1. Impende sobre o requerente de uma providência de restituição provisória de posse o ónus de alegar e demonstrar os factos justificativos da sua posse, a perda desta por esbulho e a violência no desapossamento.
2. Não basta, nesse tipo de acções possessórias, que o requerente invoque que é titular do direito de propriedade.
I. RELATÓRIO:
I.A.
AA, requerente no procedimento cautelar que moveu contra BB e CC, veio recorrer da decisão proferida pelo Juízo Central Cível de ... - Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto julga-se improcedente por não provado o presente procedimento cautelar.
Custas a cargo da Requerente, a serem atendidas na ação principal.”
No seu requerimento inicial o requerente/apelante terminou com o seguinte pedido: “requer-se a V.ª Exª que, inquiridas as testemunhas que se arrolam e sem audiência prévia dos Requeridos, se digne julgar procedente o presente procedimento e, em consequência, ordenar a entrega imediata de parcela de 11.100 m2 de que os Requeridos se arrogam proprietários, ao Requerente AA”.
E, para tanto, alegou, em suma, que adquiriu um terreno (matriz 6G) com a área total de 55750m2 por escritura pública de 15/02/2024. No dia 6/04/2024, a mãe do Requerente foi contactada pelo Requerido CC que se arrogou proprietário de uma parcela de 11000m2 do 6G, e lhe enviou por WhatsApp caderneta e certidão de um outro prédio, artigo 10441 inteiramente urbano, mas sem localização bem definida, ou qualquer referência ao 6G. No dia 19/05/2024, o Requerente fez deslocar ao seu terreno um topógrafo e que, enquanto este realizava o levantamento, foi surpreendido pelos Requeridos, que invadindo o terreno do qual não são proprietários, se arrogaram como proprietários de uma parcela do referido prédio e enviaram um documento. A 20/05/2024, os Requeridos decidiram colocar uma vedação no terreno, propriedade do Requerente, sem qualquer autorização do mesmo, vedação essa que impede a entrada e o acesso do Requerente, uma vez que, os Requeridos colocaram um portão com um cadeado. Ameaçaram a representante e a mãe do Requerente. Os Requeridos insistem em reivindicar parte do Prédio adquirido pelo Requerente, enviando também diversas mensagens a reivindicar parte do terreno.
Por despacho de 30/10/2024 (referência 100588806), foi o requerente convidado a esclarecer se pretende a convolação para a providência de restituição provisória de posse.
Por requerimento de 31/10/2024 (REFª: 50334938) o requerente declarou aceitar que o procedimento seja convolado em restituição provisória de posse, considerando também que se trata de um esbulho violento.
Por despacho de 6/11/2024 (referência 100620581), foi o requerente convidado a explicitar quem eram os antepossuidores do imóvel, quais os actos materiais ali praticados pelos mesmos e quais os actos de posse que ali praticaram e, ainda, qual é a relação dos Requeridos sobre o imóvel.
O requerimento aperfeiçoou a sua alegação por requerimento de 12/11/2024 (REFª: 50442968).
Realizadas as diligências instrutórias sem audição dos requeridos, foi proferida a decisão recorrida.
I.B.
O requerente/apelante apresentou alegações onde termina com as seguintes conclusões:
“A. Chegado aqui, o Recorrente não pode deixar de apresentar as suas conclusões, nas quais deve indicar o fundamento específico da recorribilidade, nos termos do disposto no n.º2 do Art.637.º do CPC.
B. São estas que delimitam o objeto do recurso, conforme é entendimento do STJ, veja-se o Acórdão de 30-03-2023 do STJ proferido no Proc. n.º351/16.2T8CTB.C1.S: “II- Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações (art.635o, n.4 do CPC), a clareza dessas conclusões é fundamental para que o julgador consiga apreender cabalmente e sem dificuldade o âmbito da pretensão recursiva, devendo o recorrente, através de uma linguagem simples e clara, dar expressão ao princípio da cooperação (art.7o do CPC) e ao dever de boa-fé processual (art.8o do CPC) na formulação das conclusões.”.
C. E ainda, o Acórdão de 30-03-2023 do STJ proferido no Proc. n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1: “1 – Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração.”.
D. Neste sentido, importa esclarecer que o Tribunal “a quo” andou mal, tendo no entender do Recorrente julgado incorretamente como provados os seguintes factos:
a. “14 – Em 02.12.2008 foi apresentado por DD – cabeça de Casal da Herança de ---“ Modelo 1 do IMI, em relação ao artigo matricial 476, que respeitava a uma habitação com a área de implantação de 40 m2, documento referido em 13 nem sequer serviu de base para a criação do novo prédio URBANO 10441..”.
b. “15 – a) - O prédio inscrito na matriz sob o artº 10441, que proveio do 476, já faz referência à área de 11.100m2, para além de um edifício com a área de implementação de 40 m2.”.
E. E ainda julgado incorretamente como não provados os seguintes factos:
a. “A) A parcela 6 do prédio 6G corresponde a parcela distinta da área onde os Requeridos atualmente interditam acesso ao Requerente.”.
b. “B) Que a pessoa referida em 25 mantinha em bom estado de conservação o imóvel que foi vendido ao Requerente.”.
c. “C) Que os 11,100 m2 a que se alude em 14, não eram dos Requeridos.”.
d. “D) EE e FF eram também proprietários do prédio misto descrito na CRP de ... sob o nº 2421.”.
