PERÍODO EXPERIMENTAL
DESPEDIMENTO
RETRIBUIÇÃO
INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE
PEDIDO
JUROS DE MORA
Sumário

I. A nulidade da sentença prevista na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil só ocorre em situações em que se mostre claro que os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
II. O período experimental é um período de prova que corresponde ao período inicial do contrato de trabalho e destina-se ao conhecimento recíproco das partes e à apreciação do interesse na manutenção do contrato. Do ponto de vista do empregador, este período serve para que o mesmo possa verificar se o trabalhador contratado possui as aptidões laborais necessárias. Já do ponto de vista do trabalhador serve para apreciar se as concretas condições de trabalho e a organização em que se incorporou satisfazem os seus interesse e expetativas.
III. Porém, se a razão de ser do período experimental já foi assegurada, por exemplo, por contratos de trabalho a termo anteriormente celebrados entre o trabalhador e o empregador, que visaram a mesma atividade ou posto de trabalho, o período de duração da anterior contratação deve ser considerado, conforme prevê o n.º 4 do artigo 112.º do Código do Trabalho, pois se assim não fosse estaria aberta uma via, injustificada, para o alargamento do período de prova.
IV. A cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador que invocou estar a decorrer o período experimental quando o mesmo já havia terminado constitui um despedimento ilícito por não ter sido precedido do respetivo procedimento, de harmonia com o disposto no artigo 381.º, alínea c), do Código do Trabalho.
V. A retribuição base prevista no artigo 391.º, n.º 3, do Código do Trabalho não pode ser inferior à retribuição mínima garantida em vigor à data em que é declarada a ilicitude do despedimento.
VI. Se o valor de indemnização de antiguidade peticionado ficar aquém do valor que resultaria da aplicação do disposto no artigo 391.º, n.º 3 do Código do Trabalho, o tribunal tem de condenar apenas no pagamento do valor pedido.
VII. Os juros de mora sobre retribuições de tramitação que devam ser liquidadas em ulterior incidente de liquidação, apenas serão devidos a partir do momento em que se liquide o valor de tais retribuições.

Texto Integral

2458/23.0T8STR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1


I. Relatório


AA intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra Adecco – Prestação de Serviços, Lda., pedindo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento e que a ré seja condenada a reintegrá-lo, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar-lhe:


- a quantia de € 824,77, relativa a retribuições vencidas e juros moratórios vencidos, acrescida dos juros legais vincendos sobre a quantia de € 824,08, devidos desde a data da citação e até integral pagamento;


- a quantia de € 741,91 respeitante a retribuições vincendas, devidas por mês e até trânsito em julgado da sentença que julgar ilícito o despedimento, acrescidas dos juros de mora desde as datas dos respetivos vencimentos e até integral pagamento.


Alegou, em súmula, que entre 27-02-2023 e 07-07-2023 exerceu funções de operador de logística na fábrica de ... da Sumol-Compal, Marcas, S.A. como trabalhador subordinado da ré, tendo sido verbalmente despedido, o que constitui um despedimento ilícito com as legais consequências.


Frustrada a tentativa de conciliação realizada na audiência de partes, a ré veio contestar, por impugnação e por exceção.


Mediante notificação para o efeito, o autor respondeu à defesa por exceção.


Salienta-se que, por requerimento, veio também manifestar a sua opção pela indemnização de antiguidade em detrimento da reintegração.


Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido saneador tabelar, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.


O valor da ação foi fixado em € 3.050,50.


Após a realização da audiência final, foi prolatada sentença na qual se decidiu julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência, foi a ré absolvida dos pedidos.


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O autor interpôs recurso da sentença, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:


«1. Na douta sentença recorrida, foi dado como provado que o Apelante exerceu funções de operador de logística sob as ordens e autoridade da Apelada, mediante retribuição mensal, na execução de sete contratos de trabalho a termo que se sucederam entre o dia 27/02/2023 e o dia 21/04/2023: o primeiro de 27/02/2023 a 28/02/2023, o segundo de 01/03/2023 a 03/03/2023, o terceiro de 06/03/2023 a 10/03/2023, o quarto de 13/03/2023 a 17/03/2023, o quinto de 03/04/2023 a 06/04/2023, o sexto de 10/04/2023 a 14/04/2023 e o sétimo de 17/04/2023 a 21/04/2023.


