I. A oposição à renovação do contrato de arrendamento consiste numa declaração receptícia que opera por comunicação à contraparte efectivada nos termos do art.º 9.º do NRAU.
II. Como declaração receptícia, a sua eficácia está dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário sendo sobre a declarante, no caso a senhoria, que recaía o ónus de o provar;
III. Não tendo havido efectiva recepção da declaração esta só poderia ser considerada eficaz quando por culpa da inquilina não tenha sido, por ela, oportunamente recebida.
IV. Ocorrendo divergência entre o endereço constante da missiva de oposição à renovação do arrendamento e o do local arrendado, não se pode afirmar a ocorrência de culpa da inquilina.
V. Há falta de notificação da Requerida, nos termos e para os efeitos art.º 15º-D do NRAU, quando a carta foi expedida para um endereço que não corresponde com rigor ao do local arrendado e não existam quaisquer elementos que permitam presumir o seu conhecimento efectivo e oportuno.
I.RELATÓRIO
1. ZIP REOCO RESI PORTFOLIO, SICAFI, S.A., Requerente nos autos à margem identificados nos quais figura como Requerida AA, inconformada com a decisão que julgou : “a) (…) verificada a falta de notificação de AA no âmbito do procedimento especial de despejo cujos termos correram no Balcão do Arrendatário e do Senhorio sob o n.º 155/23.6... e, em consequência, declarar a nulidade do processado posterior ao requerimento inicial;
b) (…) que a comunicação datada 17 de Maio de 2022 não pode operar como forma eficaz de comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado em 27 de Abril de 2013 entre AA e Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional Solução Arrendamento, referente à fracção autónoma designada pela letra “S”, que corresponde ao piso seis – quarto andar – letra C do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...” dela veio interpor recurso, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:
“A. A Recorrente apresentou um requerimento de despejo, no Balcão Nacional do
Arrendamento, correndo a ação sob forma de procedimento especial de despejo.
B. No decorrer da fase administrativa não se verificou nenhum fundamento para a recusa do requerimento de despejo, nos termos do Artigo 15.º-C do NRAU.
C. Não se verificando motivos para a recusa do requerimento, o BNA procedeu à notificação da Recorrida para esta (i) desocupar o locado e, sendo caso disso, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa por ele liquidada ou (ii) deduzir oposição à pretensão e/ou requerer o diferimento da desocupação do locado, nos termos do disposto nos Artigos 15.º-N e 15.º-O (n.º1 do Artigo 15.º-D).
D. A Recorrida considerou-se notificada pelo Balcão Nacional do Arrendamento, hoje chamado Balcão do Arrendatário e Senhorio, com envio da segunda carta em 23/02/23, por a primeira ter sido devolvida, com indicação “objeto não reclamado” , tendo a segunda carta sido depositada no recetáculo da caixa do correio em 08/03/2023 não tendo apresentado Oposição.
E. E em 12 de Abril de 2023, o Balcão do Arrendatário e do Senhorio converteu o requerimento de despejo em título para desocupação do locado.
F. Por sua vez, a Recorrente, através da sua procuradora Hipoges, tinha enviado em 17 de Maio de 2022, endereçada para a ..., sob a epígrafe “Oposição à renovação do Contrato de Arrendamento”, e em 22 de Junho de 2022, as comunicações de oposição à renovação, para a morada convencionada do imóvel, nos termos da cláusula décima do referido contrato, tendo o contrato cessado em 30/11/2022.
G. O Tribunal de 1ª Instância fez errada apreciação e interpretação das normas legais dos artigos 229/2 do CPC e, do próprio artigo 9/7-c e artigos15.º-D/3 , do 15 -B, 9º e 10º todos do NRAU. e, por conseguinte, andou mal ao decidir absolver a Recorrida do pedido.
H. Mal andou também ao decidir pela improcedência do pedido da Recorrente, por nulidade de todo o processado a partir do requerimento inicial e ao declarar o contrato como válido e em vigor.
I. Tendo produzido efeitos a comunicação de oposição à renovação do Contrato de Arrendamento, deveria ter sido declarado procedente o processo especial de despejo, por cessação do Contrato em 30/11/2022.
J. A comunicação da oposição à renovação do contrato é válida, eficaz e tempestiva, produziu os seus efeitos, pelo que a Recorrida deveria ter entregue o imóvel livre de pessoas e bens, na data de 30/11/2022.
