RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
PROPRIEDADE INDUSTRIAL
PATENTE
MEDICAMENTO
PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO
PROCESSO ARBITRAL
PRINCIPIO DA UNIDADE
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
LESADO
CONHECIMENTO
Sumário


O prazo de prescrição de curto prazo de três anos do direito à indemnização, fundado numa responsabilidade extracontratual, começa a correr, de harmonia com o princípio da unidade do dano, mesmo no tocante ao dano futuro previsível, no momento em que o lesado tenha conhecimento do dano inicial ou originário, independentemente de o lesado o ter efectivamente previsto e do momento em que venha a ocorrer; no caso de dano futuro imprevisível, o início da contagem do prazo só ocorre depois de este se produzir e de ser conhecido pelo lesado.

Texto Integral


Proc. 8450/21.2T8LSB.L1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:+

1. Relatório.

Luye Pharma AG propôs, no Juízo Central Cível de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., contra Novartis AG e Its Lohmann Therapie-System AG, acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação solidária das últimas a pagar-lhe a quantia preliminar de € 3.996.486,20, correspondente a:

i) € 428.225,22 relativos às despesas incorridas pela Autora nas diversas instâncias arbitrais e judiciais em que se viu obrigada a litigar em face da conduta das Rés;

ii) € 206.864,00 relativos a custos internos incorridos pela Autora diretamente associados/relacionados com a conduta das Rés;

iii) € 11.538,98 relativos às despesas relacionadas com viagens e testemunhas no âmbito dos Processos Arbitrais que correram termos, iniciados pelas Rés;

iv) € 3.349.858,00 relativos aos lucros cessantes da Autora subjacentes à proibição de comercialização decorrente da conduta processual das Rés;

Quantia preliminar, essa, a que acrescem as quantias que vierem a ser liquidadas no âmbito dos Pedidos Genéricos formulados relativos a:

i) Honorários (incluindo de Advogado) e Despesas associados à instauração da presente Acção;

ii) Custos internos associados aos demais recursos e meios internos que foram alocados pela Autora e diretamente associados/relacionados com a conduta das Rés, valores a que acrescem Juros de Mora, à Taxa Comercial sucessivamente em vigor.

Fundamentou estas pretensões nos danos que sofreu com a propositura e manutenção, contra si, pelas rés, de uma acção arbitral para impedirem a comercialização de medicamentos ao abrigo da Autorização de Introdução no Mercado de que beneficiou, afirmando que tal colidia com o seu prévio direito de patente EP 219 e medicamentos que comercializam no mercado português, apesar de, no início do pleito arbitral, ser notória a caducidade do direito de acção e a invalidade da patente, confirmadas por decisões nacionais e internacionais, sabendo as demandadas, que instauravam a acção arbitral de modo indevido e que, com isso, colocavam em causa a possibilidade de usufruir daquela Autorização, levando a custos directos e perdas de vendas em favor dos produtos que já tinham no mercado e que, desse modo, continuavam a ser comercializados sem a concorrência dos produtos da autora.

As demandadas defenderam-se por excepção dilatória, alegando a ilegitimidade processual da autora, e por excepção peremptória, invocando a prescrição do direito de crédito daquela.

Fundamentaram a excepção peremptória no facto de a autora basear a sua responsabilidade na ilicitude da propositura e manutenção da acção arbitral, o que aconteceu em Julho de 2013, e de terem requerido a sua extinção na sequência da revogação da patente em Julho de 2017, pelo que, quando a acção foi proposta já haviam decorrido mais de 3 anos.

A autora respondeu que o que interessa é o momento em que sobre si deixou de impender a proibição de comercialização decorrente da instauração da acção arbitral, o que apenas se verificou com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça em 17 de Maio de 2018, pelo que à data da propositura da acção aquele prazo de prescrição não se tinha completado.

A Sra. Juíza de Direito, por saneador-sentença proferido no dia 11 de Abril de 2024, com fundamento em que o momento a partir do qual se deverá contar o prazo (de prescrição) será o da revogação da patente, o que aconteceu, como está assente a 18 de Abril de 2017, e que a presente acção judicial apenas deu entrada em juízo em 8/04/21, julgou procedente a excepção da prescrição alegada e consequentemente, absolveu as RR. do pedido.

A recorrente interpôs desta sentença recurso ordinário de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas esta, por acórdão de 11 de Julho de 2024, com fundamento em que para efeitos de início da contagem do prazo de prescrição previsto no art.º 498.º, n.º 1 do Código Civil, a autora teve conhecimento do direito que se arroga quanto conheceu da pendência da acção arbitral contra si instaurada pelas rés, que não se apurando a data exacta em que a autora teve conhecimento da instauração arbitral, sempre terá sido anterior a 29/04/2014, sendo irrelevantes, para efeitos de instauração da presente acção de indemnização, fundada em culpa in agendo, as vicissitudes processuais subsequentes da referida acção arbitral, pelo que no máximo, em 29/04/2017, já havia decorrido na íntegra o prazo de prescrição da pretensão indemnizatória aqui invocada, julgou aquele recurso improcedente. Porém, a Sra. Juíza Desembargadora, que exerceu, no julgamento da apelação, as funções de 1.º Juiz-Adjunto, lavrou no acórdão, sob a epígrafe, Declaração de Voto, a declaração seguinte:

Votei favoravelmente a decisão mas discordo da fundamentação.

É meu entendimento, enquanto regra geral, que enquanto o direito está a ser discutido em sede de outra acção judicial o prazo de prescrição previsto pelo art.º 498º do Código Civil apenas se inicia com o trânsito em julgado da decisão final dessa acção.

Nestes casos, não está em causa a determinação da extensão dos danos ou a identidade dos sujeitos, mas a discussão do próprio direito com fundamento no qual a parte vem pedir a indemnização.

A ser intentada uma acção de indemnização antes, com elevada probabilidade seria suspensa a aguardar o desfecho daqueloutra.

Não faz sentido exigir à parte que intente acção de indemnização em data anterior, com os custos inerentes, enquanto aguarda por uma outra que pode decidir desfavoravelmente e esvaziar de fundamento aquela.

Posto isto porém, neste caso, atenderia ao que consta em g) e h):

g) a patente EP 219 foi definitivamente revogada em 18.07.2017;

h) As RR apresentaram requerimento informando daquela revogação em 2.08.2017;

Sendo que as rés requereram a extinção da acção na sequência da revogação da patente em Julho de 2017, e o prosseguimento do recurso para o STJ teve apenas como fundamento, como invocaram as Recorridas, unicamente para obviarem à sua condenação em custas.

Ou seja, a prescrição ocorreu em 3/8/2020, sendo que a presente acção foi intentada em 8/4/2021 e as rés foram citadas em Fevereiro e Março de 2022.

A autora interpôs daquele acórdão recurso excepcional de revista – no qual pede a sua revogação, se julgue improcedente a excepção peremptória da prescrição e se determine o reenvio dos autos à 1.ª instância para aí prosseguirem a sua normal tramitação – tendo rematado a sua latitudinária alegação com estas numerosas conclusões:

A) O presente Recurso Excecional de Revista vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (6ª Secção) datado de 11.07.2024 pelo qual se confirmou – ainda que com distinta fundamentação – a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa datado de 11.04.2024 que julgou procedente a exceção de prescrição e absolveu as Recorridas Novartis AG e LTS Lohmann AG dos pedidos contra as mesmas deduzidos pela ora Recorrente Luye Pharma AG;

B) Para o Tribunal da Relação de Lisboa, a questão central do recurso colocado perante o mesmo prendia-se com a determinação da data de início da contagem do prazo de prescrição do direito invocado pela autora;

C) Urge obter uma melhor aplicação do direito por parte deste Supremo Tribunal de Justiça, quanto à questão de início de contagem do prazo de prescrição no caso singular, mas também haver uma definição jurisprudencial face à questão mais abstrata subjacente que é a de se saber se em ações fundadas em abuso de direito de ação/culpa in agendo o início do prazo de prescrição se deve ter como a data de instauração da ação, ainda que exista dúvida sobre a ilicitude de tal conduta, ou se tal prazo apenas corre a partir da convicção de ilicitude da conduta e correspondente conhecimento do direito do lesado;

D) O Tribunal da Relação de Lisboa passou à margem da questão nuclear referente ao pressuposto da ilicitude da conduta, enquanto pressuposto de verificação necessária para o efetivo exercício da responsabilidade, questão que não foi trazida à fundamentação do recurso e vem suscitada, isso sim, em sede de voto de vencido;

E) O Tribunal da Relação de Lisboa também não levou em linha de conta na sua decisão que uma das causas e pedir da ação instaurada tinha que ver com a manutenção da acção arbitral, pelas Recorridas, após conhecimento da revogação da patente EP 219 e não apenas com a sua propositura;

F) Para além da melhor aplicação do direito no caso concreto, as temáticas que o caso concreto suscita são de relevância jurídico-social por poderem ter aplicação em outros casos, com o que a definição de uma linha jurisprudencial orientadora para futuro se revela necessária face à possibilidade de expansão da controvérsia e impacto sócio-económico dos temas versados;

G) No Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, é expressa a posição segundo a qual o prazo de prescrição previsto no artigo 498.º do CC se deve contar desde a data em que a autora teve conhecimento da instauração da ação arbitral e que, na falta de identificação de tal data, se deve tomar a data de 29.04.2014, por essa ter sido a data de prolação do Acórdão Preliminar Arbitral (e em que a exceção de caducidade do direito de ação não foi reconhecida);

H) Contra esta visão, oferece-se uma outra interpretação legal, segundo a qual a manutenção de uma ação em que se discute um direito da parte, implica que o prazo prescricional para a acção indemnizatória, em que se pretenda exercer a responsabilidade por uso indevido dessa primeira acção, apenas se iniciará quando tiver sucumbido essa ação inicial, pois que o direito do lesado não é claro existir enquanto se discuta essa primitiva ação;

I) Se o ato ilícito extracontratual imputado a uma parte no campo do abuso de direito de ação/culpa in agendo é o uso indevido de meios judiciais contra outra parte, só pode haver consciência jurídica da ilicitude de uma tal mobilização de meios judiciais quando as instâncias que se debruçam sobre essa mobilização de meios afirmarem que tal uso é indevido;

