I - Sendo o direito à liberdade um direito fundamental, uma pessoa apenas pode ser privado dela por decisão judicial pela prática de um ato ilegal punido com pena de prisão ou medida de segurança, salvo ocorrência das situações previstas no nº 3 do artº 27º CRP
II - Uma das situações que constitui exceção é a prisão preventiva por fortes indícios da prática de facto ilícito punido com a pena de prisão, sujeita a prazo de caducidade
III - Excedido o prazo legal de prisão preventiva, previsto numa das situações previstas no artº 215º CPP, o detido deve ser libertado, independentemente da sujeição ou não a outra medida de coação, e não o sendo pode requerer a providencia de habeas corpus.
IV - Tendo sido ultrapassado o prazo normal de prisão preventiva o requerente apenas não será libertado se ocorrer um dos casos de extensão do prazo previsto no artº 215º CPP
V - Tendo o arguido sido condenado em pena de prisão e sido confirmada pelo tribunal superior em recurso a pena em que fora condenado, o prazo de prisão preventiva eleva-se para metade da pena aplicada.
VI - O não decurso desse prazo impede o deferimento da providencia de habeas corpus.
VII - Tendo o requerente omitido a existência da sua condenação e a confirmação da mesma pelo Tribunal da Relação, a providencia não apenas não pode proceder, como é manifesta a sua improcedência, devendo o requerente ser sancionado como tal.
Acordam, em audiência, os Juízes na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça.
No Proc. C.C nº 59/21.7SULSB-H do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo Central Criminal de ... - Juiz ... em que entre outros é arguido / condenado AA, preso preventivo, apresentou petição de Habeas Corpus, que se transcreve, na parte que releva:
“1.º O arguido foi sujeito à Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido Detido, tendo sido determinada a aplicação da medida de coação mais gravosa, de prisão preventiva, por Decisão Judicial proferida no dia 17/12/2022, que considerou existirem fortes indícios da prática de crimes.
2.º O arguido invoca a presente providência de Habeas Corpus, por forma a ver tutelado o seu direito à liberdade individual ambulatória, que deve ser interpretado como um direito fundamental do cidadão e da sua própria dignidade como pessoa humana, tanto é que o referido instrumento é também proclamado em diversas legislações internacionais.
3.º A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura expressamente que ninguém pode ser arbitrariamente detido, razão pela qual não pode, igualmente, ser mantido a privação da liberdade com base em uma ordem de prisão ilegal, que desrespeite o devido processo legal.
4.º O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos resguarda especificamente que todo o indivíduo tem direito à liberdade pessoal, pelo que segue terminantemente proibida a detenção ou prisão arbitrárias, que só poderia ser mitigado se fundamentado por lei e desde que respeitados os procedimentos legalmente estabelecidos.
5.º No mesmo sentido, é assegurado o direito a recorrer a um Tribunal a toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção, a fim de que este se pronuncie, com a maior brevidade, sobre a legalidade da sua prisão e em caso de prisão ilegal, deve ordenar a sua liberdade.
6.º A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais resguarda ainda que toda a pessoa tem direito à liberdade, pelo que ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente e desde que tal prisão seja determinada de acordo com o procedimento legal.
7.º Já a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 27º, n.º 1, reconhece e garante os direitos à liberdade individual, à liberdade física e à liberdade de movimentos e, expressamente, consagra no artigo 31º, a providência do Habeas Corpus como sendo uma garantia extraordinária, expedita e privilegiada contra a prisão arbitrária ou ilegal, a ser decidida no prazo de 08 (oito) dias.
8.º Quanto à competência para decidir sobre a providência liberatória em referência, não pairam quaisquer dúvidas de que tal incumbência recai ao STJ, conforme entendimento que decorre do disposto no artigo 222º do CPP.
9.º Nesse sentido, o arguido reivindica através deste remédio excepcional a intervenção do poder judicial para imediatamente fazer cessar as ofensas ao seu direito de liberdade, eis que a manutenção da prisão é ilegal e reveste-se de notórios abusos de autoridade, razão pela qual pretende ver restituída a sua liberdade, pois encontra-se ilegalmente privado da sua liberdade física.
