucional concluísse por um juízo de inconstitucionalidade, pudesse limitar-se a reproduzir tal enunciação, assim permitindo que os destinatários da decisão e os operadores do direito em geral ficassem esclarecidos sobre o específico sentido normativo considerado desconforme à Constituição26.
Ou seja, não basta a singela a afirmação de que se violaram certos dispositivos da CRP, exige-se o identificar claramente o preceito legal, o que o recluso Requerente até faz, mas impõe-se também o indicar o sentido normativo que considera que choca com determinadas normas constitucionais, aspeto que aqui não se respeita.
De outra banda, tanto quanto transluz de todos os dados até ao momento existentes, nada se extrai que elucide que, por alguma forma, se beliscaram o princípio da igualdade (artigo 13º), os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação (artigo 26º), o direito à liberdade e segurança (artigo 27º), sendo cristalino que se não vislumbra que o recluso Requerente figure como ofendido no processo que corre termos no TEP (artigo 32º, nº 7).
Faceando, ao que se cogita, não existe o menor suporte neste segmento argumentativo.
Aqui, ao que se pensa, não basta que o peticionante se tenha excedido ao utilizar este mecanismo; necessário se torna que o pedido formulado seja claramente / evidentemente / imediatamente e sem sombra de quaisquer dúvidas, incapaz de vingar27; quando através de uma mera e sumária avaliação dos fundamentos do pedido formulado, é possível concluir, sem margem para interrogações, que o mesmo está votado ao insucesso.
Em presença de todo o acima exposto, emergindo que o recluso Requerente mais não fez do que tentar obter a sua libertação por mecanismo que não tem a menor aplicação ao caso vertente, omitindo socorrer-se dos efetivos meios, de que podia, para que a sua situação fosse apreciada no momento preciso e relativo ao marco de 2/3 da pena de prisão que cumpre e sendo certo que muito antes deste pedido tinha já conhecimento da data designada para apreciação da sua situação (quase dois meses), entende-se que está patente quadro de pedido manifestamente infundado.
III. Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 3ª Secção Criminal, em:
a) Indeferir o pedido de habeas corpus peticionado pelo recluso Recorrente AA a coberto do disposto no artigo 223º, nº 4, alínea a), do CPPenal, por manifesta falta de fundamento bastante;
b) Condenar o recluso Recorrente nas Custas do processo, fixando em 3 (três) UC a Taxa de Justiça, devida por cada um (artigo 8º, nº 9, do Regulamento Custas Processuais e Tabela III, anexa);
c) Condenar o recluso Recorrente no pagamento da quantia de 6 UC, nos termos do disposto no artigo 223º, nº 6 do CPPenal.
Carlos de Campos Lobo (Relator)
José Carreto (1º Adjunto)
António Augusto Manso (2º Adjunto)
Nuno António Gonçalves (Presidente da secção)
___________
1. Expurgado de aspetos sem relevância para o que se discute.
2. Regista-se que além dos elementos constantes destes autos, foram consultados outros relevantes através da plataforma Citius.
3. Cf. Referências Citius ......48 e ......62.
4. Cf. Referências Citius .....93 e .....84.
5. Cf. Referências Citius ......37.
6. Artigo 31.º
(Habeas corpus)
1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.
2. (…)
7. An Act for the better secureing the Liberty of the Subject and for Prevention of Imprisonments beyond the Seas.
8. Artigo 3º, ponto 31º - Dar-se-á o habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se encontrar em iminente perigo de sofrer violência, ou coacção, por ilegalidade, ou abuso de poder.
A garantia do habeas corpus só se suspende nos casos de estado de sítio por sedição, conspiração, rebelião ou invasão estrangeira.
Uma lei especial regulará a extensão desta garantia e o seu processo.
9. Neste sentido GOMES CANOTILHO, José Joaquim e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2007, Coimbra Editora, p. 508 - O habeas corpus consiste numa providência expedita e urgente de garantia do direito à liberdade (…) em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito (…).
10. Neste sentido, LEAL-HENRIQUES, Manuel, Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau, Volume II (Artigos 176º a 361º), 2014, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, p.150.