J) Até decisão pela instância que se ocupe da ação que o lesado entenda ser a forma de agressão aos seus direitos, vale a presunção de uso devido ou pelo menos não patentemente indevido de uso de meios judiciais, ao abrigo do direito fundamental geral de recurso a meios de defesa judiciais (cfr. artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa) e, como tal, não se pode considerar que exista a convicção ou consciência, por parte do lesado, que a parte contrária esteja a utilizar meios judiciais de modo ilegítimo;

K) O conhecimento da reunião de pressupostos da responsabilidade civil implica, quanto ao pressuposto da ilicitude, que o lesado saiba ser juridicamente fundado o direito indemnização, isto é, que conhece com relativa certeza jurídica que ao suscitar o seu direito contra o autor da lesão, o faz com prévia convicção fundada que a ação do autor da lesão não está coberta pelo direito;

L) Salvo melhor opinião, essa também tem sido a orientação deste Supremo Tribunal de Justiça, desde logo em recente Acórdão de 2022, de acordo com a qual não basta ao lesado conhecer a virtualidade de estar perante ato ilícito que lhe provoca danos, mas sim que o mesmo tem de atingir um estado de convicção fundada que tem a seu favor um direito a indemnização;

M) Em casos em que a lesão se faça através de ações iniciadas contra o lesado, essa convicção jurídica fundada de que tem direito a uma indemnização, atinge-se pela reunião de pressupostos de responsabilidade no termo do processo iniciado pelo autor da lesão, momento em que o lesado ganha a convicção jurídica fundada, quanto à ilicitude do meio ou meios contra si mobilizados;

N) O “conhecimento de que é juridicamente fundado o direito à indemnização” corresponde ao reconhecimento da ilicitude da ação ou omissão do autor da lesão, e num caso – como o presente – em que a ilicitude se reporta a uso indevido de meios judiciais, o direito de que o lesado possa ser titular só lhe é reconhecido no momento 36 em que as instâncias judiciais que se ocupam do apreciação das ações judiciais que são o modo de efetuar a lesão, o afirmarem e essa decisão final passar em julgado;

O) No caso presente, a impossibilidade de o lesado conhecer que é juridicamente fundado o seu direito a indemnização antes de concluído o meio judicial que corresponde ao modo de efetivar a sua lesão, é tanto maior quanto se pense que a ação arbitral proposta e que se acreditava ter caducado por ultrapassagem do prazo para tal efeito, não obteve tal reconhecimento pelo Tribunal Arbitral, na medida em que a exceção invocada nesse sentido não teve acolhimento, o que implica que essa instância arbitral não considerasse a ação instaurada como indevida, logo ilícita para fins do preenchimento do pressuposto de ilicitude que compõe a responsabilidade civil extracontratual;

P) A consideração feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa, segundo a qual é relevante a data de 29.04.2014 como data de início do prazo de prescrição, por ser essa a data do Acórdão Preliminar Arbitral, não pode ser acolhida, porquanto essa é uma decisão arbitral que nega a existência do pressuposto de ilicitude (ao não conceder provimento à exceção de caducidade);

Q) Não pode constituir momento inicial de contagem de prazo prescricional de responsabilidade civil extracontratual, para fins do n.º 1 do artigo 498.º do CC, o preciso momento em que existe uma instância que nega a presença de tal pressuposto;

R) Impõe-se saber qual o momento relevante para a possibilidade de reconhecimento, pelo lesado, da reunião de todos os pressupostos da responsabilidade civil – em particular, in casu, a presença do pressuposto da ilicitude;

S) A posição da ora Recorrente é a de que é necessária uma definição judicial sobre a ilegitimidade do uso do meio judicial, para que o lesado possa por esse meio obter o “conhecimento de que é juridicamente fundado o direito à indemnização” pelos danos que a mobilização de tais meios judiciais lhe acarretou;

T) O momento do conhecimento sobre a ilicitude da ação levada a cabo pelas Recorridas – instauração da ação arbitral – só foi adquirido no momento em que a decisão arbitral que negou o provimento à exceção de caducidade é revogada;

U) A matéria de facto provada (cfr. págs. 8 e 9 do Acórdão Recorrido) demonstra que tal decisão de provimento da exceção de caducidade (cfr. facto sob a alínea c) da matéria aprovada) foi mantida, pelas Recorridas, sem trânsito em julgado, por via dos sucessivos recursos interpostos contra o Acórdão da Relação de Lisboa proferido no Proc. n.º 867/14, acórdão esse que concedera provimento à exceção (vide, factos sob as alíneas d), e) e f) da matéria provada);

V) As Recorridas evitaram, por meio das suas reclamações e recursos contra a Decisão Singular proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no Proc. n.º 867/14 que a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela ora Recorrente transitasse em julgado e, por conseguinte, fizeram com que se mantivesse a decisão que negara provimento a tal exceção ou, pelo menos, que se mantivesse a falta de reconhecimento judicial sobre a ilicitude da sua conduta ao mobilizarem o meio arbitral contra a Recorrente;

W) Assim, é certo que pelo menos até 18.07.2017, data em que as Recorridas recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça da decisão do Tribunal da Relação que dera provimento à exceção, não se pode aceitar ter existido o conhecimento do direito à indemnização;

X) A data de revogação da patente – também de 18.07.20217 – é irrelevante para a boa decisão da causa, pois que não foi essa a data em que a Recorrente conheceu dessa revogação;

Y) A revogação da patente EP 219 é conhecida do Tribunal e da Recorrente apenas quando as Recorridas apresentam requerimento nesse sentido junto desse Tribunal em 2.08.2017 e sem pedirem a extinção do processo por inutilidade superveniente da lide derivada da carência de objeto, antes tendo-se manifestado a favor da manutenção do seu recurso quando questionadas;

Z) Foi este Supremo Tribunal de Justiça que declarou a inutilidade superveniente da lide contra os intentos das Recorridas, por Acórdão de 17.05.2018 (alínea j) dos factos provados), com o que, para fins de conhecimento sobre a ilicitude da ação arbitral - que é causa da responsabilidade civil extracontratual invocada - , se deverá ter apenas em consideração o trânsito em julgado da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que pôs fim ao processo, assim consagrando que a mobilização do meio arbitral pelas Recorridas fora exercido de modo ilícito;

AA) É posição da Recorrente que o prazo prescricional se contará com recurso ao trânsito em julgado da decisão deste Supremo Tribunal de Justiça, em 2018, mas ainda que se tomasse a data de nota nos autos da revogação da EP 219, facto é que a entrada em vigor da legislação Covid implicaria, num cenário, como noutro, que a prescrição não se tivesse dado;

BB) Não se poderá considerar que a contagem do prazo prescricional de 3 anos se tenha iniciado com a instauração da ação arbitral pelas Recorridas, sob pena de ao lesado ser exigido iniciar meios judiciais que não podem avançar na sua tramitação por dependerem de causa prejudicial e, como tal, não haver convicção fundada desse lesado quanto à existência de um direito a indenização;

CC) A Recorrente instaurou uma ação de indemnização contra as Recorridas, tendo por causa de pedir não apenas a instauração de uma ação arbitral indevida contra esta, mas também a sua manutenção após dados sólidos que a mesma não deveria sobreviver;

DD) Este aspeto da fundamentação da ação instaurada pela Recorrente, segundo o qual os danos que sofreu com a ação arbitral não se prendem apenas com a circunstância de tal ação ter sido iniciada contra si, mas também o facto de as Recorridas a terem mantido quando já podiam conhecer que a mesma era ilegítima, seja pela decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que concedera provimento à exceção, seja, fundamentalmente, pela revogação da patente EP 219, implica a conclusão que não se pode afirmar que o prazo prescricional, quanto aos danos decorrentes deste segundo facto (manutenção da ação após revogação da patente) tenha o seu início com a instauração da ação;

EE) O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa nenhuma menção faz a essa questão, quando a mesma foi exposta, por esta parte, nas suas alegações de recurso para essa instância (nulidade por omissão de decisão), não se vendo que a decisão final abarque tal questão, sequer de modo implícito ou indireto;

FF) Esse fundamento para a ação de responsabilidade implica a conclusão que o conhecimento do elemento constitutivo do seu direito a indemnização – ilicitude, apenas poder ser conhecido e reconhecido com a decisão final proferida por este Supremo Tribunal de Justiça em 2018 e em nenhum momento anterior;

GG) Resulta do exposto que o prazo de prescrição previsto no artigo 498.º, n.º 1, do CC teve o seu início após o trânsito em julgado do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 17.05.2018, no âmbito do Proc. n.º 867/14.5YRLSB e notificado à ora Recorrente por ofício com data de 21.05.2018;

HH) O referido Acórdão, transitou em julgado no dia 04.06.2018 (cf. artigos 138.º, 139.º, 149.ºe 628.º todos do CPC e artigo 279.º, alínea b) do CC), com o que o prazo de prescrição começou a correr no dia 05.06.2018, e o seu termo teria ocorrido no dia 05.06.2021, demonstrando que a ação foi instaurada tempestivamente;

II) Não poderia o douto Tribunal de 1ª instância ter absolvido as Recorridas dos pedidos formulados pela Recorrente, porquanto não se verifica a existência, no caso em apreço, da exceção perentória extintiva de prescrição do direito à indemnização nos termos do n.º 1, do artigo 498.º, do CC, nem a 2ª instância poderia ter mantido essa decisão – ainda que com recurso a distinta fundamentação;

JJ) O Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos e da matéria de direito invocados, e, por conseguinte, incorreu em erro de julgamento ao confirmar a decisão de 1ª instância que julgara procedente a exceção de prescrição do direito de ação nos termos do n.º 1, do artigo 498.º, do CC, embora essa o tenha feito por referência a data de revogação da Patente e não a de propositura da ação arbitral, ao passo que a boa decisão ditaria que se tomasse como referência a data do trânsito em julgado da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que pôs termo à instância recursiva onde se discutia a (im)procedência da exceção de caducidade do direito de ação.