F. O Tribunal “a quo”, nunca julgaria deste modo, caso tivesse analisado corretamente a documentação junta com o requerimento inicial, que comprova categoricamente o contrário daquilo que foi decidido erroneamente por este.
G. O Doc.13 junto com o requerimento inicial demonstra, desde logo, que o Tribunal “a quo”, nunca poderia dar como provado que “14 – Em 02.12.2008 foi apresentado por DD – cabeça de Casal da Herança de ---“Modelo 1 do IMI, em relação ao artigo matricial 476, que respeitava a uma habitação com a área de implantação de 40 m2, documento referido em 13 nem sequer serviu de base para a criação do novo prédio URBANO 10441.”.
H. Não pode julgar como provado que DD falecida em .../.../1987, se deslocou a uma repartição de finanças no ano de 2008, afim de apresentar o Modelo 1 do IMI.
I. Do Doc.13 resulta a evidente fraude realizada pelos Requeridos.
J. Só se pode concluir, que o Tribunal “a quo”, não fez sequer uma análise correta da documentação junta, o que demonstra uma desatenção que não é admissível num processo desta natureza.
K. Não pode o Douto Tribunal “a quo”, dar como provado tal facto, uma vez que, caso tivesse analisado minuciosamente e atentamente o documento junto como Doc.13, perceberia que a criação do prédio 10441 se deu apenas em 2008.
L. Tendo sido junto no dia 26 de Novembro através de requerimento via Citius com a referência 50584904, histórico registral dos prédios 228 e 6990.
M. Que prova que o prédio do agora Recorrente, tem cerca de 55.750m2 desde o ano de 1959.
N. Já o prédio dos Requeridos foi criado em 2008, mediante a entrega do Modelo 1 do IMI, indicando como motivo “Prédio Melhorado/Modificado/Reconstruído”, que no entender do Douto Tribunal “a quo”, foi entregue por pessoa já falecida que por sua vez é a própria autora da herança.
O. Razão pela qual, o Recorrente impugna a matéria de facto dada como provada nos quesitos 14 e 15 a) da Douta Sentença, ora Recorrida, devendo estes ser julgados como factos não provados.
P. Pelo que, o Tribunal “a quo” deveria sim dar como provada a má-fé dos Requeridos na criação do registo do prédio 10441 (assinada por ambos conforme resulta do Doc.13 junto aos autos), dado que estes tinham perfeito conhecimento de que estaria a ser criada uma duplicação de prédios.
Q. Além disso omitiram junto da Conservatória do Registo Predial que se encontravam a criar um prédio dentro de outro prédio, sabendo que com essa omissão conseguiriam realizar o registo, ocultando intencionalmente a duplicação de prédios.
R. O que constitui efetivamente uma fraude, que não foi sequer tida em conta pelo Tribunal “a quo”.
S. Desrespeitando ainda a presunção do Art.7.º do C. Registo Predial, indicando para tal a “decisão do Ac. do STJ de 23.02.2013, que procedeu à uniformização de jurisprudência a este propósito nos seguintes termos: “Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções.”.”
T. No entanto, o Tribunal “a quo” deveria sim ter em consideração a presunção do Art.7.º do Código do Registo
U. Uma vez que, fraude é, conforme se lê no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/fraude, "1- Acto ou dito com intenção de enganar ou prejudicar alguém. 2- Acção ilícita, punível por lei, que procura enganar alguém ou alguma entidade ou escapar a obrigações legais.”.
V. Toda a omissão em torno da criação do prédio 10441, bem como a entrega do Modelo 1 do IMI, com áreas que não correspondem de todo à realidade, não configuram nada mais nem nada menos do que uma fraude.
W. Pelo que no caso concreto, deveria sim o Recorrente, enquanto comprador e terceiro de boa-fé ter a seu lado a presunção do Art.7.º do Código do Registo Predial, dada a existência de situações comprovadamente duvidosas na dupla descrição parcial do prédio bem como de má-fé por parte dos Requeridos.
X. Razão pelo qual deveria valer tal presunção.
Y. Não se percebe como é que o facto A) é julgado pelo Douto Tribunal “a quo” como não provado, tendo na sua posse documento proveniente do site oficial da Direção-Geral do Território, junto aos autos como Doc.12.
Z. Onde constam dois mapas que se encontram devidamente legendados, de forma a facilitar a interpretação do Douto Tribunal, e ainda assim entende que não é provado que a parcela 6 corresponde a uma parcela distinta da área onde os Requeridos atualmente interditam acesso ao agora Recorrente.
AA. Razão pela qual o Douto Tribunal, deveria ter julgado como provado tal facto.
BB. Relativamente ao facto B), ao contrário do entendimento do Tribunal “a quo”, deveria ter sido dado como provado.
CC. Estamos perante um imóvel que tem uma área total de 55.750m2, não se trata de uma área assim tão reduzida, e tal como ficou provado, faz parte do Parque Natural da ..., tendo zonas bastantes ingremes e até mesmo de difícil acesso dentro do próprio prédio rústico
DD. Dadas as características dos imóveis que estavam ao cuidado do Sr. GG, não lhe era exigível que cuidasse minuciosamente dos imóveis.
EE. Tal como provado o caseiro, Sr. GG limpava os imóveis que lhe haviam sido “entregues” para esse mesmo serviço.
FF. Logo o facto B) encontra-se em contradição com o facto 24 julgado como provado pelo Tribunal “a quo”.
GG. Razão pela qual deveria ter sido igualmente considerado como provado.
