MEDIDA DE COAÇÃO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ANÁLISE CRÍTICA DAS PROVAS
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
Sumário


I - A analise da prova indiciária em inquérito deve ser apreciada da mesma forma e submetida aos mesmos princípios com que seria apreciada na audiência de julgamento e sujeita ao principio da livre apreciaçºao
II – o único limite é a falta de imediação e oralidade, imprescindicel em audiência
III - O STJ é livre de apreciando os factos e as provas na sua analise critica, averiguar da qualificação jurídica dos factos
IV - Emergindo dos autos a existência de litigio sob as responsabilidades parentais não se mostra adequada  a proibição de contactos, inclusive através de terceira pessoa, com a vitima, com vista a sua resolução

Texto Integral

Acordam, em conferência, os juízes na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

Nos autos de Inquérito que, com o nº 411/22.0T9LLE, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Instrução Criminal de ... – Juiz 2, em que é arguido AA, por decisão judicial datada de 24 de Abril de 2024, na sequência do primeiro interrogatório judicial do arguido foi decidido que o mesmo aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito à seguinte medida de coacção:

- Termo de Identidade e Residência – cfr. Artigos 191º, 192º, 193º, 194º, 196º, todos do Código de Processo Penal.

Inconformado recorreu o Mº Pº, para o Tribunal da Relação de Évora, o qual por acórdão de 24/9/2024 decidiu:

“Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se em parte o despacho recorrido, passando o arguido AA a aguardar os demais termos processuais, sujeito também às medidas de coacção de:

- Proibição de contactar, por qualquer meio com a assistente, ou por interposta pessoa, mesmo em questões relacionadas com a filha comum de ambos e;

- Proibição de se aproximar da assistente, da sua residência e do seu local de trabalho, sujeito a vigilância electrónica.”

Recorre o arguido, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:

“I - O Tribunal Judicial da Comarca de Faro por sentença de 24.04.2024, decidiu que o arguido AA devia aguardar os ulteriores termos processuais sujeito à mediada de coação de termo de identidade e residência – Cfr. Artigos 191.º, 192.º, 193.º, 194.º e 196.º, todos do CPP.

II – Fundamenta a sua decisão, com o facto de o arguido não ter antecedentes criminais e os factos que lhe são imputados serem datados de cerca de dois ou mesmo três anos atrás.

III - O Ministério Público na motivação de recurso, não coloca em causa que os factos imputados ao arguido “são datados de há cerca de dois ou mesmo três anos atrás”.

IV - O Tribunal da Relação no seu acórdão de 24-09-2024, também não põe em causa aqueles factos, ou seja, que os factos imputados ao arguido “são datados de há cerca de dois ou mesmo três anos”.

V – Por conseguinte, não se compreende a decisão do Tribunal da Relação de Évora de 24.09.2024, quando a fls. 27, in fine, diz: “Então, por consideramos como fortemente indiciados todos os factos constantes do requerimento do Ministério Público para aplicação de medida de coação e, em consequência, reconhecer que subsiste o perigo de continuação da actividade criminosa pelo arguido AA, nos termos do disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, atentos os factos fortemente indiciados relevadores de uma personalidade agressiva e contrária aos ditames do direito no controlo e perseguição movida contra a vítima/assistente”.

VI – Tendo os factos que são imputados ao arguido ocorrido há mais de três anos atrás, como pode o douto Tribunal da Relação fundamentar a sua decisão, “Então, por consideramos como fortemente indiciados os factos constantes do requerimento do Ministério Público para aplicação de medidas de coação e, em consequência, reconhecer que subiste o perigo de continuação da actividade criminosa pelo arguido AA (…) ”?

VII – Com efeito, estando assente pelo Tribunal da 1ª Instância, que os factos imputados ao arguido ocorreram há mais de 3 (três) anos (factos que não foram posto em causa, quer pelo Ministério Público, quer pelo Tribunal da Relação), como pode o douto Tribunal da Relação, concluir, que subsiste o perigo de continuação da actividade criminosa pelo arguido?

VIII - Salvo o devido respeito, que é muito, diga-se, o Tribunal da Relação fez uma errónea interpretação dos factos e, consequentemente, uma (também) errónea aplicação do direito.

IX – Logo, face a contradição entre os factos assentes e indiciados e a decisão, deve ser revogada a decisão recorrida e, consequentemente, mantida a decisão do TriInstância1ª. Instancia.

IX – O Tribunal recorrido, violou os artigos 191.º, 192.º, 193.º, 200.º, alienas a) e d) e n.º 5, e, 204.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, artigo 31,º, n.º 1, alínea d), da Lei 112/2009, de 16-09, com a redação dada pela Lei 57/2021, de 16-08 e 18.º, 27.º, 28.º, 32.º e 205.º, da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a decisão do Tribunal da Relação de Évora 24.09.2024, mantendo-se integralmente a decisão do Tribunal de 1ª Instância (Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Instrução Criminal de ...).