KK) Por conseguinte, e em face de todo o exposto, temos de concluir pela procedência do presente Recurso, devendo o Acórdão recorrido ser revogado, julgando-se improcedente a exceção perentória alegada pelas Recorridas, e, em consequência, determinar-se a descida dos autos à 1.ª instância para que os autos prossigam a sua normal tramitação.

As recorridas, na resposta – depois de salientarem que estamos perante um caso de dupla conforme, dado que a não coincidência da motivação da decisão das instâncias quanto à data do início do prazo de prescrição não configura uma fundamentação essencialmente diferente e que a declaração de voto de um dos subscritores do acórdão impugnada não constitui um voto de vencido, visto que o votou favoravelmente, e que o revista excepcional não deve ser admitida por não configurar qualquer aspecto ou dimensão que, pela sua relevância, implique a intervenção do STJ, nem respeitar a interesses importantes da comunidade, a um interesse comunitário significativo que transcenda o mero interesse subjectivo das partes – concluíram pela sua improcedência.

O Sr. Juiz Desembargador Relator, sem que tivesse levado o processo à conferência para se apreciar a nulidade substancial do acórdão invocada pela recorrente na alegação do seu recurso, admitiu-o.

2. Correção da espécie da revista, delimitação do seu âmbito objectivo e individualização das questões concretas controversas que devem ser resolvidas.

2.1. Admissibilidade do recurso, como revista normal ou comum.

O primeiro problema de natureza estritamente processual, que importa resolver – e que, aliás se coloca com uma frequência deveras indesejável - é o de saber se o recurso é admissível e, sendo-o, qual é a espécie adequada da revista.

Consabidamente, a generalidade da doutrina – e, correntemente, também a jurisprudência – individualizam como pressupostos da responsabilidade civil subjectiva, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e a causalidade1. A ilicitude decorre, de harmonia com as duas cláusulas gerais dispostas na lei, da violação de direitos subjectivos, maxime de direitos subjectivos absolutos, ou de normas de protecção (artº 483.º, n.º 1, do Código Civil). A primeira modalidade de ilicitude compreende a ofensa a qualquer direito subjectivo, proprio sensu, mesmo os relativos – e não meros interesses - apenas se excluindo os chamados danos puramente patrimoniais, i.e., os danos que não decorram da violação de um direito subjetivo; a segunda cláusula de ilicitude – violação de normas de protecção – exige, uma norma de conduta aplicável, destinada a proteger determinados interesses alheios e a adopção, pelo autor do facto, de um comportamento contrário a essa norma de conduta, que atinja, precisamente, os interesses protegidos pela norma violada. Nesta cláusula, compreendem-se todas as normas que tenham em vista proteger determinadas pessoas ou categorias de pessoas de lesões nos seus bens; se, porém, o dano causado atingir direitos subjectivos, maxime direitos absolutos, dá-se a consunção da cláusula normas de protecção.

Na espécie do recurso, de harmonia com a causa petendi desenhada pela recorrente, o facto ilícito que fundamenta a imputação às recorridas de uma responsabilidade aquiliana e a consequente constituição destas no dever de a indemnizar é, comprovadamente, constituído pelo abuso do processo – no caso, designadamente do processo arbitral – entendendo-se por acção abusiva aquela em que o autor utiliza a acção com uma finalidade diversa daquela que é a sua função – a obtenção de tutela jurisdicional – nomeadamente, com o propósito de prejudicar o demandado. Abstraindo da controvérsia sobre se o abuso do processo tem autonomia perante a litigância de má fé, quer dizer, se esse abuso, aferido objectivamente, pode ser sancionado autonomamente da litigância de má fé2 e em acção autónoma ou separada, as partes, e as instâncias, são acordes, que o abuso do direito à acção - que convém não confundir com o abuso do direito de acção, que se dá quando se verifica o exercício abusivo de um direito substantivo que tem por consequência a improcedência da acção ou a procedência da contestação ou oposição3 – dá, no caso, lugar a uma responsabilidade extracontratual, sendo aplicável ao direito de indemnização que dela emerge o prazo prescricional de 3 anos, prescrição que, tanto o saneador-sentença da 1.ª instância, como o acórdão impugnado julgaram verificada ou consumada (art.ºs 2.º, n.ºs 1 e 2 e 542.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, 344.º e 498.º, n.º 1, do Código Civil).

A prescrição opera após o decurso de um prazo: o início deste prazo é, portanto, um elemento estruturante. No tocante à obrigação de indemnização fundada numa responsabilidade aquiliana o Código Civil adopta, em contrário da regra geral, o sistema subjectivo: o prazo começa a correr quando o lesado tenha conhecimento dos elementos essenciais do seu direito (artº 498, n.º 1, do Código Civil). E quanto ao terminus a quo deste prazo trienal, é patente a divergência das instâncias: ao passo que segundo a decisão contida no saneador-sentença da 1.ª instância o momento a partir do qual se deverá contar o prazo (da prescrição) será o da revogação da patente, o que aconteceu, como está assente, em 18 de Julho de 2017, o acórdão da Relação, diferentemente, concluiu, por maioria, que para efeitos do início da contagem do prazo de prescrição previsto no art.º 498.º n.º 1 do Código Civil, a autora teve conhecimento do direito que se arroga quanto conheceu da pendência da acção arbitral pelas rés, que, no máximo, em 28 de Abril de 2017, já teria decorrido na íntegra.

O recurso de revista excepcional só é admissível se a revista, ordinária ou comum, o não for designadamente por força da causa de exclusão da recorribilidade dos acórdãos da Relação, de largo espectro, representada pela chamada dupla conforme, de harmonia com a qual não é admitida revista daqueles acórdãos, sempre que confirmem, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância (art.º 671.º, n.º 3, do CPC). Com este causa de irrecorribilidade visa-se racionalizar o acesso ao Supremo e acentuar a função que é característica dos tribunais supremos: a uniformização de jurisprudência. A restrição pode também justificar-se quer pela suficiência e a adequação da actividade do tribunal, que – numa perspectiva abstracta e formal - parte do princípio de que é suficiente a decisão acorde de dois tribunais e abstrai da importância da decisão para as partes, em especial, para o eventual recorrente, e da relevância dos fundamentos da sua impugnação – diversos daqueles que justificam que o recurso de revista seja sempre admissível – quer pela falta de interesse processual do recorrente: a parte que viu a sua pretensão ser julgada de modo idêntico pelas duas instâncias, não carece mais de interesse processual4. No entanto, em certos casos excepcionais, a revista é admissível (art.ºs 671.º, n.º 3, in fine, e 672.º. n.º 1, do CPC)

Como a conformidade das decisões das instâncias exclui o recurso de revista que, doutro modo, seria admissível, o que importa determinar é se essas decisões são conformes – duae conformes sententiae - não se são desconformes, pelo que se aquelas decisões não forem inteiramente coincidentes, o que interessa determinar é se essa não coincidência equivale a uma não-conformidade. As decisões das instâncias podem ser conformes, mesmo que entre elas se registe alguma desconformidade, o que é confirmado pela regra de que as decisões das instâncias são conformes se as respectivas fundamentações, apesar de distintas, não forem essencialmente diferentes (art.º 671.º, n.º 3, do CPC). Para verificar se o acórdão da Relação é conforme ou desconforme perante a decisão da 1.ª instância há que considerar os elementos das duas decisões. E entre os elementos das duas decisões, interessantes para a avaliação ou aferição daquela conformidade releva, desde logo, a fundamentação: se a fundamentação das decisões das instâncias for homótropa ou não for essencialmente diferente, a revista é inadmissível; se, porém, a motivação do acórdão da Relação for essencialmente distinta, aquele recurso ordinário é admissível.

Apesar de alguma flutuação de formulações, por fundamentação essencialmente diversa este Tribunal tem entendido, não aquela que seja divergente no tocante a aspectos marginais, subalternos ou secundários - mas a que assente numa ratio decidendi inteiramente distinta, como sucede quando radica em institutos ou normas jurídicas completamente diferenciadas ou quando, movendo-se embora no âmbito do mesmo instituto ou norma jurídica, os interpreta de modo inteiramente divergente, aplicando ao objecto do processo um enquadramento jurídico marcadamente diferenciado que se repercuta, decisivamente, na solução jurídica da controvérsia5.

Pode compreender-se que a lei retire de uma dupla sucumbência da parte, a inadmissibilidade do recurso de revista, normal ou comum. Mas é também compreensível que a lei exija para que se verifique essa dupla sucumbência a conformidade, tanto da decisão como da fundamentação das decisões das instâncias, como a unanimidade ou o sentido concordante dos votos dos juízes que intervieram no julgamento da apelação, quer quanto à decisão, quer quanto aos fundamentos.

No caso, é clara essa conformidade no plano da decisão em sentido estrito, dado que ambas as instâncias são acordes ou convergem na conclusão de que o direito de indemnização que pela acção a recorrente pretende fazer declarar e fazer valer contra as recorridas foi atingido pela prescrição. Mas, comprovadamente, as instâncias divergem quando a um dos elementos estruturantes da prescrição – o momento a partir do qual se iniciou o respectivo prazo - dado que, no ver da Sra. Juíza de Direito esse prazo iniciou o seu curso com a revogação da patente – 18 de Julho de 2017 – ao passo que a Relaçáo entendeu, por maioria, que o início do prazo prescricional indubitavelmente aplicável ao direito à prestação indemnizatório se deu com o conhecimento pelas recorridas da pendência da acção arbitral, que situou em data anterior a 29 de Abril de 2014 – embora devesse, a benefício da exactidão, ter localizado esse conhecimento em 12 de Julho de 2013, data em que a demandada no processo arbitral recebeu a comunicação do início da arbitragem – e em que a acção arbitral se considera proposta - de harmonia com o documento oferecido, com o algarismo 3, pela recorrente logo com a petição inicial – a carta do início da arbitragem - que não sofreu qualquer impugnação, e com al. b) dos factos declarados provados.

É assim, patente, que no plano da motivação, as decisões das instâncias não são coincidentes quanto a um aspecto estrutural, portanto nuclear, e não meramente, secundário, lateral ou subalterno, da excepção peremptória da prescrição – e em torno da qual gravita precisamente a conflitualidade intratável objecto da revista - não coincidência, que se resolve numa motivação essencialmente distinta e, portanto, equivale a uma não conformidade.