K. Por sua vez, o BAS remeteu as notificações para a morada convencionada, pelo que cumpriu igualmente as regras e as normas 229/2 do CPC e, do próprio artigo 9/7-c , e artigos15.º-D/3 , do 15 -B, 9º e 10º todos do NRAU.
L. A Recorrente e atual proprietária sempre manifestou o interesse na recuperação da posse do Imóvel, tendo legitimamente lançado mão do procedimento especial de despejo.
M. Os artigos 229/2 do CPC e, do próprio artigo 9/7-c , e artigos15.º-D/3 , do 15 -B, 9º e 10º todos do NRAU. foram mal interpretados pelo Tribunal a quo, que embora tenha dado como provada como correta a morada convencionada pelas partes e prevista no contrato, que corresponde à morada correta do imóvel e constante nos documentos registrais, ou seja, a ....
N. Por força de um simples papel manuscrito, que a Recorrida colocou recentemente na caixa do correio, como se vê na fotografia junta aos autos e que aqui se insere:
O. O Tribunal a quo ao dar como provada a morada convencionada e correta do imóvel, como sendo no ... andar piso... da ..., que consta do contrato e documentos oficiais, como a caderneta e certidão predial, não pode depois, concluir que o mesmo equivale dizer que a morada do locado corresponde à “...”.
P. Salvo o devido respeito, aqui não há equivalência, ou equivale a querer dizer isto ou aquilo, ou é ou não é.
Q.A morada convencionada do imóvel é a que consta do contrato de arrendamento e, dos documentos registrais.
R. Se por conveniência ou por outra razão a Recorrida veio a alterar a morada convencionada, identificando à mão a caixa do correio, de forma diferente da morada convencionada, só tinha de o ter comunicado à senhoria, ora Recorrente, para que esta aceitasse ou não tal alteração.
S. Ora, quer a Recorrente, quer o BAS cumpriram as regras e as formalidades legais, pelo que tendo as comunicações sido remetidas para a morada convencionada no contrato, as mesmas deveriam terem sido consideradas eficazes e, por conseguinte, a douta sentença deveria ter sido no sentido da procedência do processo especial de despejo.
T. A autonomia/iniciativa privada é frequentemente identificada com uma das suas mais significativas expressões: a liberdade contratual, prevista no artigo 405º do C.C., abrangendo quer a possibilidade de celebrar ou não celebrar determinado contrato (liberdade de celebração), quer a possibilidade de fixação do conteúdo do contrato (liberdade de estipulação).
U. Aquando Contratação as Partes encontravam-se em situação de paridade/igualdade – um queria dar de arrendamento o outro queria tomar de arrendamento, mediante cedência do espaço contra retribuição, e as Partes estabeleceram essa sua relação – duradoura – com base no acordado nas cláusulas do Contrato de Arrendamento, tendo por base a Lei vigente, à data, mas que se mantem em vigor, quanto às regras e procedimentos a adotar nas comunicações de oposição à renovação, para a morada convencionada, que corresponde à morada do imóvel.
V. Aquando contratação a expectativa jurídica que criaram para si – ambas as Partes – era que aquela relação duraria por prazo determinado, podendo ser renovado por outro prazo – também esse determinado – assim as Partes, qualquer uma delas – o pretendesse, cumprindo os prazos de comunicação previstos na Lei e no próprio Contrato.
W. O Tribunal Constitucional vem apreciando situações potencialmente lesivas do princípio da segurança jurídica com base no pressuposto de que o princípio do Estado de Direito contido no artigo 2.º da CRP implica “um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expetativas que a elas são juridicamente criadas”
X.Pelo que as interpretações literais da letra da norma levantam questões quanto à limitação da liberdade contratual das Partes, princípio basilar do Estado de Direito.
Y.“O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo a ideia de proteção de confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus
AA. Sucede, porém, que as partes convencionaram no contrato de arrendamento uma morada, pelo que no âmbito do PED a notificação é realizada, como o foi, quer pela Recorrente, quer pelo BAS, para a morada convencionada, conforme resulta do disposto nos artigos 15.º-B/2-d, 15.º-C/1-e, e 15.º-D/3 todos do NRAU.
BB. A circunstância de a arrendatária, ora Recorrida ter passado a identificar de forma manuscrita a caixa do correio como sendo 6º C, em nada altera a morada para onde deve ser realizada a notificação, configurando, isso sim, uma alteração à morada convencionada, efetuada pela Recorrida.