10.º Sucede que até a presente data, já transcorreram mais de 02 (dois) anos de duração da Prisão Preventiva, mas ainda não foi proferida a condenação com trânsito em julgado, situação que viola o artigo 215º, n.º 2 do CPP.
11.º Lembrando ainda que nos presentes autos, não foi atribuída a excepcional complexidade.
12.º Portanto, já transcorreu o prazo máximo de 02 anos e considerando que ainda a Decisão condenatória ainda não transitou em julgado, entendemos que a prisão preventiva extingue-se, por estar configurada notória ilegalidade, em virtude do excesso de prazo.
13.º Tendo sido extrapolado o prazo máximo da prisão preventiva e estando excedido o limite legalmente instituído, de 02 anos, o arguido apresenta o presente Habeas Corpus e requer seja determinada a sua libertação imediata.
14.º O artigo 215º do CPP determina que:
"1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido;
a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;
b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;
c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.a instância;
d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.”
2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos."
15º Assim, o prazo da prisão preventiva acabou por atingir o seu prazo máximo de duração, pois extrapolou o limite de 02 (anos) meses, desde que a sua determinação, sem que exista decisão transitada em julgado.
16.º Nos presentes autos, jamais foi atribuída excepcional complexidade, razão pela qual as Autoridades não beneficiam de qualquer dilação ou ampliação dos prazos para encerrar o inquérito.
17.º Logo, o prazo máximo da prisão preventiva, nos presentes autos, acabou por ser ultrapassado, situação que determina a conclusão de que a referida medida de coacção mais severa tornou-se ilegal, por excesso de prazo.
18.º Mesmo que a condenação venha posteriormente a transitar em julgado, o facto é que revestirá de evidente ilegalidade, isso porque será extemporâneo, situação que determina, na mesma, a ilegalidade da manutenção da medida de prisão preventiva.
19.º O arguido declara que não se opõe à entregar-se voluntariamente, mas, apenas após o trânsito em julgado da condenação imposta.
20.º Nesse sentido, deve incidir o disposto no artigo 22º do CPP, que determina que:
“l - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.
2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida/ em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:
a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”
21.º Considerando que o prazo máximo da prisão preventiva restou ultrapassado, concluímos que a manutenção da reclusão do Arguido no Estabelecimento Prisional de Lisboa, representa um atentado ilegítimo à sua liberdade individual, é ilegal e inconstitucional, na forma do Artigo 22º nº 2 alínea c) do CPP.
22.º Para além disso, invocamos os dispositivos constitucionais pertinentes à matéria, designadamente os artigos 2o, 20º nº 4, 27º nº 2, 28º nº 4, 32º, 202º e 204º, todos da Constituição da República Portuguesa, tudo para dizer que o Arguido não pode ser privado da sua liberdade quando tenham esgotado os prazos estabelecidos por lei, sendo certo que vigora a presunção de inocência até o trânsito em julgado da condenação definitiva.
CONCLUSÃO:
Diante do exposto, resta configurada a ilegalidade da manutenção da prisão preventiva do Arguido, razão pela qual requer à Vossas Excelências, o deferimento do pedido de Habeas Corpus, e em consequência, deverá ser ordenada a imediata libertação do Arguido, isso porque o prazo legalmente previsto para a prisão preventiva encontra-se ultrapassado, diante do excesso de prazo de 02 anos, sem que tenha ocorrido o efetivo trânsito em julgado da condenação, que ainda não representa uma decisão definitiva.”
Da informação enviada, nos termos do artº 223º1 CPP consta (transcrição)
“Os arguidos BB, AA, CC, encontram-se presos preventivos à ordem dos presentes autos, por decisão proferida em 16 de dezembro de 2022, proferida em sede de primeiro interrogatório judicial, auto de interrogatório, referência:.....02.
- Tal estatuto coactivo foi mantido sucessivamente por decisões proferidas nos autos, tendo a última decisão de revisão, sido proferida por este Juízo em 29.11.2024, conforme referência: .......68, e encontrando-se já os autos principais no Venerando Tribunal da Relação de Lisboa para apreciação dos vários recursos interpostos.
- Foi proferido Acórdão condenatório no dia 6 de junho de 2024, em que foram aplicadas penas de prisão efectivas aos arguidos BB (sete anos de prisão), AA (sete anos de prisão), CC (sete anos e seis meses).