A Relação é, por índole, um tribunal colegial, pelo que qualquer decisão exige a intervenção de três juízes e, pelo menos, dois votos conformes, e o acórdão definitivo é elaborado de harmonia com a orientação que tiver prevalecido, devendo o vencido, relativamente à decisão ou a algum ou alguns dos seus fundamentos lavrar o respectivo voto (art.º 663.º, n.º 1, do CPC). O voto de vencido pode, assim, respeitar apenas ao fundamento ou fundamentos do acórdão, o que se compreende dado que a votação incide tanto sobre a decisão propriamente dita, como sobre os seus fundamentos: nesta hipótese, o vencido adere ou concorda com a decisão, mas diverge quanto às razões em que a maioria a apoiou. E sendo o acórdão lavrado por maioria mesmo que só quanto aos fundamentos, fica descaracterizada a dupla conforme e o consequente obstáculo à admissibilidade da revista comum ou normal, não se julgando correcta a interpretação de que, para essa descaracterização, só releva o voto de vencido quanto à decisão: respeite o voto de vencido à decisão ou a qualquer dos seus fundamentos, não se verifica duae conformes sententiae que veda o acesso ao Supremo através da revista, normal ou comum.

No caso, um subscritor do acórdão impugnado, a Sra. Juíza Desembargadora-Adjunta, declarou, sob a epígrafe Declaração de voto, designadamente, o seguinte: votei favoravelmente a decisão mas discordo da fundamentação. É meu entendimento, enquanto regra geral, que enquanto o direito está a ser discutido em sede de outra acção judicial o prazo de prescrição previsto pelo art.º 498º do Código Civil apenas se inicia com o trânsito em julgado da decisão final dessa acção.

Nem sempre é fácil operar o distinguo entre a mera declaração de voto e o voto de vencido, designadamente no tocante à fundamentação, propriamente dito6. De um modo geral, este Tribunal tem entendido que se está face a uma mera declaração de voto e não perante um voto de vencido proprio sensu, relativamente aos fundamentos, quando um dos Juízes da conferência se limita a expressar uma qualquer divergência que não colida com a fundamentação ou motivação essencial sufragada pela maioria7, qualquer dissensão que não seja contrária á ratio decidendi encontrada pela orientação maioritária para coonestar a decisão. Mas tem-se por seguro que a declaração de um juiz-adjunto em que se afirma, aberta e concludentemente, que se discorda da fundamentação do acórdão, motivação que, para mais, constitui a sua ratio decidendi, sufragada pela maioria, expondo uma fundamentação alternativa completamente distinta não constitui uma simples declaração de voto – mas um claro voto de vencido, embora apenas quanto aos fundamentos. Nem é outro o caso do recurso: ao passo que, no plano da fundamentação, a orientação que prevaleceu foi a de que o prazo da prescrição aplicável se conta do conhecimento pelas recorridas da pendência da acção arbitral, a Sra. Juíza Desembargadora-Adjunta declarou, sem rodeios, discordar dessa fundamentação, por entender que esse mesmo prazo apenas tem início com o trânsito em julgado da decisão da acção que tenha por objecto o direito que fundamenta o direito de crédito sujeito a prescrição – o que, aliás, corresponde ao ponto de vista sustentado, com veemência, pela recorrente na sua alegação, embora esta e a Sra. Juíza Desembargadora-Adjunta vencida não sejam acordes quanto à data desse trânsito, que a primeira refere ao acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no dia 17 de Maio de 2018 e localiza em 4 de Junho de 2018 e, a segunda, em data muito anterior, dado que, no sua perspectiva a prescrição de completou em 3 de Agosto de 2020. A circunstância de aquela Magistrada ter qualificado a sua discordância como declaração de voto e não abertamente como voto de vencido é irrelevante; o que interessa é o conteúdo da sua declaração e não o seu rótulo. Portanto, ao contrário do que as recorridas sustentam na sua alegação de resposta ao recurso, a Sra. Juíza Desembargadora-Adjunta não votou favoravelmente o acórdão impugnado; a única coisa que obteve o voto favorável desta Juíza foi a decisão; os fundamentos, esses, obtiveram dela um sufrágio de ostensivo ou comprovado desfavor. Os casos de irrecorribilidade são excepcionais (art. 627.º, n.º 1, do CPC). Essa excepcionalidade vincula a uma aplicação cuidadosa do regime, complexo e difícil, da dupla conforme de modo a evitar uma ampliação da causa de irrecorribilidade correspondente.

Tendo-se isto por certo, segue-se, como corolário que não pode ser recusado, que a revista comum ou normal, é admissível e que a revista excepcional o não é e, portanto, que a recorrente errou quanto à qualificação do meio processual, erro que se corrige – dada a plena aproveitabilidade do requerimento de interposição do recurso - determinando que se observem os termos processuais adequados: os da revista normal ou comum (art.º 193.º, n.º 3, do CPC). E prevenindo objecção contrária, faz-se notar que para uma tal correcção não é necessário ou sequer conveniente ouvir, previamente, as partes: não é necessário auscultar a recorrente, dado que esta na sua alegação, salientou, aliás, de forma repetida, que o acórdão da Relaçáo confirmou ainda que com distinta fundamentação a sentença recorrida e qualificou a declaração de voto de um dos subscritores do acórdão impugnado como voto de vencido – embora, incoerentemente, não tenha interposto a revista, normal ou comum, mas a revista excepcional; não é necessário ouvir as recorridas, uma vez que estas, na resposta ao recurso, se pronunciaram, extensivamente, quanto à questão da inadmissibilidade da revista, da normal ou comum, com fundamento na inexistência de uma fundamentação das decisões das instâncias essencialmente diferente e de voto de vencido, e da excepcional, por ausência de uma indicação e de uma demonstração concludentes, pela recorrente, da verificação dos seus pressupostos específicos: a seriedade da relevância jurídica ou social da questão objecto do recurso e a necessidade da sua apreciação, para uma melhor aplicação do direito, pelo tribunal de revista. (art.º 3.º, n.ºs 1 e 3, do CPC): desde que as partes debateram nas respectivas alegações o problema da admissibilidade da revista – de qualquer revista – e, portanto, exerceram, quanto a tal questão, o seu inarredável direito de contraditório, entendido como direito de audiência, i.e., como a oportunidade de influir, através da sua da sua audição, pelo tribunal, no decurso do processo e de participarem constitutivamente na definição da sua situação jurídico processual, uma consulta sobre o ponto seria inteiramente inútil ou supérflua (art.º 130.º do CPC).

2.2. Determinação do âmbito objectivo do recurso e individualização das questões concretas controversas.

Como o âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados nas instâncias, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação, são duas as questões colocadas à atenção deste Tribunal Supremo: a prescrição do direito de crédito de indemnização de que a recorrente se diz titular; a nulidade substancial, por uma omissão de pronúncia daquele acórdão, cuja invocação surge encapsulada na conclusão EE, daquela alegação. A resolução do primeiro problema reclama a determinação do momento em que o prazo prescricional iniciou o seu curso; a do segundo, o exame da causa do desvalor da nulidade da decisão representada pela omissão injustificada de pronúncia (art.º 635.º, n,º 1, 3 a 5, do CPC).

3. Fundamentos.

3.1. Fundamentos de facto.

As instâncias estabilizaram a matéria de facto nos seguintes termos:

a) A presente acção foi intentada em 8.04.2021 e as rés foram citadas em Fevereiro e Março de 2022.

b) A acção arbitral que as RR moveram contra a A. foi intentada em 12.07.2013;

c) A A. citada para aquela acção, alegou a caducidade do direito de acção, excepção que o Tribunal Arbitral julgou improcedente no Acórdão que consta de fls.47;

d) Desta decisão recorreu a A., tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n°867/14, em Decisão Singular, dado provimento ao recurso, absolvendo a A do pedido;

e) As RR recorreram para a Conferência que manteve a decisão como consta de fls.57;

f) As RR recorreram, em 18.07.2017 para o STJ daquela decisão.

g) A patente EP 219 foi definitivamente revogada em 18.07.2017;

h) As RR apresentaram requerimento informando daquela revogação em 2.08.2017,

i) Em 14.11.2017, as rés notificadas para dizer se mantêm interesse no recurso, informaram que mantêm, pelo que o recurso foi admitido pelo TRL a 24.01.2018 e ordenada a sua subida ao STJ;

i) O STJ declarou a inutilidade superveniente da lide por Acórdão de 17.05.2018.

3.2. Fundamentos de direito.

3.2.1. Nulidade substancial do acórdão impugnado.

Um dos fundamentos do recurso, puramente procedimental, é o da nulidade substancial do acórdão contestado: no ver da recorrente aquele acto decisório colegial encontra-se ferido com um tal desvalor por esta causa precisa: a omissão de pronúncia. Abstenção injustificada de decisão que radica, segundo a recorrente, na circunstância de a sua causa petendi ser constituída não apenas pela instauração indevida da acção arbitral – mas também pela ilicitude, imputável às recorridas, da manutenção da sua pendência, após a revogação da patente, o que vincularia a que, quanto aos danos decorrentes daquele pendência depois desta revogação, o prazo prescricional, não se contasse da instauração da causa arbitral, e de o acórdão impugnado nenhuma menção fazer a essa questão não se vendo que a decisão final abarque tal questão, sequer de modo implícito ou indireto.

O valor jurídico negativo da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia resulta da abstenção, injustificada, de conhecimento de questões suscitadas pelas partes ou de pedidos por elas formulados. O tribunal deve, realmente, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução encontrada para outras (art.ºs 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC). O tribunal deve, pois, examinar toda a matéria de facto e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou dos pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. A nulidade que a reclamante assaca ao acórdão impugnado resulta da infracção deste dever (art.º 615.º c), 1.ª parte, ex-vi art.º 666.º, n.º 1, do CPC).

Mas a propósito desta causa de nulidade da decisão há que ter presente o seguinte: não existe omissão de pronúncia, mas um error in iudicando, se o tribunal não aprecia uma qualquer questão com o argumento, por exemplo, de que ela não foi invocada ou de que não tem o dever de sobre ela se pronunciar: aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento – e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão. Efectivamente, uma coisa é o tribunal deixar de se pronunciar sobre uma questão, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.