CC. A notificação, conforme as partes assim, o acordaram e consignaram no contrato de arrendamento é e foi devidamente realizada para a morada convencionada no contrato de arrendamento.
DD. E a alteração da morada convencionada teria de ser feita nos termos legais, ou seja, mediante carta registada com a/r, nos termos do artigo 229/2 do CPC e, do próprio artigo 9/7-c do NRAU resulta que o senhorio teria de autorizar essa modificação.
CC.No caso concreto, a Recorrida não alegou (nem demonstrou) ter procedido à comunicação de alteração da morada convencionada por carta registada com a/r, limitando-se a alegar que na caixa do correio estava assinalado 6ºC, sem tão pouco se certificar que tinha de dar conhecimento à senhoria e, ora Recorrente, de tal alteração.
DD. Nos termos legais, existindo domicílio convencionado, como no caso sub judice, é para essa morada que é realizada a citação, o que foi feito.
EE. Foram observadas todas as regras e formalidades legais, por parte da Recorrente.
FF. Por sua vez, o BAS cumpriu igualmente as regras e as formalidades legais, pois nos termos do art.º 15.º-D/3 do NRAU dispõe que “a notificação é expedida para o local indicado no requerimento de despejo”.
GG. Tendo sido convencionado entre as partes que as comunicações entre senhoria e arrendatária devem ser para a morada do imóvel, naturalmente a Recorrente só tinha de cumprir o que foi acordado entre as partes e que consta expresso na contrato de arrendamento e bem, assim as regras e normas jurídicas, o que fez, conforme ficou provado.
HH. A sentença é ilegal, por excesso de pronúncia e, por violação das normas dos artigos 229/2 do CPC e, do próprio artigo 9/7-c , e artigos15.º-D/3 , do 15 -B, 9º e 10º todos do NRAU.
Assim, com o Douto Suprimento do Tribunal ad quem, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão que julgou totalmente improcedente o processo especial de despejo, sendo a mesma substituída por outra que verifique a caducidade do contrato de arrendamento (por oposição à sua renovação do senhorio) e, consequentemente condene a R. nos pedidos formulados, fazendo-se assim, inteira e sã JUSTIÇA.”.
2. Contra-alegou a recorrida defendendo a manutenção do decidido.
3. Ponderando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões nele insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 608º, nº2, 609º, 635º nº4, 639º e 663º nº2, todos do Código de Processo Civil – as únicas questões cuja apreciação aquelas convocam conexionam-se com a eficácia da declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento por parte da senhoria/recorrente e da regularidade da notificação da Requerida levada a efeito pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio.
II. FUNDAMENTAÇÃO
4. A decisão recorrida deu como assente o seguinte quadro fáctico:
“1. AA e Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional Solução Arrendamento subscreveram o escrito intitulado “contrato de arrendamento para habitação permanente com prazo certo e com opção de compra”, datado de 1 de Dezembro de 2013, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido em razão da sua extensão, onde se mostra, entre o mais, consignado:
“CLÁUSULA PRIMEIRA
(Objecto)
Pelo presente contrato, o Primeiro Outorgante [Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional Solução Arrendamento] dá de arrendamento ao Segundo Outorgante [AA] a fracção autónoma designada pela “S”, correspondente ao ..., com entrada pela ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na freguesia de ... e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 569, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2495, para o qual foi emitida em 03-12-1993 o Alvará de Licença de Utilização n.º 202/97 pela Câmara Municipal de ....
CLÁUSULA SEGUNDA
(Vigência e Renovação)
UM — O arrendamento é celebrado por prazo certo, ao abrigo do disposto nos artigos 1095º e seguintes do Código Civil com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro (NRAU) e terá a duração de 5 (cinco) anos, com início em 1 de Dezembro de 2013 e termo em 30 de Novembro de 2018. e renovar-se-á por iguais e sucessivos prazos de 1 (um) ano, salvo se for denunciado por qualquer das partes. (…)
CLÁUSULA TERCEIRA
(Oposição à Renovação e Denúncia)
UM – O Senhorio poderá opor-se à renovação automática do contrato mediante comunicação, remetida ao Arrendatário por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 120 dias do termo do prazo de duração inicial do contrato, ou de qualquer uma das suas eventuais renovações. (…)
CLÁUSULA DÉCIMA
(Comunicações e Foro)
UM – Para os efeitos previstos na al. c) do n.º 7 do art. 9.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, as partes convencionam como domicílio do Arrendatário o imóvel objecto do presente contrato de arrendamento.