2. E que cessado o último daqueles contratos a termo, o Apelante continuou a exercer aquelas funções para a Apelada, sob as suas ordens e autoridade, mediante retribuição mensal, de 24/04/2023 a 07/07/2023, sem que tivesse sido reduzido a escrito qualquer contrato de trabalho.


3. Foi ainda dado como provado que, a 07/07/2023, a Apelada pôs termo ao contrato de trabalho que vigorava entre as partes, tendo mesmo o Apelante sido impedido de entrar nas instalações onde trabalhava e assim de exercer as suas funções para a Apelada, isto no dia 10/07/2023.


4. Entendeu-se na sentença recorrida que, a partir de 24/04/2023 e até 07/07/2023 vigorou entre as partes um contrato de trabalho sem termo.


5. E que o período experimental de tal contrato era de 90 dias, que decorreriam de 24/04/2023 a 24/07/2023.


6. Julgou-se pois, que ao despedir o Apelante em 07/07/2023 a Apelada o fizera nos termos legalmente permitidos pelo art. 114.º,1 do Código do Trabalho, uma vez que ainda decorria o período experimental no decurso do qual podia denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito do trabalhador a indemnização.


7. E concluiu-se pela total improcedência da ação intentada pelo Apelante contra a Apelada: uma vez que o despedimento não fora ilícito não teria o Apelante direito a receber a indemnização de antiguidade e restantes somas peticionadas ao abrigo dos arts. 390.º e 391.º do Código do Trabalho.


8. Ora resulta dos factos dados como provados que, antes da vigência do contrato que vigorou entre as partes a partir de 24/04/2023, o Apelante já tinha exercido as mesmíssimas funções como trabalhador subordinado da Apelada, em cumprimento dos contratos a termo acima discriminados, ou seja durante 29 dias.


9. Sendo que de 24/04/2023 a 07/07/2023 o Apelante trabalhou para Apelada durante mais 75 dias.


10. Nos termos do disposto no art. 112.º, 4 do Código do Trabalho, o período experimental relativo àquele contrato de trabalho sem termo teria que se considerar reduzido a 61 dias (90-29), atendendo à duração total dos contratos a termo que o haviam precedido.


11. Aquando do despedimento já haviam passado pois 14 dias para lá da cessação do período experimental.


12. Verifica-se contradição entre a decisão proferida na sentença recorrida e os seus fundamentos de facto, pois dado como provado que o Apelante exerceu as funções acima referidas ao abrigo dos contratos a termo em questão, nunca poderia deixar de se entender que o período experimental fora reduzido a 61 dias e que o despedimento fora ilícito por estar já decorrido o período experimental.


13. Vem pois arguir-se nulidade da sentença ora recorrida, ao abrigo dos arts. 77.º,1 do C.P.T. e 615.º,1,c) do C.P.C..


14. Mesmo que assim não se entenda, o facto é que aquela sentença violou o disposto no referido art. 112.º,4 do Código do Trabalho, bem como o disposto nos arts. 114.º,1; 390.º,1 e 391.º do mesmo Código.


15. Sendo que deveria ter considerado reduzido a 61 dias o período experimental relativo ao contrato sem termo e ilícito o despedimento por decorrido já o período experimental, inexistindo qualquer justa causa ou outra forma lícita de cessação do contrato (cfr. Acórdão da Relação de Guimarães proferido em 20/01/2022 no Proc. 7032/20.0T8VNF-A.G1 e disponível em www.dgsi.pt).


16. Consequentemente, deverá ser suprida a nulidade ora arguida, ou caso assim não se entenda, ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por acórdão que julgue procedente o presente recurso, em qualquer caso julgando-se procedentes os pedidos deduzidos pelo Apelante contra a Apelada: indemnização de antiguidade no montante de 2.225,73€ e retribuições vencidas e vincendas de 741,91€ mensais atendendo à média mensal de 169 horas de trabalho x 4,39€ por hora conforme factos provados 16 e 17 da sentença recorrida e desde a data do despedimento (07/07/2023) até trânsito em julgado da sentença que julgue o despedimento ilícito, importâncias essas acrescidas dos legais juros de mora e a que se deverão deduzir apenas 140,98€ recebidos pelo Apelante da Apelada a título de compensação por caducidade de contrato a termo, com o que se fará a merecida JUSTIÇA!».