HH. Já no que concerne ao facto C), deveria ser também este julgado como provado, dada a má-fé dos Requeridos, e a fraude por eles realizada, aquando da criação do registo.
II. Quanto ao facto D), como se pôde perceber pelo depoimento da testemunha HH, mãe do Recorrente, a família II adquiriu a EE e FF, os prédios 6G, 7G e 8G.
JJ. Pelo que tal facto deveria ser julgado como sendo provado, além disso fica bem patente nas alegações, existe um erro notório na apreciação da prova.
KK. Para além de impugnar a fundamentação de facto, o Recorrente impugna ainda a fundamentação de direito do Tribunal “a quo”.
LL. Relativamente a esta o Douto Tribunal “a quo”, entendeu existir a possibilidade de esbulho violento.
MM. Aplicando-se assim, o disposto no Art.377.º do CPC, segundo o qual ”No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.”
NN. E ainda o Art.378.º, também este do CPC, segundo o qual “Se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordena a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador.”
OO. Além disso na sua fundamentação o Douto Tribunal indica, e bem, que “O decretamento da providência cautelar depende, assim, da verificação cumulativa de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.”.
PP. Indicando que, “Daí que o Requerente da providência tenha de alegar e demonstrar, em primeiro lugar, ter a posse que, de acordo com o disposto no artº 1251.º do CC, é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou outro direito real, e pressupõe uma relação entre a pessoa e a coisa – o corpus e o animus.”.
QQ. E que por consequência: “«a causa de pedir na ação de restituição de posse é o ato ou facto jurídico em que o Autor se baseia para dizer que a posse lhe pertence, além do facto lesivo dessa posse, ou seja o esbulho»1. Para haver posse, é necessário o elemento material - o corpus - que se identifica com os atos materiais praticados sobre a coisa, e um elemento subjetivo - o animus – que se traduz na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos atos praticados. Para termos posse basta, quanto ao elemento corpus «que a coisa entre na nossa órbita de disponibilidade fáctica» (vide Orlando de Carvalho, in Introdução à Posse, RLJ, Ano 122º, nº 3780, pág. 66). Porém, sendo necessário o “corpus” e “animus”, o exercício daquele faz presumir a existência deste (artigo 1252º, n.º 2 Código Civil).”.
RR. Ora para determinar a existência ou não da posse do agora Recorrente, devemos atender à data da compra do prédio rústico 6G, data a partir da qual o Recorrente passou a ser proprietário e possuidor, agindo como tal.
SS. A aquisição do imóvel deu-se a 15 de fevereiro de 2024, não existindo qualquer ocupação do prédio rústico.
TT. Ainda neste ponto, é importante ter em conta que o referido imóvel já se encontrava à venda, há mais de 1 ano, existindo no local “placas” da imobiliária, nunca tendo esta sido contactada por qualquer dos Requeridos.
UU. Ou seja, até então nunca se haviam arrogado como proprietários do imóvel.
VV. Somente durante o mês de Maio, ou seja, 3 meses após a compra do imóvel é que surgem os Requeridos a reivindicar a propriedade de parte do prédio, quando perceberam que o ora Recorrente, bem como a família II não iria ceder às suas exigências, sem qualquer fundamento ou prova concreta de que efetivamente são proprietários.
WW. Ainda para mais, quando se arrogam proprietários através de documentação que configura claramente uma fraude.
XX. Pelo que o Douto Tribunal não pode concluir que “Mas sobretudo, conforme já se disse, o que está em causa não é a propriedade, mas a posse do Requerente em relação à parcela do imóvel que adquiriu e cujo acesso lhe foi subtraído pelos Requerentes. No que à mesma respeita, verifica-se que o Requerente adquiriu o prédio em Fevereiro de 2024 e que desde o início houve controvérsia em relação à sua disponibilidade sobre a parcela de terreno em causa, como se evidencia do facto de os Requeridos terem procedido à limpeza do terreno em 14 de Maio de 2024 e dado instruções para serem consultados sobre todos os assuntos relacionados com o mesmo, culminando com a respetiva vedação.”.
YY. Isto porque a quezília entre o agora Recorrente e Recorridos, não surge no inicio, mas sim 3 meses depois da data da escritura, três meses após o Recorrente exercer a sua posse sobre o prédio rústico do qual é proprietário.
ZZ. Estando assim presente tanto o animus como o corpus, que o Tribunal “a quo” entende não estarem presentes.
AAA. Sucede que estiveram presentes durante 3 meses, enquanto os Requeridos se decidiam se usavam ou não a fraude que criaram em 2008 e até então não lhes havia sido útil.
BBB. Além de existir posse por parte do agora Recorrente, existiu efetivamente esbulho violento por parte dos Requeridos, que tal como resulta de parte da fundamentação da Sentença agora Recorrida: “esbulho corresponde a um ato pelo qual alguém priva outrem da posse de uma coisa determinada. Há esbulho, para efeito de aplicação do artº 377º do CC, sempre que alguém for privado do exercício da detenção ou fruição do objeto possuído, ou da possibilidade de o continuar. Por seu lado, a violência está definida no artigo 1261 º n. 2 do Código Civil como o uso de coação física ou de coação moral nos termos do artigo 255.º do mesmo diploma, sendo pacificamente aceite que a violência, para efeitos de restituição provisória da posse, tanto pode incidir sobre as pessoas como sobre a coisa esbulhada. Assim, como se referiu no Acórdão do TRC, de 31 de Março de 2020, pº nº 539/19.4T8LMG.C1 “a violência, caracterizadora do esbulho, pode ser exercida sobre pessoas e sobre coisas, mas neste segundo caso a violência só releva se tiver por fim intimidar o possuidor, limitando a sua liberdade de determinação”. Já no Acórdão do TRL, de 23.4.02, CJ Ano XXVII, T. II, pág. 120, refere-se que existe esbulho violento sempre que haja necessidade de vencer um obstáculo, como seja o que resulta da substituição de fechaduras de instalações.”.