- Foi proferido Acórdão pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em 13 de dezembro de 2024, no qual se decidiu “negar provimento aos recursos, e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida, sem prejuízo da oportuna ponderação, pelo tribunal de 1.ª instância, do perdão de pena e da restituição da caução”.
***
Nos termos do art. 222.º do CPP, que se refere aos casos de prisão ilegal, a ilegalidade da prisão que pode fundamentar a providência, deve resultar da circunstância de a mesma ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; ter sido motivada por facto pelo qual a lei não permite; ou quando se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial – als. a), b) e c) do art. 222.º do CPP e, em consequência, determinar, ou não, a libertação imediata do recluso.
***
No caso concreto dos presentes autos, tendo sido o arguido AA sujeito a prisão preventiva no dia 16 de dezembro 2022, o prazo máximo da prisão preventiva sem que tivesse havido condenação com transito em julgado, foi atingido no dia 16 de dezembro de 2024 (cfr. artigo 215.º n.º 1, alínea d) e n.º 2 do C.P.Penal.
Sucede, no entanto, que, conforme prevê o n.º 6 do art. 215º do C.P.Penal, “no caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada”.
Ora, precisamente, o arguido AA, condenado na primeira instância em pena de prisão efectiva de sete anos, viu ser-lhe confirmada tal pena de prisão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que terá de cumprir uma pena de sete anos. Assim sendo, e verificando-se o condicionalismo previsto no n.º 6 do art. 215º do C.P.Penal, o prazo máximo de prisão preventiva eleva-se para três anos e seis meses, isto é metade da pena concreta que lhe foi aplicada. E o prazo de três anos e seis meses apenas se atingirá no dia 16 de junho de 2026, data ainda não ultrapassada.
Concluindo, não se verifica no presente caso a ilegalidade da prisão, sendo a prisão preventiva em que o arguido se encontra de manter, por via do art. 215º, n.º 6 do C.P.Penal.
* Mais acresce:
- Os presentes autos foram sido distribuídos no Juízo Central Criminal de ..., como sendo de especial complexidade com arguidos presos, considerando os seguintes índices de complexidade: o despacho de acusação contém mais de 200 artigos/parágrafos, foram acusados e pronunciados mais de dez arguidos, e os autos são constituídos por mais de trinta volumes.
- No despacho que recebeu a decisão instrutória, data de 15.11.2023, referência: .......73, em virtude da verificação dos critérios supra expostos, foi proferido o seguinte despacho: “autue como processo comum, anotando a distribuição como de especial complexidade, com intervenção de Tribunal Colectivo”.
- Nessa sequência, após a prolacção do acórdão neste J17 do Juízo Central Criminal de ..., na respectiva acta de leitura, datada do dia 6 de junho de 2024, referência: .......73, fez-se consignar que atenta a declarada especial complexidade dos autos, o prazo de recurso é o correspondente à declarada complexidade nos termos do art.º 107º, n.º 6 do C. P. Penal (30 dias + 30 dias).
- Ora, tais despachos em que se declarou a especial complexidade e se considerou a mesma como já declarada, não foram impugnados pela defesa dos arguidos, que inclusivamente beneficiaram de tal prazo alargado para interposição de recurso, pelo que ao contrário do alegado pela defesa do arguido, tem de entender-se que, ainda que de forma sintéctica, foi declarada a excepcional complexidade dos autos, tendo os arguidos, e concretamente o arguido, beneficiado de tal prorrogativa.
- Assim, também por aqui, e por via do art. 215º, n.º 3 do C.P.Penal, se verifica a elevação do prazo máximo de prisão preventiva para três anos e quatro meses, que também não se encontra ultrapassada, o que apenas sucederá em 16 de abril de 2027.
Concluindo, não se verifica no presente caso a ilegalidade da prisão, sendo a prisão preventiva em que o arguido AA se encontra de manter, por via do art. 215º, n.º 3 do C.P.Penal.”
Esta informação foi posteriormente retificada de modo a ficar a constar que “Assim, também por aqui, e por via do art. 215º, n.º 3 do C.P.Penal, se verifica a elevação do prazo máximo de prisão preventiva para três anos e quatro meses, que também não se encontra ultrapassada, o que apenas sucederá em 16 de abril de 2026.”
