PROCESSO ESPECIAL DE TUTELA DA PERSONALIDADE
EXECUÇÃO
Sumário

Sumário (da responsabilidade do relator):
I. A execução de obrigações fixadas em ação especial de tutela de personalidade só corre nos autos declarativos na situação taxativamente prevista no art.º 880.º n.º 2 do CPC, isto é, se a medida executiva integrar a realização da providência decretada;
II. Sempre que a medida de tutela da personalidade judicialmente determinada não integre a própria providência, carecendo de atos do obrigado, seja de facere, non facere ou de dare, estar-se-á fora dessa previsão específica;
III. A execução de obrigação de facere estabelecida em sentença proferida em ação de tutela da personalidade deverá sê-lo por meio de execução para prestação de facto, sendo da competência do Juízo de Execução. –

Texto Integral

Decisão:

I. Caracterização do recurso:
I.I. Elementos objetivos:
- Apelação – 1 (uma), nos autos;
- Tribunal recorrido – Juízo de Execução do Funchal – Juiz 1;
- Processo em que foi proferida a decisão recorrida – Oposição à execução – embargos de executado;
- Decisão recorrida – Despacho de declaração de incompetência material.
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I.II. Elementos subjetivos:
- Recorrentes (embargados-exequentes):
- ---;
- ---. –
- Recorrida (embargante/executada):
- ---–
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I.III. Síntese dos autos:
- Instauraram os exequentes execução de sentença exequenda que condenou a aqui recorrida nos seguintes termos:
1. Proceder à total e completa insonorização do estabelecimento ---, com sede à ---, designadamente dos seus campos de padel, balneários e bar de apoio à atividade, a fim de fazer cessar o ruído demonstrado nestes autos.
2. Observar, cumprir e fazer cumprir, até que se mostre comprovado, nestes autos, a insonorização referida em 1., o horário de funcionamento dos campos de padel e bar de apoio a esta atividade, da seguinte forma:
2.1. Abertura às 8h00 da manhã e Encerramento às 20h00 da noite, aos dias úteis e sábados;
2.2. Encerramento total no domingo.
3. Mais determino a sanção compulsória no montante de € 300,00 (trezentos euros) por cada infração do Requerido ao horário de funcionamento fixado em 2.
- Embargou a recorrida, concluindo pela extinção da execução.
- Disse, em síntese:
- Que tem cumprido escrupulosamente o determinado na sentença quanto aos horários de funcionamento do ---, tendo aí cessado, complementarmente ao ordenado, a organização de qualquer torneio;
- Que já realizou obras de redução do ruído, sendo a sentença omissa na indicação exata do ruído admissível, tornando inexequível o título, nessa parte;
- Os exequentes não indicam exatamente que trabalhos entendem que deveriam ser feitos em execução do determinado;
- A existir algum atraso na execução de trabalhos, este é de apenas 4 dias, não podendo os exequentes liquidar, como fazem, o valor de €9600 a título de sanção compulsória.
- Contestaram os embargados, em síntese mantendo a executoriedade do título e o incumprimento da executada.
- Foi proferido despacho convidando as partes a pronunciarem-se sobre eventual verificação de exceção dilatória de incompetência do Juízo de Execução;
- Pronunciaram-se as partes;
- Na sequência, foi proferida a decisão recorrida, cujo teor dispositivo é:
(...) declaro verificada a excepção dilatória de incompetência material do Juízo de Execução, absolvo a executada da instância e declaro extinta a execução.
- Dessa decisão recorreram os exequentes pela presente apelação. –
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II. Objeto do recurso (delimitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente):
II.I. Conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações:
- Pretendem, as Exequentes/Embargadas ora Recorrentes, com o recurso interposto, ver reapreciada a decisão relativa à matéria da incompetência absoluta em razão da matéria proferida pelo Juízo de Execução do Funchal - Juiz 2 no processo executivo de embargos de executado --- apenso à ação executiva N. ---, por erro de julgamento do direito.
- Com as presentes alegações visam as Exequentes/Embargadas ora Recorrentes, que se revogue a douta Sentença proferida pelo referido Juízo de Execução do Funchal - Juiz 2.
- Revogar a referida decisão de incompetência absoluta em razão da matéria por lhe não ser aplicável o artigo 880 n.º 2 do CPC.
- Salvo o devido respeito, não se verifica litispendência, nem foi provocada tal situação em relação ao Tribunal que proferiu a Sentença final de 1ª instância, na Ação Especial de Tutela da no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo Local Cível do Funchal - Juiz 1, decisão confirmada pelo Acórdão ditado pelo Tribunal da Relação de Lisboa. --
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- Os autores não contra-alegaram.
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II.II. Questões a Apreciar:
A única questão a apreciar no caso é a competência para a tramitação destes autos, se do Juízo de Execução, em execução autónoma, se do Juízo Local Cível, nos próprios autos da ação, como sustentado na decisão recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. –
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II.III. Apreciação do recurso:
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a) A decisão recorrida:
Por uma questão de clareza expositiva, transcrevem-se os trechos essenciais da decisão recorrida:
Perante o teor da sentença e o disposto no artigo 880.º n.º 2 do CPC, foi aventada a possibilidade de ser declarada a excepção dilatória de incompetência material. A exequente exerceu o contraditório e juntou dois despachos proferidos no processo especial de tutela de personalidade.