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Contra-alegou a ré, pugnando pela improcedência do recurso.


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A 1.ª instância proferiu despacho no qual considerou não se verificar a arguida nulidade da sentença e admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.


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Após a subida do processo à Relação, a digníssima procuradora-geral adjunta emitiu parecer favorável à procedência do recurso.


Não foi oferecida resposta.


O recurso foi mantido e foram colhidos os vistos legais.


Cumpre apreciar e decidir.


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II. Objeto do Recurso


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Em função destas premissas, eis as questões que importa analisar e decidir:


1. Nulidade da sentença.


2. Saber se no momento do cessação do contrato de trabalho já não se encontrava a correr o período experimental, extraindo-se as devidas consequências do que se vier a decidir.


*


III. Matéria de Facto


A 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:


1. No âmbito da sua atividade de prestadora de serviços, a R., através de escrito datado de 10/10/2022, celebrou com a SUMOL + COMPAL, MARCAS, S.A. um contrato-quadro de prestação de serviços em que se obrigou a prestar serviços na área de logística, na preparação e tratamento de encomendas para sua posterior expedição.


2. Na sequência desse contrato de prestação de serviços, a R. detinha uma operação na área de logística para a qual contratava técnicos para assegurar aqueles serviços, que eram prestados, nos termos do contrato de prestação de serviço.


3. Para o efeito, a R. celebrou vários contratos de trabalho a termo certo com o Autor para este exercer, sob as suas ordens e direção, as funções inerentes à categoria de “Operador de Logística”.


4. Assim, o A. foi admitido em 27/02/2023 para exercer as funções de operador de logística, mediante o recebimento de retribuição mensal, por conta e sob autoridade e direção da R., através da celebração de um contrato individual de trabalho a termo certo.


5. Tendo o referido contrato cessado a sua vigência em 28/02/2023, o A. foi de novo admitido a exercer aquelas funções para a R. nos termos de novo contrato a termo certo, em 01/03/2023, contrato esse que vigorou até 03/03/2023.


6. O A. foi de novo admitido a exercer aquelas funções para a R. nos termos de novo contrato a termo certo, em 06/03/2023, contrato esse que vigorou até 10/03/2023.


7. O A. foi de novo admitido a exercer aquelas funções para a R. nos termos de novo contrato a termo certo, em 13/03/2023, contrato esse que vigorou até 17/03/2023.


8. O A. foi de novo admitido a exercer aquelas funções para a R. nos termos de novo contrato a termo certo, em 03/04/2023, contrato esse que vigorou até 06/04/2023.


9. O A. foi de novo admitido a exercer aquelas funções para a R. nos termos de novo contrato a termo certo, em 10/04/2023, contrato esse que vigorou até 14/04/2023.


10. O A. foi de novo admitido a exercer aquelas funções para a R. nos termos de novo contrato a termo certo, em 17/04/2023, contrato esse que vigorou até 21/04/2023.


11. Posteriormente, nos meses de abril (nos dias posteriores a 21/04 excluindo fins-de-semana e. feriados), maio e junho de 2023, bem como até 7 de julho de 2023, o A. manteve-se ao serviço da R..


12. Assim continuou, por acordo com a R. e instruções dela, a exercer as suas funções de operador de logística, preparando as paletes de produtos para os clientes.


13. No local de trabalho que lhe era indicado pela R., ou seja, na fábrica de ... da Sumol-Compal Marcas, S.A.


14. No horário de trabalho que lhe era indicado pela R..


15. E recebendo diariamente da R. as ordens e instruções para efeitos do seu trabalho que lhe eram transmitidas diretamente por aquela no local de trabalho supra indicado.


16. Auferindo a competente retribuição paga pela R. e correspondente a 4,39€ por hora de trabalho prestada.


17. E passando a trabalhar uma média mensal de 169 horas.


18. A R., através de mensagem enviada ao A., por whatsapp, em 15/05/2023, solicitou-lhe o envio de todos os contratos assinados.


19. A R., através de e-mail datado de 22/05/2023, enviou ao A. declaração de assinatura digital para assinatura e devolução por email ou entrega ao supervisor.


20. No dia 07/07/2023, entre as 16h.30m. e as 17h., o Sr. BB, supervisor da R., nas instalações da Sumol-Compal acima referidas, dirigiu-se, naquele local, ao A. e, em representação da R., disse-lhe que “podes ir embora se estás aqui para não trabalhar” (sic).


