PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
APOIO JUNTO DOS PAIS
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
Sumário


1- O progenitor que coloca uma filha no centro do conflito com o outro progenitor por durante um longo período de tempo, denegrindo a sua figura; impedindo-a que lhe chame pai e o trate como tal, o acusa de lhe fazer mal, sem fundamento, fazendo acusações falsas da prática de crimes contra a filha e levando-a a confirmar falsos inverídicos, logrando obter o afastamento entre a criança e o outro progenitor, sujeita-a a viver num clima de guerrilha psicológica a que nenhuma pessoa deve submetida.
2- O progenitor que cerca a filha com estes atos de violência psicológica coloca a criança em risco por a sujeitar a situações afetivamente muito desestruturantes.
3- Nos casos mais graves, pode justificar-se a alteração da situação de residência alternada para a residência com o progenitor que respeita a necessidade da criança ter uma relação saudável com ambos os pais, com o acompanhamento técnico das visitas, concedendo um tempo de descanso à menor face ao ambiente conflituoso a que foi sujeita e um período de amadurecimento ao progenitor que se encontra em relação com o outro progenitor num conflito tão extremado que o conduz à prática de atos que afetam o bem estar da filha.

Texto Integral


.I- Relatório

Em 26 de Maio de 2021, noutros autos apensos (de alteração da regulação de responsabilidades parentais), em conferência e na sequência das declarações da progenitora foi proferido o seguinte despacho: “Face à gravidade dos factos relatados, nomeadamente por existirem fortes suspeitas de maus tratos à criança, suspendo as visitas da criança ao progenitor” e foi determinada a extração de certidões para abertura do processo de promoção e proteção a favor da menor.
Pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, em 15-12-2021, foi deliberado, por unanimidade dos presentes, a aplicação da medida de Apoio Junto dos Pais, na pessoa da mãe, por seis meses, com revisão em junho de 2022, com base em notícia de haver maus tratos físicos à menor por parte do pai.
Em 27-9-2022 foi judicialmente aplicada, com o acordo dos pais, a medida de medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, a executar na pessoa da mãe.
Por decisão de 28.7.2023, foi aplicada a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, a título cautelar, tendo a AA passado a residir, alternadamente e com frequência semanal, com o progenitor e com a progenitora, medida que voltou a ser aplicada em 11-3-2024, por acordo.
Por requerimento de 25.6.2024, a progenitora veio aos autos informar que uma vizinha do progenitor que lhe afirmou que a AA lhe tinha tocado à campaínha afirmando que “a BB a ía apanhar” e que por isso tinha ido buscar a criança. A AA queixava-se de ter sido colocada de castigo no exterior da casa, às escuras, pela companheira do pai, por não ter encontrado um anel e afirmara que saltara o muro de 2 metros de altura, com medo.

Produzida prova, veio a ser proferida, em 2-7-2024, a seguinte decisão:
 “Termos em que se decide aplicar, cautelarmente, a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, na pessoa do pai, com o seguinte teor - cfr. art.º 35.º, n.º 1, al. a) e art.º 39.º, ambos da LPCJP:
1.AA residirá com o progenitor.
2.As questões de particular importância serão decididas, conjuntamente, por ambos os progenitores.
3.As questões relativas aos actos da vida corrente da criança serão exercidas pelo progenitor com quem a criança esteja.
4.O convívio entre AA e progenitora decorrerá, por ora, no CAFAP e supervisionado.
5.AA frequentará o estabelecimento de ensino da área de residência do progenitor, quem fica nomeado como encarregado de educação.
6.A progenitora e a família materna, por ora, ficam expressamente proibidos de estar com AA que não no CAFAP, não se podendo deslocar à escola da criança de forma a privarem com a mesma.
7.A progenitora prestará a pensão de alimentos no valor de € 175,00 euros mensais a pagar até ao dia 8 de cada mês.
8.As despesas médicas e medicamentosas extraordinárias e escolares do início do ano serão suportadas na proporção de metade por cada um dos progenitores.
9.Os pais cumprirão as orientações da técnica da ATT.
10.A medida terá a duração de seis meses.”
Inconformada com esta decisão, a progenitora da AA recorreu, tendo nas suas conclusões, além do mais, defendido:
“lxii. Assim, deverá a matéria de facto provada ser ampliada incluindo-se nela os seguintes factos, admitidos na motivação da sentença:
i. A madrasta da criança AA disse à AA e à sua filha para irem tomar banho e que depois não iriam todos dormir enquanto não fosse encontrado o anel;
ii. A menor AA tomou banho em primeiro lugar e depois foi procurar o anel.”
Foi proferido acórdão no qual se decidiu, de relevante para a presente decisão: “julgar improcedente a apelação na parte em que impugnava a decisão proferida em 2.7.2024 e anular o processado posterior ao requerimento formulado pela Apelante em 15.7.2024, determinando em conformidade que se considere aí interrompido o prazo para eventual novo recurso sobre questões não discutidas supra.”
Mais decidiu quanto à pretendida adição de factos: “…julgamos que essa matéria não é determinante ou indispensável ao essencial desfecho da lide, constituindo um dado instrumental que, apesar de não constar do rol dos factos julgados provados, não deixa se ser atendível, se for caso disso. Improcede, por tudo isto, a requerida ampliação.”

A progenitora voltou a recorrer, apresentando as seguintes
conclusões
(…)
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, devendo ser proferida decisão que revogue a medida de proteção aplicada à criança AA, por falta de fundamento e por estar ferida de ilegalidade. “
O Ministério Público respondeu, apresentando as seguintes
conclusões
(…)
31. A decisão recorrida é correta e inexiste fundamento legal para o presente recurso não tendo a douta decisão sob censura violado qualquer norma legal, adjetiva ou substantiva, a impor a sua alteração ou revogação.”
 
II- Objeto do recurso
.1- Se ocorreu erro na apreciação da matéria de facto e se devem ser adiados os factos propostos pela Recorrente;
.2- Se a matéria de facto provada permite que se conclua que a menor estava em risco;
.3- Se a medida aplicada é a adequada e necessária para a proteção da menor.