CCC. Ora ficou bem patente a existência de esbulho, através das ameaças realizadas à mãe do Recorrente, bem como pela colocação de uma vedação sem qualquer autorização do Recorrente para tal.
DDD. Pelo que se encontram preenchidos todos os requisitos necessários para que o Douto Tribunal “a quo” ordenasse a restituição da posse, pelo que deveria ter sido aplicado o disposto nos Arts.377.º e 378.º do CPC.
EEE. Devendo ser esse o sentido de aplicação da norma, razão pela qual foram violados os arts.20.º da CRP e arts.615.º n.º1 al.d), 377.º, 378.º todos do CPC.
Nestes termos, deve a sentença recorrida ser revogada, dado existirem fundamentos para que seja decretada providência cautelar. Razão pela qual deve ser decretada a respetiva providência.”
I.C.
Não havendo contraditório não houve resposta.
I.D.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Após os vistos, cumpre decidir.
***
II. QUESTÕES A DECIDIR:
As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Assim, no caso, impõe-se apreciar:
a. Impugnação da matéria de facto;
b. Verificação dos requisitos para a procedência da providência requerida.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO:
III.A. Fundamentação de facto:
III.A.1 Impugnação da matéria de facto:
O recorrente cumpriu, minimamente, os requisitos do artigo 640.º do Código de Processo Civil, pelo que se impõe a análise das questões suscitadas na sua impugnação da matéria de facto.
Assim, conforme o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, este Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
O Tribunal de recurso, sem embargo da atendibilidade da prova plena que resulte dos autos, deve considerar o que emergir da apreciação crítica e livre dos demais elementos probatórios e usar, se for o caso, as presunções judiciais que as circunstâncias justificarem, designadamente a partir dos factos instrumentais, como decorre do n.º 4, do artigo 607.º e da alínea a), do n.º 2, do artigo 5.º, ambos do Código de Processo Civil.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/07/2024 (processo n.º 99/22.9T8GDM.P11), “O Tribunal da Relação para reapreciar a decisão de facto impugnada tem de, por um lado, analisar os fundamentos da motivação que conduziu a primeira instância a julgar um facto como provado ou como não provado e, por outro, averiguar, em função da sua própria e autónoma convicção, formada através da análise crítica dos meios de prova disponíveis e à luz das mesmas regras de direito probatório, se na elaboração dessa decisão e na sua motivação ocorre, por exemplo, alguma contradição, uma desconsideração de qualquer um dos meios de prova ou uma violação das regras da experiência comum, da lógica ou da ciência – elaboração, diga-se, que deve ser feita à luz de um cidadão de normal formação e capacidade intelectual, de um cidadão comum na sociedade em questão – sem prejuízo de, independentemente do antes dito, poder chegar a uma decisão de facto diferente em função da valoração concretamente efetuada em sede de recurso”.
a) Em primeiro lugar, pretende o recorrente que o ponto 14 do elenco dos factos provados da decisão recorrida seja considerado como não provado.
Nesse ponto 14 da decisão recorrida deu-se como provado que: “Em 02.12.2008 foi apresentado por DD – cabeça de Casal da Herança de ---“ Modelo 1 do IMI, em relação ao artigo matricial 476, que respeitava a uma habitação com a área de implantação de 40 m2, documento referido em 13 nem sequer serviu de base para a criação do novo prédio URBANO 10441”.
E, para fundamentar essa parte da decisão, disse-se: “A matéria dos pontos 14 a 15-a) e 26 fundamenta-se na prova documental de fls. 26 vº a 29 vº, sendo que o que consta do doc. de fls. 29 associado à data do mesmo, ditou a convicção sobre a matéria do ponto 15.”
O requerente invoca que o documento por si apresentado não permite dar como provada tal matéria do ponto 14.
Diga-se que a alegação do requerente sobre a matéria se encontra no artigo 21.º do requerimento inicial (que é do seguinte teor: “Pelos Requeridos, foi apresentado o Modelo 1 do IMI, em que a base do mesmos foi “prédio melhorado, modificado e reconstruído” aproveitando a existência de uma caderneta, em seus nomes, (artigo matricial urbano 476, uma antiga ruína de 40 m2 de 1937), para em 2008 adicionar um logradouro de 11,100 m2 URBANOS em plena ...; de terreno que não era deles; e que deu origem a um registo predial “omisso” 10441 ; sem qualquer referência ao prédio 6G.”).
O que se retira desse confronto, nesse particular, é que o que ficou a constar do ponto 14 dos factos provados da decisão recorrida não corresponde inteiramente ao que foi alegado no referido artigo 21.º do requerimento inicial.