No primeiro despacho, proferido em 08/11/2023, o tribunal determinou a notificação da ré/executada para comprovar o cumprimento do ponto 1 do dispositivo da sentença. No segundo despacho, de 15/01/2024, foi indeferido, por desnecessidade, um pedido de autorização de acesso à habitação das autoras/exequentes, para fazer medições acústicas.
(...)
Estando em causa uma providência decretada no âmbito de um processo especial de tutela de personalidade, é aplicável o disposto no artigo 880.º n.º 2 do CPC, que afasta a competência do Juízo de Execução.
Flui deste preceito: «A execução da decisão é efetuada oficiosamente e nos próprios autos, sempre que a medida executiva integre a realização da providência decretada, e é acompanhada da imediata liquidação da sanção pecuniária compulsória [sic].» O ponto 2 do dispositivo da sentença decorre inelutavelmente desta previsão: «Observar, cumprir e fazer cumprir, até que se mostre comprovado, nestes autos, a insonorização referida em 1., o horário de funcionamento dos campos de padel e bar de apoio a esta atividade […].»
Na sentença, ficou expressamente prevista a execução da decisão nos próprios autos, num enxerto de natureza executiva, como resulta expressamente do artigo 880.º n.º 2 do CPC. E é precisamente isso que está a ser feito, como demonstram os dois despachos juntos pelas exequentes, os quais demonstram que a execução/monotorização da decisão decorre no processo especial, como determinado na sentença dada como título executivo e ainda no despacho de 08/11/2023.
No caso em análise, a medida executiva integra a realização da providência decretada, razão pela qual a execução da decisão é feita oficiosamente nos próprios autos, o que naturalmente explica que tenha sido aí proferido – oficiosamente – despacho a determinar a notificação da requerida/executada para comprovar o cumprimento da sentença. E, ao contrário do que sustentam as exequentes, este entendimento é subscrito por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, no Código de Processo Civil Anotado, Almedina, p. 322: «O n.º 2 prevê a execução oficiosa da decisão nos próprios autos sempre que a medida decretada integre a realização da providência decretada, como acontece com alguns procedimentos cautelares […].» Estes autores admitem a execução para prestação de facto noutros casos, mas, em caso algum, põem em causa o princípio vertido no artigo 880.º n.º 2 do CPC, que até foi desenhado para favorecer o titular do direito ofendido, que assim não tem de pôr acção executiva nem de se sujeitar à tramitação de incidentes de natureza declarativa, como os embargos de executado. E mesmo que assim não se entendesse, o que se não concede, sempre a questão estaria definitivamente decidida pela sentença proferida no processo especial de tutela de personalidade, transitada em julgado, na qual foi expressamente declarado que a execução da medida seria feita oficiosamente nos próprios autos.
Na verdade, as exequentes provocam uma situação de litispendência ao intentarem uma execução para a prática de actos que já decorrem no processo especial de tutela de personalidade, o foro próprio para serem requeridas/ordenadas/efectuadas as diligências necessárias ao cumprimento da sentença.
Nótula final: a possível insatisfação relativamente à execução da medida no processo especial não justifica a dedução da execução nem atribui a este tribunal uma competência que a lei não lhe dá. Perante este acervo de motivos, deve ser declarada a incompetência material deste tribunal, excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que implica a absolvição da instância.
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b) A decisão recorrida – síntese das razões que a sustentam:
Face ao referido, a decisão recorrida assenta, em síntese, nas seguintes razões:
a) O pedido dirigido a juízo para execução é de uma decisão relativa a direitos de personalidade;
b) Realizaram-se nos próprios autos declarativos, após sentença, atos de execução de tal decisão (incluindo uma notificação à aí ré para demonstrar cumprimento do determinado quanto a horários);
c) O disposto no art.º 880.º n.º 2 do CPC afasta expressamente a competência do Juízo de Execução ao estabelecer que a execução da decisão é efetuada oficiosamente e nos próprios autos, sempre que a medida executiva integre a realização da providência decretada.
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c) Síntese dos fundamentos de recurso (que não se mostram refletidos nas respetivas conclusões):
 - Não existe litispendência entre a execução instaurada e a ação de tutela de direito de personalidade, sendo que aí a única coisa que foi feita foi questionar o cumprimento de uma obrigação imposta;
- Porque o processo declarativo foi arquivado e transferido para distribuição ao Juízo de Execução do Funchal, nunca se verificaria uma situação de litispendência;
- O Juízo Local Cível, ao notificar a recorrida, fê-lo no sentido de dissuadir o incumprimento e não de executar a decisão;
- O art.º 880.º, n.º 2 do CPC releva a natureza imaterial dos interesses tutelados e permite a execução nos autos se a medida executiva integrar a realização da providência decretada, o que não é o caso;
-  Pelo contrário, nos casos de execução coerciva de obrigação de facere, o autor deve recorrer à ação executiva nos próprios autos (artigo 626º). –
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d) Apreciação do recurso:
Pelos artigos 878.º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC) estabeleceu o legislador um processo especial de tutela da personalidade que, a despeito de estar inserido sistematicamente como ação especial, apresenta contornos próximos de um procedimento cautelar, desde logo pela urgência imposta na sua tramitação (vide art.º 879.º n.º 1 – apresentado requerimento inicial é logo designada data para audiência final, em vinte dias; aí sendo apresentada a contestação – n.º 2; sendo que os recursos devem ser tramitados com urgência – 880.º n.º 1).