III- Fundamentação de Facto
Segue o elenco da matéria de facto provada e não provada a considerar, indicando-se os factos a atender (caso infra se alterem os factos selecionados na sentença ficarão aqui anotados, com tal menção):

a) Factos provados.
1.  AA nasceu a ../../2016 e é filha de CC e de DD.
2. Por decisão de 30 de Março de 2017 foi homologado o acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais da criança AA nos seguintes termos:
a. “I- RESPONSABILIDADES PARENTAIS.
i. Residência da Criança e Atos da Vida Corrente: A criança fica à guarda e cuidados da mãe, com quem fica a residir, exercendo esta as responsabilidades parentais relativas aos atos de vida correntes da criança;
ii. b) Questões de Particular Importância: As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança, nomeadamente, no que respeita à saúde e educação, serão exercidas por ambos os progenitores;

iii. DIREITO DE VISITAS E CONVÍVIOS:
1. Regime de Convívios a vigorar até aos dois anos de idade da criança. a) O progenitor pode visitar livremente a criança, em casa da mãe, sem prejuízo dos horários de descanso da criança e mediante contacto prévia com a progenitora. b) O progenitor poderá estar ao sábado 3 (três) horas com a criança, mediante contacto prévio com a progenitora.
2. Regime de Convívios a vigorar depois dos dois anos de idade da criança.
a. O progenitor pode visitar livremente a criança, em casa da mãe, sem prejuízo dos horários de descanso da criança e mediante contacto prévio com a progenitora.
b. O pai poderá estar com a criança aos fins-de-semana de quinze em quinze dias, indo para o efeito buscar a criança às 11:00 horas de sábado e entregá-las às 17:00 horas de Domingo.
3. As festividades de Natal e Passagem de ano, serão passadas alternadamente com cada um dos progenitores sendo que no primeiro ano a criança passará o dia 24 de Dezembro com o pai e o dia 25 de Dezembro com a mãe e o dia 31 de Dezembro com a mãe e o dia 1 de Janeiro com o pai.
4. No aniversário da criança, esta tomará uma refeição principal com cada um dos progenitores.
5. No 1.º ano: o progenitor passará 3 dias de férias de Verão com a criança.
6. No 2.º ano: o progenitor passará 7 dias de férias de Verão com a criança.
7. No 3.º ano: o progenitor passará 15 dias de férias de Verão com a criança, em períodos interpolados, de 7 dias.
iv. ALIMENTOS:
1. a) A título de alimentos devidos às crianças, o pai pagará mensalmente à mãe, até ao dia 8 de cada mês, a quantia de 175 € (cento e setenta e cinco euros), sendo tal quantia paga através de transferência bancária para o NIB da progenitora.
2. b) A atualização automática dos montantes das prestações para alimentos às crianças anteriormente previstos será realizada anualmente, com inicio em Janeiro de 2017, tendo em consideração a taxa de inflação que vier a ser publicada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), mas nunca inferior a 3%.
3. c) As despesas extraordinárias de saúde, médicas e medicamentosas e escolares, serão pagas a meias por ambos os progenitores, mediante a apresentação de fatura ou documento.

