RECURSO PENAL
RECURSO PER SALTUM
QUESTÃO NOVA
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CÚMULO JURÍDICO
Sumário


I - Os recursos destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, quer em obediência ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a sua finalidade, quer por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição.
II - A aplicação do “perdão e amnistia de infracções” concedidas pela Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto, é matéria que se inscreve no âmbito da competência do juiz da instância do julgamento ou da condenação (art.º 14º da Lei 38-A/2023).
III - Mostra-se justa, obedecendo aos princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem ultrapassar a medida da sua culpa, a pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão aplicada ao arguido pela prática de 2 (dois) crimes de violência doméstica em que havia sido condenado na pena de 3 (três) anos de prisão cada e 2 (dois) crimes de ofensa à integridade física em que havia sido condenado em 12 (doze) meses de prisão cada.
IV - É possível fazer um juízo de prognose positivo subjacente à suspensão da execução da pena quando o arguido não comete qualquer ilícito penal depois de haver sofrido uma primeira condenação, sendo esta, e as três condenações que se lhe seguiram, suspensas na sua execução.

Texto Integral

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça.

1. Relatório

1.1. Nos presentes autos de processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo Central Criminal de ...-J2, verificada uma situação de conhecimento superveniente de concurso de penas, nos termos do disposto nos artigos 77º nºs 1 e 2 e 78º nºs 1 e 2 do Cód. Penal, e a competência do Tribunal Colectivo e Juízo Central Criminal de ...-J2, para proferir a decisão, nos termos dos artigos 14º, nº 2, al. b) e 471º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, após realização de audiência, foi proferido acórdão cumulatório, com a seguinte, “Decisão:

Nos termos expostos, acordam os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de ... em

[operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos Processos CS nº 112/22.0..., CC nº 37/21.6..., CS nº 165/22.0... e CS nº 48/21.1...]

condenar o arguido AA, na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, na multa de 150 dias à razão diária de € 6, o que perfaz a multa global de € 900, e na pena acessória de proibição de contacto com a ofendida BB pelo período de 4 anos, sem prejuízo dos contactos que necessariamente e exclusivamente tenham de ter lugar no âmbito do exercício das suas responsabilidades parentais atinentes à filha de ambos.

1.2. Inconformado com esta decisão, dela interpõe recurso, o arguido, AA formulando, a final, as seguintes, “conclusões:

1. O arguido foi condenado na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, na multa de 150 dias à razão diária de € 6, o que perfaz a multa global de € 900, e na pena acessória de proibição de contacto com a ofendida BB pelo período de 4 anos, sem prejuízo dos contactos que necessariamente e exclusivamente tenham de ter lugar no âmbito do exercício das suas responsabilidades parentais atinentes à filha de ambos.

2. A condenação resulta do cúmulo superveniente realizado no âmbito da condenação dos processos:

a.Nos autos de processo CS nº 112/22.0... do Juízo Local Criminal de ... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. no artº 153º nº 1 e 155º nº 1 do Cod. Penal , na pena de 150 dias de multa à razão diária de € 6, o que perfez a multa global de € 900, e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos artºs 143º nº 1 e 145º nº 1 do Cod. Penal na pena de 12 meses de prisão, por factos praticados em 29/09/2021 e em cúmulo jurídico, foi o arguido AA condenado na pena única de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, e acompanhada de regime de prova, e em 150 dias de multa à razão diária de € 6, o que perfaz a multa global de € 900.

b. Nos autos de processo CS nº 37/21.6... do Juízo Local Criminal de ..., pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos artºs 143º nº 1 e 145º nº 1 do Cod. Penal na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, sujeita à condição de o arguido pagar ao ofendido CC a quantia de € 500, dentro do prazo de 3 meses subsequentes ao trânsito em julgado, do que deverá juntar quitação ao processo.

c. Nos autos de processo CS nº 165/22.0... do Juízo Local Criminal de ..., condenado pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. no artº 152º nº 1 al. a) e nº 3 do Cod. Penal na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, com regime de prova, enapenaacessóriadeproibiçãodecontactocom avítimapeloperíodo de 3 anos.

d.Nos autos de processo CS nº 48/21.1... do Juízo Local Criminal de ..., condenado pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. no artº 152º nº 1 al. a) do Cod. Penal na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, com regime de prova, e nas penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 3 anos, e de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica pelo período de 3 anos.

3. Ora, o tribunal “a quo” não sopesou os efeitos da lei n.º 38-A/2023 de 8 de Agosto – lei da amnistia - quer para efeitos da sua aplicação nas penas parcelas, quer depois na pena final, e devê-lo-ia ter feito.

4. O arguido beneficia do perdão de um ano da pena de prisão, relativamente aos processos:

a. CS nº 112/22.0... do Juízo Local Criminal de ..., e b. CS nº 37/21.6... do Juízo Local Criminal de ...

5. E assim, para todos os efeitos, a pena de prisão de um ano em que o arguido foi condenado em cada um dos referidos processos, não deve ser levada em conta, no cúmulo, tudo se passando como se esta pena não existisse.

6. Devendo, pois, fazer-se um novo cúmulo, considerando apenas as penas respeitantes aos processos CS nº 165/22.0... do Juízo Local Criminal de ..., e CS nº 48/21.1... do mesmo Juízo.

7. Quando assim não se considere, por efeitos da lei da amnistia, à pena de 5 anos e 3 meses sempre haverá de se perdoar um ano, e considerar que o arguido apenas deveria ser condenado a uma pena concreta de 4 anos e 2 meses, sendo suspensa na sua execução.

8. Por outro lado, quando não se considere como em 5 e 6 destas conclusões, verifica-se que a pena de 5 anos e 3 meses, é ilegal, dado que, não pesou diversos factos enão teveem contacircunstâncias referentes apersonalidade do arguido, que deveria ter levado em conta, que a sopesarem-se permitirão fixar a pena de prisão do arguido numa pena de 4 anos suspensa na sua execução,

9. Os fatos a ter em conta são:

a. Por um lado o tribunal “ a quo” deveria ter considerado que, atendendo a que as penas de prisão parcelares tinham sido suspensas, deveria ter-se ponderado que apenas caso existissem fatos suficientemente relevantes seria de aplicar uma pena superior a cinco anos de prisão, de forma a que a suspensão pudesse continuar a verificar-se, o que a não ocorrer deveria ponderar-se numa prisão sempre inferior ao referido montante

b. Por outro lado, atendendo:

i. à idade do arguido à data da prática dos fatos, a sintonizar que se tratava de um jovem;

ii. Que nunca esteve preso.

iii. Que é pai de uma menina de 4 anos de idade.

iv. O fato do período temporal em que se desenrolou a atividade criminosa, ser circunscrito a um específico período da sua vida.

v. O fato da atividade criminosa se ficar a dever, (no que se refere a três dos referidos crimes) sobremaneira, e essencialmente, à falta de maturidade do arguido e a um estado emocional que se deteta corresponder a um “túnel de emoção” que se prendeu com a disputa que travou com a ofendida referente ao poder paternal da filha que tinham em conjunto

vi. Ao fato de não terem existido graves ofensas físicas e que as ofensas morais que se traduziram no crime de violência doméstica, foram essencialmente por trocas de e-mailes,

vii. Tudo aponta para que não se esta perante uma tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa do arguido, mas antes se evidencia que foi uma mera pluriocasionalidade, muito circunscrita no tempo, a permitir dizer-se que em nenhum caso este miúdo deverá ir para dentro do sistema prisional, cumprir tão gravosa pena de cadeia.