E, por outro lado, do indicado documento 13 junto ao requerimento inicial (mais concretamente de folhas 6 e 7 desse documento) também não se pode retirar a matéria tal como ficou a constar desse ponto 14 dos factos provados da decisão recorrida (sendo que, já agora, também não se retira a matéria que estava alegada no indicado artigo do requerimento inicial): consta dos autos cópia de “comprovativo de declaração para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz (... 1)” em que, quanto aos elementos da declaração, consta a identificação de “NIF: ...” e “nome: JJ – Cabeça de Casal da Herança de”, com o motivo “3- Pédio Melhorado/modificado/Reconstruído”, como “data de recepção: 2006-10-26”, “Artigo Provisório: P10441” e “N.º Registo: 1181923”.
Ou seja, o que se retira de tal documento é que esse “Modelo 1” foi apresentado ao Serviço de Finanças em 26/10/2006 pelo cabeça de casal da herança de DD. Questão diferente será a utilização que foi feita do comprovativo desse “Modelo 1” (mas essa não ficou a constar da redacção do ponto 14).
A parte final desse ponto 14 parece repetir o ponto 13, razão pela qual também não fará sentido manter.
Assim, só pode considerar-se que o ponto 14 não pode integrar o elenco dos factos indiciariamente provados (sendo que, por não ter sido alegado dessa forma, também não fará sentido levar ao elenco dos não provados).
Nessa medida procede a impugnação.
b) Pretende o recorrente que seja dado como não provado o ponto 15-a) do elenco dos factos indiciariamente provados da decisão recorrida.
Nesse ponto 15-a) da decisão recorrida deu-se como provado que: “O prédio inscrito na matriz sob o artº 10441, que proveio do 476, já faz referência à área de 11.100m2, para além de um edifício com a área de implementação de 40 m2.”.
Fundamentou-se essa parte da decisão como se viu para o ponto 14 dos factos indiciariamente provados. Partiu-se da mesma alegação do artigo 21.º do requerimento inicial.
Acontece que a redacção desse ponto encontra pleno acolhimento na conjugação das páginas 4 a 7 do referido documento 13 junto com o requerimento inicial. Na verdade, desses dois documentos (de um lado o indicado “Modelo 1” e, do outro, a caderneta predial) resulta com clareza que, na matriz predial, um (o artigo 476) deu origem a outro (artigo 10441) e que neste último (como se verifica pela caderneta – que até alude que teve origem no referido “Modelo 1” e com o mesmo número e data de entrega) ficou a constar com área total do terreno 11.100,00m2 e 40,00m2 de área de implantação do edifício e de área bruta de construção).
O que o recorrente parece pretender (ver conclusões P) a X) das suas alegações) é que o Tribunal dê como provados factos que não foram alegados, pelo que improcede a impugnação neste ponto.
Apenas se deverá corrigir a referência dos pontos 15 e 16 dos factos indiciariamente provados para este edifício do ponto 15-a) (e não, como neles constava, ao ponto 14, que deixará de constar dos factos indiciariamente assentes).
c) O recorrente pretende (conclusões Y a AA) que se dê como provado o facto A) que o Tribunal a quo levou ao elenco dos não provados.
Tem, essa alínea, a seguinte redacção: “A parcela 6 do prédio 6G corresponde a parcela distinta da área onde os Requeridos atualmente interditam acesso ao Requerente”. E, quanto a ela, fundamentou-se a sua inclusão no elenco dos factos não provados com a falta de prova (último parágrafo da motivação sobre a matéria de facto).
Diga-se que a alegação inicial do ora recorrente consta do artigo 19.º do requerimento inicial.
Para fundar a impugnação o recorrente invoca o teor do documento 12 junto com o requerimento inicial (mapas que, nas suas palavras, estão “devidamente legendados”). Se, no entanto, uma impressão a partir do site da Direcção Geral do Território[2] nos pode oferecer a visualização de um determinado artigo matricial num mapa, já não permite dar qualquer credibilidade aos desenhos livres (no sentido de que não constam da informação que se retira do site) e que foram feitos nessa impressão. Ou seja, só por si (sem o confronto de outros elementos – que não foram convocados pelo recorrente na sua alegação para impugnação da resposta a esta matéria) não se pode dizer que a seta a azul (a que o recorrente chama de “devida legenda”) corresponde à parte do terreno que está ocupada. Também não resulta desse documento junto (sem ser a indicação que posteriormente, a azul, o recorrente fez no mesmo) que o prédio 6G tenha parcelas numeradas e, sobretudo, a ligação de qualquer delas à parte do terreno que estará ocupada pelos requeridos.
Como tal, improcede a impugnação nesta parte.
d) Pretende o recorrente (conclusões BB a GG) que se dê como provado o facto B) que o Tribunal a quo levou ao elenco dos não provados.
Tem, essa alínea B), a seguinte redacção: “Que a pessoa referida em 25 mantinha em bom estado de conservação o imóvel que foi vendido ao Requerente”.
Quanto a essa alínea, fundamentou o Tribunal a quo a sua inclusão no elenco dos factos não provados nos seguintes termos: “Já o ponto 25, resulta do que foi afirmado pela testemunha EE, um dos transmitentes do imóvel ao Requerente, que referiu ter residido vários anos no prédio do artº G-8, que é contíguo ao que ora está em causa e que quando saiu de lá, em 2013, o mesmo ficou ao cuidado de GG, que também cuidava dos outros imóveis, apesar de não ir lá frequentemente. Este facto associado ao que consta do ponto 5, ditou a recondução da al. B) aos factos não provados”.