v. VIAGENS AO ESTRANGEIRO.
1. O progenitor autoriza a progenitora a viajar para o estrangeiro com a criança.”
3. A 4 de Outubro de 2017 a progenitora de AA apresentou requerimento de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais (apenso A) alegando, em síntese, que a criança chorava quando era entregue ao progenitor e que este durante a semana não estabelecia qualquer contacto para ver ou saber da filha, sendo certo que, quando não era possível a visita do sábado o progenitor não procurava ver ou estar com a menor noutro dia, tendo requerido que:
a. As três horas que o progenitor passava com a criança fossem supervisionadas;
b. Para existir aproximação do progenitor à criança as visitas ocorressem também durante a semana e não apenas no fim de semana;
c. As questões de particular importância lhe fossem atribuídas.
4. A 18 de Outubro de 2017, antes de ter sido citado quanto ao supra pedido de alteração, o progenitor deu entrada de incidente de incumprimento (apenso B) onde alega, em síntese, que foi impedido de visitar a criança pela progenitora, com justificações, por parte desta, de doenças, festas de crianças e férias. Mais alegou que a progenitora batizou a criança sem lhe dar conhecimento.
5. Realizada conferência no âmbito do apenso A (alteração da RERP), no dia 1 de Fevereiro de 2018, constatou-se que o progenitor já não estava com a filha desde Setembro de 2017 (cinco meses), tendo a progenitora requerido que a reaproximação da filha ao pai fosse gradual.
6. Foi obtido acordo quanto à alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais da criança AA ficando as visitas do progenitor à criança, a ser realizadas em horário a combinar entre o CAFAP e os progenitores e em frequência a agilizar pelo CAFAP.
7. Perante este acordo o progenitor desistiu do incidente de incumprimento (apenso B) suscitado.
8. Os convívios no CAFAP iniciaram-se no dia 13 de Março de 2018 e, após dez sessões, no dia 17 de Maio de 2018, esta entidade, dando conta do desenrolar positivo das sessões sugeriu o convívio entre AA e o pai em ambiente natural sem supervisão técnica, como sucedeu no passado, numa fase inicial e durante um período curto, alternadamente no CAFAP e em meio natural, com vista à monitorização e implementação da nova modalidade.
9. Em conferência realizada no dia 19 de Setembro de 2018 (no apenso A) os progenitores acordaram que:
a. “Durante os três próximos meses e até Janeiro de 2019, o pai poderá estar com a filha, de 15 (quinze) em 15 (quinze) dias, aos sábados, das 10:00 horas às 19:00 horas, com início no próximo dia 22 de Setembro de 2018, e, durante este período e até Janeiro de 2019, se mantinham os encontros no CAFAP, uma vez por semana…”, “mais acordam que, caso as visitas/convívios ocorram com normalidade durante o período acima referido, a partir de Janeiro de 2019, passará a vigorar o regime estabelecido nos autos principais de regulação das responsabilidades parentais.”
10. O progenitor, no dia 16 de novembro de 2020, requereu alteração da RERP (apenso D) solicitando o alargamento do período de convívios da criança consigo.
11. Foi a progenitora citada e apresentou alegações no dia 4 de Dezembro de 2020, onde se opôs ao requerido pelo progenitor.
12. No dia designado para a conferência, em 26 de Maio de 2021, no âmbito do referido processo de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais, a progenitora, através da sua Ilustre Mandatária, requereu a junção de uma informação escolar, datada de 29 de Março de 2021 e de e-mails datados de 04 e de 17 de Maio de 2021 da Sra. Educadora de Infância da menor, bem como uma foto, levantando, desta forma, suspeitas de maus-tratos infantis perpetrados pelo progenitor e sua companheira na pessoa da criança AA.
13. Atendendo à, alegada, gravidade dos factos denunciados foram suspensos os convívios da menor com o progenitor em meio natural de vida, dando lugar a convívios supervisionados pelo CAFAP de ..., bem como comunicação ao DIAP de ... para abertura do competente inquérito.
14. No dia 23 de Setembro de 2021 (apenso D) foi junta aos autos informação do CAFAP, onde se dá conta que desde 20 de Julho de 2021 até 23 de Setembro de 21 foram realizadas nove sessões de convívios de AA com o pai. A irmã germana de AA, EE, também participou em quatro das referidas nove sessões, apenas em alguns momentos das sessões (cerca de metade da sessão).
15. As sessões decorreram de uma forma muito agradável, sendo pautadas por momentos positivos e de cumplicidade entre pai e filha: “O pai continua a adoptar um comportamento atento às necessidades da AA, procurando proporcionar momentos agradáveis, nomeadamente na escolha de atividades que realizam durante as sessões e que são do interesse da filha. O pai age de forma muito serena e natural com a AA, sendo assertivo no discurso e contacto que estabelece com a filha. Demonstra interesse pelas atividades quotidianas da filha e ao nível pedagógico reforça de forma positiva o seu desempenho, bem como tenta fomentar a aprendizagem, estimulando e incentivando a AA cognitivamente.
De referir que nas sessões em que a EE também participou, o pai revelou assertividade na gestão do tempo e na atenção dada a ambas as filhas, proporcionando momentos positivos entre as irmãs. É frequente nestas sessões o pai tirar fotos em conjunto às filhas, sendo que quer a AA quer a EE se divertem com esta atividade e demonstram contentamento em visualizarem as fotos no telemóvel.”
16. No dia 18 de Novembro de 2021 (apenso D) o progenitor, face ao relatório do CAFAP requereu que “fosse reposto o regime de visitas interrompido face às suspeitas, infundadas, suscitadas nos autos”.
17. Solicitada informação sobre o estado do inquérito a que deu origem a certidão remetida ao DIAP de ..., em 16 de Dezembro de 2021 apurou a secção que o inquérito tem o nº 2361/21.... aguardava agendamento para exame médico de avaliação psicológica à menor.
18. A CPCJ ... informou que ainda se encontrava a fazer avaliação diagnóstica.
19. Por tal motivo foram mantidos os convívios da criança com o progenitor no CAFAP.
20. No dia 27 de Dezembro de 2021 foi junto novo relatório do CAFAP de onde resulta que desde 23 de Setembro de 2021, “foram realizadas dez sessões de convívios da AA com o pai. A irmã germana da AA, EE, também participou numa das sessões acima mencionadas, sendo que nesse dia participou durante toda a sessão. De referir que tanto o pai como a mãe foram sempre assíduos e pontuais. Neste período de acompanhamento, foram canceladas duas sessões por parte da mãe, uma pelo facto de a AA estar doente e outra por se encontrar em isolamento profilático. A mãe faltou à sessão do dia 5-10-2021, sendo que após contacto da equipa técnica referiu que, por ser feriado, considerava que não haveria sessão.
Tal como descrito nos relatórios anteriormente enviados, as sessões continuam a decorrer de uma forma muito agradável, denotando-se uma excelente interação entre a AA e o pai. Na sessão em que a irmã germana, EE, também participou, verificou-se também uma boa relação e cumplicidade entre as irmãs.
Continuamos a observar uma conduta adequada do pai no que se refere às necessidades e cuidados a assegurar à filha no decorrer das sessões, sendo que o pai se mostra atento às necessidades e vontades da AA (e. g. acede às escolhas da filha em relação à atividade a desenvolverem, questiona-a sobre as rotinas de vida diária, promove a aquisição de competências através da brincadeira ou jogo). Ao longo das sessões, foi também possível observar que o pai se tem revelado assertivo quer no discurso utilizado com a AA quer na imposição de regras, nomeadamente quando sensibiliza a filha ou a repreende por algum comportamento menos adequado (e. g. estragar brinquedos, ter cuidado com a bola quando jogam, entre outros). Quando a EE participou nas sessões, o pai revelou igualmente assertividade na gestão do tempo e na atenção que é dada a ambas as filhas, proporcionado bons momentos entre as duas.
O pai continua a agir de uma forma natural e as sessões continuam a ser pautadas por manifestações espontâneas de afeto.
No que se refere ao comportamento da AA durante as sessões de interação com o pai, a mesma participa nas sessões sem mostrar qualquer resistência, interagindo de uma forma natural e espontânea quer com o pai quer com a irmã. Utiliza frequentemente um discurso fluido, mostrando à vontade no diálogo e contactos que estabelece. Em momento algum a AA recusou ou demonstrou receio em estar na presença do pai.
Face ao exposto, consideramos que as sessões de convívio entre a AA ocorrem num ambiente muito positivo e harmonioso, assistindo-se a momentos muito positivos e de cumplicidade.”
21. Por email de 31 de Março de 2022 (apenso D) a CPCJ ... informou ter aberto processo de promoção e proteção e ter aplicado a medida de promoção e proteção de apoio junto da mãe a favor da criança AA.
22. Mais deu conta que entre as várias diligências foi efetuado um pedido de informação ao ACES ..., mais diretamente ao psicólogo que acompanha a criança, de forma a que a Comissão tivesse conhecimento do acompanhamento que estava a ser realizado, no sentido de uma intervenção mais adequada. Refere-se, ainda, no email “Porém, a 28 de Março esta Comissão recebeu um contacto telefónico do pai a informar que, tinha sido chamado pelo Psicólogo de AA nesse mesmo dia ao Centro de Saúde, no local estaria também presente a mãe. Em atendimento, segundo o pai da criança, o Psicólogo Dr.º FF, referiu que deveriam retirar a autorização, que tinham prestado à CPCJ, de acesso aos dados clínicos, e não concordava com a intervenção nem da CPCJ nem do CAFAP. Esta Comissão, questionou o Sr. DD (pai da criança) se era de sua vontade retirar essa autorização, ao que o mesmo afirma que não era a sua pretensão, e concordava com a continuidade da autorização de acesso aos dados clínicos. Por consequência, neste mesmo dia, pelas 23h59, esta Comissão recebeu um email por parte de Sr.ª CC, mãe de AA, a informar que " (...) pedia a anulação da declaração de autorização para acessos a dados clínicos, uma vez que ambos estamos de acordo.”
23. Perante tal situação foi promovido pelo Ministério Público e ordenado pelo Tribunal, em 22 de Abril de 2022, a remessa do processo de promoção e proteção para apensação aos autos de RERP da criança AA, não por causa do entendimento do psicólogo clínico da ACES, mas porque face à posição assumida pela progenitora poderiam suscitar-se dúvidas quanto à verdadeira intenção desta (retirar, ou não, o consentimento à intervenção) pois retirando a progenitora o consentimento para a intervenção da CPCJ seria ilegal a intervenção daquela entidade.
24. Apenso o processo de promoção e proteção resulta que no decorrer da avaliação diagnóstica efetuada pela CPCJ apurou-se que os progenitores mantêm um histórico de comunicação disfuncional (praticamente inexistente) com recurso a acusações mútuas e registos díspares no que se refere ao historial familiar enquanto casal.
25. A progenitora alegou que desde o nascimento da criança, os convívios e participação do progenitor nos seus atos de vida têm sido escassos, resultando essencialmente em convívios em fins-de-semana alternados, acusava o progenitor de se mostrar ausente e desinteressado pelas questões vivenciais da menor.
26. Por seu turno, o progenitor, à CPCJ, disse que a sua participação sempre foi obstaculizada pela mãe da criança, não o informando de questões de saúde, desenvolvimento e educação, dando especial enfoque ao facto de o nome da menor ter sido decidido unilateralmente.
27. Ali os progenitores consentiram na intervenção da CPCJ ... e assinaram uma declaração autorizando que fosse fornecida a esta entidade informação clínica.
28. No relatório elaborado na sequência da remessa do processo de promoção e proteção a CPCJ ... volta a referir o pedido de informação ao psicólogo de AA e o ocorrido com os progenitores. Mais ali se refere que no dia 5 de Abril de 2022 a mãe da AA enviou um email com o seguinte teor “(…) Em reunião com o Dr. FF, psicólogo da AA, onde participei eu e o pai da AA, o Sr. Dr. explicou-nos que havia um pedido de relatório clínico, por parte da CPCJ. Ele informou-nos que aguardava o pedido deste mesmo relatório por parte do tribunal, pois este seria o órgão que deveria gerir a informação clínica da AA, até por uma questão de privacidade/ proteção da mesma. Uma vez que, dada a indicação do Dr. FF, nessa reunião, o pai estava de acordo que as informações clinicas deveriam ser prestadas ao tribunal e não à CPCJ, fomos às vossas instalações com a pretensão de pedir anulação da declaração para acesso a dados clínicos, tendo sido informados que o atendimento não era possível, pois não tínhamos agendado, mas que as gestoras do processo, entrariam em contacto com ambos. Como pessoalmente não conseguimos resolver a situação, ficou combinado que ambos enviaríamos por email essa mesma pretensão. Portanto tomei esta atitude, em consonância com o pai, pois nada tenho a opor que os registos clínicos da minha filha cheguem ao processo, para que constem dos autos. Fiz apenas aquilo que resultou da reunião com o Dr. FF e com o pai, embora este tenho adotado posteriormente outra posição”.
29. Na diligência realizada no dia 12 de Julho de 2023, ambos os progenitores confirmaram terem sido chamados pelo psicólogo da ACES na sequência do pedido dos registos clínicos, por parte da CPCJ, referente à criança AA e terem sido aconselhados, por ele, a retirarem o consentimento para o envio destes registos e, também lhes disse, que não concordava com a intervenção da CPCJ e do CAFAP.
30. No dia 11 de Maio de 2022, foi junto novo relatório pelo CAFAP (apenso D).