Convocada a Secção Criminal e notificados o Ministério Público e o mandatário/ defensor do arguido, procedeu-se à realização da audiência, com o formalismo legal e em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.
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Finda a audiência o coletivo reuniu para deliberar, o que fez, apreciando o pedido nos termos seguintes:
Os factos relevantes para a decisão mostram-se condensados na petição de Habeas Corpus e na informação do tribunal requerido e documentos com ela juntos que aqui se dão por transcritos e deles resultam que as questões a decidir se prendem com:
- a apreciação do requerimento apresentado (se foi excedido o prazo de prisão preventiva), e suas consequências para o pedido de Habeas Corpus
Conhecendo e apreciando:
O pedido de habeas corpus é uma “providência [judicial) expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 303, 343-344)”1
O direito à liberdade é um direito fundamental dos cidadãos expresso no artº 27º 1 CRP que dispõe “1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.”, esclarecendo no nº2 que “Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”. Todavia há exceções também constitucionalmente consagradas, no mesmo normativo, no seu nº3, fora das quais as restrições à liberdade, através da detenção ou prisão, são ilegais, juízo que se tem afirmado em jurisprudência reiterada, quando ocorram fora dos casos previstos neste mesmo normativo (cf. por todos, o ac. de 2.2.2022, Proc. n.º 13/18.6S1LSB-G, em www.dgsi.pt)2.
- O arguido/ requerente encontra-se atualmente preso em prisão preventiva, que lhe foi aplicada em 1º interrogatório em 16/12/2022 e tendo ocorrido a ultima revisão que a manteve em 29/11/2024.
- O requerente foi condenado no dia 6 de junho de 2024 em 1ª Instancia na pena de sete anos de prisão decidindo do seguinte modo:
“Condenar o arguido AA pela prática na forma consumada e em concurso efectivo, de:
a) Um crime de associação criminosa, previsto e punidos pelo artigo 299.º, n.º 2, do Código Penal, em co-autoria com os arguidos BB, CC e DD, na pena de dois anos de prisão;
b) Um crime de receptação, na forma agravada, previsto e punido pelos artigos 231.º, n.ºs 1 e 4, do Código Penal, em co-autoria com os arguidos BB, CC e DD, na pena de quatro anos de prisão,
c) Um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n.º 2, do Código Penal, com referência ao n.º 1 e à alínea d) e j) do n.º 1 do mesmo artigo, em coautoria com os arguidos BB, CC e DD, tendo como precedentes os crimes de receptação, na forma agravada, e de fraude fiscal, na pena de quatro anos de prisão;
d) Um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103.º, n.ºs 1, alínea b), 2 e 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias, em co-autoria com os arguidos BB, CC e DD, na pena de um ano e seis meses de prisão;
e) Decide-se proceder ao respectivo cúmulo jurídico condenando o arguido AA na pena única, de sete anos de prisão, ao abrigo do disposto nos art. 30º e 77º do C.Penal.”, de que interpôs recurso.
Em recurso interposto pelo requerente e outros a Relação de Lisboa, por acórdão de 13/12/2024, decidiu “negar provimento aos recursos, e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida, sem prejuízo da oportuna ponderação, pelo tribunal de 1.ª instância, do perdão de pena e da restituição da caução”.
Por despacho de 3/9/2024 foi-lhe declarado perdoado “1 ano de prisão à pena única em que o arguido foi condenado, nos termos do disposto no artigo 3º/nº1 da Lei nº38-A/2023, de 2 de Agosto, sob a condição resolutiva de o arguido não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da referida Lei, ou seja até 01/09/2024.”
No despacho que designou dia para julgamento foi determinado: “Autue como processo comum, anotando a distribuição como de especial complexidade, com intervenção de Tribunal Colectivo”
Na acta de leitura do acórdão faz-se a seguinte referência: Declarada a especial complexidade dos autos, conforme referido no acórdão proferido, esclarece-se desde já que o prazo de recurso é o correspondente à declarada complexidade nos termos do art.º 107º, n.º 6 do C. P. Penal (30 dias + 30 dias)”
Estes os factos relevantes.