Acresce que, nos termos do disposto no art.º 879.º n.º 5, esta figura processual permite expressamente uma decisão meramente provisória, irrecorrível e sujeita a posterior alteração ou confirmação no próprio processo, quando o exame das provas oferecidas pelo requerente permitir reconhecer a possibilidade de lesão iminente e irreversível da personalidade física ou moral.
Essa decisão provisória será estabelecida quando, alternativamente, o tribunal não puder formar uma convicção segura sobre a existência, extensão, ou intensidade da ameaça ou da consumação da ofensa (alínea a) ou quando existirem razões justificativas de especial urgência que impuserem o decretamento da providência sem prévia audição da parte contrária.
A conclusão a tirar é que o legislador, sob uma mesma forma processual, agregou mecanismos de tutela próprios da ação declarativa e do procedimento cautelar, por forma a poder dizer-se que existirá erro na forma de processo se for acionada judicialmente tutela da personalidade em processo comum declarativo ou em procedimento cautelar não especificado – neste caso o legislador consagrou especialmente formas de tutela definitiva e cautelar, que serão as vias processuais adequadas.
No que concerne à decisão dada à execução, sobreleva a sua finalidade de dizer o direito, de forma definitiva e, portanto, a despeito da sua natureza urgente, o legislador refere-se indistintamente a providências (determinadas), algo que pode ser, só por si, indutor de dúvidas.
Estas providências têm um conteúdo normativo correspondente a ordens ou comandos judiciais e, nessa medida, poderão corresponder a algo referível como traduzido um verdadeiro procedimento cautelar (no caso das decisões provisórias), como corresponderá à imposição de obrigações, a título definitivo, no caso da declaração judicial tipicamente constante da sentença proferida nesta forma processual.
Esta indicação permite melhor enquadrar a análise do preceito aplicável na decisão da questão – o referido art.º 880.º n.º 2 do CPC.
Diz este que a execução da decisão (de tutela da personalidade) é efetuada oficiosamente e nos próprios autos, sempre que a medida executiva integre a realização da providência decretada, e é acompanhada da imediata liquidação da sanção pecuniária compulsória.
É convocando este preceito que o Mm. Juiz a quo retira a insuscetibilidade de instauração de execução de sentença proferida em processo especial de tutela da personalidade que firmou na decisão recorrida.
A questão não pode, todavia, ser respondida com essa linearidade e tem dado lugar a interpretações díspares.
No sentido propugnado pela decisão recorrida pronunciou-se Nuno Andrade Pissara, Do processo especial de tutela da personalidade, AAFDL, Lisboa, 2022, p. 134).
Em sentido diverso, diversa doutrina, à frente referida.
Seguindo um excurso interpretativo a partir do sentido da decisão recorrida e de acordo com os cânones essenciais de interpretação, a primeira constatação a fazer é que a exegese do preceito não aponta, manifestamente, no sentido afirmado na decisão recorrida.
O legislador não diz que a execução é oficiosa e corre nos autos, diz que o é sempre que a medida executiva integre a realização da providência decretada. Dizer-se que este inciso legal não tem qualquer relevo concreto constitui uma verdadeira afirmação de um vício na redação da norma, que carece de confirmação.
A propósito da letra da lei diz Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, vol I., 4.ª ed., Almedina 2021, p. 705) que a Ciência do Direito acode, pela natureza das coisas, nos casos difíceis. Na generalidade das situações, a letra da lei permite uma comunicação direta e unidimensional com o intérprete, de tal forma que, da letra, logo resulta o sentido da lei.
Dir-se-ia, seguindo esta lógica comunicacional entre legislador e intérprete, que teria que existir uma falha de comunicação grave para se retirar que uma situação tipificada para ocorrer num determinado circunstancialismo seja, afinal, de aplicação universal.
A verdade, porém, é que as interpretações corretivas e até ab-rogantes existem e, por isso, este tipo de avaliação nunca será decisivo.
Isso não quer dizer, como diz Oliveira Ascensão (O Direito, Introdução e Teoria Geral, 13.ª edição, Almedina 2022, p. 397) que a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação.
Na verdade, este caminho interpretativo está a fazer uma verdadeira remoção de um elemento incontornável da letra da norma em causa o que, além do mais, também colide, caso se afirme uma dúvida, com o critério legal para a sua solução estabelecido pelo n.º 3 do art.º 9.º do CC – a presunção que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
A propósito deste critério interpretativo diz ainda Oliveira Ascensão (ob. Cit., p. 397) que não podemos com ligeireza afirmar que há uma infelicidade de expressão. Devemos partir do princípio que o texto exprime o que é natural que as palavras exprimam.
O que as palavras da lei indicam é que a execução só ocorre nos autos de processo especial em situações tipicamente previstas – a providência a executar ser a própria medida de tutela da personalidade decretada.
Avançando na interpretação, impõe-se saber, efetivamente, em que situações é que tal poderá (ou poderia) ocorrer.
O grande argumento apresentado por aqueles que sustentam a solução afirmada na decisão recorrida é precisamente que não existe nenhuma situação identificável com este requisito legal.