21. No dia 10/07/2023, a segunda-feira seguinte, o A. apresentou-se ao trabalho naquele local, pelas 16h., em cumprimento do horário de trabalho que a R. lhe havia fixado.


22. Contudo a R. recusou a prestação de trabalho pelo A., recusando a sua entrada nas instalações da Compal, referindo que o A. já não trabalhava para ela R. por ter sido despedido.


23. Por carta registada, datada de 14/07/2023, remetida pela R. ao A. comunicou a cessação da relação laboral estabelecida com a R. desde 02/05/2023, em período experimental, com efeitos a partir do dia 23/07/2023 do contrato de trabalho, nos termos e ao abrigo do artigo 114.º do Código do Trabalho.


24. Nos meses de maio, junho e julho de 2023, a R. pagou ao A., respetivamente, as seguintes quantias a título de compensação pela caducidade de contrato de trabalho: € 50,89; € 47,97 e € 42,12.


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E julgou como não provada a seguinte factualidade:


a. Que, a partir de maio de 2023, a R. remeteu ao A., via e-mail, os contratos de trabalho a termo para assinar.


b. Que o A. ignorou as insistências da sua supervisão para entrega dos aludidos contratos assinados.


c. Que, apesar dos envios dos contratos de trabalho através de correio para a morada do A., em maio de 2023, os mesmos nunca foram devolvidos.


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IV. Nulidade da sentença


O Apelante arguiu a nulidade da sentença ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.


Para tanto, alegou que existe contradição entre os fundamentos de facto e a decisão, pois aqueles evidenciam que o Apelante esteve ao serviço da Apelada, ao abrigo de vários contratos de trabalho a termo que vigoraram num total de 29 dias e que depois esteve ao serviço da Apelada através da celebração de um contrato de trabalho sem termo que teve a duração de 75 dias, pelo que, ao abrigo do artigo 112.º, n.º 4, do Código do Trabalho, o tribunal a quo deveria ter concluído que o período experimental ficou reduzido a 61 dias e que o despedimento do Apelante ocorreu para além do aludido período.


Vejamos.


Prescreve o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.


Atenta a argumentação do Apelante, é a primeira parte do mencionado preceito legal que ora releva.


A Constituição da República Portuguesa consagra no artigo 205º a obrigação de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente.


A fundamentação legalmente exigida visa dar a conhecer as razões de facto e de direito que o tribunal considerou e que originaram uma determinada conclusão que subjaz à decisão.


Daí que os fundamentos constituam as proposições em que assenta o silogismo da decisão.


Por isso, a sentença que enferma de vício lógico que a compromete é nula.


Todavia, este vício não é de frequente verificação. O mesmo só ocorre em situações em que se mostre claro que os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto (cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág. 141).


Dito de outro modo, para que se verifique tal vício tem de existir uma contradição lógica entre os fundamentos e a decisão tomada. Aqueles apontam num sentido e a decisão é tomada em sentido diverso ou divergente.


Ora, no vertente caso o que se constata é que inexiste qualquer contradição entre a fundamentação de facto e de direito e a decisão.


Repare-se, o tribunal a quo considerou a duração dos diversos contratos a termo e do contrato sem termo celebrados pelas partes processuais e no âmbito da operação de subsunção desta realidade ao direito fez a sua interpretação da lei aplicável, designadamente do disposto no artigo 112.º do Código do Trabalho, e por ter considerado que a cessação do contrato de trabalho sem termo ocorreu no período experimental concluiu que a cessação da relação laboral não consubstanciou um despedimento ilícito.


A fundamentação – de facto e jurídica - está pois em perfeito alinhamento lógico com a decisão final.


Poderá existir (ou não) erro de julgamento, contudo, a verificar-se esse erro, o mesmo não é causa de nulidade da sentença, mas antes razão para a revogação do decidido.


Cita-se, pela relevância, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-01-2023 (Proc. n.º 508/20.1T8AGH.L1.S1), acessível em www.dgsi.pt:


«A nulidade da decisão, por oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º, nº1, c) do CPC), é um vício intrínseco da mesma, não se confunde com um hipotético erro de julgamento, nem pode ser invocada para manifestar discordância com a decisão.».