10.O arguido não deve ser condenado a uma pena de prisão superior a 4 anos, suspensa na sua execução.

a) As normas jurídicas violadas;

Considera-se violado o artigo 77 do código Penal

b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada;

Deveria ter-se aplicado o artigo 77º do código penal, considerando-se que os fatos e a personalidade do arguido, implicam que seja aplicado em cúmulo uma pena de prisão de 4 anos e nunca de cinco anos e três meses.”

1.3. Ao recurso respondeu o Sr. Procurador da República no Juízo Central Criminal de ..., concluindo do seguinte modo:

“1. As penas parcelares de prisão, cumuladas no acórdão recorrido, respeitam a crimes que constam do elenco de exclusões, estatuído no artigo 7.º, maxime no n.º 1, al. a), ii e iii da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, pelo que o recorrente não poderia beneficiar do perdão previsto na citada Lei.

2. A pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, efectiva, mostra-se, dentro da moldura penal abstracta, justa e criteriosa, dando expressão acertada às exigências de prevenção, especial e geral, que no caso em apreço se faziam sentir.

3. Não se mostram violados, por qualquer forma, quaisquer princípios ou preceitos legais, mormente os invocados pelo recorrente.

Face ao exposto, e ao abrigo das disposições legais supracitadas, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se, na íntegra, a decisão judicial recorrida.”

1.4. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

“Em síntese”, conclui que:

“É justa e criteriosa a pena única aplicada ao arguido, ora recorrente;

No caso, não é aplicável o perdão da L-38-A/2023, de 02/08, à condenação pela prática dos dois crimes de “ofensa à integridade física qualificada” p. e p. nas disposições dos arts. 143º e 145º/1-a) do Código Penal (cfr, o art. 3º/2-d) daquela Lei).

IV

Em conclusão:

Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que:

- Deverá o presente recurso ser julgado não provido e improcedente.”

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente não respondeu.

Foram os autos aos vistos e à conferência.

Decidindo,

2 - Fundamentação

2.1. De Facto.

2.1.1. Dados processuais e factos provados.

a) Factos provados

Pela discussão da causa, feita a análise do teor das diversas certidões judiciais juntas aos autos, em particular da certidão judicial junta aos autos a fls. 1 e segs., feita a análise crítica do teor do relatório social actualizado junto aos autos em 17/05/2024 e do CRC actualizado do arguido emitido em 22/04/2024 formaram os Juízes que integram este Tribunal Colectivo a convicção que permite julgar provados os seguintes factos:

a.1) Nos autos de processo CS nº 112/22.0... do Juízo Local Criminal de ... (de onde foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos de cúmulo jurídico), foi o arguido AA condenado, por sentença datada de 19/12/2023, transitada em julgado em 01/02/2024, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. no artº 153º nº 1 e 155º nº 1 do Cod. Penal , na pena de 150 dias de multa à razão diária de € 6, o que perfez a multa global de € 900, e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos artºs 143º nº 1 e 145º nº 1 do Cod. Penal na pena de 12 meses de prisão, por factos praticados em 29/09/2021.

Em cúmulo jurídico, foi o arguido AA condenado na pena única de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, e acompanhada de regime de prova, e em 150 dias de multa à razão diária de € 6, o que perfaz a multa global de € 900.

a.2) Nos autos de processo CS nº 37/21.6... do Juízo Local Criminal de ..., por sentença datada de 11/10/2023, transitado em julgado em 16/11/2023 por factos praticados em 13/08/2021, foi o arguido AA condenado pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos artºs 143º nº 1 e 145º nº 1 do Cod. Penal na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, sujeita à condição de o arguido pagar ao ofendido CC a quantia de € 500, dentro do prazo de 3 meses subsequentes ao trânsito em julgado, do que deverá juntar quitação ao processo.

a.3) Nos autos de processo CS nº 165/22.0... do Juízo Local Criminal de ..., por sentença datada de 30/06/2023, transitada em julgado em 03/08/2023 por factos praticados em 27/01/2022, foi o arguido AA condenado pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. no artº 152º nº 1 al. a) e nº 3 do Cod. Penal na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, com regime de prova, e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 3 anos.

Tal condenação assentou nos seguintes factos:

«O arguido AA e a ofendida BB encetaram uma relação de namoro entre 2017 e 2019, tendo casado no dia ... de ... de 2019. Dessa união nasceu uma filha, a saber DD, em 4.10.2020. O (ex-) Casal Residia na Rua.... Separaram-se em ... de ... de 2020, tendo a Vítima, então, tomado a decisão de sair de casa, o que esta fez, passando a residir com a filha na Rua .... No âmbito do processo comum n.º 48/21.1..., por crime de violência doméstica contra a Vítima dos presentes autos, foi o ora Arguido sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, em 16-11-2021, tendo-lhe sido aplicada a seguinte medida de coação: a) proibição de contacto presencial e fisicamente com a vítima bem como proibição de se deslocar ao local de trabalho e interior da residência da vítima, salvo, em face da existência de filha, o contacto através de terceira pessoa ou, entre ambos pais, só através de mensagem de texto, por qualquer meio eletrónico (telemóvel, computador, etc), ou por email no contexto da educação e visita da menor; e b) obrigação de apresentação, a partir de 18.11.2021, inclusive, às quintas-feiras entre as 9h. e as 19 h. no posto da GNR de .... Nos referidos autos, o Arguido foi condenado por Decisão de 09.06.2022, pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado contra a pessoa da sua (ex-) mulher BB, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º1, alínea a), n.ºs2, 4 e 5 do Código Penal, na pena principal de três anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, a ser acompanhada de regime de prova; na pena acessória de proibição de contacto por qualquer meio com BB por igual período de três anos, sem prejuízo dos contactos que, necessariamente e exclusivamente, tenham de ter lugar no âmbito do exercício das suas responsabilidades parentais atinentes à filha de ambos, DD. Mais ali se decidiu manter as medidas de coação em vigor, ou seja, a proibição de qualquer contacto, físico, presencial e/ou à distância com a Vítima, bem como a proibição de se deslocar ao local de trabalho e à residência da Vítima, salvaguardando-se, somente, o contacto através de terceira pessoa e/ou à distância, por meio de mensagem escrita se e a respeito das responsabilidades parentais da Filha Menor; e a obrigação de apresentação, às quintas-feiras entre as 8:00 e as 17:00 no posto da G.N.R. de .... Não obstante a proibição de contactos judicialmente determinada referida em 5., o Arguido, por mais do que uma vez, depois de 18.11.2021, entregou ou foi buscar pessoalmente a filha, em casa da Vítima, sita à .... Não obstante tal medida de coação, no dia 27 de janeiro de 2022, pelas 10 horas, quando a vítima BB se deslocou com a sua filha DD, então com 15 meses, ao Centro de Saúde de ..., para consulta materno-infantil, consulta de que a Vítima deu conhecimento prévio ao Arguido, este deslocou-se no mesmo dia e hora ao dito Centro de Saúde, tendo acompanhado a consulta da filha, sem qualquer oposição da Vítima. No decurso da mesma, o Arguido, quando a enfermeira EE, se ausentou e a Vítima se encontrava a vestir a filha, o Arguido dirigiu-se à Vítima: “caralha”, “a tua família é uma cambada de putas e de paneleiros”. Em mais do que uma ocasião, em datas não concretamente apuradas, mas situadas em Fevereiro de 2022, o Arguido dirigiu-se à Vítima, dizendo-lhe: “avisa o teu namorado que eu quero ter uma conversa com ele acerca da minha filha”. Em data não concretamente apurada, mas situada em Fevereiro de 2022, na bomba de gasolina da Cepsa sita em ..., o Arguido, vendo a Vítima, inverteu o sentido de marcha da sua viatura, parou a sua viatura junto da mesma, abriu o vidro e pediu-lhe que deixasse levar a filha de ambos à creche na segunda-feira. No dia 06 de fevereiro de 2022, dia que não era de visita ao progenitor, a Vítima foi passear de carro com a filha por ..., tendo passado junto de um café onde estava o Arguido. O Arguido, vendo que a Vítima estava a passar, levanta-se dirigindo-se em direção da viatura onde a mesma seguiu, mas esta não parou. De seguida, o Arguido enviou uma mensagem SMS à Vítima, onde dizia: “PASSAS-TE POR MIM. PODIAS TER DEIXADO VER A MINHA FILHA BB 1 MINUTO BB SO DAR UM BEIJINHO. AQUI NO ...; OKAY TUDO BEM EU VEJO A AMANHÃ. OBRIGADO A MESMA”. O Arguido continuou a enviar mensagens via SMS à Vítima, algumas das vezes, a pretexto de ser a propósito da filha, mas onde aproveitava para se lhe dirigir nos termos que infra se reproduzem. Em 03-02-2022, pelas 18h46m, o Arguido enviou através do Whatsapp (MSISDN +..........85) para o Whatsapp da Vítima (MSISDN .......46), a mensagem: “És impressionante”. Em 03-02-2022, pelas 18h47m, o Arguido enviou através do Whatsapp (MSISDN +..........85) para o Whatsapp da Vítima (MSISDN .......46), a mensagem: “Boa mãe que tas a ser. Até já”. Em 13-02-2022, pelas 20h28m, o Arguido enviou através do Whatsapp (MSISDN +..........85) para o Whatsapp da Vítima (MSISDN .......46), a mensagem: “Eu tinha vergonha ser Uma pessoa Como Tu, Olha te po espelho. Até amanha””. Em 13-02-2022, pelas 20h39m, o Arguido enviou através do Whatsapp (MSISDN +..........85) para o Whatsapp da Vítima (MSISDN .......46), a mensagem: “Destrois famílias e eu e que Tenho vergonha lol. A tua filha nem quer ir ora Casa da mama eu Pergunto lhe Ela diz que nao Imagina quando Ela saber falar. Quem te der tratar Um filha Como Eu trato a minha creche. Devias ter vergonha de tar a mandar em mensagem e ver o meu Insta okay ate amanha. Só tu pra me estragares um Dia bonito””. Em 06-03-2022, pelas 01h42m, o Arguido enviou através do Whatsapp (MSISDN +..........85) para o Whatsapp da Vítima (MSISDN .......46), a mensagem: “Sff vamos tratar do divórcio deixa me seguir a minha vida, já que não foste onesta…” Deixa-me ser feliz quero ser livre. Quero fazer coisas e não faço porque respeitei a mina lealdade ah outras pessoas não são como eu…sei queque tu queres mas não ah…Sff eu sou puro vamos fazer os papéis a bem segue a tua vida já estás com outros homens não tenho nada a ver com isso mas eu como sou sff vamos os papéis do divórcio. Tu abandonaste a família foste à procura da tua felicidade. Agora deixa fazer a minha” Em 13-03-2022, pelas 20h34m, o Arguido enviou através do Whatsapp (MSISDN +..........85) para o Whatsapp da Vítima (MSISDN .......46), a mensagem: “Uma mulher sem classe e sem amigos e que faz isso. O que transmites a tua filha de mustrar o corpo para ter atenção Dos outros homens. Tás a dar boa educação a tua filha continua. E tira o meu nome de AA que classe não tens nenhuma quando souberem que realmente tu és. Run away fast as you can”. A Vítima tem receio de que o Arguido, concretize, aquilo que anunciou, temendo pela sua integridade física e, até, pela sua vida. O Arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente. O Arguido sabia e quis lesar com o seu comportamento, de uma forma reiterada, a dignidade pessoal e a saúde psíquica e mental de BB, como o conseguiu, explorando a sua debilidade psíquica. O Arguido, ao utilizar as expressões acima mencionadas, atuou com o objetivo concretizado de ofender a honra, o bom-nome e a consideração de BB. O Arguido agiu com intenção de provocar receio em BB, de devassar a vida e descanso da mesma e de a afetar na sua liberdade de determinação. O Arguido atuou enquanto ainda marido de BB e pai da sua filha, ciente que devia tratá-la com respeito e consideração. O Arguido não se absteve de adotar algumas das condutas descritas na presença da filha menor de ambos. O Arguido sabia que o seu comportamento era proibido e punido pela lei penal. O Arguido tinha capacidade de determinação segundo as prescrições legais. A Demandante, atentos os comportamentos reiterados do Arguido, sentiu e sente, humilhação, medo, angústia, inquietação e perseguição. A Demandante é hoje uma pessoa totalmente diferente, encontrando-se mais inibida e assustada. A Demandante alterou a sua rotina, deixando de fazer o que mais gostava, principalmente com a sua filha. Numa vila pequena, onde todos se conhecem, a Demandante deixou de frequentar determinados cafés e supermercados, para não ter de se encontrar com o Arguido. A Demandante vive angustiada e inquieta, estando sempre em constante sobressalto. A Demandante deixou também de passear na rua com a sua filha, de se deslocar ao parque infantil, pois vive em pânico de se cruzar com o Arguido.»

a.4) Nos autos de processo CS nº 48/21.1... do Juízo Local Criminal de ..., por sentença datada de 09/06/2022, transitada em julgado em 14/10/2022, por factos praticados em 20/09/2021, foi o arguido AA condenado pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. no artº 152º nº 1 al. a) do Cod. Penal na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, com regime de prova, e nas penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 3 anos, e de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica pelo período de 3 anos.

Tal condenação assentou nos seguintes factos:

« 1. O arguido AA e a ofendida BB encetaram uma relação de namoro entre 2017 e 2019, tendo casado no dia ... de ... de 2019. Dessa união nasceu uma filha, a saber DD, em 24.10.2020. O (ex-) Casal Residia na Rua .... O Arguido já era consumidor de produtos estupefacientes, antes da relação de namoro, consumos que manteve durante o relacionamento conjugal com a Vítima. Em data não concretamente apurada, quando o Arguido e a Vítima ainda namoravam e se deslocaram às ..., o Arguido, na sequência de ter consumido estupefacientes, discutiu com a Vítima, que não concordava com tais consumos e em retaliação, o Arguido deixou a mesma a pé, sem boleia, indo-se embora na sua viatura automóvel. Em data não concretamente apurada, a Vítima engravidou, mas, por razões de saúde, teve um aborto, tendo permanecido uma noite no Hospital de ..., não tendo o Arguido demonstrado qualquer preocupação com o estado da mesma, não a tendo ido buscar ao Hospital quando teve alta. Após o casamento, eram frequentes as discussões, muitas vezes derivadas dos consumos de drogas por parte do Arguido, no interior da residência do Casal e, com uma frequência, pelo menos, semanal, o Arguido apelidava a Vítima de “puta”, “cabra”, “vaca”, “monte de merda” e, ainda, dizia-lhe: “não vales nada”. Em número não apurado de vezes, o Arguido, na sequência das referidas discussões, agarrava os pulsos da Vítima, apertando-os, e desferiu-lhe empurrões, atingindo-a em diversas partes do corpo, com o que lhe causou dores. Em número não apurado de vezes, o Arguido, na sequência das referidas discussões, cuspindo na cara da Vítima. Em algumas dessas discussões, o Arguido partiu objetos no interior da residência, partiu portas e fechaduras, molduras e destruía fotografias da Vítima. O Arguido sempre foi uma pessoa ciumenta e, ao longo da relação conjugal, acedia ao telemóvel da Vítima e às redes sociais, mormente quando esta estava a dormir, obrigando a Vítima, por diversas vezes, a alterar as palavras-passe, por forma a impedir acessos não autorizados pelo Arguido. Quando o Arguido descobria que a Vítima havia mudado as palavras-passe, confrontava-a, questionando-a porque motivo o fizera, com quem andava, e afirmando que a mesma tinha algo a esconder. No mês de abril de 2020, estando a Vítima novamente grávida, de dois meses, quando a mesma chegou a casa, de jantar com amigas, apanhou o Arguido a consumir cocaína e a ingerir bebidas alcoólicas, tendo discutido com o mesmo. O Arguido, não gostando de ser confrontado pela Vítima, agarrou-a pelos braços, apertando-os e causando-lhe nódoas negras, levando a mesma a querer fugir de casa no seu carro. O Arguido colocou-se à frente do carro da Vítima, obrigando a mesma a ir a pé para casa dos pais desta. Após o nascimento da filha, o Arguido demitiu-se de toda e qualquer tarefa doméstica, designadamente de cuidar da filha, sobrecarregando a Vítima. O Arguido sempre tentou demover a Vítima a abandoná-lo, dizendo, em número não concretamente apurado de vezes, que: “se me deixares desapareço com a nossa filha para o ...”. Não obstante tais ameaças e na sequência de todas estas condutas, em 05 de julho de 2020, a Vítima tomou a decisão de sair de casa, o que o Arguido não aceitou, como, durante muito tempo, não aceitou a referida separação. Após a separação, o Arguido continuou a dizer à Vítima, pessoalmente, que lhe vai tirar a filha e que alguém vai sofrer e, ainda, que “agora é que vais saber o que os AA são capazes de fazer”. No dia 26 de agosto de 2021, a Vítima foi com a filha ao Centro de Saúde de ..., para consulta de rotina, estando com a filha ao colo, tendo o Arguido aparecido no referido local, dizendo de viva e alta voz “metes-me nojo a mim e à minha família”, “não vales nada”, “és uma merda”, “a minha vontade é de te cuspir”. O Arguido mais disse à Vítima que iria alegar ao tribunal que a mesma se prostituía e que teria um relacionamento em ..., com um indivíduo de cor negra. De seguida, o Arguido pegou com ambas as mãos na filha, fazendo força para a arrancar do colo da mãe, tendo o médico do Centro de Saúde saído do seu Gabinete para mandar o Arguido se acalmar. No dia 20 de setembro de 2021, cerca das 15h30m a Vítima recebeu uma chamada da creche da filha (Jardim de Infância de ...), para ir buscar a mesma, por esta se encontrar com febre. Uma vez lá chegada, a Vítima verificou que o Arguido já lá se encontrava, tendo-se este dirigido à Vítima a questionar à mesma porque é que haviam ligado para ela e não para si e, de seguida, o Arguido solicitou à Vítima para segurar na filha ao colo, ao que a mesma acedeu, tendo, depois, se recusado a entregar a filha à Progenitora. Após a Vítima lograr retirar a filha do colo do Pai, a mesma dirigiu-se à sua viatura e seguiu em direcção à sua residência sita na Rua ..., tendo o Arguido seguido no seu encalce, na viatura do mesmo. Após ter estacionado nas imediações da casa da Vítima, o Arguido deslocou-se junto da mesma, dizendo-lhe, em tom exaltado que queria levar a filha ao Hospital, tendo a Vítima respondido que, só após três dias com febre, é que a menina devia ir ao Hospital e que, entretanto, a filha estava a fazer a medicação adequada. Entretanto, juntam-se Familiares da Vítima e do Arguido, resultando factos entre os mesmos que estão a ser investigados no NUIPC 47/21.3... Na sequência da discussão entre os Familiares de ambos, o Arguido abeirou-se da Vítima, agarrou-a pelo braço esquerdo, apertando-o e cuspiu-lhe na cara. Desde a separação, o Arguido tem enviado mensagens a solicitar à Vítima para voltar para a mesma, sob pena de ele lhe retirar a filha. No dia 04.09.2021, o Arguido enviou a seguinte mensagem à Vítima: “Tu um dia vais te arrepender por tudo” e “vai fuder quem queres eu um dia digo lhe boa sorte”. No dia 05.09.2021 (domingo), o Arguido enviou a seguinte mensagem à Vítima: “Desculpa por ter te cuspido 3x na nossa relação magoaste me muito. Nunca quis magoar-te. Desculpa BB. Só quero que saibas que vocês eram a minhas princesas. Não tava em mim devia ter mudado muito antes… mas tu também. Eu aceito o que vai acontecer simplesmente não queria que a nossa filha via no futuro nos com outra pessoa nunca faria isso a nossa família. Lutava por lealdade e respeito. Fiz muita coisa boa e tu sabes disso. Se não durava 5 anos. Nunca imaginava tamos divorciados. Pensava que era morte que nos ia separar”. Em 16.09.2021, o Arguido enviou à Vítima a seguinte mensagem: “não vales nada (…) Tu nunca mereceste um homem como eu”. Em 20.09.2021, o Arguido enviou a seguinte mensagem à Vítima: “Desculpa por esta situação. Mas nos tiveste muita mal. Utilizar a nossa filha”. Em 21.10.2021, o Arguido enviou a seguinte mensagem à Vítima: “nunca vou esquecer tu o que tu me fizeste. E o que tas a fazer me nunca vou esquecer. A maldade que tu tens e es. E falas de mim olha pé espelho. Eu tenho um coração de ouro e sou boa pessoa. Tudo o que me fizeste não és mulher de família nem mulher não tens espinha nenhuma”. Em 04.11.2021, o Arguido remeteu a seguinte mensagem à Vítima: “Já sei que andaste a falar de mim a muita gente no casamento da FF. A dizer merdas. Devias ter vergonha tudo o que me fizeste. Metes nojo cuspir do prato onde comias demonstras que pessoa que é e serás. Também vou ser como tu falar. A dizer que tinhas vícios e que fazias sexo e broches por 20€. Pra pagar o teu vício. Que desilusão que tu és… Nem quero olhar pra tua cara. Não tens classe nenhuma”. Após o primeiro interrogatório a que foi sujeito, e no qual o Arguido ficou proibido de contactar com a Vítima, o mesmo continuou, entre 17 de novembro de 2021 e 15 de dezembro de 2021, a deslocar-se diariamente à casa da Vítima, sob o pretexto de ir levar a filha de ambos, DD, à residência da Ofendida, dirigindo-lhe as seguintes expressões: “és uma vergonha”, “não me esqueço do que me fizeste”, “Vai falar com os teus amigos do trabalho. Um dia ainda vamos falar sobre isso”, “Lido com quengas todos os dias, não preciso de mais uma”, “carrega no botão”, fazendo alusão à teleassistência. O Arguido continuou a enviar mensagens, via Messenger, para o telemóvel da vítima (Iphone X, com os IMEI´s, .............25 e .................32, com cartão da operadora NOS, com o n.º .......46, mormente: em 17.11.2021, pelas 19h14m, em 28.11.2021 às 20h01m, em a 14.12.2021, pelas 16h52m. A Vítima teve receio de que o Arguido concretize aquilo que anunciou, temendo pela sua integridade física e, até, pela sua vida. O Arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente. O Arguido sabia e quis lesar com o seu comportamento, de uma forma reiterada, a dignidade pessoal e a saúde física, psíquica e mental de BB, como o conseguiu, explorando a sua debilidade física e psíquica. O Arguido, ao utilizar as expressões acima mencionadas atuou, em todas as ocasiões relatadas, com o objetivo concretizado de ofender a honra, o bom-nome e a consideração da Vítima. O Arguido agiu com intenção de provocar receio na Vítima e de a afetar na sua liberdade de determinação. O Arguido, em todas as circunstâncias descritas, previu, quis e conseguiu molestar física e psicologicamente a sua mulher bem como provocar-lhe medo, de molde a prejudicar a sua liberdade de determinação, para além de lhe causar sofrimento físico e psíquico, ofendendo a sua dignidade e sensibilidade, sabendo que, enquanto seu marido e pai dos seus filhos, devia tratá-la com respeito e consideração. O Arguido não se absteve de adotar tais condutas na presença da Filha menor de ambos, de 1 ano de idade. O Arguido sabia que o seu comportamento era proibido e punido pela lei penal. O Arguido tinha capacidade de determinação segundo as prescrições legais.»