Além disso – como este Supremo Tribunal tem reiterado, firme e consistentemente – há que fazer um distinguo entre questão que deve ser decidida e considerações, argumentos ou razões produzidas pelas partes para sustentar o seu ponto de vista: desde que decida a questão posta, o tribunal não tem de se ocupar nem está vinculado a apreciar os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão8. Como é comum, quando as partes põem ao tribunal uma dada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos essas razões, argumentos ou fundamentos. Maneira que, para se concluir pela invalidade do acto decisório do tribunal importa verificar qual era o âmbito ou o perímetro do dever de decidir; a nulidade substancial de qualquer acto decisório por uma omissão de pronúncia só se verifica se o tribunal, de modo injustificado, se abstiver de resolver uma questão que se compreenda ou inscreva no âmbito daquele dever.

A questão concreta controversa que o Tribunal da Relaçáo foi chamado a decidir era a de saber se a decisão da 1..ª instância que concluiu pela procedência da excepção peremptória da prescrição era ou não correcta, questão que reclamava, como conditio sine qua non, a determinação da data, precisa ou aproximada, em que o prazo prescricional iniciou o seu curso. Indubitavelmente, a Relação, ao concluir, também ela, pela prescrição do crédito objecto do pedido, embora situando o dies a quo do início do respectivo prazo em momento diverso, resolveu aquela questão, sendo desinteressante discutir, para o problema do desvalor da nulidade da omissão de pronúncia, se bem se mal.

Realmente, divergindo da Sra. Juíza de Direito, a Relação entendeu, maioritariamente, que o terminus a quo do prazo de prescrição aplicável deveria localizar-se, não na data da revogação da patente, mas na data em que a recorrente foi notificada da propositura da acção arbitral, nada impedindo, segundo a orientação maioritária do acórdão, que logo fosse intentada a acção indemnizatória, sendo irrelevantes, para o efeito da propositura da acção, as vicissitudes processuais subsequentes daquela acção. Este passo da fundamentação maioritária do acórdão inculca ou mostra, irrecusavelmente, que a Relação se pronunciou quanto à questão da continuidade da pendência da acção arbitral no momento posterior ao da revogação da patente – ou melhor, da aquisição processual do conhecimento dessa revogação – tendo-a, para o problema da determinação do dies a quo do início do prazo da prescrição, por indiferente ou asséptica. De resto, a deliberação, ainda que só maioritária, de eleger, como momento relevante para o início do curso do prazo da prescrição o da notificação da propositura da acção arbitral, tem, necessariamente implícito ou implicado, o pensamento – e a decisão - de que era esse, e nenhum outro, designadamente a pendência da instância arbitral, o facto determinante do início da marcha daquele prazo.

Não há, assim, razão fundada para assacar ao acórdão impugnado a nulidade por um vício de limites: aquele acórdão contém tudo o que devia conter. A improcedência deste fundamento do recurso é, assim, meramente consequencial.

3.2.2. Excepção peremptória da prescrição.

3.2.2.1. Início do curso do prazo de prescrição.

A prescrição – de que o Código Civil não dá uma noção – assenta num facto jurídico involuntário: o decurso do tempo. A ideia comum que lhe preside é a de uma situação de facto que se traduz na falta de exercício dum poder, numa inércia de alguém que, podendo ou porventura devendo actuar para a realização do direito, se abstém de o fazer9.

Invocada, pelo devedor, judicial ou extrajudicialmente, expressa ou tacitamente, a prescrição, caso se julgue verificada, produz este efeito fundamental: paralisação do direito do credor, visto que torna lícito ao devedor recusar o cumprimento, bem como opor-se, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (art.ºs 303.º e 304.º, n.º 2, do Código Civil).

A prescrição não tem, portanto, uma eficácia extintiva, antes de limita a paralisar o direito do credor, dado que apenas confere o direito potestativo de a invocar: se este direito não for exercido, a obrigação mantém-se civil, não se produzindo quaisquer efeitos; se a prescrição for invocada, a obrigação converter-se-á em obrigação natural – como tal inexigível, mas com solutio retendi10. A prescrição constitui, assim, excepção peremptória de direito material, mas resolve-se apenas num facto modificativo e não extintivo do direito de crédito que a ela se encontra submetido (art.º 576.º, n.ºs 1 e 3, do CPC).

O instituto da prescrição visa, no essencial, tutelar o devedor, relevando-o da prova. À medida que o tempo passa, o devedor terá maior dificuldade em fazer a prova do cumprimento. Na falta da prescrição, qualquer pessoa poderia ser demandada novamente a todo o tempo por débitos que foi pagando ao longo da vida. A não ser a prescrição, o devedor ficaria numa posição permanentemente fragilizada, dado que nunca estaria seguro de ter deixado de o ser. Complementarmente, a prescrição serve ainda objectivos de ordem geral, atinentes à certeza e segurança jurídicas11. A prescrição articula, deste modo, um compromisso, delicado e difícil, entre os valores conflituantes da justiça e da segurança.

Observou-se já que prescrição opera após o decurso de um prazo, pelo que o início deste prazo é, portanto, um elemento estruturante e que, no tocante a créditos emergentes de uma responsabilidade civil extracontratual, o Código Civil, adoptou o chamado sistema subjectivo, sistema que privilegia a justiça12, dado que o prazo da prescrição – embora curto – só inicia o seu curso quando o credor tiver conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito, anda que ignore a pessoa responsável e desconheça a extensão integral dos danos (art.º 498.º, n.º 1). A estreiteza do prazo - em regra de 3 anos – visa, segundo a explicação corrente, de um aspecto, conciliar os interesses contrários do credor e do devedor, estimulando o último a exercer, sem dilação, o seu direito e, de outro, aproximar a data da discussão em juízo do tempo da verificação dos factos, evitando-se, assim, o desaparecimento ou o envelhecimento das provas e, consequentemente, o risco de que o credor perca o seu direito por não conseguir fazer, no processo, a demonstração da sua existência13.

O regime desta prescrição de curto prazo assenta em três enunciados: um de formulação positiva – conhecimento do direito – e dois de formulação negativa: ignorância da pessoa do responsável; desconhecimento da extensão integral dos danos. É claramente dupla a função da norma: por um lado, enuncia o facto inicial ou constitutivo da prescrição de curto prazo, respondendo à questão e saber quando se inicia o cômputo da prescrição; por outro, delimita o objecto da prescrição, respondendo à questão de saber o que é atingido pela prescrição cujo prazo tem início naquele momento.

Relativamente ao objecto do conhecimento do direito para efeitos prescricionais, são visíveis duas orientações. De harmonia com uma primeira concepção, por conhecimento do direito deve entender-se o conhecimento do direito enquanto tal, i.e., o conhecimento pelo lesado de que se encontra juridicamente habilitado a reclamar do lesante o ressarcimento dos danos. Para esta concepção, não tem aquele conhecimento o lesado que não sabe se pode exigir a indemnização, não se achando, portanto, nas condições que constituem a razão de ser da prescrição de curto prazo.

Diferentemente, para uma segunda orientação, o conhecimento do direito significa o conhecimento dos pressupostos condicionantes da responsabilidade civil, dos factos constitutivos do direito à indemnização, com inteira independência da sua valoração ou qualificação jurídicas. À luz desta perspectiva, por conhecimento do direito deve entender-se não o conhecimento juridicamente completo, mas antes um conhecimento esclarecido, embora meramente empírico, sobre a sua existência, quer dizer, da possibilidade legal de obter uma reparação, pelo que o momento que releva para o início o prazo de prescrição é o do conhecimento pelo lesado dos pressupostos da acção de indemnização ou que condicionam a responsabilidade, nos seus elementos fácticos, e não o reconhecimento judicial da verificação do facto lesivo e da sua qualificação, v.g., como ilícito 14.

Julga-se preferível esta última orientação: o prazo da prescrição coloca-se em movimento no momento em que o lesado tenha conhecimento dos factos constitutivos do seu direito, ou seja, dos factos a cuja prova está adstrito para que, em abstracto, possa obter o seu reconhecimento judicial (art.º 342.º, n.ºs e 2 e 483.º, nºs 1 e 2, do Código Civil); no limite, a orientação contrária exigiria o prévia declaração judicial do direito, único modo de resolver, de modo definitivo, a dúvida sobre qualificação e fundamentação jurídicas da pretensão do lesado. A prescrição de curto prazo deve, assim, iniciar-se quando o lesado tenha adquirido o conhecimento dos pressupostos da acção indemnizatória ou, quando em face das circunstâncias do caso, não seja razoável que os ignore. O critério é, deste modo, o conhecimento e não a cognoscibilidade do direito: embora se deva exigir do lesado um certo grau de diligência relativamente à verificação dos factos constitutivos da sua pretensão, não se deve ir tão longe de modo que seja bastante a mera possibilidade do conhecimento do direito.

Segundo a previsão legal, para que prescrição comece a contar, não é necessário que o lesado conheça a extensão integral dos danos. Esta última solução justifica-se, materialmente, quer no regime substantivo regulador do âmbito e da natureza dos danos indemnizáveis, quer em face das disposições substantivas e adjectivas que facultam ao lesado a formulação de um pedido de indemnização genérico, a ampliação do pedido na pendência do processo, a condenação provisória e o incidente ulterior de liquidação (art.ºs 564.º, n.º 2, 1.ª parte, 565.º, 567.º e 569.º, 1.ª parte, do Código Civil, 265.º, n.ºs 1 e 5, 358.º a 361.º e 609.º, n.º 2, do CPC). É, assim, suficiente, para que o prazo da prescrição comece a correr, que o lesado conheça o dano, embora ignore a sua extensão, desde que tal conhecimento lhe permita propor logo a acção de condenação que abranja os danos futuros, visto que o tribunal deve condenar não apenas na reparação dos danos actuais, mas logo também na indemnização dos danos futuros se, com a segurança suficiente, forem previsíveis ou, se não forem determináveis, na indemnização que ulteriormente se liquidar (art.º 564.º, n.º 2, do Código Civil). O conceito de dano futuro caracteriza-se por duas notas: o momento da observação do dano; o critério da previsibilidade que permite o seu ressarcimento antecipado. O primeiro elemento permite distinguir o dano futuro e o dano presente ou actual; o segundo, estritamente normativo, permite o distinguo entre o dano futuro e o dano eventual.