Respondeu o Mº Pº, pugnando pela manutenção do decidido e improcedência do recurso

Neste Supremo Tribunal o ilustre PGA é de parecer que o recurso deve improceder.

Foi cumprido o artº 417º2 CPP

Observado o formalismo legal procedeu-se à conferencia.

Consta da decisão da 1ª instância tal como reproduzida pela Relação:

Indiciam fortemente os autos a prática, pelo arguido, dos factos descritos no requerimento do MP para aplicação de medida de coação, a saber (consigna-se que se expurgou a factualidade conclusiva, repetida e irrelevante do ponto de vista criminal):

1. O arguido contraiu matrimónio com a assistente BB, no dia 26-01-2017 e estabeleceram a sua morada de família na Rua ..., pertença daquela área deste município de ....

2. Da relação do casal, resultou o nascimento de CC, nascida a ...-...-2018.

3. A relação dos arguidos era pautada por discussões constantes.

4. Com o afastamento físico, a relação entre o ex-casal acalmou, motivo pelo qual a assistente regressa, em ...de 2020, ao ..., tendo pouco tempo depois reatado a relação com o arguido.

5. Em ... de 2021, voltaram as discussões diárias entre o casal, razão pela qual a ofendida resolve avançar com um pedido de divórcio, tendo este sido decretado em ...-...-2022.

6. O arguido é agente da ..., auferindo cerca de 1500,00 euros mensalmente.

7. Concluiu curso superior na área do desporto.

8. Reside com a sua mãe e com a sua filha que reside alternadamente consigo de semana a semana.

Resulta indiciado, mas não fortemente indiciado os seguintes factos:

1. Cerca de um ano apos o nascimento da filha comum do casal, o arguido desconfiando que tinha relações extraconjugais com outras pessoas, em datas e em número de vezes não concretamente apuradas, mas seguramente desde, pelo menos Março de 2019 a finais desse ano, que durante a noite, sem autorização e conhecimento daquela, mexia no seu telemóvel.

2. Desde essa data, sempre que ambos se cruzam, para efeitos de entrega da filha menor ao outro para passar a semana, em regime de guarda partilhada, que, mesmo na presença da CC, o arguido sempre que não está de acordo com o que a vitima pretende, apelida-a, de forma séria e intimidante: "és uma miserável", entre outros impropérios ainda não concretamente apurados.

3. Com efeito, no hiato temporal em questão e até aos dias de hoje, o arguido aparece sem aviso prévio nos locais onde a assistente se encontra e dos quais, em condições normais sem o rastreamento referido em 10, não teria conhecimento, quer durante o exercício da atividade profissional de Personal Trainer da assistente, quer em momentos de lazer desta.

4. Assim, no dia 15-08-2021, a assistente tinha combinado um jantar com um amigo, a testemunha DD, na casa deste, sendo que a menor ficaria com o progenitor, conforme previamente acordado entre ambos.

5. Durante esse jantar, a assistente recebeu uma mensagem escrita do arguido a informar que a filha não estaria bem e preocupada, tendo aquela, de imediato telefonado ao arguido que lhe disse em tom jocoso: "O sushi está bom?"

6. Ato contínuo, o arguido estava à porta da residência da testemunha DD, e começou a gritar para a assistente sair e vir para a rua, o que ela fez.

7. A meio de Janeiro de 2022, a assistente foi a uma entrevista de emprego no ginásio N.. ...., em ..., tendo sido pouco tempo depois contratada para exercer as funções de ....

8. Cerca de 3 semanas após o início de funções por parte da assistente, o patrão dela, a testemunha EE, recebeu uma carta anónima, reenviada da do Grupo...., sendo remetente FF, cujo conteúdo denegria a imagem profissional daquela, na medida em que dizia que a assistente era uma pessoa não séria, não digna de confiança, que traia o marido com qualquer um.

9. Um email, com o mesmo conteúdo, foi enviado pelo arguido para o CEO da A... na ..., uma vez que a assistente trabalhou como funcionária na época da pandemia do Covid 19, ou seja, pelo menos em 2020.

10.No dia 03-10-2021, a assistente foi, durante um dia ao ..., juntamente com a filha menor - a CC -, onde estiveram em contacto com diversos animais, inclusivamente cavalos.

11.A assistente partilhou algumas fotografias nas suas redes sociais, e quase de imediato, a mesma recebe um telefonema do arguido, dizendo-lhe que ela "andava metida com o gajo dos cavalos."