a.5) Nos autos de processo CS nº 367/18.4... do Juízo Local Criminal de ... – Juiz 1, por sentença datada de 20/12/2018, transitada em julgado em 04/02/2019 por factos praticados em 27/06/2010, foi o arguido AA condenado pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos artºs 143º nº 1 e 145º nºs 1 e 2 e 132º nº 2 al l), todos do Cod. Penal na pena de 11 meses de prisão, substituída por 330 dias de multa à taxa diária de € 5,50, o que perfez a multa de € 1815,00, já extinta pelo pagamento.

a.6) Por acórdão cumulatório datado de 15/11/2023, transitado em julgado em 15/12/2023, proferido nos autos processo nº 3336/23.9... do Juiz 3 deste JCC de ..., foi realizado o cúmulo jurídico de penas aplicadas ao arguido AA nos processos CS nº 48/21.1... e CS nº 165/22.0..., tendo o arguido sido condenado na pena única 4 anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período, acompanhada de regime de prova, de acordo com o plano de reinserção social já elaborado pela DGRSP, no âmbito do Proc. 165/22.0...; e na pena acessória única, prevista no art 152º n.º 4 do Código Penal, determinando-se a proibição de contacto do arguido, por qualquer meio com BB por igual período de quatro anos, sem prejuízo dos contactos que necessariamente e exclusivamente tenham de ter lugar no âmbito do exercício das suas responsabilidades parentais atinentes à filha de ambos.

2.1.2. Condições pessoais do arguido.

Do teor do acórdão cumulatório proferido nos autos processo nº 3336/23.9... do Juiz 3 deste JCC de ..., do teor do relatório social junto aos autos resulta ainda, quanto aos factos pessoais do arguido, que:

a.7) O arguido, após a separação, voltou para a residência familiar dos pais, uma moradia de grandes dimensões, situada numa zona serrana.

a) É uma moradia tipologia T5, que reúne de muito boas condições de habitabilidade e conforto, estando equipada com piscina, sauna, jacuzzi, garagem e adega.

b) Os pais de AA têm residência paralela em ..., onde possuem uma outra habitação, deslocando-se frequentemente entre os dois países.

c) Nas imediações da morada do arguido, residem outros familiares, designadamente o irmão GG, de 35 anos de idade, avós paternos, tios e primos.

d) O Arguido é accionista da empresa S..., S.A., que opera na área de reinvestimento imobiliário, e importação e comércio de automóveis, juntamente com o seu irmão e com o seu pai. Os pais verbalizam que nos últimos tempos, o esforço do filho no desempenho da sua atividade profissional, não é consistente.

e) Dos rendimentos do seu trabalho, o Arguido aufere 1205,70€, valor a que acrescem as comissões.

f) O Arguido tem como despesas fixas mensais, 120 €, a pagar a título de pensão de alimentos, 50€ para pagamento do infantário e um crédito automóvel de 350€ mensais.

g) A filha do arguido, passa geralmente uma quarta feira quinzenalmente com o pai, assim como um fim de semana, com a regularidade quinzenal.

h) O arguido, natural do ..., viveu com a sua família de origem neste país até aos 5 anos de idade, ocasião em que se mudaram para ..., e, quando AA contava 12 anos de idade, foram residir para .... O pai dedicava-se à importação e comercialização de automóveis, vivenciando a família, aquando da infância e adolescência do arguido, uma situação económica favorável e desafogada. No ano de 2012, o arguido e sua família regressaram ao ..., onde permaneceram até ao ano de 2016, regressando depois a Portugal.

i) AA é uma pessoa reservada, não falando dos seus problemas com os familiares. AA tem sido acompanhado em consultas de psicologia, realizadas na Clínica “S.......”, em ....

j) Ao nível da saúde, o arguido apresenta alguns consumos de produtos estupefacientes.

k) AA, habilitado com o 9º ano de escolaridade, abandonou a frequência escolar por falta de motivação para os estudos.

l) Aos 16 anos o arguido iniciou o seu percurso laboral aos 16 anos como ..., na zona do .... Posteriormente trabalhou como segurança em estabelecimentos de diversão noturna e como servente de ... da construção civil. Os pais abriram posteriormente um restaurante na localidade de ..., onde o arguido passou a trabalhar.

m) O arguido beneficia do apoio dos pais, ao nível logístico e alimentar, auxiliando-o também monetariamente quando necessário.

n) Os elementos do meio consideram AA uma pessoa imatura, irresponsável, e, por vezes, impulsivo na interação com os outros, dispondo de uma imagem pouco favorável, na sua localidade de residência.

o) O arguido tem estado a revelar algumas dificuldades no cumprimento das obrigações fixadas na pena única resultante do cúmulo jurídico realizado no âmbito do Proc. Nº 3336/23.9....”

2.2. De Direito.

2.2.1. É pelas conclusões que se afere o objecto do recurso (402º, 403º, 410º e 412º do CPP), sem prejuízo, dos poderes de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.º 2, do CPP, AFJ n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995, 410º, n.º 3 e artigo 379.º, n.º 2, do CPP).

Levando em conta as conclusões do arguido recorrente, são questões a decidir, as seguintes (pela ordem indicada):

-A aplicação da Lei n.º 38º-A/2023, de 08.08, “Lei de Amnistia” (quer em relação às penas parcelares quer à pena única – conclusões 1 a 7);

-Pena única (não pesou a personalidade do arguido nem outros factos como os referidos na conclusão 9, alíneas a) e b) – conclusões 8 a 10);

-Violação do disposto no art.º 77º do Código Penal.

2.2.1.1. Aplicação da Lei n.º 38º-A/2023, de 08.08, “Lei de Amnistia” (quer em relação às penas parcelares quer à pena única – conclusões 1 a 7);

Defende o recorrente que o tribunal “a quo” não sopesou os efeitos da lei n.º 38-A/2023 de 8 de Agosto – lei da amnistia - quer para efeitos da sua aplicação nas penas parcelares, quer depois na pena final, que o recorrente beneficia do perdão de um ano da pena de prisão, relativamente aos processos, Comum Singular nº 112/22.0... do Juízo Local Criminal de ..., e ao Comum Singular nº 37/21.6... do Juízo Local Criminal de ..., não sendo levada em conta a pena de prisão de um ano em que o arguido foi condenado em cada um dos referidos processos, tudo se passando como se esta pena não existisse.