31. Ali se dá conta que “Desde a última informação remetida, em Dezembro de 2021, foram realizadas quinze sessões de convívios da AA com o pai. À semelhança do que foi reportado em anteriores informações, durante este período de intervenção, a irmã germana da AA, EE, também participou em dez das sessões agendadas até ao momento. Mantem-se a periodicidade semanal das sessões com a duração de uma hora, às terças. Tanto a mãe como o pai sempre adoptaram uma atitude adequada e colaborante ao longo de todas as sessões. No dia da realização dos pontos de encontro familiar, os pais continuam a ser assíduos e pontuais cumprindo com o que foi estabelecido. Mais se informa que, no decorrer deste período, ocorreu um cancelamento a pedido do pai alegando motivos de saúde. Por sua vez, a mãe desmarcou três sessões, sendo que numa a AA se encontrava em isolamento profilático e nas outras duas pelo facto de a AA estar doente.
Os pontos de encontro familiar entre a AA e o pai continuam a decorrer num contexto globalmente muito positivo, observando-se uma excelente interação entre pai e filha. Durante os convívios denotou-se contentamento da AA em estar com o pai e com a sua irmã, EE. A este propósito, importa realçar que tanto a AA como a EE se mostraram à vontade na presença uma da outra assim como na presença do pai. Recorrentemente, a AA entra nas instalações muito bem-disposta dirigindo-se ao pai com o intuito de o cumprimentar ou à sua irmã sempre que esta participa nas sessões.
No que concerne à conduta do pai, este tem evidenciado sempre uma postura assertiva e adequada com a AA. Por diversas vezes, foram visíveis manifestações de afetividade entre os dois particularmente quando se cumprimentam e também durante as atividades/brincadeiras.
No que diz respeito ao comportamento da AA, a mesma continua a revelar grande descontração e espontaneidade quer na interação quer na comunicação que estabelece com o pai sobre as suas rotinas diárias (e.g. escola, saúde e atividades que costuma realizar nos seus tempos livres).
Durante as sessões, ocorrem diversas atividades lúdicas (e.g. brincar ao jogo simbólico dos restaurantes, quinta e os animais, jogos de construções, jogo da apanhada, entre outros) sendo que a AA desempenha estas encenações de uma forma muito divertida juntamente com a sua irmã. Importa salientar que o pai participa nas atividades/brincadeiras sugeridas quer pela AA quer pela EE revelando grande entusiasmo em brincar com as filhas.
Na sessão realizada no dia 22-02-2022, o pai trouxe um bolo com o intuito de festejar o seu aniversário com as filhas. Nessa sessão, a AA e a EE cantaram os parabéns e felicitaram o pai com um beijo e um abraço. Devido ao facto de a AA comemorar o seu aniversário no dia 14/04, o pai na sessão seguinte, trouxe bolo e sumo e um presente de aniversário para oferecer à AA. Nessa sessão, o pai fez-se acompanhar pela EE e em conjunto cantaram os parabéns.
Em algumas sessões, o pai tirou algumas fotografias enquanto a AA e a EE brincavam. Houve momentos em que a AA recusou tirar fotografias escondendo o rosto alegando que “a mãe disse para não tirares fotografias nem fazeres vídeos”. Face ao comportamento adotado pela AA o pai respeitou a sua vontade.
Em suma, foi possível constatar que existe afeto e cumplicidade entre a AA e o pai e as sessões continuam a decorrer de uma forma muito positiva. É notório o contentamento da AA em conviver com o pai.”
32. Na sequência do acordo dos progenitores quanto à aplicação da medida protetiva sugerida foi o mesmo, no dia 27 de Setembro de 2022, homologado e aplicada à criança AA, nascida em ../../2016, a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, a executar na pessoa da mãe - art.º 35.º, nº. 1, al. a) da LPCJP, pelo prazo de seis meses e com as seguintes obrigações durante a execução da medida:
a. - Os pais comprometeram-se a cumprir as orientações da técnica da Segurança Social, gestora do processo, bem como as orientações do plano de intervenção para a execução da medida, do qual lhes foi entregue uma cópia;
b. - O pai poderia estar com a AA dois fins de semana seguidos, interpolados por um fim de semana em que a criança ficava com a progenitora, ao que se segue outros dois fins de semana da criança com o pai e assim sucessivamente.
c. -A recolha seria à sexta feira no estabelecimento de ensino e entrega na segunda feira, no mesmo estabelecimento de ensino.
d. - Os progenitores aceitaram a intervenção do CAFAP, para restabelecerem a comunicação.
33. No dia 18 de Outubro de 2022 foi junto aos autos cópia do relatório de perícia médico legal à criança AA.
34. Deste relatório consta “um parecer pouco positivo quanto à sua credibilidade (do relato). A menor apresenta um discurso de rejeição face à figura paterna, percepcionando-se sugestionada por terceiros. No contacto com a menor não foi identificada sintomatologia clinicamente valorável, especificamente associada a qualquer situação abusiva ou de maus tratos. Não se apresenta evidências consistentes de maus tratos, a partir do brincar e de outros comportamentos não verbais. É possível, mas não possível demonstrar, a existência de vivências negativas em contexto familiar paterno, no entanto existem algumas referências por parte da menor pelas quais deverá ser dada atenção especial. No decorrer da avaliação foi totalmente percetível uma relação de conflito entre os progenitores e que a menor tem sido exposta a estes conflitos. De referir que esta exposição no conflito interparental, poderá colocar a menor em risco de desajustamento. (…)”.
35. No dia 26 de Outubro de 2022 foi ordenada realização de perícias a ambos os progenitores tendo como objeto determinar as competências parentais de cada um dos progenitores e apurar da origem do discurso de rejeição da criança à figura paterna.
36. No dia 11 de Novembro de 2022, foi junta aos autos certidão do despacho de arquivamento, proferido no dia 04 de Novembro de 2022, no âmbito do inquérito 2361/21...., do DIAP de ....
37. No dia 18 de Janeiro de 2023, foi junto o relatório da perícia realizada aos progenitores pelo INML onde se pode ler: “CC mostra-se preocupada com as alegadas situações de maus-tratos que segundo a própria não são ainda esclarecidas. Apoia-se nesta situação para justificar a resistência às visitas e pernoitas com o progenitor. No seu discurso é notória a certeza da culpa do progenitor, não dando abertura para outra possibilidade, o que pode dificultar a reaproximação do progenitor com a menor”.
“CC não compreende que a menor, não tendo vínculo com o progenitor, sofrendo com as visitas e não estando ainda apurado se foi ou não agressivo, possa conviver de forma equitativa com a AA. Nesse sentido, pensa que idealmente teriam visitas supervisionadas, sem pernoita, até ao final do apuramento dos alegados fatos.”
“CC apresenta-se magoada e diz-se triste “estou triste porque ele não a protege, no período que ela está com ele, ele não a protege”. Existe no discurso, emocionalmente carregado, sinais de emoções ainda intensas de raiva, tristeza, percepção de abandono e mágoa relacionadas com o fim da relação.”
Relativamente à CC, os sentimentos supramencionados condicionam, muito possivelmente, os comportamentos em relação ao DD.
Não confiando no progenitor como capaz de cuidar da menor…”
38. Ao quesito “o ocorrido à mãe durante a gravidez da criança condiciona de alguma forma o comportamento da progenitora?; 6) na afirmativa, qual ou quais?” a perícia refere “Não é possível, de forma categórica, fazer uma associação direta entre os dois comportamentos. No entanto, sabe-se que o risco psicológico está relacionado com as sensações e perceções vividas pela mulher durante a gravidez. Nesse sentido, o fato de ser um projeto que passou a ser individual, desejado sobretudo pela progenitora e sem apoio do progenitor, colide com a idealização prévia de formação de família e pode condicionar a forma como é vista a relação pai-filha.
CC mostra-se determinada em conseguir perceber ou provar o que aconteceu à menor, que na sua visão foi da responsabilidade do progenitor. Nesse sentido, pode ser interpretado como comportamento obstinado, naquilo que acredita ser verdade.”
39. No inquérito com o número 2361/21...., do DIAP de ..., o despacho de arquivamento foi proferido no dia 04 de Novembro de 2022 e o primeiro exame a que a mãe foi submetida, no INML, para a realização da perícia, foi no dia 29 de Dezembro de 2022.
40. Já a progenitora tinha conhecimento do despacho de arquivamento, no entanto continuou, e continua, a imputar os mesmos factos ao progenitor (este nem constituído arguido foi).
41. No relatório de acompanhamento da execução da medida protetiva a Senhora Técnica gestora do processo defendeu a manutenção da medida de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, por se manter a litigância entre a díade parental, pois embora se observe uma ligeira melhoria no que respeita à obtenção de acordos, (conseguiram encontrar consenso no que respeita à alternância de convívios da menor com os progenitores nas férias lectivas de Verão) a progenitora ainda tem dificuldade em aceitar e respeitar o direito da filha em conviver salutarmente com o progenitor e a família paterna.
42. Ao longo do período de execução da medida protetiva foi necessária a intervenção do CAFAP e da ATT para resolver as férias de Natal, da Páscoa, do aniversário da criança.
43. Quanto ao aniversário da AA lê-se no relatório da ATT, junto no dia 12 de Junho de 2023 que “o progenitor deu nota que apesar da progenitora ter rejeitado a hipótese proposta pelos técnicos em realizar a festa em conjunto, alegando que a festa de aniversário que a AA pediu muito, seria realizada em casa, no fim de semana seguinte, estando a AA em casa do pai, foi dado início aos preparativos da festa, de acordo com o pedido da criança.
Esta muito entusiasmada partilhou com a mãe, ao telefone, os detalhes dos preparativos da festa, que ela mesmo tinha planeado (local, bolo, tema escolhidos e convites preenchidos por ela).
Alguns amigos tinham já confirmado a presença, contudo em conversa com outros pais, o progenitor percebeu que estava a ser planeada uma festa de aniversário para a AA em segredo, levando a crer que essa festa iria ser substituída pela festa que a menor tinha planeado com o pai.
Além de ter alterado toda a planificação inicial, a progenitora levou a que os pais dos amigos da AA fossem à sua festa e não à que inicialmente a menor tinha convidado.
Na festa planeada pelo progenitor apenas compareceu uma amiga da AA. A menor questionou os motivos dos amigos não terem comparecido e revelou desilusão por não comparecerem à festa que ela mesma organizou.”
44. A progenitora de AA é assistente operacional no agrupamento de escolas ..., em ... e reside em ..., ..., com os avós maternos da criança e um tio desta.
45. Habitam residência de tipologia T3
46. O pai de AA trabalha na ..., em ... e reside em ....
47. Vive com a mulher e a filha, irmã germana de EE, em habitação que reúne as condições habitacionais necessárias às duas crianças e ao casal.
48. Por decisão de 28.7.2023 foi aplicada, a titulo cautelar, a favor da criança AA a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, tendo-se instituído a residência alternada, decisão essa confirmada pelo V.T. da Relação de Guimarães.
49. A 7.8.2023 a progenitora envia email ao processo dando nota que o pai foi buscar a criança AA em dia de férias de Verão que não teria sido o combinado, mas declara que nada tem a opor ao sucedido.
50. A progenitora continuou a levar a criança AA às consultas de psicologia no ACES apesar do progenitor ter dito que a tal se opunha expressamente já em 28.7.2023, o que era do seu conhecimento.
51. Só depois de 9.10.2023 é que a criança AA passou a ser seguida em psicologia no CAFAP de ... e após diligência realizada para esse efeito, em consonância com o parecer da ATT -
52. A 9.10.2023 foi determinado que a progenitora enviasse ao progenitor, em 48h, todos os endereços e passwords, relativos às questões e plataformas escolares.
53. A 17.10.2023 pela ATT foi, mais uma vez, solicitada a intervenção do Tribunal no sentido de voltar a determinar que a progenitora “…seja novamente alertada para a partilha das palavras-passe referentes aos diversos serviços utilizados pela AA, a saber, plataforma INOVAR, Email institucional, portal das finanças, segurança social directa e portal da saúde, considerando-se que o de maior urgência seja o email institucional, uma vez que é o meio de comunicação preferencial entre a escola e a família.”.
54. Por despacho de 25.10.2023 foi o estabelecimento escolar notificado para o supra, uma vez que a progenitora não enviou a totalidade da informação que estava na sua posse.
55. A criança AA não evidencia nenhuma alteração, escolar, nas semanas em que está com o pai ou com a mãe.
56. Ambos os progenitores estão inteirados da vida da menor, incluindo a companheira do pai, Sra. BB.
57. A criança AA expressa espontaneidade no discurso e satisfação pela convivência com a família materna e paterna, identificando relações positivas e de vinculação segura com todos os elementos que compõe os agregados (materno e paterno).
58. A medida de apoio junto dos pais, decidida a 28.7.2023 veio a ser aplicada, por acordo, em 11.3.2024.
59. O Tribunal, por despacho de 27.3.2024, teve de decidir a questão das férias da Páscoa, fixando que a criança AA iria gozar o Domingo de Páscoa com a progenitora.
60. Neste aspeto a decisão do Tribunal é coadunante com a proposta do progenitor, Ministério Público e ATT e distinta da posição da progenitora que pretendia dividir o Domingo de Páscoa em dois momentos, um com cada um dos progenitores.
61. AA foi encaminhada para a terapia da fala, tendo a progenitora, unilateralmente, decidido qual o estabelecimento onde a mesma seria assistida e a respetiva frequência.
62. Por requerimento de 25.6.2024 a progenitora comunica aos autos que no dia 22.6.2024, dia em que a criança AA estava aos cuidados do pai, teria ido buscar a filha a casa de uma vizinha do progenitor pois que a criança lá se teria deslocado, queixando-se ter sido posta de castigo pela companheira do pai, às escuras, no exterior da casa.
63. A criança AA, desde que a mãe a levou consigo, não mais foi à escola.
64. Tendo perdido a festa de final de ano.
65. A progenitora, contactada pelo CAFAP, em decorrência do sucedido e depois de sugestão nesse sentido pela Sr.ª Psicóloga que acompanha a criança, não levou AA para ser vista em contexto de acompanhamento psicológico.
b) Factos não provados.