DOIS – As comunicações a que haja lugar ao abrigo do presente contrato, efectuadas pelo Arrendatário, deverão realizar-se para a seguinte morada do senhorio: ....
TRÊS – O Senhorio poderá alterar o seu endereço, mediante notificação prévia ao Arrendatário, correndo por cada um dos contraentes as obrigações de manutenção de moradas actualizadas, bem como de recepção da correspondência que lhes seja remetida. (…)”
2. Por escritura pública datada de 15 de Dezembro de 2021, o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional Solução Arrendamento declarou vender a ZIP Reoco Resi Portfolio, Sicafi, S.A que, por sua vez, declarou comprar, entre outras, a fracção designada pela letra “S”, correspondente ao piso ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 569/19940609.
3. A aquisição da fracção destinada a habitação designada pela letra “S”, correspondente ao piso ...do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., mostra-se registada a favor da sociedade ZIP Reoco Resi Portfolio, Sicafi, S.A., por compra, através da apresentação n.º 4507 de 1 de Fevereiro de 2022.
4. AA reside no locado/fracção identificados em 1., 2. e 3., tendo a respectiva caixa de correio aposta os dizeres ‘6C’.
5. HIPOES enviou a AA, por via postal registada com aviso de recepção, missiva datada de 17 de Maio de 2022, endereçada para a ..., sob a epígrafe “Oposição à renovação do Contrato de Arrendamento”, com o seguinte teor: “Vimos, pela presente, na qualidade de Procuradora e Representante da Proprietária – ZIP Reoco Resi Portfolio, Sicafi, S.A sociedade comercial com o NIPC ... — e nos termos e para os efeitos do Artº 1097º do Código Civil, comunicar-lhe que não pretendemos renovar o Contrato de Arrendamento com termo certo celebrado em .../.../2013, relativo ao imóvel sito em ..., correspondente à fração autónoma designada “S”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número 569, freguesia de ... e inscrito na matriz predial sob o Artigo 2407, freguesia de ..., respeitando a antecedência prevista na lei e no Contrato (120 dias). Assim, o referido contrato cessará em 30/11/2022, devendo V. Ex.ª desocupar o locado nessa data, entregando-o livre de pessoas e bens, com todos os meus elementos e em condições que se coadunem com um uso prudente e cuidado do mesmo. (…)”.
6. Tal missiva foi devolvida pelos serviços postais com a menção de “objecto não reclamado. não atendeu”.
7. HIPOES endereçou a AA, por via postal registada com aviso de recepção, missiva datada de 22 de Junho de 2022, endereçada para a ... sob a epígrafe “Oposição à renovação do Contrato de Arrendamento – artigo 10.º NRAU”, com o seguinte teor: “Vimos, pela presente, na qualidade de Procuradora e Representante da Proprietária ZIP Reoco Resi Portfolio, Sicafi, S.A, sociedade comercial com o NIPC ... — e nos termos e para os efeitos do Artº 10979 do Código Civil, em cumprimento do estabelecido nos Artigos 99 e 109 do NRAU, comunicar-lhe a oposição à renovação, por iniciativa da Senhoria, do Contrato de Arrendamento com prazo certo celebrado em _01/12/2013, relativo ao imóvel a que corresponde a fração autónoma designada ”S", sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 569, freguesia de ... e inscrito na matriz predial sob o Artigo 24079, da união de freguesias/freguesia de ...), respeitando a antecedência de 120 (cento e Vinte) dias, prevista contratualmente. Assim, o referido contrato cessará os seus efeitos em 30/11/2022. Desde já se designa o período horário entre as 10h e as 17h, do dia _01/12/2022, para receção do imóvel pela Senhoria, imóvel que deverá ser entregue livre de pessoas e bens, com todos os seus elementos e em condições de conservação que se coadunem com um uso prudente e cuidado do mesmo, conforme expressamente previsto no Contrato, sendo naquele ato lavrado o devido Termo de Entrega e Vistoria do Locado, a ser assinado por ambas as Partes. Na eventualidade de não ser possível a V. Exa. a entrega do Locado na data mencionada anteriormente, solicita-se contacto para o email info.arrendados©hipogescom, desde já se alertando que não se concederá entrega do locado passados mais que 3 dias úteis da data designada. (…)”.