Deveria, pois, fazer-se um novo cúmulo, considerando apenas as penas respeitantes aos processos CS nº 165/22.0... do Juízo Local Criminal de ..., e CS nº 48/21.1... do mesmo Juízo.

E quando assim não se considere, por efeitos da lei da amnistia, à pena de 5 anos e 3 meses sempre haverá de se perdoar um ano, e considerar que o arguido apenas deveria ser condenado a uma pena concreta de 4 anos e 2 meses, sendo suspensa na sua execução.

Vejamos.

Pretende o arguido obter, por via do recurso, decisão que lhe aplique o perdão concedido pela Lei n.º 38-A/2023, quer em relação às penas parcelares, quer em relação à pena única.

Neste caso, é objecto de recurso o acórdão que efectuou o cúmulo jurídico das penas parcelares em que o arguido foi condenado nos processos, comum singular nº 112/22.0..., Comum Singular nº 37/21.6..., Comum Singular nº 165/22.0... e Comum Singular nº 48/21.1..., todos do Juízo Local Criminal de ....

Este acórdão nada diz nem se pronunciou sobre a aplicação, ou não, da Lei n.º 38º-A/2023, de 08.08, “Lei de Amnistia”, nem a ela se refere.

É uma questão nova que o arguido recorrente agora suscita. Como vem sendo jurisprudência dominante ou pacifica, os recursos não visam a obtenção de decisões sobre questões novas não colocadas perante o tribunal recorrido.

As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida1. Também não se trata de matéria de conhecimento oficioso (art.º 126º, n.º 3 do CPP)2.

Para além de que, como se refere no Ac. do STJ de17.12.2024, “a aplicação do perdão é matéria que se inscreve no âmbito da competência do juiz da instância do julgamento ou da condenação (artigo 14.º da Lei n.º 38-A/ 2023).”

Inexistindo decisão sobre a aplicação do perdão, carece o recurso de objeto, nada havendo a decidir.

Em consequência, rejeita-se o recurso nesta parte (art.ºs 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Penal)3.

2.2.1.2. Medida da pena. Pena única (não pesou a personalidade do arguido nem outros factos como os referidos na conclusão 9, alíneas a) e b) – conclusões 8 a 10);

a. Alega, ainda, o recorrente que se verifica que a pena de 5 anos e 3 meses, é ilegal, dado que, não pesou diversos factos e não teve em contacircunstâncias referentes apersonalidade do arguido, que deveria ter levado em conta, que a sopesarem-se permitirão fixar a pena de prisão do arguido numa pena de 4 anos suspensa na sua execução,

9. Os fatos a ter em conta são:

(i)o tribunal “ a quo” deveria ter considerado que, atendendo a que as penas de prisão parcelares tinham sido suspensas, deveria ter-se ponderado que apenas caso existissem fatos suficientemente relevantes seria de aplicar uma pena superior a cinco anos de prisão, de forma a que a suspensão pudesse continuar a verificar-se, o que a não ocorrer deveria ponderar-se numa prisão sempre inferior ao referido montante,

(ii)a idade do arguido à data da prática dos fatos, a sintonizar que se tratava de um jovem;

iii. Que nunca esteve preso.

iv. Que é pai de uma menina de 4 anos de idade.

v. O facto do período temporal em que se desenrolou a atividade criminosa, ser circunscrito a um específico período da sua vida.

vi. O facto da atividade criminosa se ficar a dever, (no que se refere a três dos referidos crimes) sobremaneira, e essencialmente, à falta de maturidade do arguido e a um estado emocional que se deteta corresponder a um “túnel de emoção” que se prendeu com a disputa que travou com a ofendida referente ao poder paternal da filha que tinham em conjunto

vii. Ao facto de não terem existido graves ofensas físicas e que as ofensas morais que se traduziram no crime de violência doméstica, foram essencialmente por trocas de e-mailes,

viii. Tudo aponta para que não se esta perante uma tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa do arguido, mas antes se evidencia que foi uma mera pluriocasionalidade, muito circunscrita no tempo, a permitir dizer-se que em nenhum caso este miúdo deverá ir para dentro do sistema prisional, cumprir tão gravosa pena de cadeia.

Conclui que o arguido não deve ser condenado a uma pena de prisão superior a 4 anos, suspensa na sua execução.

b.No seu parecer conclui o Exmo. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal, em síntese, que “é justa e criteriosa a pena única aplicada ao arguido, ora recorrente, motivo por que o Ministério Público dá parecer que deverá o presente recurso ser julgado não provido e improcedente.”

c. E considerou o acórdão recorrido que, “ponderando, assim, o caso concreto:

- as exigências de prevenção geral são elevadas, pois os crimes de violência doméstica são dos mais praticados no nosso país e provocam grande alarme social na comunidade. Esta reclama rigor punitivo para desincentivar o seu cometimento.

- o grau de ilicitude refletido no facto e no desvio de valores impostos pela ordem jurídica é elevado;

- a intensidade do dolo, é elevada porque o arguido atuou sempre com dolo direto porquanto representou os factos criminosos e atuou com intenção de os realizar;

No tocante a todos os crimes, quanto às exigências de prevenção especial, mostram-se igualmente elevadas.

Já em favor do arguido foram consideradas as seguintes circunstâncias: encontra-se integrado familiarmente junto dos progenitores.

Tudo ponderado, atenta a gravidade e reiteração das condutas ilícitas-típicas perpetradas pelo arguido, e a danosidade e alarme social associados a tais condutas, e as consequentes exigências de prevenção geral associadas (que são relevantes, em ambos os casos); atendendo ainda ao percurso pessoal do arguido, e a sua insensibilidade à data da prática dos factos, aos valores e normas penais, sociais e éticas por ela anteriormente manifestadas; e tendo por reporte a moldura abstracta do cúmulo sucessivo de penas, acordam os Juízes que integram este Tribunal Colectivo na condenação do arguido na pena única, que se entende justa, adequada, proporcional e merecida, de 5 anos e 3 meses de prisão efectiva, e na multa de 150 dias à rasão diária de € 6, o que perfaz a multa global de € 900, e na pena acessória de proibição de contacto com a ofendida BB pelo período de 4 anos, sem prejuízo dos contactos que necessariamente e exclusivamente tenham de ter lugar no âmbito do exercício das suas responsabilidades parentais atinentes à filha de ambos.”

d.A pena única corresponde a uma pena conjunta, obtida segundo um princípio de cúmulo jurídico, pelo qual a partir das penas parcelares que foram aplicadas a cada um dos crimes é fixada a moldura penal do concurso, tendo como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas, sem, todavia, exceder os 25 anos de pena de prisão (artigo 77.º n.º 2, do Código Penal).

Assim, em termos gerais, obtida a moldura penal, há a considerar no processo de determinação da medida concreta da pena as finalidades da punição, constantes do art.º 40.ºdo Código Penal, e os comandos para determinação da medida concreta da pena dentro dos limites da lei, a que se refere o art.º 71º do Código Penal.

Além destes “critérios gerais” para determinação da medida da pena conjunta devem considerar-se, ainda, o “critério especial” fixado no art.º 77º do Cód. Penal.

“Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes, adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou”4.