Diga-se que a matéria do ponto 5 dos factos indiciariamente provados (do seguinte teor: “Antes da outorga da referida escritura, a Mãe e familiares do Requerente dirigiram- se ao imóvel a fim de aferir das respetivas condições, tendo verificado que o mesmo se encontrava em mau estado de conservação, sem qualquer vedação, com lixo e material de construção originado de uma obra no prédio vizinho, com um olival que necessitaria de intervenções de recuperação e alguma rearborização com espécies autóctones da reserva da ...” e que igualmente resultou da alegação do ora recorrente e que o mesmo não colocou em causa na sua impugnação), a dar-se como provada, sempre levaria à falta de prova do constante da alínea B) (mesmo descontando o seu carácter conclusivo). E a circunstância de se dar como provado o ponto 24 (com redacção que o recorrente igualmente aceita) não leva (ao contrário do que se pretende com a impugnação) a que, necessariamente, se dê como provada a matéria da alínea B).
Assim, não sendo invocado nenhum elemento de prova adicional (para além da invocação de uma incongruência que, na realidade, não existe), improcede a impugnação do recorrente nesta parte.
e) Pretende o recorrente (conclusão HH das suas alegações) que se dê como provado o facto C) que o Tribunal a quo levou ao elenco dos não provados.
Tem, essa alínea C), a seguinte redacção: “Que os 11,100 m2 a que se alude em 14, não eram dos Requeridos”. E, quanto a ela, fundamentou-se a sua inclusão no elenco dos factos não provados com a falta de prova (último parágrafo da motivação sobre a matéria de facto).
Acontece que o recorrente, quanto a este facto, não indica nenhum elemento de prova concreto que impusesse decisão diversa, limitando-se a concluir (“dada a má-fé dos Requeridos, e a fraude por eles realizada, aquando da criação do registo”) sem outra sustentação.
Assim sendo, deve improceder nesta parte a sua impugnação.
f) Finalmente, pretende o recorrente (conclusões II e JJ) que a alínea D) do elenco dos factos não provados da decisão recorrida seja dada como provada.
A redacção dessa alínea D) é a seguinte: “EE e FF eram também proprietários do prédio misto descrito na CRP de ... sob o nº 2421”. E, quanto a ela, fundamentou o Tribunal a quo a sua inclusão no elenco dos factos não provados do seguinte modo: “A matéria da al. D) foi falada pelos anteriores proprietários do imóvel comprado pelo Requerente. Mas a prova da titularidade de um bem não se faz por depoimento testemunhal, o que ditou a sua recondução aos factos não provados”.
O recorrente, para tentar demonstrar a prova desse facto, não remete para qualquer documento, mas apenas invoca um outro depoimento que, como se compreende, não se sobrepõe aos depoimentos que o Tribunal a quo disse não serem suficientes (e não no sentido da sua quantidade) para dar como provado o facto em causa (relembre-se, ainda, o disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Código do Registo Comercial e a circunstância de não se tratar da alegação de uma aquisição originária por parte dessas pessoas).
Assim, também improcede a sua impugnação nesta parte.
*
III.B.2. Factos provados:
Considera-se, por isso e com as alterações referidas, a seguinte matéria de facto indiciariamente provada:
1. Na CRP de ... encontra-se registado sob o n.º 228 o prédio rústico sito em ..., com a área total de 55750 m2, a confrontar a norte com aglomerado urbano da freguesia da ..., a sul com KK, a nascente com LL e a poente com MM e NN, inscrito na matriz rústica sob o n.º 6-G, cuja titularidade está inscrita a favor do Requerente, pela ap. 5994, de 15.02.2024, por compra a EE e FF.
2. No dia 15.02.2024, foi lavrada escritura de compra e venda, junta a fls. 11 vº a 16 e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, onde, além do mais, consta que EE e OO, esta por si e na qualidade de procuradora do seu marido FF, na qualidade de únicos e habilitados herdeiros de PP, vendiam ao ora Requerente, o prédio rústico com a área total de 55.750 m2, descrito na CRP de ... sob o nº 228, inscrito na matriz rustica sob o nº 6-G.
3. Na CRP de ... encontra-se registado sob o nº ...90/200881202, o prédio urbano sito em ..., com a área total de 11100 m2, sendo a área coberta de 40 m2 e a descoberta de 11060 m2, inscrito na matriz urbana 10441, a confrontar a norte com estrada particular, a sul com QQ, a nascente com RR e a poente com estrada, cuja titularidade está averbada a favor de SS, TT, BB e CC, sendo a causa aquisitiva a sucessão hereditária de UU e mulher, DD.
4. Antes da outorga da escritura a que se alude em 2, o Requerente consultou o GoogleEarthPro e GoogleStreetview de 2009 do imóvel, onde não se evidencia qualquer ocupação ou cultivo.
5. Antes da outorga da referida escritura, a Mãe e familiares do Requerente dirigiram-se ao imóvel a fim de aferir das respetivas condições, tendo verificado que o mesmo se encontrava em mau estado de conservação, sem qualquer vedação, com lixo e material de construção originado de uma obra no prédio vizinho, com um olival que necessitaria de intervenções de recuperação e alguma rearborização com espécies autóctones da reserva da ....
6. Após a aquisição do referido prédio, o Requerente e a sua Mãe no dia 21 de Março aperceberam-se da probabilidade de danos no olival que se encontra no imóvel devido à construção da obra vizinha.