Diz, a este propósito, Nuno Andrade Pissarra (ob. Cit., p. 131 e 132) que  a ação especial em questão, que se caracteriza por ter na sua génese e no seu objeto uma pretensão de personalidade, o mesmo é dizer uma pretensão obrigacional destinada a restaurar a plenitude do direito a que o réu fica adstrito por virtude da violação. De maneira que a ação há de culminar necessariamente, quando proceda, numa condenação do réu a um comportamento, isto é, no decretamento de providências que o réu terá de cumprir, e nunca numa ordem de apreensão de uma certa coisa, de encerramento de um certo sítio ou numa qualquer outra ordem dirigida a oficial ou autoridade públicos.       
O argumento que apresentam é, em termos simples, o seguinte: – a restrição legal não tem relevo prático porque não há nenhuma situação configurável de comandos judiciais, ou providências, que não imponham um acatamento e uma atuação do obrigado.
Por consequência, infere-se, retiram a conclusão que a restrição legal é inaplicável e, por isso, não pode ser dado sentido efetivo à restrição inscrita na letra da norma.
Salvo devido respeito, não têm razão.
O exemplo da ordem de encerramento que os autores usam é, aliás, especialmente pertinente para contextualizar a situação em apreço e que demonstra claramente que a asserção estabelecida nessa doutrina não é de acolher.
Assim, estando em causa nestes autos uma situação de perturbação de direitos de personalidade relacionada, em termos genéricos, com os direitos à tranquilidade e ao descanso devida à atividade de um estabelecimento comercial destinado à prática desportiva (da modalidade de raquete denominada por padel), poderia o tribunal ter ordenado, pura e simplesmente, uma providência de encerramento desse local.
Caso fosse essa a decisão, em abstrato possível (caso se entendesse que não havia forma de compatibilizar, de acordo com os critérios de colisão de direitos, a superior tutela da personalidade, ligada à da dignidade da pessoa, com os também legalmente tutelados, mas inferiores, direitos à iniciativa económica e à propriedade privada), poderia ter-se chegado a uma verdadeira decisão de encerramento do estabelecimento, sem mais (ou de encerramento temporário até que alguma alteração estrutural relevante fosse realizada).
Se fosse esse o caso, a despeito de existir uma dimensão de declaração de direito e imposição de regras de conduta a um visado, haveria, antes de mais e sobretudo, um comando direto e imediato cuja concretização seria independente de qualquer atuação do demandado.
Uma simples ordem de encerramento poderia (e deveria, uma vez que a lei estabelece uma regra de oficiosidade) ser imediatamente executada mediante uma ordem direta do decisor judicial aos serviços judiciais na sua dependência ou, caso entendesse que a execução deveria ser concretizada externamente, mediante um ofício dirigido a entidade pública com poder para tal (forças policiais) ou solicitando a concretização a um agente de execução.
Em todo o caso, uma ordem de encerramento seria, neste contexto, precisamente um exemplo perfeito de uma medida executiva de realização da providência decretada.
Diferentemente, uma providência de cumprimento de um determinado horário de funcionamento, ou uma providência que imponha realização de obras de insonorização, impõem, inegavelmente, a prática de comportamentos do visado. 
Bastam estas reflexões para retirar sentido ao aludido argumento de inexistência de uma área de aplicação efetiva da restrição legal e, por consequência, da existência de um sentido material na interpretação, corroborando a interpretação que se retira da literalidade do preceito. 
Avançando na interpretação deste inciso legal, pode fazer-se mais um paralelismo entre este processo declarativo os procedimentos cautelares, convocando, para tanto, o conceito classificativo usado por Amâncio Ferreira de providência cautelar perfeita (Curso de Processo de Execução, 12ª ed., p. 475).
A providência perfeita será a que se esgota imediatamente no procedimento, por meio de um ato tendencialmente único – uma apreensão, um arresto, etc.
Nestes casos, o procedimento apresenta, pela sua natureza, uma parte declarativa (de apreciação provisória do seu fundamento factual e jurídico) e uma parte executiva, que será a concretização (completa e imediata) da providência propriamente dita.
Nestes casos, a execução da providência é uma parte necessária e conatural ao procedimento.
Entre estas providências podem perfilar-se a restituição provisória de posse, o arresto ou o arrolamento (cf. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma de Processo Civil, III V., p. 263).
Outras providências têm, todavia, uma estrutura diferente desta, mais imperfeita, porque a sua execução está dependente de cooperação do requerido que, caso de não verifique, poderá dar lugar a uma intervenção coerciva complementar do tribunal.
Repescando esse paralelismo conceptual para esta sede declarativa especial, pode também dizer-se que as ações de tutela da personalidade podem ser perfeitas ou imperfeitas.
Serão perfeitas precisamente as que se enquadram na situação estabelecida pelo art.º 880.º n.º 2 do CPC, isto é, quando exista identidade entre a medida executiva determinada e a providência decretada (atente-se que o legislador usa até a exata correspondência nominal de providência).
Pondo a questão em termos simples, o que o legislador determina é que a execução da medida é feita nos próprios autos declarativos quando o decidido seja passível de ser realizado imediatamente e sem necessidade de qualquer atuação ulterior do obrigado (que não o estrito cumprimento da ordem que lhe é dirigida).
Os exemplos típicos serão, além da supra referida ordem de encerramento de um determinado local, as imposições coativas a publicação ou retirada de publicação de um conteúdo entendido como afetador de direitos de personalidade – o destinatário da ordem ou providência judicial só tem que retirar a publicação ou publicar o que lhe for ordenado, nenhum outro comportamento ou avaliação lhe sendo exigível.