Em suma, não se verifica a arguida nulidade da sentença, pelo que improcede o primeiro fundamento do recurso.


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V. Período experimental


Em sede de recurso, invocou o Apelante a existência de erro de julgamento quanto à apreciação da duração do período experimental do contrato de trabalho sem termo.


Para melhor compreensão transcreve-se a decisão posta em crise:


«Da factualidade provada resulta que o A. e a R. mantiveram uma relação laboral desde o dia 27/02/2023 e até ao dia 21/04/2023, através da celebração de sete contratos de trabalho, sucessivos, a termo certo, por períodos não superiores a quatro dias, através dos quais o A. se comprometeu a prestar funções de operador de logística, contra o pagamento pela R. de uma retribuição mensal, calculada à hora pelo valor de € 4,38. E que, desde o dia 24/04/2023 (2.ª feira seguinte àquele termo) até ao dia 07/07/2023, o A. manteve-se ao serviço da R. a desempenhar as mesmas funções, por ordem e direção da R., e contra o pagamento da mesma retribuição, sem que tenha sido reduzido a escrito qualquer contrato de trabalho, iniciando-se, desta feita, um novo contrato de trabalho sem termo.


Com efeito, resulta do estatuído no artigo 141.º do Código do Trabalho que o contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita, devendo ser assinado por ambas as partes e conter entre outras a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo, o que deve ser feito pela menção expressa dos factos que integram esse motivo, devendo ainda estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (cfr. art. 140.º, n.º 1, al. e) e n.º 3 do Código do Trabalho), sob pena de o contrato se considerar sem termo (cfr. art. 147.º, n.º 1, al. c) do Código do Trabalho).


Pelo que, a primeira conclusão a retirar da factualidade provada, é no sentido de que, a partir do dia 24/04/2023, A. e R. estabeleceram uma relação laboral, vigorando entre ambos um contrato de trabalho sem prazo, não reduzido a escrito.


Mais resultou provado que a R., no dia 07/07/2023, no local de trabalho, comunicou ao A., de forma verbal, a cessação do seu contrato de trabalho, dizendo-lhe “podes ir embora se estás aqui para não trabalhar” (sic), o que foi confirmado no dia 10/07/2023, quando o A. Se apresentou no local de trabalho e foi impedido de aí entrar pela R., bem assim através da carta que a R. lhe remeteu, datada de 14/07/2023, na qual comunicou a cessação da relação laboral, em período experimental, com efeitos a partir do dia 23/07/2023, referindo o disposto no art. 114.º do Código do Trabalho.


Dispõe o artigo 111.º, n.º 1 do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Noção de período experimental”, que o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção.


O período experimental nos contratos de trabalho corresponde, assim, à fase inicial de execução do contrato, conta-se a partir do início da execução da prestação do trabalho e destina-se a que ambas as partes (trabalhador e empregador) se conheçam mutuamente e decidam se estão interessadas ou não na manutenção da relação laboral.


A propósito do período experimental, Susana Sousa Machado, refere que o mesmo “tem sido encarado como o período necessário para que as partes se conheçam mutuamente e decidam se estão interessadas ou não na manutenção da relação laboral”.


E, Maria do Rosário Palma Ramalho defende que “o período experimental corresponde à fase inicial da execução do contrato de trabalho”.


A par, o artigo 112.º do mesmo Código, a respeito da duração do período experimental, no que aqui releva, considerando as funções desempenhadas pelo A. e a sua situação de não desempregado de longa duração e se não ser o seu primeiro emprego, que no contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a duração de 90 dias.


Considerando que entre o A. e a R. vigorava (por último) um contrato de trabalho sem prazo, com início no dia 24/04/2023, significa que o período experimental teve o seu início no dia 24/04/2023 e termo previsto para o dia 24/07/2023.


E, tendo em conta que a R. comunicou o A. a cessação do contrato de trabalho no dia 07/07/2023, quando lhe disse “podes ir embora se estás aqui para não trabalhar” (sic), significa que o fez no decurso período experimental.


Ora, dispõe o artigo 114.º, n.º 1 do Código do Trabalho que durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização.