Factos não provados:
Não se provou que:
66. O pai e a companheira deste tivessem batido na criança AA.
67. AA encontrava-se em casa da vizinha do pai por ter tocado à campainha pedindo ajuda porque “a BB a ia apanhar”.
68. AA estivesse com tremuras, inquieta e assustada.
69. A criança pediu à mãe para que não a deixasse ir para casa da BB, actual companheira do progenitor da AA.
70. A companheira do pai tenha obrigado a limpar a casa para que, em troca, a AA pudesse ir às comemorações do S. João.
71. A companheira do pai, BB, havia dado banho e vestido o pijama à criança AA.
72. A companheira do pai de AA tenha dito à criança que se esta não encontrasse o anel lhe iria puxar as orelhas e fechá-la no exterior da casa, no escuro.
73. Como não conseguiu encontrar o dito anel, BB pôs fora de casa a criança AA e disse-lhe que não entraria até que encontrasse o anel.
74. AA tivesse ficado apavorada.
75. Tenha saltado um muro de 2 metros de altura.
76. A GNR ... tenha, em decorrência do contacto da vizinha do progenitor, redigido auto de notícia de violência doméstica.
77. No dia 26.6.2024 a progenitora se tenha feito acompanhar de AA quando se deslocou a Tribunal.
78. Uma Sr.ª Oficial de Justiça tenha dito à progenitora que os factos por si relatados não eram merecedores de atendimento.
79. AA se recuse a estar com o pai e a ir à escola, por receio de ser recolhida pelo pai.