Por isso, neste tipo de situação, o legislador retira até à pessoa cuja posição for tutelada qualquer ónus de impulso processual, dispondo que a execução é oficiosa e cabe ao tribunal liquidar imediatamente a sanção compulsória devida.
Voltando ao exemplo típico, uma imposição de retirada de uma publicação (ou de publicação de um determinado conteúdo) é passível de ser objeto de avaliação direta e imediata do tribunal quanto ao seu cumprimento, podendo também ser linearmente liquidada uma sanção compulsória pelo desrespeito – a liquidação assenta num simples cálculo aritmético estabelecido pela relação entre a sanção fixada e a dilação verificada no cumprimento da providência determinada.
Vertendo as considerações anteriores à situação em apreço, pode dizer-se que, pelo menos em parte, é claro que as medidas aplicadas impõem comportamentos à visada, ora recorrida (sendo certo que a decisão recorrida, ao não fazer qualquer segmentação, tornou-se alvo de avaliação in totum).
A decisão exequenda é complexa e tem, além de um segmento decisório relativo a sanção compulsória, dois grandes eixos materiais:
a) Imposição de um horário de funcionamento para o estabelecimento de lazer da executada;
b) Imposição de uma obrigação de facere, traduzida na realização de obras que limitem as emissões de ruído provenientes do mesmo.
A primeira destas providências, pelo menos no que concerne a proibição de funcionamento num certo dia (domingo) e em certos horários (em todos os outros dias da semana), tem uma dimensão que se poderia qualificar de perfeita, na medida em que traduz um comando direto constitutivo o teor da própria decisão – a partir da decisão, não só a obrigada fica proibida de funcionar fora dos horários definidos, como pode o tribunal ordenar a qualquer entidade que se desloque ao local e encerre o estabelecimento, caso esteja aberto fora do quadro de funcionamento permitido – nesta segunda parte pode (e deve) o tribunal da declaração emitir uma ordem concreta de execução da medida decretada.
A segunda providência traduz precisamente o oposto.
Pode até dizer-se que uma imposição do dever de realização de trabalhos, ou obras, é o exemplo típico da providência imperfeita, por implicar uma atuação voluntária do obrigado de cumprimento, uma subsequente do mesmo e, a final, determinando uma possibilidade de atuação judicial superveniente, de natureza coerciva.
Dir-se-á, assim, chegando a este ponto, que a decisão exequenda é de tipo misto, incluindo uma dimensão de providência perfeita e uma providência imperfeita, estando esta associada à imposição de sanção compulsória pelo seu cumprimento.
Decorre do antes referido que a decisão recorrida, se se apresenta sustentável no primeiro caso, não o será no segundo.
É bem pertinente, a este propósito, a referência que os recorrentes fazem ao texto de Remédio Marques - Alguns aspectos processuais da tutela da personalidade humana no novo Código de Processo Civil de 2013,
(https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=5Iffpey18dw%3D&portalid=30):
que parcialmente se respiga:
"No que respeita à execução coerciva dos deveres de facere de non facere ou, eventualmente de dare (coisas diferentes de prestações pecuniárias), a Comissão de Revisão optou pela desnecessidade de instauração de uma acção executiva autónoma, mesmo que por apenso, mas apenas nos casos em que a medida executiva integrar a própria realização da providência de tutela da personalidade, designadamente nas situações de falta de cumprimento voluntário de obrigações de dare.
Uma vez que tais situações não constituem a maioria, a execução coerciva de deveres de facere — (in)fungíveis — positivos ou negativos, em que os demandados tenham sido condenados implicam o recurso à acção executiva, por isso mesmo que se faz mister a cooperação espontânea do obrigado e este não efectua a prestação ou viola a obrigação negativa.
É, aliás, esse o sentido que se extrai da posição dos autores citados pelo Mm.º Juiz para sustentar a sua posição, que dizem expressamente que, nos casos de execução coerciva de obrigação de facere, o autor deve recorrer à ação executiva nos próprios autos (artigo 626º), liquidando ainda a quantia correspondente à eventual sanção pecuniária compulsória que tenha sido fixada (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, p. 322).
Não se pronunciando expressamente sobre esta questão, mas parecendo pender para a propositura de uma execução autónoma, que inclua a prestação de facto e o pagamento da sanção compulsória, pronunciaram-se Rui Pinto e Saulo Chanoca (Processos Especiais, vol. I, coord, Rui Pinto e Ana Alves Leal, AAFDL, 2023, p. 90), dizendo que estas duas execuções poderão correr cumuladamente e num único processo executivo.
Chegando a este ponto de análise, pode fazer-se uma aferição da sustentação destes argumentos à luz do argumento teleológico de interpretação.
A este nível, numa primeira análise, pode dizer-se que a solução da decisão recorrida pode até ser qualificada de sedutora por parecer alinhar-se com a finalidade da lei.
Assim, face à especialidade da tutela dos direitos de personalidade, que são supremos na esfera do direito civil e estão ancorados no princípio supremo da ordem constitucional – a dignidade da pessoa humana, poderia dizer-se que a solução de impor uma execução oficiosa e nos próprios autos será especialmente adequada a defender este valor.
Ante o especial relevo dos bens tutelados, o legislador teria suprimido até a necessidade de impulso processual da parte, i.e., de dispositivo e teria eliminado todas as barreiras processuais à concretização efetiva do direito.