8. Tal missiva foi devolvida pelos serviços postais com a menção de “objecto não reclamado. não atendeu”.
9. ZIP Reoco Resi Portfolio, Sicafi, S.A apresentou junto do Balcão do Arrendatário e do Senhorio, em 25 de Janeiro de 2023, requerimento especial de despejo contra AA, ao qual veio a ser atribuído o n.º 155/23.6..., com fundamento na cessação do contrato de arrendamento identificado em 1), por oposição deduzida à sua renovação.
10. No referido requerimento de despejo, ZIP Reoco Resi Portfolio, Sicafi, S.A indicou, para efeitos de morada de notificação, a “...”.
11. Recebido o requerimento, o Balcão do Arrendatário e do Senhorio expediu, para notificação de AA, carta registada com aviso de recepção para a morada “...”.
12. Tal missiva veio devolvida pelos serviços postais com a menção de “objecto não reclamado”.
13. Em 23 de Fevereiro de 2023, o Balcão do Arrendatário e do Senhorio remeteu nova carta registada para a morada “...”, onde se mostravam entre o mais, consignado: “Ainda fica notificado de que: em virtude de o expediente ter sido devolvido por não ter procedido ao levantamento da primeira carta de notificação no estabelecimento postal ou ter sido recusada a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento de carta por pessoa diversa de V. Ex.ª, FICA ADVERTIDO que a notificação considera-se efectuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado o aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que V. Ex.ª teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.”
14. O aviso de recepção veio devolvido, preenchido e assinado no verso pelo distribuidor postal, com os seguintes dizeres: “Declaração: No dia 8-3-2023 às 11.00 na impossibilidade de entrega depositei no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente”.
15. Em 12 de Abril de 2023, o Balcão do Arrendatário e do Senhorio converteu o requerimento de despejo em título para desocupação do locado.”.
5. Do mérito do recurso
5.1. Da eficácia da declaração de oposição à renovação do arrendamento
Tendo em vista efectivar a cessação do arrendamento que a ligava à inquilina, enveredou a senhoria por recorrer ao procedimento especial de despejo previsto no art.º 15º do NRAU com fundamento na cessação do mesmo por oposição à sua renovação nos termos do nº1 do art.º 1097º do Cód. Civil ( cfr. alínea c) do nº2 ).
A oposição à renovação consiste numa declaração receptícia que opera por comunicação à contraparte nos termos do art.º 9.º do NRAU.
Como declaração receptícia,1 a sua eficácia está dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário ( artº 224º nº1 -1ª parte do Cód. Civil que consagra a teoria da recepção), sendo sobre a declarante, no caso a senhoria, que recaía o ónus de o provar (artº 342º nº1 do mesmo código).
Não tendo havido efectiva recepção da declaração – como sucedeu no caso - esta só poderia ser considerada eficaz quando por culpa do destinatário não tenha sido, por ele, oportunamente recebida ( art.224º, nº2 do Cód.Civil).
“Havendo culpa do declarante, de terceiro, caso fortuito ou de força maior, está afastada a aplicabilidade da norma.
Consequentemente, haverá necessidade de demonstrar, em cada caso, que "sem acção ou abstenção culposas do destinatário, a declaração teria sido recebida", não dispensando a concretização do regime "um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou na não recepção da declaração", demonstração que impende sobre a parte que tiver o ónus da interpelação2.”
Cremos que não há um único facto revelador de tal culpa da Requerida no não recebimento da dita missiva.
Pelo contrário: Resultou provado que o endereço inscrito em ambas as cartas enviadas pela requerente - ... - se revelou divergente no confronto daquele que constava do contrato de arrendamento e incompleto perante a descrição da fracção arrendada (a “ S”) no registo predial e na escritura de aquisição.
Efectivamente no contrato de arrendamento o local arrendado (para o qual se convencionou serem enviadas as comunicações) estava designado como: “fracção autónoma designada pela “S”, correspondente ao 4.º, com entrada pela ...3, do prédio urbano (…)”.
E na escritura de aquisição, à semelhança do que consta do registo predial, estava identificada a fracção locada como: fracção designada pela letra “S”, correspondente ao piso seis 4– quarto andar – letra C, assinalada por quarto C, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na ..., freguesia de ..., concelho de ... (…)”.
Não se pode, pois, afirmar que só por culpa da Requerida a declaração em apreço não tenha chegado ao seu poder ou dela não haja sido conhecida.
Para tanto era mister que não ocorresse qualquer divergência entre o endereço constante das missivas de oposição à renovação do arrendamento e o do local arrendado.