A aplicação de penas … visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – n.º 1 do art.º 40º do Código Penal. E estatui, em termos “absolutos” o n.º 2 do mesmo preceito que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Assim, “toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa”, como ensina o Prof. Figueiredo Dias5.

Nos termos do art.º 71.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele. Culpa e prevenção são, pois, os factores a considerar para encontrar a medida concreta da pena.

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.º 72.º, n.º 1; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável6.

“Como critério especial, rege o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, sobre as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), dispondo que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir da moldura do concurso, para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção atrás mencionados (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, e como critério especial, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º, in fine), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração.

Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas, familiares e sociais, como a sua inserção na sociedade na comunidade em que reside e a situação laboral, reveladoras das necessidades de socialização, a receptividade das penas, a capacidade de mudança em consequência, a susceptibilidade de por elas ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita”7.

Com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, em termos gerais, mas também, especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento.

Aliás, “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só, uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”, como ensina o Prof. Figueiredo Dias8.

O que serve para dizer que também no caso de concurso superveniente de crimes, depois de calculada e indicada a moldura penal abstrata do concurso, é dentro desta, que se determina a espécie (sendo caso disso) e medida concreta da pena única a aplicar.

A moldura abstrata situa-se entre 3 anos de prisão (pena parcelar mais elevada aplicada ao arguido) e 8 anos de prisão (soma de todas as penas parcelares aplicadas).

Dentro da moldura legal fixada pelo legislador, cabe ao juiz encontrar de forma não arbitrária, a medida da pena de acordo com critérios legais, o que quer dizer, de forma juridicamente vinculada.

O ilícito de conjunto, abarca dois crimes de violência doméstica agravado p. e p. pelo art.º 152º nº 1 al. a) e n.º 3 do Cód. Penal e dois crimes de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos art.ºs 143º nº 1 e 145º nº 1 do Cód. Penal.

São crimes que atentam contra bens jurídicos, como a integridade física e a honra e dignidade do ser humano, e integram a categoria de criminalidade violenta (art.º 1º, al. j) do CPP).

Os factos foram praticados entre 13 de agosto de 2021 e 27 de janeiro de 2022, datando as sentenças de 09.06.2022, 30.06.2022, 11.10.2023 e 19.12.2023.

Da análise dos dados pessoais, verifica-se que o arguido, após a separação, voltou para a residência familiar dos pais, uma moradia de grandes dimensões, situada numa zona serrana.

a) É uma moradia tipologia T5, que reúne de muito boas condições de habitabilidade e conforto, estando equipada com piscina, sauna, jacuzzi, garagem e adega.

b) Os pais de AA têm residência paralela em ..., onde possuem uma outra habitação, deslocando-se frequentemente entre os dois países.

c) Nas imediações da morada do arguido, residem outros familiares, designadamente o irmão GG, de 35 anos de idade, avós paternos, tios e primos.

d) O Arguido é accionista da empresa S..., S.A., que opera na área de reinvestimento imobiliário, e importação e comércio de automóveis, juntamente com o seu irmão e com o seu pai. Os pais verbalizam que nos últimos tempos, o esforço do filho no desempenho da sua atividade profissional, não é consistente.

e) Dos rendimentos do seu trabalho, o Arguido aufere 1205,70€, valor a que acrescem as comissões.

f) O Arguido tem como despesas fixas mensais, 120 €, a pagar a título de pensão de alimentos, 50€ para pagamento do infantário e um crédito automóvel de 350€ mensais.

g) A filha do arguido, passa geralmente uma quarta feira quinzenalmente com o pai, assim como um fim de semana, com a regularidade quinzenal.

h) O arguido, natural do ..., viveu com a sua família de origem neste país até aos 5 anos de idade, ocasião em que se mudaram para ..., e, quando AA contava 12 anos de idade, foram residir para .... O pai dedicava-se à importação e comercialização de automóveis, vivenciando a família, aquando da infância e adolescência do arguido, uma situação económica favorável e desafogada. No ano de 2012, o arguido e sua família regressaram ao ..., onde permaneceram até ao ano de 2016, regressando depois a Portugal.

i) AA é uma pessoa reservada, não falando dos seus problemas com os familiares. AA tem sido acompanhado em consultas de psicologia, realizadas na Clínica “S.......”, em ....

j) Ao nível da saúde, o arguido apresenta alguns consumos de produtos estupefacientes.

k) AA, habilitado com o 9º ano de escolaridade, abandonou a frequência escolar por falta de motivação para os estudos.

l) Aos 16 anos o arguido iniciou o seu percurso laboral aos 16 anos como ..., na zona do .... Posteriormente trabalhou como segurança em estabelecimentos de diversão noturna e como servente de ... da construção civil. Os pais abriram posteriormente um restaurante na localidade de ..., onde o arguido passou a trabalhar.

m) O arguido beneficia do apoio dos pais, ao nível logístico e alimentar, auxiliando-o também monetariamente quando necessário.

n) Os elementos do meio consideram AA uma pessoa imatura, irresponsável, e, por vezes, impulsivo na interação com os outros, dispondo de uma imagem pouco favorável, na sua localidade de residência.

o) O arguido tem estado a revelar algumas dificuldades no cumprimento das obrigações fixadas na pena única resultante do cúmulo jurídico realizado no âmbito do Proc. Nº 3336/23.9....”

Na globalidade dos crimes praticados verifica-se em comum, uma atuação com dolo direto e intenso, e considerando a persistência revelada e os bens jurídicos atingidos, verificam-se especiais necessidades de prevenção geral.

Para avaliar da capacidade de ressocialização, com referência aos factos no conjunto em avaliação, importa considerar as condições de vida do arguido antes, durante e depois da prática dos crimes identificados.

Em termos desfavoráveis, verifica-se que o arguido apresenta alguns consumos de produtos estupefacientes, é considerado pelos elementos do meio em que vive, uma pessoa imatura, irresponsável, e, por vezes, impulsivo na interação com os outros, dispondo de uma imagem pouco favorável, na sua localidade de residência, e tem revelado algumas dificuldades no cumprimento das obrigações fixadas na pena única resultante do cúmulo jurídico realizado no âmbito do Proc. nº 3336/23.9....

Em termos positivos, vê-se que está inserido em termos laborais, auferindo rendimentos mensais de 1.205,70€, a que acrescem comissões e beneficia do apoio dos pais ao nível logístico e alimentar, que o auxiliam também monetariamente quando necessário.

Assim, no tocante às exigências de prevenção especial destacam-se, estes factos e a necessidade de ultrapassar definitivamente comportamentos agressivos que caracterizam a actuação delitiva do arguido recorrente.

Quanto à personalidade do arguido, importa sobretudo verificar se o conjunto dos factos pode reconduzir-se a apetência para a prática de crimes ou apenas uma pluriocasionalidade, que não assenta, não é reflexo da personalidade.

Em tudo deve ainda considerar-se o princípio da proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta.

Sendo o modelo do Código Penal de prevenção, a pena deve servir finalidades exclusivamente de prevenção geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, não podendo ultrapassá-la9.

Assim, tendo a pena por finalidade a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a ressocialização do agente, e que não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, a sua medida concreta resultará da medida da necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem ultrapassar a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo, onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela.

Por razões de equidade e proporcionalidade haverão de considerar-se, ainda, outras referências jurisprudenciais deste Tribunal mantendo-se o equilíbrio e constância nas decisões e igualdade ou proximidade das penas cominadas para casos semelhantes.