É uma tese sedutora, mas que não resiste a uma reanálise minimanente cuidada das questões em apreço.
Para o perceber, também a decisão em apreço nos autos se apresenta como especialmente esclarecedora.
Atente-se na segunda das medidas determinadas na sentença – a realização de obras de redução de ruído no estabelecimento desportivo da requerida.
Que obras serão estas? E qual o nível de ruído aceitável para a decisão recorrida?
Os mais elementares critérios emergentes dos princípios basilares do contraditório e do dispositivo precludem liminarmente a possibilidade de qualquer execução oficiosa desta decisão e isso é quanto baste para sustentar que a teleologia do preceito nunca poderia impor uma execução oficiosa nos autos deste caso.
Atente-se que a execução prevista no art.º 880.º é nos autos e oficiosa. Os elementos são indissociáveis pelo legislador.
Numa decisão deste teor nunca poderia o juiz ex officio determinar os trabalhos a realizar (erigir paredes? Erigir obstáculos de som? Isolar certas áreas?); como não poderia decidir, prima facie, quem os realizaria.
O mesmo se dirá quanto à definição dos níveis de som admitidos, na medida em que a sentença os não quantificou.
Diga-se que os presentes autos documentam precisamente um litígio material quanto aos trabalhos realizados: – a executada diz que já os realizou e os exequentes afirmam que não foram adequadamente realizados.
Estas asserções traduzem precisamente que esta decisão, como muitas decisões judiciais declarativas, carece de uma atividade de definição e concretização, que deve ser realizada segundo os critérios basilares do processo civil, neste caso traduzindo um pedido de realização de uma determinada obra, associado ao adequado exercício do contraditório relativamente à sua realização, algo absolutamente insuscetível de ser feito oficiosamente e, portanto, sem intervenção impusionadora e conformadora das partes.
Em termos de tutela efetiva do direito não se pode também, por outro lado, desconsiderar o relevo da existência de uma jurisdição executiva especializada.
A especialização não serve apenas, rectius, não serve principalmente, uma lógica de simples melhor organização judiciária.
A especialização tem por premissa básica uma ideia de que o tratamneto especializado tenderá a conferir melhor capacidade de resposta às solicitações ao sistema de justiça e será um elemento essencial de qualidade do sistema e de adequada tutela, em tempo útil, das posições jurídicas protegidas por lei.  
Ante a existência de jurisdição especializada executiva, cujo munus é precisamente o de assegurar realização coativa de obrigações, neste caso de facere, seria até contraditório com a finalidade especial de tutela estabelecida pelo legislador para estas situações, retirar-lhes o meio judicial e processual mais adequado para realização da justiça em todos aqueles casos em que a providência decretada não seja de realização imediata.
Quer isto dizer, em conclusão, que uma avaliação da questão à luz da teleologia também impõe a necessidade de execução autónoma das decisões de tutela da personalidade que não sejam passíveis de realização direta e automática e, portanto, que exija uma atividade de conformação do obrigado e uma avaliação subsequente do respetivo cumprimento (a realizar pelo titular do interesse protegido e, se for o caso, pelo tribunal).
Em termos simples, uma execução deste tipo dificilmente se pode sequer configurar que seja passível de uma execução nos autos e, ainda que se admitisse o recurso ao processo executivo para prestação de facto por apenso (algo que o legislador não prevê), sempre ficaria evidente uma absoluta impossibilidade de o fazer oficiosamente.
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Numa linha de fundamentação que se dirá complementar, o tribunal  a quo, aludindo a uma situação de litispendência (que meramente refere, não retirando nenhuma consequência efetiva dessa referência), sustenta que os autos nunca poderiam seguir no Juízo de Execução porque já teriam sido determinadas e realizadas diligência executivas em sede declarativa.
Também este argumento não se pode considerar sustentado, em consequência do que antes se disse.
Se para o dever de impor um determinado horário de funcionamento, a intervenção judicial no próprio processo declarativo, em fase pós-decisória, parece impor-se, em virtude da referida estrutura da providência aplicada, o mesmo não se pode dizer, manifestamente, da aferição do cumprimento da obrigação de realização de obras de insonorização.
Estas implicam, prima facie, uma atuação do obrigado e, num segundo momento, se tal atuação não for aceite pelo titular do interesse protegido (como não foi), uma avaliação judicial (diga-se, como supra referido, que os autos de oposição demonstram a existência de divergências manifestas sobre a realização de trabalhos de insonorização e sua adequação ao resultado pretendido).
A este nível não existe nada que se possa qualificar sequer próximo da litispendência, existindo, quanto muito, meras diligências pós-decisórias de avaliação do ordenado, que são insuscetíveis de estabelecer (ou retirar) qualquer competência judicial para o processo executivo.
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Quer isto dizer, em conclusão, considerando também que a decisão absolutória da execução foi total e que a eventual segmentação do seu teor não foi suscitada nesta sede recursória, que a apelação procede na íntegra, devendo revogar-se a decisão recorrida.
É o que se decide. –
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III. Decisão:
Face ao exposto, concede-se a apelação e revoga-se a decisão recorrida, declarando-se competente o Juízo de Execução para tramitação da execução instaurada.
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Custas pela apelada.
