DECLARAÇÃO
IMPEDIMENTO
ADVOGADO
MANDATÁRIO
RECURSO
Sumário


I - A declaração de impedimento aposta ao juiz não pode ser requerida pelo queixoso/ denunciante ( artº 40º 2CPP) que não se constitui assistente nem é parte civil;
II - O recurso interposto do despacho em que o juiz não se declare impedido, não pode ser interposto pelo queixoso que não se constituiu assistente nem é parte civil, por carência de legitimidade e de interesse em agir
III - O recurso deve ser subscrito por mandatário, mesmo que o queixoso seja advogado.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os juízes, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça.

No Proc. Inquérito nº 9/24.9YFLSB-A.S1, a correr termos neste Supremo Tribunal de Justiça, em que era denunciado o então Sr. Vice Procurador Geral da República e queixoso / denunciante o Sr. Dr. AA, veio este, na sequência de o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. BB não se haver declarado impedido nesses autos a solicitação do queixoso, interpor recurso de tal declaração.

O queixoso termina a motivação recurso com as conclusões seguintes:

“ 1ª – Os fundamentos do impedimento encontram-se indicados no requerimento dirigido ao impedido, tempestivamente, em 16-08-2024, a que acresce o impedimento à apreciação dos requerimentos de 12-06-2024 e 19-08-2024 apresentados ao abrigo dos artigos 123º nºs 1 e 2 e 46º do CPP;

2ª – A recusa do impedido em declarar-se como tal, agora espelhada no seu despacho de 30-09-2024, ferido de desconformidade narrativa, cuja eliminação requer, também constitui razão de impedimento.

3ª O impedido tem de prestar depoimento no presente inquérito conforme previsto no artigo 39º nº1 alínea d) do CPP, sobre factos que são objecto da queixa.

4ª Todos os actos praticados no processo pelo impedido são inválidos / nulos por cominação dos artigos 3º nº3 da Constituição e 41º nº 3 do CPP”

Tal recurso foi admitido pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. BB

Neste STJ o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da rejeição sumária do recurso, e remessa à Ordem dos Advogados de certidão integral do processado

O queixoso foi notificado para se pronunciar querendo (artº 417º2 CPP)

Por decisão sumária de 12/11/2024 foi decidido:

“Pelo exposto e ao abrigo dos artºs 401º 1 e 2 , 414º2, 417º 6 a) e b), 420º1b) 2 e 3 CPP, decido:

- Rejeitar o recurso interposto pelo queixoso.

- Condenar o recorrente no pagamento da importância de 5Ucs.”

Notificado desta decisão por via postal em 15/11/2024 o recorrente veio apresentar reclamação para a conferência da decisão sumária alegando:

1- a nulidade da mesma porquanto quando foi proferida ainda estando a decorrer o prazo para responder ao parecer do ilustre PGA e a que veio a responder em 13/11/2024.

2- o haver-se pronunciado sobre o despacho do Mº juiz impedido, que não se podia pronunciar sobre a admissão ou não do recurso, que compete à conferência

3- aplicou norma inconstitucional – o artº 41º2 CPP – ao interpretá-la no sentido de que o ofendido que não se tenha constituído assistente não tem legitimidade para arguir impedimento do juiz a quem o processo foi distribuído.

4- Faz aplicação da norma inconstitucional do artº 40º1c) CPP segundo a qual o ofendido sendo advogado tem de outorgar procuração a outro advogado para arguir impedimento de juiz.

5- viola o artº 42º CPP ao aplicar ao recurso as norma dos artºs 401º 1 e 2 , 414º2, 417º6 a) e b); 420º 1b) 2 e 3 CPP

O Ilustre PGA pronunciou-se no sentido do promovido na parte final do seu parecer e a notificação do queixoso para constituir advogado.

Notificado o recorrente para constituir advogado não o fez;

Foi emitida a certidão promovida pelo Sr. PGA nesta sua pronúncia

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.

Cumpre apreciar.

Proferida decisão sumária pelo relator, no exame preliminar do recurso, nos termos do artº 417º 6 CPP, da mesma cabe reclamação para a conferência nos termos do nº 8 do mesmo art.º, visando a reapreciação da decisão sumária e o conhecimento do recurso.

Assim.

A decisão sumária em causa tem o seguinte teor:

Analisado a certidão junta com a interposição do recurso, verificamos que:

É apresentado requerimento de RECURSO entrado a 27/9/2024, no qual o denunciante recorrente declara interpor recurso do ato de recusa do Exmo Juiz Conselheiro Dr. BB em declarar-se impedido, situação que lhe fora oposta por requerimento de 16/8/2024. Da certidão junta não se mostra que tal interposição de recurso tenha sido objeto de admissão ou de rejeição.

Solicitada informação ao processo principal e conforme despacho ali exarado resulta que este recurso não foi admitido.

Assim sendo apenas está em causa o requerimento de recurso apresentado em 10/10/2024 do despacho de 30/7/2024 no qual o Mº Juiz Conselheiro não se declarou impedido.

Em face da informação solicitada ao processo principal dele resulta que o recorrente não constitui mandatário, nem se constitui assistente.