E a verdade é que, como vimos, ocorre.
Não se certificando da (in) existência dessa integral harmonia, a apelante não pode deixar de suportar o risco dessa sua declaração ser ineficaz.
Por consequência, não poderia ter a apelante promovido o procedimento especial de despejo com fundamento na alínea c) do nº2 do art.º 15º do NRAU já que, como se disse, tal pressupunha que a oposição à renovação do contrato de arrendamento tivesse sido eficazmente efectivada.
5.2. Da regularidade da notificação da Requerida levada a efeito pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio.
Ficou provado que Balcão expediu, para notificação de AA, nos termos do art.º 15º-D do NRAU - carta registada com aviso de recepção para a morada “...” a qual veio a ser devolvida com a menção “objecto não reclamado”.
De acordo com o nº3 do citado normativo: “A notificação é expedida para o local indicado no requerimento de despejo, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 228.º, nos n.os 3 a 5 do artigo 229.º, no n.º 2 do artigo 230.º e nos artigos 231.º, 232.º, 237.º, 238.º e 246.º do Código de Processo Civil, não havendo lugar à advertência prevista no artigo 233.º do mesmo Código.”
“Tal significa que o legislador pretendeu conferir à notificação a que se refere o nº1 do preceito alguma “seriedade” na medida em que manda aplicar disposições próprias da citação.5”
E compreende-se que assim seja, atentas as gravosas consequências associadas à falta de oposição na sequência da notificação (art.º 15º-E, nº1, a) do NRAU): a conversão do requerimento de despejo em título para desocupação do locado.
Entendeu o Tribunal “a quo” ter ficado demonstrado que a Arrendatária não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe é imputável, nos termos do artigo 188.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil.
Vejamos.
A lei distingue as situações de falta de citação (art.º 188º do CPC) e as de citação nula (art.º 191º do CPC).
À primeira vista poder-se-ia pensar que situação subjudice não se reconduziria a uma “falta de citação”.
Porém, concordamos com a 1ª instância quando refere que a mesma se subsume à prevista na alínea e) do art.º 188º em que ocorre o desconhecimento da citação por parte do destinatário da citação pessoal, por facto que não lhe seja imputável.
Com efeito, como nos explica Abrantes Geraldes6 : “em princípio , a aplicação do art.º 195º7 e) está reservada a situações em que apesar de terem sido cumpridas todas as formalidades previstas para a modalidade da citação ( por contacto pessoal com o citando, com hora certa ou por via postal) o citando não teve conhecimento do acto, por razões que não lhe podem ser assacadas.”.
Ora, tendo a notificação sido expedida para um endereço que, como vimos, não corresponde com rigor ao do local arrendado e não existindo quaisquer elementos que permitam presumir o seu conhecimento efectivo e oportuno por parte da Requerida é de concluir pela sua “falta de citação” à luz do citado normativo.
Por consequência, a decisão do Tribunal “a quo” no sentido de declarar a nulidade do processado posterior ao requerimento inicial não merece a menor censura.
Sem embargo, sempre estaria arredado o prosseguimento dos autos perante a alcançada afirmação da ineficácia da declaração de oposição de renovação do contrato de arrendamento, datada 17 de Maio de 2022, já que a mesma se revela, por si só, impeditiva do despejo pretendido.
III. DECISÃO
Por todo o exposto se acorda em julgar a apelação improcedente e em manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Évora, 16 de Janeiro de 2025
Maria João Sousa e Faro
José António Moita
Maria Adelaide Domingos
Sumário:
(…)
1. Cfr. Ac. STJ de 8.6.2006, relator Conselheiro Alves Velho in Base de Dados do IGFEJ que seguiremos de perto.↩︎
2. Idem, citado aresto.↩︎
3. Aqui, a aposição da letra C parece estar conexionada com o número da porta e não com o andar do prédio.↩︎
4. Aliás, a menção a piso 6 parece até contraditória com a referente a quarto andar, já que piso e andar são realidades idênticas.↩︎
5. Assim, J.A.França Pitão e Gustavo França Pitão in Arrendamento Urbano Anotado, 3ª edição, pag.86.↩︎
6. In Temas Judiciários, Vol. I citações e notificações em Processo Civil, Custas e Multas Cíveis, Almedina, pag. 98.↩︎
7. Do CPC de 61 com a redacção do D.L. 38/2005 de 8.3 correspondente ao actual 188º.↩︎