Notifique-se e registe-se. –
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Lisboa, 16-01-2025
João Paulo Vasconcelos Raposo
Rute Sobral
Pedro Martins (vencido, nos termos da seguinte manifestação de voto):

Voto vencido:
Entendo que a execução das decisões proferidos nos processos especiais de tutela de personalidade deve ser efectuada oficiosamente e nos próprios autos (art. 880/2 do CPC), sem que se deva distinguir, por tal não fazer sentido, entre as medidas executivas que integram e as que não integram a realização da providência decretada:
No processo especial de tutela da personalidade o tribunal, como fez no caso, deve condenar o requerido a fazer ou a entregar alguma coisa; não se trata, pois, como nas providências cautelares, de o tribunal determinar desde logo que o AE, a polícia ou outra entidade, faça ou entregue alguma coisa, cumprindo-se deste modo a providência decretada.
Assim sendo, a parte do art. 880/2 do CPC que se refere à hipótese de “a medida executiva integrar a realização da providência decretada”, não tem o sentido de estar a restringir a parte inicial da mesma disposição que impõe que a execução da decisão seja efectuada oficiosamente e nos próprios autos, mas é antes um modo defeituoso (provavelmente por a lei se estar a referir também à execução das providências provisórias previstas no art. 879/5 do CPC e de, no âmbito destas, se discutir uma questão análoga a propósito da parte final do art. 375 do CPC, como se vê nas páginas 79 a 82 do 2.º vol. do CPC anotado por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, 3.ª edição, Almedina, 2017) de a lei expressar a regra legal que, aliás, acompanha o que já resulta das regras gerais dos artigos 85/1 e 626/1 do CPC.
Pois que as normas do art. 880/2 do CPC dão expressão àquele que já era o entendimento generalizado quanto ao modo como se devia executar o que fosse decidido em tal processo especial.
Como se pode ver em Tiago Soares da Fonseca, Da tutela judicial civil dos direitos de personalidade, publicado na  Revista da Ordem dos Advogados, 2006, vol. I, onde se lembra a posição de Capelo de Sousa, à qual adere o autor adere, que defendia que, atentas as características sui generis do processo especial de tutela da personalidade, determinado pelo objectivo de celeridade e simplicidade processual, “são aplicáveis, prima facie, as normas análogas, maxime, dos processos especiais ou dos procedimentos cautelares que garantam estes objectivos”, em alternativa às formas comuns de execução. Assim, sempre que possível, as providências deverão ser imediata e oficiosamente executadas, apenas se aplicando as regras do processo comum de execução quando não houver caso análogo regulado.
A posição de Capelo de Sousa consta das páginas 479 a 482, especialmente 481-482, do Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, e está sintetizada assim por aquele autor na nota 94: “Assenta essencialmente em três ordens de ideias. A primeira é a de que os artigos 465 e 466 do CPC [≈ 550 e 551 depois da reforma de 2013], ao contrário do art. 463/1 do CPC [≈ 549 depois da reforma] quanto à fase declarativa dos processos especiais, não prevêem a aplicação aos processos especiais das formas comuns do processo de execução. Em segundo lugar, porque o processo especial de tutela da personalidade é um processo de jurisdição voluntária. Por último, porque quando no art. 70/2 do CC e no art. 1474/1 do CPC [≈ 878/1 depois da reforma] se fala em providências já está ínsita uma ideia de execução.”
Capelo de Sousa terminava assim esta parte: “Daí que, nomeadamente, nos pareça que as providências preventivas ou atenuantes de violações da personalidade judicialmente decretadas devam, sempre que possível, ser imediata e oficiosamente executadas, sem necessidade de requerimento inicial executivo do ofendido com outros articulados […].”
Isto era defendido quando o CPC, na redacção anterior à reforma de 2013, não tinha, no processo especial de tutela da personalidade, previsto então nos artigos 1474 e 1475, normas que regulassem “o modo de execução das providências preventivas ou atenuantes.     
Agora, depois da reforma de 2013, essas normas existem e deram corpo à posição defendida por Capelo de Sousa, apenas não se podendo aproveitar a segunda ordem de razões que ele dava, já que o processo especial de tutela da personalidade deixou de ser de jurisdição voluntária.
Daí que se diga na Exposição de motivos da proposta de lei n.º 113/XII (2.ª) que aprova o CPC: “É previsto um procedimento urgente autónomo e auto-suficiente, destinado a possibilitar a obtenção de uma decisão particularmente célere que, em tempo útil, assegure a tutela efectiva do direito fundamental de personalidade dos entes singulares. Assim, opera-se um rejuvenescimento e alargamento dos mecanismos processuais de tutela da personalidade, no sentido de decretar, no mais curto espaço de tempo, as providências concretamente adequadas a evitar a consumação de qualquer ameaça ilícita e directa à personalidade física ou moral do ser humano ou a atenuar, ou a fazer cessar, os efeitos de ofensa já cometida, com a execução nos próprios autos.”