7. Pelo que o Requerente decidiu proceder à vedação do terreno.
8. No dia 6 de Abril, a mãe do Requerente foi contactada pelo Requerido CC que se arrogou proprietário de uma parcela de 11000m2 do 6G, e lhe enviou por WhatsApp caderneta e certidão de um outro prédio, artigo 10441 inteiramente URBANO mas sem localização bem definida, ou qualquer referencia ao 6G.
9. No dia 14 de Maio, a sua Mãe foi alertada pelo dono da obra vizinha, Sr. VV, que os Requeridos tinham invadido o seu terreno e feito limpeza sem qualquer autorização.
10. Porque a limpeza do prédio tinha sido bastante incompleta, o Requerente decidiu proceder de novo à limpeza do mesmo, facto que ocorreu a 17 de Maio.
11. No dia 19 de Maio, o Requerente fez deslocar ao terreno um topógrafo, para que este procedesse a um levantamento topográfico do prédio.
12. Enquanto realizava o levantamento topográfico, o topógrafo WW foi surpreendido pelos Requeridos, que invadindo o terreno se arrogaram como proprietários de uma parcela do referido prédio.
13. Tendo enviado à mãe do Requerente o documento cuja cópia está junta a fls. 24, no qual se refere, além do mais, que “…a área acima referenciada encontra‑se devidamente demarcada e apenas por lapso, é considerada parte integrante do prédio inscrito na matriz cadastral sob o n.º 6 da Secção “G” da freguesia da ..., relativamente ao qual corresponde à totalidade da parcela 6 e a parte da parcela 8.”.
14. O documento não fundamentou a criação do prédio urbano 10441.
15. O prédio inscrito na matriz sob o artº 10441, que proveio do 476, já faz referência à área de 11.100m2, para além de um edifício com a área de implementação de 40 m2.
16. Tal habitação encontrava-se em ruínas pelo menos desde o ano de 2009 até à presente data,
17. Essa habitação não foi reconstruída.
18. A 20 de Maio de 2024, os Requeridos, CC e BB, colocaram uma vedação no segmento de terreno em causa sem autorização do Requerente.
19. Vedação essa que impede a entrada e o acesso do Requerente.
20. No dia 21 de Maio o Requerente fez deslocar ao terreno o Sr. XX, para proceder à montagem da vedação, o qual estava acompanhado pela sua representante legal.
21. Que se depararam com a vedação colocada pelos Requeridos, bem como a presença dos mesmos.
22. Que se encontravam a impedir a entrada do Sr. XX e da representante legal do Requerente, reivindicando a propriedade daquela parte do prédio.
23. A representante legal do Requerente, dirigiu-se ao Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana de ..., tendo apresentado queixa que deu origem ao NUIPC- 000540/24.6...
24. A Mãe do Requerente foi informada por alguns vizinhos que os Requeridos já haviam entrado antes na propriedade.
25. EE e FF tiveram ao seu serviço um caseiro, que procedeu, até momento não apurado, à limpeza dos seus imóveis, entre os quais o prédio que foi vendido ao requerente.
26. A partir de momento não apurado, o prédio que foi vendido ao requerente era cuidado esporadicamente e por forma não apurada por um Sr. GG.
27. Os progenitores dos Requeridos eram proprietários do prédio urbano descrito na matriz predial urbana sob o número 476 da freguesia da ..., concelho de ..., que teria uma área de 40m2.
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III.B.3. Factos não provados:
Do elenco dos factos não provados continuará a constar:
a. A parcela 6 do prédio 6G corresponde a parcela distinta da área onde os Requeridos atualmente interditam acesso ao Requerente.
b. Que a pessoa referida em 25 mantinha em bom estado de conservação o imóvel que foi vendido ao Requerente.
c. Que os 11,100 m2 a que se alude em 14, não eram dos Requeridos.
d. EE e FF eram também proprietários do prédio misto descrito na CRP de ... sob o nº 2421.
e. EE e FF visitavam o imóvel vendido ao Requerente, com alguma regularidade.
f. Os Requeridos fizeram a limpeza a que se alude em 9 de forma superficial e incompleta.
g. Os Requeridos são proprietários de vários prédios rústicos na freguesia da ....
h. Que a vedação a que se alude em 18 tivesse portão e cadeado [3].
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III.C. Fundamentação jurídica:
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1279.º do Código Civil e 377.º do Código de Processo Civil, para que a restituição provisória da posse seja decretada basta que, sumariamente, se conclua pela probabilidade séria da existência dos seguintes pressupostos: a posse do requerente e o esbulho, com violência, daquela posse por parte do requerido.
Mas impende sobre o requerente de uma providência desse tipo o ónus de alegar e demonstrar esses pressupostos, ou seja, os factos demonstrativos da sua posse, a perda desta por esbulho e a violência no desapossamento.
Nas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/01/2009 (processo n.º 6486/2008-1[4]), “as acções possessórias têm por único fim a protecção da posse”.
Daí que não baste, neste tipo de acções possessórias (como é sempre aquela em que se pede a restituição da posse), que o requerente invoque que é titular do direito de propriedade, antes lhe competindo alegar e provar que estava na posse de um bem (neste caso, de um prédio ou, mesmo, de parte de um prédio).
Nas suas conclusões (ver a conclusão RR) diz o recorrente que a partir do momento em que comprou o prédio rústico passou a ser proprietário e possuidor, agindo como tal. Não invoca no recurso que os anteriores proprietários tinham a posse sobre o imóvel no momento da venda (sendo que, dos pontos 4 e 5 dos factos indiciariamente assentes, não parece resultar a prática de qualquer acto de posse à data da venda, nem isso parece resultar dos pontos 25 e 26).