A obrigação de indemnizar um dano futuro não corresponde a uma obrigação futura – mas a uma obrigação presente, sendo o seu conteúdo conformado pelo escopo que uma sentença hipotética teria no momento da observação do dano (art.º 564.º, n.º 2, do Código Civil). Ao contrário do que sucede no tocante as danos presentes, a decisão que condene na reparação de danos futuros reclama, necessariamente, um juízo de prognose, que assenta em dados probabilísticos aplicados aos factos presentes de que o tribunal disponha, previsão do juiz que versa sobre a ocorrência do dano, a sua extensão e a sua quantificação. Quanto à ocorrência do dano, a lei requer apenas que ela seja previsível, para que o tribunal possa condenar o responsável na indemnização; quanto à extensão e à quantificação do dano, não se exige que possam ser logo previstas; caso o sejam, a condenação versará o dano com a extensão e o valor que esteja apurado; caso contrário, será proferida uma condenação genérica, que não dispensa uma decisão ulterior (art.º 564.º, n.º 2, in fine, do Código Civil, 358.º a 361.º do CPC). O critério do dano futuro é o da previsibilidade da sua produção, á luz do curso normal ulterior dos acontecimento, do id plerumque accidit, daquilo que, de harmonia com regras de experiência e critérios sociais, normalmente acontece. Não basta, todavia, que o dano seja antevisto como simplesmente possível, sendo necessário que seja previsível com um razoável grau de certeza: a produção do dano não carece de ser representada como inevitável – mas não basta que seja representada como uma mera eventualidade.

Qualquer que seja o escopo preciso que, em definitivo, se deva assinalar á responsabilidade civil15, é inquestionável que esta visa, fundamentalmente, a reparação do dano, juridicamente entendido como a diminuição duma situação favorável que estava protegido pelo Direito16. A responsabilidade civil depende tenazmente da existência de dano: a supressão deste assume-se, por isso, como o seu escopo primordial17. O pressuposto indeclinável de qualquer direito de indemnização é o dano: antes da sua verificação a prescrição não tem início: por imperativo lógico, a prescrição só pode começar a contar a partir da data em que o direito se constitua e, tratando-se de um direito à indemnização a prescrição só se pode começar a correr a partir do momento em que um dano – um primeiro dano – se produziu, pois só nesse momento é que se constitui o direito à sua reparação. Não é assim suficiente a constatação da ocorrência de um facto ilícito: o dever de indemnizar só se constitui quando aquele facto produza um dano, constatação que é tanto mais relevante quanto é certo que o facto, necessariamente ilícito, e o dano podem não ser de verificação simultânea, podendo a concretização deste último pressuposto constitutivo da responsabilidade ocorrer em momento muito posterior, como o demonstra, concludentemente, a categoria do dano futuro.

O princípio de que o dever de indemnizar e o direito correspondente só se constituem com a produção do dano coloca o problema de saber – em face do carácter evolutivo do dano, cuja extensão pode variar ao longo do tempo – se verificado um dano inicial ou um primeiro dano, derivado do facto gerador da responsabilidade, a prescrição abrange também todos os danos ulteriores que venham a produzir-se posteriormente ao dano originário - segundo o princípio da unidade do dano - ou se, inversamente – de harmonia com o princípio da pluralidade do dano e da pluralidade dos direitos à respectiva reparação - deve considerar-se admissível que corram, simultânea ou sucessivamente, vários prazos de prescrição independentes entre si, com dies a quo também diversos, tantos quantos danos que se verifiquem em momento distintos, e que sejam imputáveis ao facto constitutivo da responsabilidade.

A circunstância de o prazo curto da prescrição do direito à indemnização fundado numa responsabilidade extracontratual se contar a partir do momento em que o lesado tenha tido conhecimento do direito que lhe compete – ou mais rigorosamente, no dia seguinte àquele em que adquiriu esse conhecimento - embora desconhecendo a extensão integral dos danos, aponta para a consagração do princípio da unidade do dano, nos termos do qual, para efeitos da prescrição, depois de o facto constituir o dano, todo o dano, mesmo o que se produza ulteriormente, se considera verificado logo no momento do primeiro dano (art.ºs 296.º e 297.º, b), do Código Civil). Mas não é esse o entendimento, jurisprudencial e doutrinal dominantes, que procedem ao distinguo – que se tem por correcto - entre danos futuros previsíveis e danos futuros imprevisíveis. No tocante aos primeiros, o prazo de prescrição do direito à indemnização começa a correr desde o momento em que se produza o dano inicial, pressupondo que o dano futuro já era previsível nessa data, independentemente de o lesado o ter efectivamente previsto e do momento ulterior em que venha a ocorrer; no caso dos danos futuros imprevisíveis, a contagem do prazo só ocorre depois de estes se produzirem e de serem conhecidos pelo lesado.

Na verdade, quando a lei estabelece que a contagem do prazo de três anos se inicia apesar do desconhecimento da extensão integral dos danos, estabelece directamente uma regra quanto ao termo a quo da prescrição, mas não delimita, com isso, a amplitude do direito sob prescrição, pelo que uma coisa é a contagem do prazo de prescrição se iniciar apesar do desconhecimento da extensão integral dos danos, outra, bem diversa, é a prescrição iniciada abranger todos os danos decorrentes do facto gerador da responsabilidade, mesmo daqueles que ainda não ocorreram, sejam ou não previsíveis. O primeiro aspecto respeita à contagem do prazo; o segundo ao objecto da prescrição: o dano futuro imprevisível é destacável e objecto de um direito autónomo, cujo prazo prescricional se inicia em momento diferente – mas o dano futuro previsível forma uma unidade com o dano já verificado. Do que decorre, para o problema que constitui o universo das nossas preocupações, a proposição seguinte: o prazo de prescrição do direito à indemnização assente numa responsabilidade delitual ou extracontratual, decorrente, v.g., do exercício abusivo do direito à acção ou de meios processuais, inicia o seu curso, por força do princípio da unidade do dano, mesmo no tocante aos danos futuros previsíveis, no momento da verificação – scilicet no momento do conhecimento pelo lesado dessa verificação - do primeiro dano produzido pelo facto lesivo18. Proposição que é compatível – ou é mesmo imposta – pela regra de harmonia com a qual o lesado pode incluir no seu pedido indemnizatório danos futuros, desde que previsíveis, e mesmo que não sejam ainda determináveis (art.º 564.º, n.º 2, do Código Civil). Por força desta regra, o direito à indemnização por um determinado dano pode ser detido pela prescrição antes mesmo de esse dano ter ocorrido, o que se explica por o direito já se mostrar constituído e poder ser exercido em momento anterior. Solução que constitui o lesado no ónus de – através da formulação, se necessário de um pedido genérico - incluir no acto interruptivo o ressarcimento de danos futuros que sejam previsíveis, dado que só assim evitará a prescrição do direito à indemnização desses mesmos danos (art.º 556.º, n.º 1, do CPC e 569.º do Código Civil). O distinguo entre danos futuros previsíveis e imprevisíveis, enquanto critério de determinação do objecto da prescrição, concilia, de modo adequado e proporcional, as finalidades da prescrição de curto prazo com a exigência de assegurar a consistência do direito do direito do lesado: se é compreensível que as contingências das provas pessoais - maxime da prova testemunhal – em que geral assenta a prova dos pressupostos do direito à indemnização no espaço extracontratual imponham ao lesado, que tem conhecimento daqueles pressupostos, que exerça o direito dentro de um período de tempo mais reduzido e sem esperar indefinidamente pela integral consumação do dano, há também que reconhecer que é contrária à logica da prescrição – assente no não exercício de uma posição jurídica – que esta operasse em caso de impossibilidade de exigência da indemnização por não se poder prever, em absoluto, o dano em causa.

Tratando-se do direito à indemnização, a prescrição conta-se, pois, a partir do momento em que um dano – o primeiro dano – se produziu. A circunstância de o lesado, embora seguro do dano, ignorar a sua extensão total, não constitui obstáculo á acção de indemnização e, uma vez esta proposta, o lesante fica ciente do exercício, pelo lesado, do seu direito à indemnização e, como o objectivo da lei também o de não deixar o lesante mergulhado, por largo tempo, em incerteza quanto ao exercício daquele direito, o prazo de prescrição deve começar a correr logo que se mostre que o lesado souber do seu direito à reparação dos danos que suportou. O que não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de 3 anos – e enquanto a prescrição ordinária se não tiver consumado – o lesado requeira a indemnização de qualquer dano imprevisível, também dito novo, de que só tenha tido conhecimento nos três anos anteriores.

Resta dizer que o regime da prescrição, por força dos interesses públicos em que assenta, é injuntivo, imperatividade de que decorre, por exemplo, a inadmissibilidade da atribuição a factos diverso dos legalmente previstos, de uma eficácia suspensiva ou interruptiva do respectivo prazo (art.º 300.º do Código Civil).

Este viaticum habilita, com suficiência, à resolução da questão concreta controversa objecto da revista.

3.2.2.2. Concretização.

As instâncias concluíram pela procedência da excepção peremptória da prescrição do direito de crédito objecto do pedido da recorrente sem, porém, terem analisado aquele direito, i.e., consideraram a acção improcedente com base na excepção peremptória antes de reconhecer a existência do direito alegado, com o argumento, meramente implícito, de que não interessa analisar o direito da autora porque ainda que esse direito viesse a ser reconhecido, acção sempre improcederia, com fundamento na excepção, metodologia que apesar de discutível19, não é, porém, objecto de controversão no recurso.