Na mesma linha de pensamento, entre outros, os Acórdãos do STJ de 13/08/2024, proferido no Processo nº 268/24.7T8TVD-B.S1- 5ª secção - O habeas corpus é uma providência extraordinária e expedita, independente do sistema de recursos penais, que se destina exclusivamente a salvaguardar o direito à liberdade; e de 11/06/2024, proferido no Processo nº 1958/23.7T8EVR-B.S1-3ª secção O habeas corpus é uma providência com assento constitucional, destinada a reagir contra o abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegal (…) tem os fundamentos previstos taxativamente no art. 222.º, n.º 2. do CPP, que consubstanciam “situações clamorosas de ilegalidade em que, até por estar em causa um bem jurídico tão precioso como a liberdade ambulatória (…), a reposição da legalidade tem um carácter urgente”. O “carácter quase escandaloso” da situação de privação de liberdade “legitima a criação de um instituto com os contornos do habeas corpus” (…), disponíveis em www.dgsi.pt.↩︎
11. Neste sentido os Acórdãos do STJ, de 16/11/2023, proferido no Processo nº 347/18.0TXCBR-R.S1 – (…) A providência de habeas corpus não se pode confundir com um procedimento de recurso, pois, como se vem dizendo trata-se de um procedimento urgente, de resolução rápida sobre a ilegalidade da prisão (…) – de 27/10/2022, proferido no Processo nº 1491/17.6TXLSB-R.S1 – (…) A providência excecional de habeas corpus não serve, nem é o meio próprio para sindicar despachos dos Juízes do TEP (…) – e de 07/04/2021, proferido no Processo nº 1558/11.4TXPRT-U - (…) Não constitui um recurso contra atos de um processo através dos quais foi ordenada ou é mantida a privação da liberdade do arguido, não sendo um sucedâneo dos recursos admissíveis - disponíveis em www.dgsi.pt.
12. Neste sentido, GASPAR, António Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dois Santos, COSTA, Eduardo Maia, OLIVEIRA MENDES, António Jorge de, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, Código de Processo Penal, Comentado, 2016, 2ª edição revista. Almedina, p. 855.↩︎
13. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 02/20/2024, proferido no Processo nº 1408/23.9PCCSC-B.S1- 3ª secção - Os motivos de «ilegalidade da prisão», para efeitos de habeas corpus, de enumeração taxativa, têm de reconduzir-se à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, pelo que o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar (a) se a prisão resulta de uma decisão judicial exequível e ordenada por entidade competente, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto pelo qual a lei a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial; de 12/09/2024, proferido no Processo nº 977/19.2SGLSB-K.S1-5ª secção - Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de se reconduzir, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa; de 11/04/2024, proferido no Processo nº 116/23.5GAVVC-C.S1-5ª secção - A providência de habeas corpus visa pôr termo à privação ilegal da liberdade, decorrente de abuso de poder, sendo que os motivos fundamento dessa ilegalidade têm de se reconduzir, necessária e exclusivamente, à previsão das als. do n.º 2 do art. 222.º do CPP, cuja enumeração é taxativa e cuja indicação tem se ser expressamente indicada e fundamentada no respetivo pedido, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
14. Neste sentido, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS, Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III – artigos 191º a 310º, 2022, 2ª Edição, Almedina, p. 592.
15. Artigo 61.º
Pressupostos e duração
1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.
16. Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, p. 528.
17. Neste sentido, LEAL-HENRIQUES, Manuel, SANTOS, Manuel Simas, Código Penal, Anotado, 1º Volume, 1995, Editora Rei dos Livros, p. 504.
18. Este modelo está ligado ao nome de Bonnevile de Masangy, magistrado francês do final do século XIX, um dos precursores da criminologia e de práticas como o registo criminal (ideia proposta em 1848 e instituída em 1850), liberdade condicional, generalização da multa em vez de prisão ou indemnização, vítimas de erros judiciários.
19. MIGUEZ GARCIA M., CASTELA RIO, J. M., Código Penal, Parte geral e especial – Com notas e comentários, 2015, 2ª Edição, Almedina, p. 358.
20. Neste sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto – Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, 2021, Universidade Católica Editora, p. 356 e, ainda. SILVA, Germano Marques da, Direito penal português, Parte Geral III, Teoria das penas e medidas de segurança, 2008, 2ª edição, Editorial Verbo, p. 238.
21. Não se mostra pacífico o entendimento relativo à concessão da liberdade condicional no marco meio da pena. Questiona-se se o cumprimento de metade da pena é por si só suficiente para acolher razões político-criminais, defendendo-se que estes casos são de cariz excecional e só possível quando o tribunal considerar que uma tal concessão não ponha em causa as exigências de prevenção geral.↩︎
22. Neste sentido, MIGUEZ GARCIA M., CASTELA RIO, J. M., ibidem, p. 361.
23. Neste sentido, MIGUEZ GARCIA M., CASTELA RIO, J. M., ibidem, p. 361.
24. Artigo 180.º
Renovação da instância
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 61.º do Código Penal, nos casos em que a liberdade condicional não tenha sido concedida e a prisão haja de prosseguir por mais de um ano, a instância renova-se de 12 em 12 meses a contar da data em que foi proferida a anterior decisão.
2 - (…)
25. Neste sentido, os Acórdãos do STJ referenciados na nota 13.
26. Ver neste sentido o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 379/2023, de 7/07/2023, proferido no Processo nº 472/2023, disponível em www.dgsi.pt. onde se pode ler (…) a exigência de identificar a/(s) norma/(s) cuja apreciação se pretende não se compadece com a mera remissão para o disposto noutros elementos processuais, recaindo sobre o requerente o ónus de identificar claramente o preceito legal e o sentido normativo que considera colidente com determinadas normas constitucionais