12.No dia 09-10-2021, a assistente recebeu uma chamada do arguido a insinuar, a dizer que ela estava a ter uma relação extraconjugal com o seu médico de família e nessa mesma chamada, tendo ainda referido que iria contactá-lo para ele saber quem ele é, dizendo-lhe ainda: "ai de ti que estejas com aquele gajo e com a CC."

13.O arguido, quando confrontado pela assistente pelos actos já acima descritos, por várias vezes e em datas não concretamente apuradas, afirma "ter as costas quentes", "nada me acontece" devido ao seu emprego no Destacamento de Intervenção ... - afirmando ainda que a assistente "não tem credibilidade nenhuma."

14.A assistente iniciou a 07-03-2022 um novo relacionamento com DD, o que o arguido logo teve conhecimento desse facto, iniciando desde essa data, diversos contactos, aparecendo e rondando a casa da assistente, do atual companheiro desta, e em todos os locais que esta esteja frequentando.

15.Assim, no dia 16-03-2022, pelas 21h30, o arguido contactou a assistente a insistir que queria ver a filha, tendo aquela informado que a menor se encontrava nesse momento a dormir.

16.O arguido aceitando a resposta, deslocou-se, nessa mesma noite, à casa da assistente e tocou ininterruptamente, durante alguns momentos, à campainha, tendo, por conseguinte, acordado a CC.

17.A assistente, com receio do que o arguido viesse afazer, chamou a GNR de ... que se deslocou ao local dos factos.

18.Em data não concretamente apurada, em ... de 2022, a assistente, ... N.. ...., em ..., encontrando-se a desempenhar as suas funções profissionais, sentiu-se mal com quedas de tensão e como a testemunha DD lá estava também ali a treinar, a mesma pediu-lhe ajuda para a levar a casa.

19.Durante o percurso para casa, o arguido seguiu a assistente e DD no seu veículo.

20.Estacionou o carro junto do prédio da assistente e enquanto a mesma se dirige a casa, o arguido sai do carro por breves minutos, fica a observa-los, regressa ao carro e abandona o local.

21.No dia 19-03-2021, a assistente e a testemunha DD foram nos respetivos veículos em direção ao restaurante "...", em ....

22.Quando chegaram, a assistente estacionou o seu veículo no parque de estacionamento do restaurante e o carro da marca e modelo referido em 34 deste despacho, conduzido pelo arguido, ficou colado à viatura do DD.

23.Quando o DD estaciona o seu veículo, o arguido circulou com o seu veículo na estrada, passando pelo restaurante, para cima e para baixo entre as duas rotundas, o que fez pelo menos por 5 vezes.

24.A testemunha perante este comportamento do arguido, ligou para a assistente, que não se tinha apercebido de nada, e saíram dali e foram almoçar a ....

25.Em data não concretamente apurada, entre Junho ou Julho de 2021, quando o DD estava a regressar a casa do seu trabalho, por volta das 23h00 escolheu um caminho alternativo daquele que fazia todos os dias, quando vê que o carro do arguido estava estacionado na rua em frente à sua residência.

26.O DD foi estacionar o seu veículo noutra rua mais acima e cruza-se com o carro conduzido pelo arguido, tendo havido troca de olhares.

27.Nessa mesma noite, o arguido fez uma chamada à assistente a dizer-lhe que o DD o andava a seguir.

28.No dia 19-03-2022, dia do pai, a menor encontrava-se a passar o dia com o arguido.

29.Na véspera do dia 20-11-2022, a assistente foi buscar a sua filha à escola e como a criança estava apática, levou-a a casa para verificar o estado de saúde dela.

30.Já em casa, ao fim da tarde, no quarto com a sua filha CC, quando começaram a conversar, e a criança quis logo abraçar a mãe, mas não disse o que se passava.

31.No dia 20-11-2022, a assistente foi passear em ..., próximo do Posto 2, com a filha para a animar, quando inopinadamente esta se dirigiu àquela, dizendo-lhe, com foros de seriedade e de semblante triste, que a "mamã, vais viver uns 20 anos".

32.A assistente preocupada com o teor da asserção dita pela criança, questionou-a sobre o que se passava, tendo a CC dito que o pai lhe havia dito que a mãe ia morrer cedo.

33.Em data não concretamente apurada, mas no inverno de 2022, quando a assistente foi buscar a sua filha ao pai, para passar com ela a semana que lhe cabia, por conta do regime de guarda partilhada, estando ambas em casa daquela, a CC começou, inopinadamente, a desferir pontapés, com pouca força, nas pernas da mãe, a chamar nomes, não concretamente apurados ao DD e olhando fixamente para a mãe, disse-lhe que ia fazer xixi no sofá e fê-lo, efetivamente.