A providencia de Habeas Corpus como dispõe o artº 223º 4 CPP, visa a libertação imediata do arguido / detido em virtude de uma prisão ilegal em conformidade com a imposição constitucional expressa no artº 31º 1 CRP “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal,”.
Nos termos do artº 222º2 CPP, a petição a apresentar no Supremo Tribunal de Justiça deve fundar-se em prisão ilegal, por ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente (al. a) ou ser motivada por facto que a lei não permite (al. b), ou manter-se para além dos prazos fixados na lei ou em decisão judicial (al. c).
Alega o arguido/ requerente que está preso há mais de 2 anos sem que tenha ocorrido decisão com trânsito em julgado de qualquer condenação, estando em prisão preventiva desde 17/12/2022, pelo que está detido para além do prazo legal. Pede por isso a sua libertação imediata.
Visto o alegado em face dos fundamentos do habeas corpus, de caracter taxativo (ac. STJ de 19/5/2010 CJ STJ, 2010, T2, pág. 196) e fixados nas alíneas do nº2 do artº 222º CPP (numerus clausus) que podem ser invocados, estamos perante um pedido formulado por excesso de prazo, por em seu entender já haver expirado o tempo em que podia estar detido sem condenação transitada em julgado.
Efetivamente, prima facie, pareceria ser o caso, atento o que dispõe o artº 215º 2 CPP 2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos” e atentos os crimes porque foi condenado, pelo que o prazo seria de 2 anos findos os quais a medida de coação caducaria.
Todavia como resulta do exposto e da condenação sofrida esta foi confirmada pelo Tribunal da Relação em recurso, o que faz a situação dos autos preencher a estatuição do do nº6 do artº 215º CPP que estabelece o alargamento do prazo de prisão preventiva nos seguintes termos “6 - No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada” pelo que tendo o arguido sido condenado na pena de 7 anos de prisão confirmada pelo Tribunal da Relação, tendo decorrido o prazo de 2 anos, ainda não decorreu o novo prazo de 3 anos e seis meses que emerge do facto de a condenação haver sido confirmada em recurso.
Outro fator que poderia contribuir para o alargamento do prazo, seria a declaração de especial complexidade, com o efeito previsto no artº 215º nº 3 CPP que estabelece “3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.”
A existência de tal declaração é negada pelo requerente, e na informação consta apenas que o processo foi distribuído com nota de especial complexidade e foi dado aos arguidos o prazo para recorrer tendo em conta as normas que se aplicam no caso de existir tal declaração. Não cabe no âmbito deste habeas corpus questionar tal declaração e sua existência, nem ela é necessária para solucionar a questão colocada de manutenção da prisão preventiva para além do prazo.
Assim estando o arguido preso preventivamente desde o primeiro interrogatório judicial, por decisão de um juiz competente, a aguardar julgamento, e tendo sido condenado em pena de 7 anos de prisão confirmada pelo Tribunal da Relação em recurso, importa verificar que ainda não decorreu o prazo máximo previsto na lei para tal situação, donde não se encontra em situação de prisão ilegal, pelo que se torna manifesto que o pedido de habeas corpus, para libertação do requerente não pode ser emitido, pois a providencia não pode proceder, por falta de fundamento legal, sendo manifesta a sua improcedência, tendo o requerente omitido que a sua condenação em 7 anos de prisão já fora confirmada pelo Tribunal da Relação, e tem de ser indeferida (artº 223º 4 a) CPP) e o requerente sancionado.
+
Pelo exposto o Supremo Tribunal de Justiça decide:
- Indeferir a providencia de habeas corpus formulada pelo requerente AA, por manifesta falta de fundamento.
- Condenar o requerente na taxa de justiça de 4 UC e nas demais custas
Condenar o requerente, por manifesta improcedência no pagamento de 7 UC s (artº 223º, nº 6 CPP)
Notifique
+
Lisboa e STJ, 15/1/2025
José A. Vaz Carreto (relator)
Jorge Raposo
Antero Luis
Nuno Gonçalves (Presidente da Secção Criminal)
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1. Cf. ac. STJ 4/6/2024, Proc. 1/22.8KRPRT-K.S1 Cons. Lopes da Mota www.dgsi.pt