Simplesmente, a irrelevância virtual da prova da existência do direito de crédito indemnizatório da recorrente reflectiu-se, desde logo, na selecção dos factos materiais relevantes para a apreciação daquela excepção peremptória, que se resumem a vicissitudes puramente procedimentais ou processuais, salientando-se a inteira omissão de qualquer enunciado relativo, quer a qualquer dos danos cujo ressarcimento é pedido pela autora, quer ao momento da sua verificação. Dado que a condição primeira da constituição de um dever de indemnizar é ocorrência de um dano e que, no caso, o prazo de prescrição tem por dies a quo o momento do seu conhecimento pelo lesado dos pressupostos fácticos do seu direito, a apreciação, na espécie sujeita, da excepção peremptória da prescrição vincula, necessariamente, por força da metodologia processual adoptada pelas instâncias e aceite pelas partes, a que se pressuponha a realidade – e a concludência - da alegação da recorrente no tocante à verificação dos danos cujo ressarcimento reclama das recorridas, designadamente no tocante ao dano inicial ou originário, ao momento da sua concretização e do seu conhecimento, e à previsibilidade dos danos futuros.

Como linearmente decorre da alegação da recorrente, a retórica argumentativa com a qual visa persuadir da incorrecção da decisão das instâncias que concluíram pela prescrição do direito de crédito objecto do pedido é, em síntese apertada, a seguinte: o conhecimento do direito à reparação só se verifica quando se mostrarem reunidos todos os seus pressupostos constitutivos, maxime, a ilicitude, sendo necessário, além disso, que essa ilicitude tenha sido judicialmente declarada ou reconhecida e por decisão passada em julgado; ergo, só com o trânsito em julgado do acórdão proferido, no dia 18 de Maio de 2018 é que ficou demonstrada a ilicitude do exercício pelas recorridas do direito à acção e, portanto, apenas com o trânsito em julgado daquele acórdão é que tive conhecimento do meu direito á indemnização e foi só nesse momento que o prazo da prescrição iniciou o seu curso. Esta argumentação não colhe.

Como se sublinhou, o que conta para que o lesado conheça o direito à reparação que lhe compete é o conhecimento dos factos – e não da sua qualificação ou valoração, v.g., no plano da ilicitude - que integram os elementos constitutivos do direito de indemnização, derivado de uma responsabilidade aquiliana, conhecimento através do qual fica inteiramente ciente ou elucidado que titula o direito à reparação dos danos que suportou. De resto, ainda que fosse exigível, para se concluir pelo conhecimento pela recorrente, do seu direito à reparação do danos que alega ter sofrido, a indiscutibilidade da qualificação do facto lesivo como ilícito, no caso do recurso é seguro que a recorrente estava perfeitamente ciente dessa ilicitude, como irrecusável e indelevelmente inculca esta alegação produzida logo na petição inicial: no início da instância arbitral era notória a caducidade do direito de acção, bem como a invalidade da patente, o mesmo é dizer, que o direito à acção arbitral necessária foi exercido, pelas recorridas, em abuso, com o propósito, não de obter tutela jurisdicional para o seu direito industrial privativo – a patente – mas antes com o objectivo de lhe causar ou infligir, dolosamente, dano ou danos.

Muito menos é necessário, para que adquira conhecimento apontado, que qualquer daqueles pressupostos, nomeadamente o da ilicitude, tenha sido objecto de reconhecimento judicial prévio porque, a ser assim, nenhuma acção indemnizatória, fundada em responsabilidade civil extracontratual, poderia ser proposta sem que em acção anterior tivesse sido declarada a ilicitude do acto ou facto constitutivo dessa responsabilidade: a prova da ilicitude desse facto – v.g., do exercício em abuso do direito à acção – e dos demais pressupostos constitutivos da responsabilidade deve ser feita, como é, aliás, corrente, na acção que tenha por objecto o direito à indemnização que dela emerge.

Nesta lógica – e ao contrário do que sustente a recorrente – não se verifica qualquer relação de prejudicialidade entre a acção arbitral e a actividade processual subsequente desenvolvida nos tribunais do Estado e esta acção.

Doutrina e jurisprudência são acordes na afirmação que uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda20.

O que importa à qualificação de causa como prejudicial é, portanto, que ela tenha por objecto: uma questão que constitua um antecedente jurídico-concreto da questão objecto da causa dependente, por postular que ele se resolva antes da decisão final da questão principal; uma questão autónoma, quer no seu objecto, quer mesmo na sua natureza; uma questão necessária à decisão da questão objecto da causa dependente, uma vez que o sentido da sua resolução é elemento condicionante do conhecimento e decisão da questão principal. O nexo de prejudicialidade só existe, portanto, desde que a decisão de uma das causas possa afectar a decisão da outra, o que sucederá, por exemplo, se decisão da causa prejudicial fizer desaparecer o fundamento ou a razão de ser da causa dependente.

O objecto da acção anterior – ao tempo da sua propositura necessariamente arbitral - era constituído por um direito – privativo - de propriedade industrial - a patente – relacionado com medicamentos de referência, consequente à concessão à recorrente de uma Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de um medicamente genérico – e não pela licitude ou ilicitude da proposição pelas recorridas da acção arbitral ou pelo abuso do direito a esta acção (art.º 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, na redacção anterior à que lhe foi impressa pelo art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, que aprovou o Novo Código de Propriedade Industrial, e 102.º deste Código). O objecto das sucessivas decisões, arbitrais e judiciais, foi, sempre e só, o direito industrial de patente, e a caducidade, e não o exercício abusivo do direito à acção arbitral, objecto aquele que, assim, não constitui condição ou pressuposto do julgamento desta acção, sendo certo que o direito indemnizatória de que a recorrente se diz titular não emerge da caducidade do direito de acção arbitral, nem da invalidade da patente. Se assim fosse, i.e., se existisse um qualquer nexo de prejudicialidade entre a acção arbitral e estão acção, a única solução correcta seria a da ostensiva e irremissível improcedência desta última, dado que faltaria a decisão sobre o objecto prejudicial – a declaração do abuso ou a ilicitude do exercício do direito a esta mesma acção – dado que nela não foi apreciado nem declarado aquele abuso e esta ilicitude, único facto de que emerge o direito à reparação que a recorrente actua na acção.

Realmente, é por demais evidente que o acórdão deste Supremo, proferido no dia 18 de Maio de 2018 – a partir de cujo trânsito em julgado a recorrente pretende ver contado o prazo de prescrição – é de todo inidóneo ou inadequado para dele se extrair qualquer declaração ou reconhecimento, ainda que puramente implícito, da ilicitude do exercício pelas recorridas do direito à acção arbitral, dado que se limitou a declarar, com fundamento na inutilidade superveniente da lide, a extinção da instância do recurso de revista.

A instância extingue-se sempre que se torne supervenientemente impossível ou inútil, i.e., sempre que por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão que o autor ou requerente actuava na acção se mostrar satisfeita ou é de satisfação inútil ou impossível (art.º 277.º, e), do CPC). Todavia, essa superveniência deve ser objectiva; a superveniência meramente subjectiva, i.e., o simples conhecimento pela parte, em momento posterior ao da constituição da instância, do facto determinante da impossibilidade ou inutilidade da lide é irrelevante, enquanto facto causal da extinção, pela causa apontada, daquela mesma instância. Sempre que o resultado ou efeito jurídico visado com a acção se mostrar atingido ou é inútil ou impossível a sua obtenção e, portanto, a solução do litígio deixa de interessar é claro que o processo não deve continuar – mas antes cessar. A instância extingue-se ou finda de modo anormal porque se tornou impossível ou inútil o prosseguimento da lide: verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito da causa21, limitando-se a declarar aquela extinção. Assim, desde que, no nosso caso, o apontado acórdão do Supremo não chegou a conhecer do mérito – ou demérito – da causa, não chegou a apreciar se o pedido das autoras, recorridas, que constituía o objecto da acção arbitral era fundado ou infundado, se a oposição, da recorrente, era justificada ou injustificada, é patente que aquele acórdão – como, aliás, qualquer outra decisão judicial - não contém qualquer apreciação e, muito menos, qualquer decisão sobre a licitude ou ilicitude do exercício pelas recorridas do direito à acção arbitral e/ou da utilização, igualmente ilícita, no tribunal estadual, do meios processuais subsequentes. Constatação de que decorre, como corolário que não pode ser recusado, a incorrecção, mesmo na lógica argumentativa da recorrente, da localização do terminus a quo do prazo da prescrição na data em que aquele acórdão passou em julgado e, consequentemente, que o termo inicial daquele prazo tem, logica e necessariamente, de se situar em momento anterior. De resto, a exigência de uma prévia declaração judicial, designadamente da ilicitude do facto lesivo, como condição do início do curso do prazo da prescrição equivaleria, materialmente, ao reconhecimento de uma causa de suspensão da prescrição que a lei não contempla, o que, face ao carácter injuntivo do seu regime seria, de todo, inadmissível.

Maneira que o dies a quo do início do curso do prazo da prescrição deve coincidir, mesmo no tocante aos danos futuros previsíveis, com aquele em que – de harmonia com a alegação da recorrente cuja veracidade e concludência, pelas razões indicadas, necessariamente se pressupõe - teve conhecimento da ocorrência de primeiro dano pelo facto reputado de ilícito e lesivo. E esse momento, segundo a causa pedir da qual a recorrente faz derivar o direito submetido à prescrição de curto prazo, é o da propositura da acção arbitral, que ocorreu no momento em que a recorrente adquiriu o conhecimento do pedido das recorridas de submissão do litígio à arbitragem necessária (art.º 33.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, ex-vi art.º 3.º, n.º 8, da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro).

Efectivamente, segundo a causa petendi de que a recorrente faz derivar o direito à prestação indemnizatória que, pela acção, pretende que as recorridas sejam judicialmente vinculadas – que reitera na alegação do seu recurso – o dano cuja reparação pede teve início logo no momento da propositura da acção arbitral, data em que logo também adquiriu o conhecimento da sua verificação, como concludentemente inculca a sua alegação de que visa com a acção a reparação dos danos sofridos com a propositura da acção arbitral, proposta pelas recorridas para a impediram de comercializar os medicamentos ao abrigo da Autorização no Mercado que lhe foi concedida, o que é aliás, corroborado com os documentos que produziu, com a petição inicial, com os números 29 a 31, no quais surgem referidas despesas e horas despendidas desde o ano de 2013. E foi nesse momento que o prazo de prescrição de curto prazo aplicável iniciou inexoravelmente o seu curso, também no tocante aos danos futuros previsíveis – de harmonia com o princípio da unidade do dano – como são, comprovadamente, os relativos às despesas incorridas pela A. nas diversas instâncias arbitrais e judiciais em que se viu obrigada a litigar, os prejuízos ao nível de custos internos, alocação de meios e recursos altamente técnicos a partir do momento em que se as rés iniciaram a discussão arbitral e judicial, as despesas com viagem e testemunhas no âmbito dos processos arbitrais e mesmo o impedimento do prosseguimento da sua actividade, em face da proibição de comercialização. Note-se que mesmo que este último dano, ao contrário dos restantes, se não devesse ter por previsível – o que se concede mas por mera exaustão de fundamentação - ainda assim sempre se imporia concluir, relativamente ao direito à sua reparação, pelo efeito impeditivo da prescrição.