34.Tendo a assistente estranhado o comportamento inusitado da filha, questionou-a o motivo porque estava a fazer aqueles disparates, tendo a menor informado a assistente que o pai lhe prometera dar um jogo, se quando ela estivesse em casa da mãe lhe batesse sem doer, chamasse nomes ao DD e fizesse xixi no sofá.

35.No dia 03-03-2024, de acordo com o previamente acordado, o arguido levou, pelas 16h00, a CC à casa da assistente para lha entregar e aquele dirigindo-se a esta, de forma séria, intimidante e imperativa, esticando-lhe o dedo indicador, disse-lhe: "às 18h00 tens que ma entregar."

36.Como a assistente confrontou o arguido, dizendo-lhe que como ele passou a manhã e o almoço com a CC, ela tinha o direito de jantar com a criança e começou a dirigir-se com a menor ao colo à entrada do prédio onde aquela reside.

37.O arguido exaltou-se com a reação e resposta da assistente, e quando esta ia abrir a porta do prédio para entrar, com a CC ao colo, aquele usando o seu próprio corpo empurrou-a, atingindo-a no ombro do lado direito, fazendo com que a vítima se desequilibrasse, sem cair.

38.Ato contínuo, o arguido, com as duas mãos agarrou na CC, o que fez com que a menor se assustasse, gritando e chorando: "mamã, mamã."

39.O arguido levou a criança ao colo e dirigiu-se ao seu veículo automóvel.

40.O arguido agiu com o propósito concretizado de lesar a assistente, sua companheira, e mais tarde ex-companheira na honra, na integridade física, e na dignidade enquanto pessoa humana, atingindo-a emocional e psicologicamente através de maus-tratos, bem sabendo que as suas 19 expressões, gestos, e comportamentos, eram adequados a provocar-lhe sentimentos de insegurança, intranquilidade e receio pela sua vida e pela sua integridade física.

41.Quis o arguido com o seu comportamento, pela sua gravidade e repetição, inferiorizar e atemorizar a assistente perante ele, causando-lhe um sentimento permanente de medo e ansiedade, garantindo deste modo a sua superioridade e domínio sobre ela, o que conseguiu.

42.Bem sabia que, praticando tais atos no interior da habitação do casal, na presença de menores, a privava do auxílio de terceiros, deixando-a vulnerável no interior do próprio lar.

43.O arguido agiu ciente que expunha a filha menor aos comportamentos acima descritos, querendo, dessa forma ainda que indiretamente, infligir-lhe maus tratos, atingindo-a na sua saúde psicológica, o que quis e conseguiu.

44.O arguido quis e conseguiu, com os seus comportamentos acima descritos, pela sua gravidade e repetição, expor a criança menor, filha comum do casal, que com eles coabitava e mesmo após a separação definitiva, aos maus tratos que dirigiu à assistente, sua progenitora.

45.Em tudo atuou livre, voluntária, e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era censurável, proibida e punida por lei penal.

Factos não indiciados:

a) O arguido, desde a data referida em I deste despacho até aos dias de hoje, por meios ainda não concretamente apurados, consegue aceder aos contactos telefónicos da assistente, rastreando a sua localização geográfica, bem como ao teor das sua conversas do e para o seu aparelho, e também ao teor dos seus emails.

b) No dia 14-10-2021, a assistente foi com a filha CC ao concurso internacional de Hipismo, em ..., não tendo referido a ninguém que iria estar naquele dia, naquele local.

c) Todavia, o arguido aparece questionando-a: "quem é este gajo? O que é que estás a fazer? Onde está o GG?", referindo-se ao nome do médico de família da vítima.

d) Ato contínuo, o arguido pegou na menor ao colo, causando-lhe choro.

e) Nessa noite, o arguido envia uma mensagem escrita à assistente referindo "como vês, as informações chegam-me sempre..."

Consigna-se que se expurgou a factualidade indicada no despacho de indiciação que apresentava contornos conclusivos ou irrelevantes.

Tais indícios resultam dos meios de prova comunicados ao arguido, nomeadamente:

Queixa-crime e prova documental anexa, de fls. 2 a 16., devidamente assinado pela assistente;

Ficha de adesão à Teleassistência, de fls. 27 e ss. e termo de responsabilidade de fls. 108 e ss;

Ficha de Avaliação de Risco - RVDL - "Médio", de fls. 88 e ss.; “Médio", de fls. 173 e ss; "Baixo", de fls. 402 e ss; "Médio", de fls. 438 e ss; "Baixo", de fls. 506 e ss; "ELEVADO", de fls. 523 e ss;

Auto de inquirição da assistente BB, de fls. 91, 286 a 288, 391 a 393, 521 e Auto de Declarações da Assistente, gravado no CITIUS com som e imagem, através da plataforma WEBEX perante Magistrado do Ministério Público, de fls. 558.