Analisado o requerimento de interposição e sua motivação, independentemente de outras questões de fundo que o requerimento / motivação suscita, importa considerar as questões formais e assim que o recorrente não é assistente nem constitui mandatário, e foi aposto à recusa do Mº Juiz Conselheiro em não se haver declarado impedido.

Ora a declaração de impedimento pode ser pedida pelo Mº Pº, arguido, assistente ou partes civis (artº 41º2) CPP. O recorrente não assume nenhuma dessas qualidades de sujeito processual, pois é apenas queixoso, pelo que não tinha legitimidade para requerer tal declaração de impedimento, e consequentemente não é prejudicado pela decisão que recuse tal impedimento e onde não tem interesse em agir (artº 401º2 CPP) no que ao recurso respeita, a que acresce que não tendo a qualidade de Mº Pº, de arguido, de assistente nem de parte civil também não tem legitimidade para recorrer ( art.º 401º CPP).

Por último o recorrente não constitui mandatário, sendo que o recurso deve ser interposto por advogado em representação do recorrente (artº 40º 1 c) CPC ex vi artº 4º CPP.

Assim o recurso não pode ser admitido e deve ser rejeitado.

Pelo exposto e ao abrigo dos artºs 401º 1 e 2 , 414º2, 417º 6 a) e b), 420º1b) 2 e 3 CPP, decido:

- Rejeitar o recurso interposto pelo queixoso.

- Condenar o recorrente no pagamento da importância de 5Ucs.

Notifique”

No que à 1ª questão suscitada, verifica-se que o reclamante tem razão, pois que foi proferida decisão sumária antes de terminar o prazo para se pronunciar sobre o parecer do ilustre PGA. Na verdade a decisão sumária foi proferida em 12/11/2024 e o recorrente veio pronunciar-se em 14/11/2024 tendo sido notificado para o efeito por carta registada datada de 7/11/2024, pelo estava em tempo.

A decisão sumária em causa, foi-o intempestivamente e não cuidou de se pronunciar sobre a resposta do recorrente ao parecer, no convencimento, em face da abertura de conclusão que o prazo já havia decorrido. Como tal não tinha ainda ocorrido, verifica-se que não observou materialmente o princípio do contraditório, princípio basilar do processo penal, tendo sido cometida uma irregularidade que afeta o valor do ato praticado (art.º 97º 1b) e 123º2 CPP) razão pela qual deve ser declarada a invalidade da decisão sumária.

A decisão sumária é uma decisão do relator prevista no artº 417º CPP no exame preliminar, ocorrendo nas situações previstas nos artºs 417º 6º e 420º CPP que levam ao não conhecimento do recurso e constituem normas reguladoras do processo, com vista ao regular o andamento do mesmo e a promover a boa administração da justiça evitando a perda de tempo com actos (ou recursos) inúteis ou inadmissíveis, razões pelas quais não ofende qualquer norma constitucional.

Em face da invalidade da decisão sumária ficam prejudicadas todas as demais questões elencados na reclamação.

Importa agora apreciar o recurso interposto pelo recorrente/ queixoso

O ilustre PGA no seu parecer pronunciou-se pela rejeição do recurso

O recorrente notificado veio apresentar requerimento, alegando que não se pode pronunciar sobre o parecer junto aos autos por não ter acesso a elementos processuais e equipamentos indispensáveis que estariam sob “sequestro” e ainda que o próprio subscritor do parecer estaria impedido e que teria sido usado um documento falsificado – o acórdão de 14/7/2022 da Ordem dos Advogados (Conselho de Deontologia) e que esse uso constitui crime o que denuncia para comunicação ao Exmo PGR.

Conhecendo

1 - Como se mostra com mediana clareza, a resposta apresentado pelo recorrente nada tem a ver, neste momento, com os atos processuais inerentes a este processo recursivo e resposta ao conteúdo do parecer, sendo que nada é requerido com relevo para o mesmo, para além de pretender apresentar uma denuncia sobre um pretenso crime que teria sido praticado nesse processo, sendo que para o demais alegado carece de legitimidade para o efeito.

2 - Face à análise do processo está apenas em causa o requerimento de recurso apresentado em 10/10/2024 do despacho de 30/7/2024 no qual o Mº Juiz Conselheiro não se declarou impedido. Tal recurso foi admitido pelo próprio face à sua declaração de não impedimento, em função do que continua a ser o titular do processo, sendo que do ato de admissão do recurso não resulta (antes pelo contrário) prejuízo para a justiça da decisão, e não foi posto em causa pelo queixoso recorrente notificado que foi da admissão do recurso, e resulta da motivação do mesmo que está em causa o despacho de 30/9/2024 de recusa em declarar-se impedido. Qualquer outra situação não pode ser aqui considerada, pelo que extravasa o objeto do recurso, para além de constituir questão nova, sobre a qual não fora proferida qualquer decisão. E sendo o recurso um meio de reapreciação de uma decisão do tribunal, não pode reapreciar algo que não fora apreciado, ou seja não pode conhecer de questões (novas), que não tenham sido apreciadas e decididas pelo tribunal de que se recorre.