IV -Fundamentação (da impugnação de facto e de Direito)

A - Da impugnação da matéria de facto; critérios para a sua apreciação
A Recorrente pretende a alteração da matéria de facto, com a adição de factos.
Na reapreciação dos meios de prova deve-se assegurar o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, efetuando-se uma análise crítica das provas produzidas.
É á luz desta ideia que deve ser lido o disposto no artigo 662º nº 1 do Código de Processo Civil, o qual exige que a Relação faça nova apreciação da matéria de facto impugnada.
Como explanado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2012, no processo 649/04.2TBPDL.L1.S1, (sendo este e todos os acórdãos citados sem menção de fonte consultados no portal www.dgsi.pt) “A reapreciação das provas que a lei impõe ao Tribunal da Relação no art. 712.º, n.º 2, do CPC, quando haja impugnação da matéria de facto que haja sido registada, implica que o tribunal de recurso, ponderando as razões de facto expostas pelos recorrentes em confronto com as razões de facto consideradas na decisão, forme a sua prudente convicção que pode coincidir ou não com a convicção do tribunal recorrido (art. 655.º, n.º 1, do CPC).
A reapreciação da prova não se reduz a um controlo formal sobre a forma como o Tribunal de 1.ª instância justificou a sua convicção sobre as provas que livremente apreciou, evidenciada pelos termos em que está elaborada a motivação das respostas sobre a matéria de facto.”
 Assim, visto que vigora também neste tribunal o princípio da livre apreciação da prova, há que mencionar que esta não se confunde com a íntima convicção do julgador.
A mesma impõe uma análise racional e fundamentada dos elementos probatórios produzidos, estribando-se em critérios de razoabilidade e sensatez, recorrendo às regras da experiência e aos parâmetros do homem médio.
A formação da convicção não se funda na certeza absoluta quanto à ocorrência ou não ocorrência de um facto, em regra impossível de alcançar, por ser sempre possível equacionar acontecimento, mesmo que muito improvável, que ponha em causa tal asserção, havendo sempre a possibilidade de duvidar de qualquer facto.
É obvio que “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”, como explica Vaz Serra in Provas – Direito Probatório Material”, in BMJ 110/82 e 171.
Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz – meio da apreensão e não critério da apreensão – a ideia de que mais do que ser possível (pois não é por haver a possibilidade de um facto ter ocorrido que se segue que ele ocorreu necessariamente) e verosímil (porque podem sempre ocorrer factos inverosímeis), o facto possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Donde resulta que se a prova produzida for residual, o tribunal não tem de a aceitar como suficiente ou bastante só porque, por exemplo, nenhuma outra foi produzida e o facto é possível.” cf. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-06-2014 no processo 1040/12.2TBLSD-C.P1.
A convicção do julgador é obtida em concreto, face a toda a prova produzida, com recurso ao bom senso, às regras da experiência, quer da vida real, quer da vida judiciária, à diferente credibilidade de cada elemento de prova, à procura das razões que conduziram à omissão de apresentação de determinados elementos que a parte poderia apresentar com facilidade, a dificuldade na apreciação da prova por declarações e a fragilidade deste meio de prova.
Igualmente importa a “acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da ação.” (mesmo Acórdão).
Concretização
Postas estas ideias mestras, vejamos os factos que a Recorrente pretende que sejam aditados e se se lhe pode dar razão.