Estou, com isto, a seguir a posição Nuno Andrade Pissarra, Do processo especial de tutela da personalidade, AAFDL, 2022, páginas 128 a 133:
“[…]
A estatuição de que a execução é efectuada nos próprios autos “sempre que a medida executiva integre a realização da providência decretada” não deve ser lida como restrição rebelde à regra geral vinda dos arts. 85/1 e 626/1, mas antes como sua manifestação. O argumento a contrario, segundo o qual, fora do especifico circunstancialismo pressuposto no art. 880/2, a execução não deveria ter lugar nos autos da acção especial, seria um contra-senso em face das finalidades de celeridade e prioridade proclamadas no art. 20/5 da CRP e na Exposição de Motivos da Proposta de Lei 113/XII. […]
[…]
Uma medida executiva integra a realização da providência decretada quando a concretização tipicamente prevista para esta co-envolve aquela que seria a sua própria execução ou, dito de outro modo, antecipa o acto executivo ou os actos executivos a que daria azo caso fosse necessário lançar mão da sua execução coerciva. Tal acontece, por exemplo, no domínio das providências cautelares de arresto, arrolamento ou restituição provisória da posse, em que a lei determina a apreensão de bens e a sua entrega a um depositário (arts. 391/2, 406/5, 756/1, 764/1 e 378/2). […]
Bem vistas as coisas, em todas essas situações a realização especificamente prevista para a providência cautelar esgota o seu próprio enunciado, nada sobrando para ulterior acção executiva, por isso que os actos executivos antecipados, digamos assim, só podem ter lugar nos próprios autos do procedimento cautelar. Em certa medida, a providência cautelar decretada define-se ela mesma pelos actos que a executam. Ora, esta realidade só quadra, em abstracto, com as providências cautelares, posto que estas são, por natureza, anteriores a qualquer condenação (provisória ou definitiva) do réu a uma prestação, assumem sempre carácter urgente e podem traduzir-se em medidas cuja concretização não passa pela imposição de uma conduta ao requerido.
Não é assim na acção especial sob análise, que se caracteriza por ter na sua génese e no seu objecto uma pretensão de personalidade, o mesmo é dizer uma prestação obrigacional destinada a restaurar a plenitude do direito e a que o réu fica adstrito por virtude da violação. De maneira que a acção há de culminar necessariamente, quando proceda, numa condenação do réu a um comportamento, isto é, no decretamento de providências que o réu terá de cumprir, e nunca numa ordem de apreensão de certa coisa, de encerramento de certo sítio ou numa qualquer outra ordem dirigida a oficial ou autoridade públicos.
[…]
Salvo melhor opinião, nenhuma providência que o tribunal possa decretar na acção especial de tutela da personalidade se confunde ou realiza, portanto, com as medidas que seriam a sua própria execução. As medidas executivas a tomar na sequência da condenação na acção especial nunca integram a realização da providência decretada, nunca a definem, antes a substituem drasticamente. É, portanto, longínqua a distância que separa as medidas impostas no processo especial de tutela de personalidade das medidas decretadas no seio de procedimentos cautelares.
[…]
Em suma: a expressão sob escrutínio não tem préstimo e a execução das decisões (dotadas de exequibilidade) proferidas na acção especial deve ser sempre efectuada oficiosamente e tramitada nos próprios autos. Esta conclusão tem ainda a seu favor a clareza que a caracteriza e a segurança que implica. Quem, rejeitando tudo o que acabámos de expor, procure dar sentido útil à letra da lei, cumprindo cegamente o que nela vem estabelecido, terá de delimitar rigorosamente, e por forma a não deixar réstia de dúvida, as situações em que a medida executiva integra a realização da providência decretada daqueloutras em que tal não sucede. Mas essa delimitação é, a nosso ver, um tormento de que ninguém logrará desenvencilhar-se.
Fica uma última interrogação: como deveria proceder o juiz que se visse confrontado com a necessidade de executar várias medidas e considerasse umas integrantes e outras não integrantes da realização das providências ordenadas?”
Ainda no mesmo sentido, contra o ponto III do sumário do acórdão, veja-se Rui Pinto e Saulo Chanoca, Processos especiais, vol. I, AAFDL/CIDP, 2020, páginas 81-82: “A execução tanto da decisão provisória como da decisão final são efectuadas oficiosamente nos próprios autos, sempre que a medida executiva integre a realização da providência cautelar. Trata-se de execução para prestação de facto, positivo ou negativo, consoante os casos.”
Note-se, entretanto, que a questão não é directamente de incompetência do tribunal. Trata-se, sim, de determinar o processo onde a execução deve correr: nos próprios autos, e não numa execução autónoma.
Ou seja, se, por força das regras da competência da LOSJ, forem os competentes os juízos de execução, aplica-se então a regra do art. 85/2 do CPC (no sentido desta aplicação, ainda Nuno Andrade Pissarra, 2.º§ da página 129 da obra citada, que também defende a aplicação do art. 626/3-4-5 do CPC), sendo que o facto de ser outro o juízo a executar a decisão não quer dizer que ela deixa de ser executada no próprio processo (assim, quanto apenas a esta parte, veja-se Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC, vol. 1, 4.ª edição, 2021, Almedina, pág. 193-194).
Pelo que o juízo de execução pode ser o competente para a execução, mas só o pode ser e só a pode tramitar se e quando o juízo local cível onde o processo especial corre ou correu termos lhe remeter os elementos necessários por força do art. 85/2 do CPC. E, para isso, tendo sido os exequentes a requerer a execução, teriam que a ter requerido nos próprios autos e não autonomamente (embora no requerimento executivo eles digam que o fizeram nos próprios autos).
O que, para além do mais servirá para evitar uma eventual litispendência ou violação de caso julgado.
Assim sendo julgaria o recurso improcedente.

Lisboa, 16/01/2025
Pedro Martins