Daqui resulta que, durante o período experimental inexistem as limitações à liberdade de desvinculação por ato unilateral das partes. E só durante esse período (o experimental) o legislador admite que o empregador se desvincule do contrato de trabalho sem necessidade de motivação/explicação. Por isso, toda a “conduta” do empregador de desvinculação perante o trabalhador, que não ocorra dentro desse período, está sujeita às regras e procedimentos impostos pelo Código do Trabalho no que toca à cessação do contrato de trabalho.


Pelo que, tendo a R. colocado termo ao contrato de trabalho celebrado com o A. No período experimental, como o fez, estava legitimada a fazê-lo sem necessidade de aviso prévio e invocação de justa causa, e sem que tal implique o pagamento de qualquer indemnização a favor do A.. (…)».


Apreciemos, então, a questão sub judice.


Primeiramente, importa deixar claro que não constitui matéria controvertida a caracterização e validade dos vários contratos de trabalho, a termo e sem termo, celebrados entre as partes processuais.


Também se infere da argumentação exposta no recurso que o Apelante admite que ao contrato sem termo, iniciado em 24-04-2023, se aplicava, em abstrato, o período experimental de 90 dias previsto no artigo 112.º, n.º 1 do Código do Trabalho.


A discordância com o decidido incide na circunstância de o tribunal a quo não ter aplicado o disposto no n.º 4 do aludido 112.º.


Prescreve esta norma:


«O período experimental, de acordo com qualquer dos números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma atividade, de contrato de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, de contrato de prestação de serviços para o mesmo objeto, ou ainda de estágio profissional para a mesma atividade, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele, desde que em qualquer dos casos sejam celebrados pelo mesmo empregador.».


Decorre inequivocamente da norma que o legislador entendeu que o período experimental deve ser reduzido ou mesmo excluído nas situações em que o empregador e o trabalhador já mantiveram, anteriormente, contrato a termo para a mesma atividade, contrato de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, contrato de prestação de serviços para o mesmo objeto, ou estágio profissional para a mesma atividade.


Por outras palavras, o legislador entendeu que se já existiu prévio conhecimento recíproco pelas partes outorgantes do contrato de trabalho, sobre as condições de exercício e aptidão em relação à concreta atividade ou posto de trabalho contratados, esse período de avaliação/conhecimento deve ser atendido.


Com interesse, escreveu-se no Acórdão da Relação de Guimarães de 20-01-2022 (Proc. n.º 7032/20.0T8VNF-A.G1), citado pelo Apelante, e que pode ser consultado em www.dgsi.pt:


«Esta disposição [o artigo 112.º, n.º 4] prescreve a redução ou exclusão do período experimental em função da duração de anteriores contratações do mesmo trabalhador pelo mesmo empregador, para a prestação de atividade idêntica, designadamente através de contrato a termo, contrato de trabalho temporário, contrato de prestação de serviços ou estágio profissional. E, embora esta enumeração pareça apontar prima facie no sentido da inserção da regra no âmbito da política de combate às práticas fraudulentas na contratação precária, a redação aberta da norma, abrangendo, quer situações de utilização indevida, quer situações de utilização lícita daquelas formas de contratação, leva a concluir que a razão de ser do preceito radica sobretudo na presumida desnecessidade de sujeição do novo contrato ao normal período experimental, por as partes já terem um conhecimento mútuo que justifica a sua redução ou exclusão. A solução, aliás, já era deduzível de princípios gerais aplicáveis àquelas e outras situações em que existe um prévio conhecimento recíproco das partes relevante para a apreciação do interesse na celebração ou manutenção do contrato de trabalho. Assim, por maioria de razão, deve entender-se que a norma abarca a hipótese em que mais compreensivelmente se imporia à luz de tal propósito, ou seja, a de o mesmo trabalhador já ter executado a mesma atividade para o mesmo empregador através de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, como parece ser o caso dos autos.


Em suma, diremos que a teleologia da norma contida no n.º 4 do art. 112.º do Código do Trabalho autoriza que a mesma se aplique a todas as situações em que uma prévia prestação da atividade cumpriu a função atribuída ao período experimental, justificando a exclusão ou redução deste para obviar a que, na prática, se alcançasse a ampliação dos prazos máximos estabelecidos legal ou convencionalmente para a sua duração, com a consequente ampliação do direito de denúncia livre e sem indemnização.».


Concordamos.


Atente-se que o período experimental, também apelidado de período de prova corresponde ao tempo inicial da execução de um contrato de trabalho e destina-se ao conhecimento recíproco das partes e à apreciação do interesse na manutenção do contrato – cf. n.º 2 do artigo 111.º do Código do Trabalho.