A mesma pretende que se aditem, em primeiro lugar, o seguinte:
.a) “O regime de residência alternada fixado provisoriamente não provoca na AA qualquer instabilidade e a mesma mostra satisfação em estar com ambos os pais.
.b) Na perspetiva do interesse da AA existe neste momento (por referencia a 11 de março de 2024) solidez e tranquilidade em termos emocionais e escolares.”
Funda-se para tanto no teor da diligência realizada em 11 de março de 2024 com recurso à audição da Dr. GG, técnica da Segurança Social.
Mesmo que se considerasse que se podia assentar nestas conclusões como se factos fossem – o que não nos é nada claro – certo é que a própria técnica nas suas declarações realçou que “portanto ainda aqui é um bocadinho prematuro apresentar resultados relativamente a esse acompanhamento”, salientando que as suas afirmações ainda não se baseavam em factos com algum sedimento.
Ora, a verdade é que a situação que já de si não se mostrava pacífica a nível de relacionamento entre os progenitores e a AA, como relata a mesma técnica, ao salientar as queixas do pai relativamente ao “comportamento da mãe junto da filha, nomeadamente de ela continuar a querer anular a figura paterna da vida da filha”.
Acresce que esse período não pode ser descolado de tudo o que o antecedeu, como a Recorrente teve que acatar, por expresso no acórdão anteriormente proferido na apelação apensa, e muito menos do que se lhe seguiu, como também ali se afirmou: essa organização do tempo da AA tinha já em si a capacidade de gerar a situação em que a mesma se viu totalmente instrumentalizada e industriada, com a imputação de facto criminosos a terceiros e a desestabilização, pela mãe, dos laços que haviam sido reatados com o pai, depois de destruídos com o afastamento causado por outras incriminações, anteriores, que também se mostraram falsas.
Importa ter em conta os seguintes elementos que a sentença menciona na sua motivação:
No relatório pericial apresentado no inquérito criminal n.º 2361/21.... e junto ao apenso D a 31.5.2022 afirma-se que “AA tem um desenvolvimento adequado para a idade capaz de distinguir conceitos como o “quê”, o “quem”, o “onde” conseguindo reproduzir situações do seu quotidiano com alguma clareza, fazendo referência a protagonistas, locais e interacções, distinguindo verdade da mentira, mas não o fazendo em relação à fantasia e à realidade.” e que esta afirma referindo-se ao pai: “é a mãe que diz…é mau porque a mãe diz que é mau…”, “…ele faz de bonzinho para vocês pensarem bem e para ficar comigo…a mãe diz para eu não gostar deles porque eles aleijam e eu acredito na mãe e não nele…a mãe diz que o pai é mau…”; “…foi o pai que bateu na minha cabeça, eu não me lembro…”; “…ele faz mal à mãe…”, “…a mãe diz para eu te dizer a ti para tu me salvares…ele quer roubar-me da mãe”.
No relatório de 8.9.2022 a ATT explana que «AA explicou que DD “ele é o pai, mas a mãe não deixa dizer isso”. Ainda ali se faz constar que “Não obstante, da avaliação conduzida surgiu a dúvida sobre a sua capacidade e competência para promover um desenvolvimento sociomoral e afetivo adequado às necessidades da menor na medida em que esta apresenta um discurso de desvalorização e depreciação da imagem do progenitor junto de AA. Os relatos da progenitora sobre a conduta do progenitor enquanto figura paterna refletem uma imagem de alguém desinteressado, ausente e negligente, não correspondendo essa imagem à avaliação conduzida pelas entidades envolvidas em matéria de promoção e proteção, concretamente esta ATT e CAFAP”.
Não pode, face a todos os acontecimentos que antecederam e se seguiram a 11 de março de 2024 e a proximidade desta data, concluir pela viabilidade, neste momento, salienta-se, da residência alternada.
Veja-se que a proximidade dos comportamentos de 25-6-2024 obrigam a que se conclua que a progenitora ainda não se ter consciencializou que ambos os progenitores são essenciais para que a AA seja saudável, nem entranhou que devia lutar para que a AA fosse feliz com ambos os pais, por precisar de ambos, e que, para isso, tem que ter comportamentos estáveis e confiáveis quer com a menor, quer com o outro progenitor, não colocando a menor em risco, com o desfazer da imagem do pai (necessária à sua autoestima) ou obrigando-a a afastar-se do mesmo, criando-lhe conflitos emocionais de gestão muito difícil.
Assim, sem que se consiga obter uma acalmia nas relações entre os progenitores, o estabilizar dos mesmos, nomeadamente psicologicamente, com um esforço de amadurecimento, não é possível concluir-se que o regime da residência alternada seja uma solução apaziguante para a menor, que não lhe provocaria instabilidade, visto que este gerou comportamentos da Recorrente que a(s) prejudica(m) fortemente.
Improcede, pois, nesta parte, a pretendida alteração da matéria de facto provada.