Autos de inquirição das testemunhas: HH, de fls. 119 e 408, II, de fls. 122, EE, de fls. 125, JJ, de fls. 127, DD, de fls. 131, 322 a 324, 406 a 407, 540 a 541, KK, de fls. 136, LL, de fls. 360 a 362, 537 a 539

Cópia da Acta de Conferência de pais, no âmbito do Proc. de Regulação das Responsabilidades Parentais (Proc. ...-05-... pendente no Juiz 3 do TFM de ..., de fls. 276 a 279, datada de ...-...-2022.

Relatório de avaliação psicológica da menor CC, datada de 03-05-2023, de fls. 395 a 396;

Certidão de nascimento da assistente, de fls. 410;

Auto de declarações para memória futura (DMF) da vítima/assistente BB, de fls. 424 a 425.

Auto de transcrição das DMF da assistente, de fls. 459 a 496; CRC, de fls. 550/550v;

SMS constantes de fls. 295 a 304, 325 a 327; E-mails de fls. 397 a 401.

A convicção do Tribunal neste juízo indiciário ancorou-se em todos os elementos de prova juntos aos autos, supra melhor descritos.

Comece-se por referir que o arguido prestou declarações, negando, no essencial os factos que lhe são imputados e apresentando pontualmente algumas justificações para se ter cruzado com a assistente já após o fim da relação entre ambos.

Nuns pontos, as declarações do arguido mereceram-nos credibilidade, noutros nem tanto. Por exemplo, o tribunal entendeu credível que o arguido não controle através de uma aplicação o conteúdo do telemóvel da assistente, sendo que, por um lado, inexistem elementos objetivos que nos permitam concluir nesse sentido, sendo que as declarações prestadas pela assistente quanto a esta matéria afiguraram-se vagas e hipotéticas, não nos permitindo dar como indiciada ou fortemente indiciado o ponto a) dos factos não indiciados; de referir que tal como bem referido pelo arguido a este propósito, afigura-se estranho à luz das regras da experiência e da normalidade que entendendo a assistente que o arguido controlava o seu telemóvel nunca tenha trocado o seu equipamento ou procurado alterar as suas passwords.

Também foi merecedor de credibilidade a justificação dada pelo arguido no que se reporta à matéria referida nos pontos b), c) e d) (disse o arguido que se deslocou ao local após ter sabido da existência desse concurso de hipismo através de uma amiga, de nome MM).

Noutros pontos, as suas declarações já não se revelaram, nesta fase processual, que é indiciária, tão sustentadas não sendo, por exemplo, verosímil no que concerne à factualidade de 22 a 25, que o arguido tenha aparecido no restaurante e circulando à volta do mesmo porque a sua filha CC lhe tinha dito que viu um homem que lhe causava medo na residência da mãe, declarações estas que não vão de forma alguma ao encontro das regras da experiência e da normalidade.

Quanto à matéria indiciada (mas que o tribunal não considerou fortemente indiciada), o tribunal atendeu, em primeiro plano, às declarações da assistente, prestadas em sede de memória futura.

Ora, é certo que nas mesmas, a assistente descreveu a factualidade que acima se transcreveu de uma forma completa. Sem prejuízo, também é verdade que estas declarações, nalguns momentos, afiguraram-se muito conclusivas, vagas e baseadas em juízos hipotéticos (o que é particularmente visível no que se reporta à matéria relativa ao controlo do telemóvel pelo arguido).

Nesta fase processual, embora não se negue que estas declarações sejam secundadas por outras testemunhas, não entendemos que estas sejam suficientemente sólidas para sustentar um juízo de forte indiciação.

No que se reporta às testemunhas que foram ouvidas em fase de inquérito, prova à qual o tribunal atendeu, uma nota para dizer que do depoimento de HH, amiga da assistente, nada se extrai com particular relevância para os autos uma vez que se trata de um relato indireto daquilo que foi relatado pela última. O mesmo se refira relativamente a II cujo conhecimento dos factos também indireto, o que vale para outras das testemunhas que foram ouvidas nesta sede.

Já DD, atual companheiro da assistente, confirmou muita da factualidade imputada ao arguido (que presenciou diretamente) tendo o tribunal atendido às suas declarações prestadas em vários momentos do inquérito, sem prejuízo de não se ignorar também o facto de ter uma relação amorosa com a assistente.

O tribunal atendeu à demais prova documental dos autos para formar a sua convicção, consignando-se que a matéria fortemente indiciada foi atestada tanto pelo arguido como pela

assistente.