Sendo certo que a mera concessão de uma AIM não confere, por si e de modo automático qualquer direito de comercialização imediata, dado que a decisão correspondente constitui um verdadeiro acto administrativo sob condição suspensiva de fonte legal, pelo que, só depois de findo o prazo de protecção da patente eventualmente existente, é que o beneficiário da AIM ficam autorizado a exercê-la plenamente22, também não o é menos que a proposição da acção arbitral não tem um efeito suspensivo, não inibindo o beneficiário da AIM de medicamento genérico de o comercializar na sua pendência – a menos que o titular da patente do medicamento de referência tenha recorrido, com êxito à tutela cautelar23 - caso em que o dano decorrente da inibição dessa comercialização só se concretiza com a decisão arbitral que condene aquele beneficiário na proibição dessa mesma comercialização, que na espécie do recurso, se verificou com o proferimento em 8 de Julho de 2016 do acórdão arbitral. Simplesmente, mesmo nesta hipótese, a prescrição de curto prazo do direito à indemnização do dano decorrente dessa proibição – admitindo, ex-adverso a sua imprevisibilidade – sempre sempre se teria consumado em 9 de Julho de 2019 (art.ºs 296.º e 297.º, b), do Código Civil).

Em absoluto remate: a recorrente tomou conhecimento do direito à reparação objecto da acção logo no ano de 2013, pelo que logo nesse ano aquele direito se constitui e a recorrente logo dele tomou conhecimento, pelo que o poderia ter exercido em momento anterior ao da sua proposição, embora, no limite, com o cumprimento do ónus de formular um pedido genérico de modo a incluir no acto interruptivo – a citação das recorridas para a acção indemnizatória ou decurso do prazo de cinco dias consequente ao pedido de citação sem que esta se mostrasse feita – além dos danos actuais ou presentes o ressarcimento dos danos futuros previsíveis (art.º 323.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

A conclusão da procedência da excepção peremptória da prescrição do direito de crédito invocado pela recorrente, objecto do pedido, tirada pelas instâncias é, pois, correcta: a improcedência do recurso é, assim, meramente consequencial.

Do percurso argumentativo percorrido extrai-se, como proposição conclusiva mais saliente, a seguinte:

- O prazo de prescrição de curto prazo de três anos do direito à indemnização, fundado numa responsabilidade extracontratual, começa a correr, de harmonia com o princípio da unidade do dano, mesmo no tocante ao dano futuro previsível, no momento em que o lesado tenha conhecimento do dano inicial ou originário, independentemente de o lesado o ter efectivamente previsto e do momento em que venha a ocorrer; no caso de dano futuro imprevisível, o início da contagem do prazo só ocorre depois de este se produzir e de ser conhecido pelo lesado.

A recorrente sucumbe no recurso. Essa sucumbência torna-a objectivamente responsável pela satisfação das respectivas custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos:

1. Admite-se o recurso como revista comum ou normal;

2. Nega-se a revista.

Custas pela recorrente.

2025.01.14

Henrique Antunes (Relator)

Nelson Borges Carneiro

Jorge Leal

____________________________________________

1. Por último – reponderando, aliás, o seu pensamento, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 432.↩︎

2. Afirmativamente António Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, Almedina, 2006, págs. 149 e ss., Pedro de Albuquerque Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual por Litigância de Má fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados no Processo, Almedina, Coimbra, 2006, págs. 92 e ss., e A boa fé e a responsabilidade por litigância de má fé, abuso do direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo arbitral, in Estudos Comemorativos dos 30 Anos do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, Almedina, 2019, págs. 913 e ss. e Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, págs. 617 e ss.; diferentemente, no sentido de que a o direito positivo sanciona o exercício abusivo do direito à acção através do regime da litigância de má fé, não havendo abuso do direito de à acção que não coincida com a litigância de má fé pelo uso reprovável dos meios processuais, i.e., pelo abuso de faculdades processuais, João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, AAAFDL, 2022, Vol. I, págs. 110 e 111, e Miguel Teixeira de Sousa, blogippc.blogspot.com, entrada de 18/04/2020. No sentido da inadmissibilidade da propositura de acção autónoma, Marta Alexandra Frias Borges, Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé, Coimbra, 2014, disponível em estudogeral.sib.uc.pt, págs. 118 e ss.↩︎

3. Ac. do STJ de 12.01.2021 (2689/19).↩︎

4. Rui Pinto, Repensando os requisitos da dupla conforme (art.º 671.º, n.º 3, do CPC), Julgar, Online, Novembro de 2019, pág. 4.↩︎

5. Acs. do STJ de 12.10.2023 (1901/21), 30.11.2023 (1120/20), 29.09.2022 (19864/15), 19.02.2015 (302915/11) e de 30.04.2015 (1583/08); Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 425.↩︎

6. Para os termos da distinção, cfr., por último – e por todos - o Ac. do STJ, desta conferência,, de 01.10.2024 (1607/21).↩︎

7. Acs. do STJ de 29.03.2023 (16670/17) e de 21.12.2020 (239/09); Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, cit., pág. 434.↩︎

8. Por último – e por todos – o Ac. do STJ de 08.02.2024 (995/20).↩︎

9. José Dias Marques, Prescrição Extintiva, Coimbra, 1953, pág. 4.↩︎

10. António Menezes Cordeiro, Da prescrição do pagamento dos denominados serviços públicos essenciais, cit. págs. 803 a 805 e Tratado de Direito Civil Português, I, T, IV, Almedina, Coimbra, 2007 (reimpressão), pág. 172. Contra, sustentando que a prescrição não converte a obrigação civil numa obrigação natural, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 381.↩︎

11. António Menezes Cordeiro, Da Prescrição do Pagamento dos Denominados Serviços Públicos Essenciais, cit., págs. 788 e 789. Não parece, assim, que a prescrição tenha por fundamento o interesse do credor, incitando-o a exigir o cumprimento das obrigações, e sancionando-o pela negligência na actuação do seu crédito como sustenta, por exemplo, Manuel de Andrade – Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Reimpressão, Coimbra, 1992, págs. 445 e 446. Como nota Menezes Cordeiro – loc. cit. - o interesse do credor é, sempre, o dispor do máximo de pretensões, podendo ordenar no tempo, de harmonia, com as suas conveniências, o exercício dos seus direitos.↩︎

12. Ac. do STJ de 22.09.2016 (125/06).↩︎

13. Vaz Serra, RLJ, Ano 107.º, pág. 299 e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 10.º edição, I Vol. I, pág. 625.↩︎

14. Acs. do STJ de 12.04.1996, BMJ n.º 445, pág. 441, 04.11.2008 (08A3127) 12.09.2019 (2032/16), 23.02.2010 (3165/08), 23.06.2016 (54/14) e 06.10.21 (1350/17), Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Direito da Responsabilidade Civil, Gestlegal, pág. 349, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, cit., pág. 626, Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 7.ª edição, Almedina, págs. 515 e 610, e Paulo Manuel Leal Lacão, A Prescrição da Obrigação de Indemnizar: Notas sobre o art.º 498.º, n.º 1, do Código Civil, Tese como vista à obtenção do grau de Mestre em Direito, FDUNL, 2017, disponível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/35347/1/↩︎

15. Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006, págs. 228 a 293.↩︎

16. António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1980, vol. 2º Volume, pág. 283.↩︎

17. Pereira Coelho, o nexo de causalidade na responsabilidade civil, Boletim da Faculdade de Direito, Suplemento IX, Coimbra, 1951, pág. 107 e ss.↩︎

18. Acs. do STJ de 03.12. 1998 (98ª854), 22.09.209 (180/2002), 07.12.2010 (210/07), Maria de Lurdes Pereira, Direito da Responsabilidade Civil, A Obrigação de Indemnizar, FDUL, 2022, págs. 162 a 16, e Gabriela Páris Fernandes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCP, anotação ao art.º 498.º, n.º 4, II.↩︎

19. No sentido de que apenas é admissível conhecimento da procedência de uma excepção peremptória se o tribunal estiver em condições de conhecer, ao mesmo tempo, do direito do autor a que a excepção foi oposta, João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil. AAFDL, 2002, Vol. II, pág. 95, e Miguel Teixeira de Sousa, Conhecimento de excepções peremptórias no despacho saneador? Depende!..., in blogippc.blogspot.com, entrada de 22/04/2015.↩︎

20. Alberto dos Reis, Comentário, cit., pág. 268, Manuel Rodrigues, Lições de Direito Processual Civil, pág. 420, e Acs. do STJ de 28.02.75, BMJ n.º 224, pág. 239, e 18.02.82, BMJ nº 314, pág. 269.↩︎

21. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 1946, pág. 372.↩︎

22. Ac. do TC n.º 216/2015, disponível em www.tribunalconstituicional.pt, Remédio Marques, Direito de patente sobre o medicamento de referência e os procedimentos de concessão da AIM e de fixação dos preços respeitantes ao medicamento, in “Medicamentos Versus Patentes”, Estudos de Propriedade Industrial, 2008, pág. 146, e Evaristo Mendes, O fim da arbitragem em matéria de patentes farmacêuticas. Velhos e novos problemas, disponível em https://evaristomendes.eu » ficheiros » Evaristo_Me… - Arbitragem necessária – Lei 62/2011 – Ação Especial.↩︎

23. Pedro Caridade de Freitas, A Arbitragem Necessária Para Litígios entre Medicamentos de Referência e Medicamentos Genéricos: Que Futuro, disponível em https://jugar.pt/wp-content/uploads/2019/05/JULGAR38-011-PF.pdf↩︎