Não oferece dúvidas que a posse é o poder que se manifesta com a prática de actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade ou outro direito real de gozo (o corpus), com a intenção de exercício desse direito como seu titular (o animus) – artigo 1251.º do Código Civil.
Em regra, o proprietário terá a posse das coisas relativamente às quais tem esse direito. Mas poderá assim não acontecer, pois o proprietário poderá ter os restantes poderes previstos no artigo 1305.º do Código Civil, poderá mesmo vender a coisa, sendo esta detida ou possuída por um terceiro.
Da posse deriva uma presunção ilidível da titularidade do direito, designadamente da propriedade (cf. artigo 1268.º, n.º 1, do Código Civil), mas do registo da propriedade já não deriva uma presunção de que o proprietário tem a posse.
A aquisição da posse (já que o requerente não provou que a posse sobre o prédio – ou a totalidade do prédio – fosse exercida por quem lhe vendeu o imóvel) teria de ser feita ao abrigo do artigo 1263.º, alínea a), do Código Civil: pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela[5] “para que a posse se adquira sem intervenção do antigo possuidor, é necessário que se estabeleça entre a pessoa e a coisa uma relação de facto que contenha todos os elementos daquela figura. (…) Note-se que a lei não se contenta com a mera possibilidade física de agir directamente sobre a coisa, exigindo a prática efectiva dos actos capazes de exprimirem o exercício do direito”. E, sobretudo, “exige-se, em primeiro lugar, uma prática reiterada dos actos materiais. Não basta a prática de um único acto, como a passagem eventual pelo terreno vizinho, a colheita de alguns frutos, uma sementeira que se fez e se abandonou, o uso de uma casa para dormir uma noite (…). O essencial, em suma, é que os actos aquisitivos, variáveis de caso para caso, se dirijam ao estabelecimento de uma relação duradoura com a coisa, não bastando um contacto fugaz, passageiro”.
Neste particular, o requerente não logrou demonstrar nada mais que um contacto fugaz com o prédio em causa após a sua compra: decidiu proceder à sua limpeza a 17 de Maio (ponto 5 dos factos provados); e no dia 19 de Maio fez deslocar um topógrafo ao terreno (ponto 11 dos factos provados). No dia 21 de Maio já nada chegou a ser feito no prédio (pontos 20 a 23 dos factos provados).
Não resultou, pois, demonstrada a existência de uma posse por parte do requerente que pudesse ser perturbada pelos actos dos requeridos (além de que resulta dos factos que a ocupação pelos requeridos parece ter começado antes, mesmo, da compra do imóvel pelo requerente: ver pontos 5 e 24 dos factos indiciariamente provados).
É que só poderá falar-se de esbulho sempre que alguém for privado do exercício da retenção ou fruição do objecto possuído ou da possibilidade de o continuar.
Já Alberto dos Reis[6] expressava que “o esbulho supõe que o possuidor foi privado da posse que tinha, foi colocado em condições de não poder continuar a exercer a posse, e por isso é que o pedido que lhe corresponde é a restituição; o esbulhado é restituído à posse que o facto do esbulho lhe fez perder”.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/05/2021 (processo n.º 3574/20.6T8SNT-A.L1-8[7]) “a restituição provisória constitui um meio de defesa da posse ao serviço do possuidor contra actos violentos como garantia da reconstituição da situação provisória anterior, de modo célere e eficaz, facultando-se ao lesado a devolução da posse, impedindo a persistência da situação danosa e /ou o agravamento dos danos”.
Assim, não estão verificados, no caso, os requisitos para se decretar a providência em causa.
Questão diversa será a protecção do direito de propriedade do requerente (e poderá fazê‑lo, de futuro, em acção a intentar ao abrigo do artigo 1311.º do Código Civil). Mas esse direito de propriedade não é visado pela protecção de uma acção de natureza possessória nem é objecto deste recurso. E diga-se que esse direito não poderia, sequer, ser apreciado nestes autos como se fosse um procedimento cautelar comum por faltar a prova dos restantes requisitos deste (desde logo, a existência de uma lesão grave e dificilmente reparável – cf. artigo 362.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e por faltar o necessário contraditório.
Improcede, por isso, a apelação.
*
As custas do presente recurso deverão ficar a cargo do recorrente, por ter ficado vencido, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
***
IV. DECISÃO:
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se a decisão recorrida.
Condena-se o apelante nas custas do recurso.
Notifique.
Évora, 16 de Janeiro de 2025
Filipe Aveiro Marques
Sónia Moura
Ricardo Miranda Peixoto
1. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/5c62d7680bfd396180258b8500342396.↩︎
2. Acessíveis em https://snic.dgterritorio.gov.pt/visualizadorCadastro e https://www.dgterritorio.gov.pt/cadastro/pesquisa-de-seccoes-cadastrais.↩︎
3. A referência que, nessa alínea, se fazia ao 17 deverá passar a fazer-se ao 18 em face da nova numeração sequencial que se adoptou.↩︎
4. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/0/7e8f87f40ae3ea718025756600627de8.↩︎
5. Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 25 e 26.↩︎
6. Código de Processo Civil Anotado, 1.º Volume, 3.ª Ed., Reimp., Coimbra Editora, pág. 669.↩︎
7. Acessível em http://www.gde.mj.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/2840dc7d8e45c467802586f6002c7d5b.↩︎