Para a prova da ausência de antecedentes criminais do arguido, teve-se em consideração o seu certificado de registo criminal tendo-se atendido às suas declarações para se formar a convicção quanto às suas condições de vida.

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Para decidir de modo diverso a Relação considerou:

“De acordo com os indícios constantes dos autos, nomeadamente das declarações da assistente, que efectivamente poderão ser consideradas conclusivas e genéricas, mas que nesta fase processual e nesta tipologia de crime, em que o autor do crime procura o contacto direto com a vítima, sem a presença de testemunhas, intimidando-a, fazendo-se silenciosamente sempre presente e controlador da vida da mesma, atormentando-a, coartando-lhe a liberdade individual, sempre de forma silenciosa, não permite uma prova mais detalhada, embora nos autos existam outras provas, para além das declarações da assistente, como sejam os depoimentos das testemunhas EE e, DD, sendo que as demais testemunhas ouvidas nos autos confirmam o estado psicológico da assistente no relacionamento com o seu ex-marido.

Ponderando as declarações do arguido em que apenas se limita a negar a prática dos factos e concatenadas com os demais elementos probatórios resulta fortemente indiciada a prática de tais factos que constituem o objecto dos presentes autos, sendo esclarecedora dessa mesma indiciação as próprias declarações do arguido quando referencia que eram pessoas amigas ou colegas de trabalho que lhe indicavam onde e com quem se encontrava a assistente e por isso não tinha necessidade de promover escutas electrónicas, revelando que tinha interesse nesse tipo de informação, o que é de todo conforme com os factos indiciados, nomeadamente os ocorridos a 14-10-2021 em ..., sendo que um agente da autoridade não deveria permitir e alimentar tal tipo de conversas a respeito da sua ex-esposa e mãe da sua filha.

Nestes termos divergimos, pois, do entendimento do Tribunal “a quo” e temos como indiciados ou fortemente indiciados todos os factos constantes do requerimento do Ministério Público para aplicação de medida de coação, sendo previsível que em julgamento venha a ser aplicada ao arguido uma pena.”

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Conhecendo

Está em causa o recurso admitido ao abrigo do artº 400º 1 c) CPP que dispõe sobre a não admissibilidade dos recursos nos seguintes termos: “ c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º;” e ao abrigo do disposto no artº 432º 1 b) que dispõe “b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;” sendo que o Supremo Tribunal conhece apenas de direito, nos termos do artº 434º CPP “O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º” não estando em causa nenhum dos recursos ao abrigo das líneas a) e c) mencionadas na norma citada, e para além disso as nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência do Ac STJ 1/94 de 2/12, dispondo o artº 410º3 CPP que “ O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”

De acordo com as conclusões que delimitam o objecto do recurso são as seguintes as questões suscitadas:

- Contradição entre os factos assentes e indiciados e a decisão

- ausência de perigo da continuação da actividade perigosa;

Apreciando.

O arguido foi indiciado como tendo praticado um crime de violência doméstica no que respeita à sua ex-cônjuge.

A 1ª instância considerou que não havia fortes indícios de tal ilícito, que potenciasse a necessidade de outro meio de coação que não o termo de identidade e residência, e ao invés a Relação entendeu que estavam indiciados todos os factos descritos pelo Mº Pº na sua apresentação do arguido ao Mº JIC.

Vistos os factos, e tendo em conta que este tribunal conhece apenas de direito, mas tem o dever de analisar os factos, tendo presente o que consta dos autos, mesmos quanto à sua integração jurídica fazendo depois a sua análise critica quanto à necessidade, adequação e proporcionalidade dos meios de coação.

Assim e desde logo, como resulta do acórdão recorrido, a Relação considerou indiciados todos os factos constantes da apresentação do Mº Pº do arguido a primeiro interrogatório, sem que do acórdão resulte uma verdadeira análise crítica do prova, que contraponha a apreciação da mesma prova feita pela 1ª instância, pois se remete, como transcrito supra, para considerações gerais, admitindo inclusive que as declarações são conclusivas e genéricas, o que se impede uma eficaz defesa em julgamento (para evitar uma pena) também impede uma eficaz defesa nesta sede (para evitar a aplicação de uma medida de coação gravosa e limitadora tal como aquele da liberdade), pelo que a apreciação dos indícios deve obedecer às mesmas regras numa e noutra situação), sendo o demais no essencial depoimentos indiretos, não permitidos, ou considerar que ocorrendo os factos no recato da habitação ou sem testemunhas o depoimento da indiciada vitima deve merecer maior credibilidade, o que se nega nas mesmas circunstancias ao indiciado agressor, como se ambos não estivessem nas mesmas circunstancias probatórias. Acresce que se faz tábua rasa de diligencias probatórias, como a busca ou a perícia informática aos aparelhos da indiciada vitima e do indiciado agressor e deles nada resulta em abono do alegado facto de espionagem, e onde na falta de uma explicação, se entra no campo das suposições.