Definido o objeto do recurso, debrucemo-nos sobre o mesmo.

E neste âmbito cumpre desde logo apreciar as questões formais (artº 368º1 CPP) e só depois para as questões materiais, caso a sua apreciação não tenha ficado prejudicada ( nº2 do mesmo artº).

Ora resulta dos autos que o queixoso que apresentou o seu recurso não é assistente nem constitui mandatário, e o recurso foi aposto à recusa do Mº Juiz Conselheiro em não se haver declarado impedido.

As normas processuais estabelecidas pelo legislador, como conformadoras do processo visam o seu regular andamento, regulando e permitindo a intervenção dos sujeitos processuais interessados no seu desenrolar, e evitando a intervenção de outros na medida em que não assumem aquela qualidade e por essa via não manifestaram o seu interesse desse modo tornando-se sujeitos do processo e responsáveis pelo seu desenrolar. Tais normas não coartam quaisquer direitos de intervenção no processo e apenas regulam essa intervenção como modo de salvaguardar a boa administração da justiça, como valores que importa salvaguardar, e desse modo não ofendem qualquer norma constitucional seja ela relativa aos direitos do queixoso / denunciante, seja relativa aos acesso aos tribunais pelos mesmos.

Ora, com vista a salvaguardar tais finalidades, a declaração de impedimento só pode ser pedida por quem é sujeito no processo ou seja, pelo Mº Pº, arguido, assistente ou partes civis (artº 41º2) CPP. O recorrente não assume nenhuma dessas qualidades de sujeito processual, pois é apenas queixoso, pelo que não tinha legitimidade para requerer tal declaração de impedimento, e consequentemente não é prejudicado pela decisão que recuse tal impedimento e onde não tem interesse em agir (artº 401º2 CPP) no que ao recurso respeita, a que acresce que não tendo a qualidade de Mº Pº, de arguido, de assistente nem de parte civil também não tem legitimidade para recorrer ( artº 401º CPP).

Por outro lado o recorrente não constitui mandatário, sendo que o recurso deve ser interposto por advogado em representação do recorrente (artº 40º 1 c) CPC ex vi artº 4º CPP), pois sendo vitima não detém a isenção e serenidade necessária para intervir no processo, sendo que também não lhe é permitido constituir-se assistente sem que se faça representar por advogado como decidiu o AFJ nº 15/2016 “Nos termos do art. 70.º, n.º 1, do CPP, o ofendido que seja advogado e pretenda constituir-se assistente, em processo penal, tem de estar representado nos autos por outro advogado», por não poder assumir no processo duas qualidades que se revelam incompatíveis. Por outro lado, inexiste norma que conceda ao queixoso advogado (se como tal poder ser legalmente considerado) advogar em causa própria quando a lei impor a intervenção de advogado em representação do recorrente, como é o caso de interposição de recurso, única situação aqui em causa, e de que se pode conhecer. Por esse efeito, e como acto conformador do processo foi o recorrente notificado para constituir mandatário, nos termos do artº 41º CPC ex vi artº 4º CPP sob cominação legal ali prevista (não ter seguimento o recurso) não o fez, pelo que o recurso não pode ter seguimento.

Dado que o seguimento do recurso pressupõe a que admissibilidade, e não é o caso, pois se impõe a sua rejeição, nos termos sobreditos, só faria sentido decidir do não seguimento de recurso caso não ocorresse razão para a sua rejeição, sem prejuízo de tal vir a ocorrer em momento ulterior se a situação se mantiver.

Assim, atentas as razões invocadas, o recurso deve ser rejeitado, nos termos do artº 420º 1b), 401º, 414º3 CPP, agora em conferência, dado que a anterior decisão de admitir o recurso não vincula este Tribunal Superior ( artº 414º3 CPP)

3 - A denuncia de um eventual ilícito criminal deve ser feita diretamente à autoridade adequada para receber a queixa e não indiretamente a outra entidade para que esta a remeta à autoridade competente. Assim se o ilustre recorrente entende ter sido praticado um ilícito no processo deverá denunciar o facto diretamente à autoridade competente para ser investigado de modo autónomo, dado que no processo não o pode ser. Ao proceder como o fez, modo inadequado, impende sobre o recetor que apenas, como é seu dever, dê seguimento ao ato do recorrente se entender face ao seu teor que pode estar em causa o ilícito denunciado.

Todavia esta questão está ultrapassada dado que o ilustre denunciado, ele próprio, requereu que fosse passada e entregue ao ilustre PGA Coordenador certidão do processado, o que já ocorreu.


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Pelo exposto o Supremo Tribunal de Justiça decide:

- Deferir a reclamação e em consequência declara invalida a decisão sumária proferida;

- Rejeitar o recurso interposto pelo queixoso

Condena o recorrente pela rejeição do recurso na taxa de justiça de 6 Ucs e nas demais custas a que deu causa.

Notifique e dn

Após remeta certidão do processado à Ordem dos Advogados para os fins achados por convenientes incluindo disciplinares.


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Lisboa e STJ, 15/1/2025

José A. Vaz Carreto (relator)

Jorge Raposo

Carlos Campos Lobo