Assim o explica Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 22.ª edição, págs. 264-265:


«Tendo a relação de trabalho carácter duradouro, ambas as partes têm interesse em se certificarem de que ela corresponde aos seus objetivos, antes que o vínculo se consolide. O contrato de trabalho é celebrado em contexto de grande indeterminação. Do ponto de vista do empregador, interessa que a situação resultante do contrato só se estabilize se, na verdade, o trabalhador contratado mostrar que possui as aptidões laborais procuradas; do ângulo do trabalhador, pode ser que as condições concretas do trabalho, na organização em que se incorporou, tornem intolerável a permanência indefinida do vínculo assumido. Quanto a ambas as partes, só o desenvolvimento factual da relação de trabalho pode esclarecer com alguma nitidez, a compatibilidade do contrato com os respetivos interesses, conveniências ou necessidades. Daí que a lei considere, justamente, experimental o período inicial da execução do contrato de trabalho».


Ora, se a razão de ser do período experimental foi assegurada por contratação anterior que permitiu que as partes outorgantes do novo contrato de trabalho por tempo indeterminado tivessem tido a oportunidade de ponderar o interesse na celebração ou manutenção do contrato de trabalho (estando em causa, obviamente, a mesma atividade ou posto de trabalho), esse período deve ser considerado, conforme prevê o n.º 4 do artigo 112.º, pois se assim não fosse estaria aberta uma via, injustificada, para o alargamento do período de prova.


Afigura-se-nos ser esta a interpretação que mais se ajusta ao espírito da norma.


Aliás, pode ler-se em anotação ao artigo feita por Abílio Neto (Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados, Ediforum, 1.ª edição, pág. 214, nota 4):


«No domínio do CT/2003 sustentou-se que no período experimental “estava em causa o início de execução daquele contrato de trabalho em concreto e não o início da atividade do trabalhador na empresa. Assim, se a um contrato de trabalho a termo suceder um novo contrato de trabalho a termo ou por tempo indeterminado com o mesmo trabalhador, parece fazer sentido a sujeição a novo período experimental, com a duração inerente ao tipo de contrato em questão” (M. R. Palma Ramalho, Direito do Trabalho, II, 2.ª ed., 2008, p. 174, nota 349).


A questão foi agora solucionada através do n.º 4 deste artigo, desde que se verifique uma tríplice identidade – de atividade (posto de trabalho ou objeto), de prestador de trabalho e de empregador – funcionará a regra da diferença temporal, se existir».


No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-06-2017 (Proc. n.º 5571/13.9T2SNT.L1.S1), publicado em www.dgsi.pt.


Posto isto, e considerando que a factualidade provada evidencia que o Apelante já havia exercido 29 dias de trabalho – no âmbito dos contratos de trabalho a termo que celebrou com a Apelada - no posto de trabalho para o qual foi contratado a partir de 24-04-2023, afigura-se-nos que há lugar à aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 12.º do Código do Trabalho.


Por conseguinte, deverão descontar-se 29 dias ao prazo de 90 dias previsto no n.º 1, alínea a) do artigo.


Assim sendo, a partir de 24-04-2023, inclusive, apenas restavam 61 dias de período experimental, o que permite concluir que o período experimental terminou em 23-06-2023.


Sucede que a relação laboral findou em 07-07-2023 por iniciativa da Apelada – cf. pontos 20 a 22 do elenco dos factos provados -, ou seja, a cessação do contrato de trabalho ocorreu depois de ter terminado o período experimental.


Deste modo, o despedimento do Apelante é ilícito por não ter sido precedido do respetivo procedimento, de harmonia com o disposto no artigo 381.º, alínea c) do Código do Trabalho.


Em consequência do despedimento ilícito, o Apelante tem direito, desde logo, à indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho, uma vez que por ela optou.


Apesar de o Apelante ter uma antiguidade inferior a três anos, a indemnização não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades, nos termos prescritos pelo n.º 3 do aludido artigo.


A retribuição base a que se reporta o normativo não pode ser inferior à atual retribuição mínima garantida que tem o valor de € 870 (cf. Decreto-Lei n.º 112/2024, de 19 de dezembro)


Consequentemente, o Apelante teria direito a receber uma indemnização no valor de €2610 (€ 870 x 3).