Acresce que estamos perante um inquérito urgente (e como tal classificado) sendo os primeiros factos indicados como tendo ocorrido no inicio de 2019, provavelmente sem audição ou interrogatório do arguido (ou pelo menos sem aplicação de medida de coação), até que ocorrera o incidente de 3/3/2024, sendo que o arguido refere a apensação de uma queixa contra a indiciada vitima, por agressões desta a si sem que dos autos qualquer referencia à sua constituição como arguida, mas ouvida apenas como testemunha (e esta apesar de dever ser arguida, como agressora, merecesse maior credibilidade que a vitima, passando-se tudo no mesmo silêncio da habitação). Tal como se o facto de a testemunha DD ser o companheiro da indiciada vitima, não fosse relevante, e com quem já se relacionava em Março de 2021, quando ainda a indiciada vitima e o arguido eram casados, e cujo depoimento não foi objecto de analise critica, pois como pode presenciar actos do arguido quando afirma no seu depoimento que não o conhece, o que manifestamente não é verdade, ou como se agora vivendo juntos tal não influísse, prima facie, no seu depoimento.

Mas fixados os factos indiciados pela Relação, contacta-se que os mesmos apresentam discrepâncias inconcebíveis ou inexplicadas (ou provavelmente explicáveis se a prova tivesse sido criticamente analisada, ou os factos serem outros).

A queixa apresentada, por requerimento subscrito pela denunciante, foi-o em 13/5/2022, logo após o divorcio ocorrido em 14/2/2022, e as responsabilidades parentais reguladas na mesma data (em 14/2/2022) sendo imputados factos desde 2019, quando parece resultar dos factos nºs 4 – afastamento, que estavam casados e não viviam juntos (reatando a vivencia em Abril de 2020 (nº 4) pelo que não se percebe como ele mexia no telemóvel à noite, sem autorização e sem ela saber, (sendo certo que a perícia não confirma os imputados actos) - factos nº1 dos factos não fortemente indiciados. O mesmo ocorre quanto ao nº seguinte, pois não se percebe se eram casados e viviam juntos.

Do mesmo modo sendo casados, e vinculados ainda e por isso ao dever de respeito e fidelidade, e desconfiando de relacionamento extraconjugal da esposa, não será de estranhar que procure saber se assim é, como parece ter ocorrido, pelo menos em 15/8/2021, estando com a indicada testemunha DD a jantar em casa deste e com quem já se vinha relacionando desde 19/3/2021, pelo que também o relatado no nº 18 já ocorre no âmbito do seu relacionamento, pois com ele foi viver em 7/3/2022 (imediatamente subsequente ao divorcio). Este relacionamento extraconjugal deveria ser assumido nos factos e não o é. Se cada um dos cônjuges é livre, o cumprimento dos deveres a que se obrigaram um para com o outro, só cessa com a quebra do vinculo que assumiram e este apenas ocorreu, salvo dados que os factos não comportam, após o divórcio. Se a indiciada vitima deu causa à busca do arguido sobre o cumprimento ou não desses deveres, como parece ter ocorrido, não vislumbramos aqui qualquer ofensa àquela, sob pena de subversão dos valores e do direito vigente.

Outros factos são inconsequentes ou não imputados sequer ao arguido, como ocorre com o facto nº 8 imputado a terceira pessoa, e 9 não se vê porquê imputado ao arguido e nºs 25 a 27.

Não se percebe a relevância do nº 13 (nada lhe acontece por ser da ...) que já se transformou em lugar comum, sendo recorrentes estas afirmações acusando os agentes da ... das mesmas, e em relação às quais os factos e os tribunais desmentem e por isso, pelo menos, são de duvidosa credibilidade a ocorrência de tais afirmações.

De todo o modo resulta evidente, que o relacionamento entre os cônjuges se pautava por discussões entre eles, desconhecendo-se a causa, ou porquê e por quem as iniciava, pelo que sem saber tais factos são irrelevantes para o efeito, para além de serem apenas causa de mau ambiente a ambos imputável. Decorre dos autos ainda que a queixa é apresentada depois do divórcio e posiciona-se como questão relativa às responsabilidades parentais relativa à filha, com as quais se indicia que a mãe quer por termo, alterando-o, e em que ambos se travam de razões em igualdade de comportamentos pretendendo impor cada um a sua vontade ou o seu entendimento sobre o cumprimento do regulado ou combinado (como se evidencia nºs 8 dos factos provados, e dos indiciados os nºs 2 não está de acordo, 15 a 17, e 35 a 36), ou a convivência com terceiros, não sendo despiciendo a tentativa de manipulação por ambos os ex-cônjuges, seja fora ou no âmbito dos tribunais, da filha de 5 /6 anos, como se todo o mal é do pai e o bem é da mãe.