Considerando as finalidades das penas, em particular das exigências de prevenção geral e especial prementes neste caso, a necessidade de proteção dos bens jurídicos que com a incriminação se pretendem acautelar, mostra-se justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem que ultrapasse a medida da sua culpa, a pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão a aplicar ao arguido recorrente.

Pena que irá fixar-se, por se considerar o mínimo indispensável à proteção dos bens jurídicos violados e das necessidades preventivas da comunidade e expectativas desta na validade das normas, e ainda adequada a satisfazer as necessidades de ressocialização do arguido.

Consequentemente, decide-se reduzir a pena em que foi condenado, e fixá-la em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão efetiva.

Procede, assim, parcialmente, o recurso do arguido recorrente neste particular.

c. Suspensão de execução da pena.

Conclui o arguido recorrente que não deve ser condenado a uma pena de prisão superior a 4 anos, suspensa na sua execução.

No acórdão recorrido, foi condenado na pena de 5 anos e 3 meses de prisão.

E, como, supra referido, irá ser condenado na pena de 4 anos e 8 meses de prisão.

Assim, considerando que se trata de pena de prisão inferior a 5 anos, deverá o Tribunal pronunciar-se sobre a possibilidade de esta ser suspensa na sua execução.

Dispõe o art.º 50º do Código Penal, que: “1- O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Ensina o Prof. Figueiredo Dias que “na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto”. “Como positivamente a podem influenciar circunstâncias posteriores ao facto, ainda mesmo quando elas tenham sido já tomadas em consideração em sede de medida da pena”.

Adverte que “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável –à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Já determinamos que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas também por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise”.

Rejeita, ainda, que a suspensão deva decretar-se em caso de dúvida sobre o carácter favorável da prognose, ou logo que não haja razões para crer que as hipóteses de socialização serão maiores se a privação da liberdade for executada10.

A finalidade politico-criminal da suspensão da execução da pena de prisão é, essencialmente, a prevenção da reincidência.

Prevê este preceito a verificação cumulativa de dois pressupostos; (i)um de natureza formal e (ii)um de natureza substancial.

Fixada a pena em 4 anos e 8 meses de prisão, resulta preenchido o pressuposto formal.

Importa ainda confirmar se está preenchido, também, o pressuposto material, ou seja, averiguar e concluir, em termos de previsão, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e prevenir a reincidência.

Resulta dos factos provados que o arguido, após a separação, voltou para a residência familiar dos pais, uma moradia T5, de grandes dimensões, situada numa zona serrana. Nas imediações da morada do arguido, residem outros familiares, designadamente o irmão GG, de 35 anos de idade, avós paternos, tios e primos. Dos rendimentos do seu trabalho, o Arguido aufere 1205,70€, valor a que acrescem as comissões. Tem como despesas fixas mensais, 120 €, a pagar a título de pensão de alimentos, 50€ para pagamento do infantário e um crédito automóvel de 350€ mensais.

Tem uma filha com quem passa geralmente uma quarta feira, quinzenalmente, assim como um fim de semana, com a regularidade quinzenal.

Tem sido acompanhado em consultas de psicologia, realizadas na Clínica “S.......”, em .... Tem o 9º ano de escolaridade.

Os pais abriram um restaurante na localidade de ..., onde o arguido passou a trabalhar. Beneficia do apoio dos pais, ao nível logístico e alimentar, auxiliando-o também monetariamente quando necessário.

Os crimes por que foi condenado foram praticados num período de cerca de 5/6 meses e antes de sofrer qualquer condenação.

Ocorreram a 13.08.2021, 20.09.2021, 29.09.2021 e 27.01.2022.

Por sua vez as sentenças datam de 09.06.2022, 30.06.2023, 11.10.2023 e 19.12.2023.

As penas de prisão em que foi condenado ficaram sempre suspensas na sua execução.

Não mais praticou qualquer ilícito criminal após ter sofrido sentença condenatória.

Está bem inserido do ponto de vista familiar e laboral.

Tem apoio próximo e permanente dos pais com quem passou a viver após a separação.

É, pois, possível fazer um juízo de prognose positivo subjacente à suspensão da execução da pena quando o arguido não comete qualquer ilícito penal depois de haver sofrido uma primeira condenação, sendo esta, e as três condenações que se lhe seguiram, suspensas na sua execução.

Nesta perspectiva, conclui este Supremo Tribunal que a censura dos factos criminosos cometidos e a ameaça de execução da pena única de 4 anos e 8 meses de prisão é suficiente e adequada a prevenir que o arguido reincida no cometimento de crimes, contanto que seja acompanhado de regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pelos serviços da DGRSP e a homologar pelo tribunal da condenação.

Assim, na procedência parcial do recurso do arguido, decreta-se a suspensão da execução da pena única de 4 anos e 8 meses de prisão, que lhe foi aplicada nestes autos, subordinada a regime de prova.

O período da suspensão terá a duração de 5 anos.

3. Decisão:

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça - 3ª secção criminal -, acorda em:

- rejeitar parcialmente o recurso, quanto à aplicação do perdão concedido pela Lei 38-A/2023, de 02.08;

- julgar parcialmente procedente o recurso do arguido recorrente AA, e, em consequência, em condená-lo, na pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão, na pena de multa de 150 dias à razão diária de € 6, o que perfaz a multa global de € 900, e na pena acessória de proibição de contacto com a ofendida BB pelo período de 4 anos, sem prejuízo dos contactos que necessariamente e exclusivamente tenham de ter lugar no âmbito do exercício das suas responsabilidades parentais atinentes à filha de ambos;

- suspender a execução da pena única de 4 anos e 8 meses que lhe foi aplicada nos autos, pelo período de 5 anos, acompanhada de regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, nos termos do art.º 54º do Cód. Penal.

- confirmar, no mais, o acórdão recorrido;

- sem tributação, (art.º 513º, n.º 1, do CPP).

*

Supremo Tribunal de Justiça, 15 de janeiro de 2025,

Antonio Augusto Manso (relator)

Jorge Raposo

Carlos Campos Lobo

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1-ac. do STJ de 08.10.2020, proc. 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1, www.dgsi.pt.

2-ac. do STJ de 04.05.2023, proc. 96/20.9PHOER.L1.S1, www.dgsi.pt.

3-Ac. proferido no processo n.º 77/12.6GTCSC.L2.S1, in www.dgsi.pt,

4-Ac. do STJ de 25.09.2024, proferido no proc. n.º 3109/24.1T8PRT, 3ª secção, www.dgsi.pt.

5-Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, Coimbra Editora, p. 96.

6-Figueiredo Dias, inAs consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Notícias, pág. 245 e seguintes citado no Ac. proferido no proc. n.º 580/16.9T9OER.L1.S1, www.dgsi.pt.

7-Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248 e segs, e o acórdão de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S, e de 16.2.2022, Proc.160/20.4GAMGL.S1, www.dgsi.pt.

8-Citado no Ac. do STJ de 25.09.2024, proferido no proc. 3109/24.1T8PRT, 3ª secção, e v. ainda, o acórdão de 25.10.2023, Proc. 3761/20.7T9LSB.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele mencionada

9-v. para além do citado ac. do STJ de 06.01.2021, os acs. de 11.03.2020, proc. 15/15.4JACBR.2.S1, de 24.03.2021, proc. 536/16.1GAFAF.S1, de 15.09.2021, proc. 3656/20.4T8VIS.C1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt.

10-Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 344, citado no ac. do STJ de 05.02.2020, proferido no processo n.º 41/176.9GBTVD.S1, in www.dgsi.pt.