Sucede que tal quantia excede o valor peticionado (€ 2.225,732) e este tribunal está obrigatoriamente vinculado ao princípio do limite do pedido – cf. artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – tendo em consideração que não estamos perante a situação prevista no artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho.


Sendo assim, é devida ao Apelante indemnização no valor peticionado.

O Apelante tem também o direito a receber as retribuições intercalares consagradas no artigo 390.º do Código do Trabalho.

Concretizando, tem direito a uma retribuição desde 30 dias antes da propositura da ação (uma vez que a ação foi proposta quando já haviam decorrido mais de 30 dias sobre a data do despedimento – cf. alínea b) do n.º 2 do artigo 390.º) e às retribuições de tramitação desde a propositura da ação até ao trânsito em julgado da presente decisão (pois é na presente decisão que é declarada a ilicitude do despedimento).

O Apelante auferia mensalmente € 741,91 (169 horas x 4,39 valor hora), pelo que deve ser esse o valor a considerar quer para a retribuição vencida à data da propositura da ação (logo, não há justificação para atribuir a peticionada retribuição no valor de € 824,08), quer para as retribuições vencidas desde a propositura da ação e vincendas.

No cômputo das retribuições de tramitação em dívida deverá proceder-se à dedução prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho.

Esclarece-se que a dedução prevista na alínea a) do n.º 2 do mencionado artigo 390.º não é de determinação oficiosa – cf. v.g. Acórdão da Relação de Guimarães de 15-02-2024 (Proc. n.º 422/21.9T8GMR.G2), acessível em www.dgsi.pt.

O valor em dívida a título de retribuições de tramitação após a propositura da ação deverá ser liquidado em ulterior incidente de liquidação.

Sobre as quantias em dívida acrescem juros moratórios, à taxa legal em vigor, nos termos previstos pelas disposições conjugadas dos artigos 804.º, 805.º, 806.º e 559.º, todos do Código Civil

Os juros sobre a indemnização deverão ser calculados a partir da citação e até integral pagamento.

Os juros sobre a retribuição intercalar liquidada serão devidos desde o vencimento da mesma e até integral pagamento.

Os juros sobre as retribuições de tramitação a liquidar em ulterior incidente de liquidação serão devidos a partir do momento em que a obrigação se torne líquida e até integral pagamento.

Acresce que em relação ao valor da retribuição intercalar vencida deverá ser descontado o montante de € 140,98 pago ao Apelante e que se mostra referido no ponto 24 dos factos provados, conforme, aliás, o próprio refere em sede de recurso – cf. conclusão n.º 16 – pelo que a quantia remanescente em dívida é de € 600,93 (€ 741,91 - € 140,98). Os juros moratórios anteriormente atribuídos deverão ser contabilizados a partir desta quantia.

Em suma, o recurso procede na totalidade, pelo que a sentença recorrida terá de ser revogada.

As custas do recurso serão suportadas pela Apelada, nos termos previstos pelo artigo 527.º do Código de Processo Civil.

*


VI. Decisão


Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, e consequentemente, revogam a decisão recorrida e declaram a ilicitude do despedimento do autor e condenam a ré a pagar-lhe:

a) A quantia de € 2.225,73 a título de indemnização em substituição da reintegração, acrescida de juros moratórios, à taxa legal em vigor, contabilizados desde a citação e até integral pagamento;

b) O valor de € 600,93 em dívida a título de retribuição intercalar vencida até à propositura da ação, acrescido dos juros moratórios, à taxa legal em vigor, contabilizados desde o vencimento da retribuição e até integral pagamento;

c) As retribuições de tramitação vencidas desde a propositura da ação e vincendas, às quais haverá que proceder à dedução prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, sendo o valor em dívida liquidado em ulterior incidente de liquidação;

d) juros de mora sobre a obrigação referido na anterior alínea, à taxa legal em vigor, devidos a partir do momento em que a obrigação se torne líquida e até integral pagamento.

Custas do recurso a suportar pela Apelada.

Notifique.


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Sumário elaborado pela relatora:


(…)





Évora, 16 de janeiro de 2025


Paula do Paço


João Luís Nunes


Mário Branco Coelho

1. Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho↩︎

2. Cf. Requerimento apresentado em 14-03-2024.↩︎