De todo o indiciado não resulta a nosso ver, clara a existência do imputado crime de violência doméstica, por não traduzir uma situação de maus tratos entre ambos os cônjuges e de um em relação ao outro (é comum dizer-se que não há causa sem consequência, ou acção sem reação) numa relação de supremacia de um sobre o outro, inexistindo qualquer situação de subjugação entre os cônjuges e muito menos impediu a indiciada vitima de manter e efetivar o seu relacionamento, e que ponha em causa o bem jurídico que se visa proteger,1 não se indiciando uma situação de submissão de qualquer dos cônjuges ou de domínio de um sobre o outro ou algo que ponha em causa a autodeterminação de um dos cônjuges.

Nessa medida há assim de questionar nesta fase tal qualificação, em função do que apenas ocorrerá o ilícito de ofensa à integridade física ocorrido em 3/3/2024 nas circunstâncias descritas nos nºs 35 a 38 dos factos indiciados, sem se ponderar sequer da regulação das responsabilidades parentais (únicos que levaram à detenção e apresentação do arguido em 1º interrogatório judicial e à aplicação das medidas de coação em causa), e eventualmente outros que afetem um ou outro dos ex-cônjuges.

Nestas circunstâncias, as medidas aplicadas ao arguido ofendem os princípios supra elencados de necessidade, adequação e proporcionalidade, para não falar da sua falta de praticabilidade, pois não se compreende como quererá o tribunal resolver o problema das responsabilidades parentais ou outro relativo à menor, se pretende impedir o pai / arguido de as resolver proibindo inclusive contactos por interposta pessoa para as solucionar, a não ser pretendendo impedi-lo do exercício de tais responsabilidades, tal como se encontram indiciariamente definidas, o que, nesta fase, a lei ainda não lhe permite.

De todos o exposto decorre que as medidas de coação aplicadas em primeiro interrogatório e questionadas devem ser revogadas.

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Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça

Julga procedente o recurso interposto pelo arguido AA, e em consequência revoga o acórdão recorrido.

Sem custas

Notifique e dn

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Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 15/1/2025

José A. Vaz Carreto (relator)

Antero Luís

Jorge Raposo

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1. Cfr. ac STJ 20/4/2017 proc. 2263/15.8JAPRT.P1.S1 www.dgsi.pt “VI - Na identificação e caracterização dos bens jurídicos protegidos no crime de violência doméstica generalizadamente, se apontam como carecidas de protecção a saúde e a dignidade da pessoa entendida esta numa dimensão garantística da integridade pessoal contra ofensas à saúde física, psíquica emocional ou moral da vítima embora no estrito âmbito de uma relação de tipo intra-familiar pois é a estrutura “família” que se toma como ponto de referência da normativização acobertada nas alíneas a) a d) do nº 1 do art. 152º o que não significa porém, que seja a “família” a figura central alvo de protecção mas antes essa pessoa que nela se insere, individualmente considerada. VII - A violência doméstica pressupõe um contacto relacional perdurável no seio dessa estrutura de tipo familiar, com o sedimento tradicional que esta noção inevitavelmente comporta e também, claro está, com a ponderação da realidade sócio-cultural hodierna o que se traduz numa multiplicidade de sujeitos passivos inseridos nesse contacto. - Mas pressupõe também uma contundente transgressão relativamente à esfera de autonomia da vítima sujeita na maioria dos casos, como a experiência demonstra, a uma situação de submissão à vontade do(a) agressor(a), «de alguém de quem possa depender, ao nível mesmo da vontade sobre as dimensões mais elementares da realização pessoal» redundando «numa específica agressão marcada por uma situação de domínio (…) geradora de um específico traço de acentuada censura» que escapa em geral à razão de ser dos tipos de ofensas à integridade física, coacção, ameaça, injúria, violação, abuso sexual, sequestro, etc. Serão estes os traços que mais vincam a natureza do crime, a sua peculiar estrutura, mais do que a discussão à volta do recorte preciso do bem jurídico protegido. XIX - Assumindo que a violência doméstica é essa agressão levada a cabo de modo variado à autodeterminação da vítima que fica afectada pelos vários comportamentos tipificados não parece intransponível que esse ataque possa ser tido como dirigido à dignidade da pessoa e que seja esse um dos âmbitos de tutela que se visa assegurar.” secundado pelo ac STJ de 2/10/2024 proc. 156/23.4GBVNG.P1.S1. Cons. Antero Luis