Em segundo lugar a Recorrente pretende que se adite o seguinte:
“.a) - A madrasta da criança AA disse à AA e à sua filha para irem tomar banho e que depois não iriam todos dormir enquanto não fosse encontrado o anel;
.b) A menor AA tomou banho em primeiro lugar e depois foi procurar o anel. “
A própria Recorrente aceita que no anterior acórdão apenas se admitiu a possibilidade de interposição de novo recurso quanto às questões ali não discutidas e não decididas.
Ora, como expressámos supra no relatório, já no anterior recurso a Recorrente havia pedido o aditamento destes factos e os mesmos foram rejeitados, por, além do mais, se mostrarem desnecessários à decisão.
Ao invés do invocado pela Recorrente “O aspeto nuclear da questão levada aos autos pelo requerimento de 25/06/2024não “é o de saber se é ou não verdade que a AA tinha sido colocada de castigo pela companheira do pai e, em concreto, tal como resultou na própria produção de prova, se tal circunstância decorreu do facto de a companheira do pai ter notado a falta de uma anel e de, em consequência, ter atribuído às crianças o seu desaparecimento e determinado que ninguém dormiria enquanto o anel não aparecesse”, mas saber se esta aplicou castigos à menor que não podem ser tolerados (ao abrigo de um eventual dever de correção, pela sua excessividade, violência, crueldade, perigosidade, desequilíbrio ou outro).
Ora, ir procurar o anel antes de ir dormir não constitui nenhum castigo grave, sendo que não foi confessada, nem de outra forma se provou, qualquer ameaça no sentido de impedir o sono à AA.
Assim, também por aqui improcede a impugnação da matéria de facto provada.

*
B- Da aplicação do Direito aos factos apurados
O artigo 3º nº 1 da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro (Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, com as alterações operadas pelas Lei n.º 31/2003, Lei n.º 142/2015, Lei n.º 23/2017 e Lei n.º 26/2018, que também se denominara LPCJP), impõe ao Estado o dever de intervir para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo, quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo. Tal vem na sequência do determinado no artigo 69.°, n. ° 1, da Constituição da República Portuguesa, que afirma que as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de agressão e contra o exercício abusivo da autoridade parental na família e nas demais instituições.
Importa, para tanto, que se considere que a criança ou o jovem está em perigo que exija a aplicação de medida que o proteja.
 Aquele preceito, a título exemplificativo, enumera um conjunto de situações que integram a necessidade de intervenção, referindo-se ás situações em que a criança ou o jovem (no nº 2): Está abandonada ou vive entregue a si própria; b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) Está aos cuidados de terceiros, tendo estabelecido com estes forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais; e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação. h). Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.
Estas situações de perigo tanto podem resultar de culpa dos pais, dos representantes legais e daqueles que tiverem a sua guarda de facto ou de ação ou omissão de terceiros, como de simples incapacidade daqueles.
 Por outro lado, há que ter em atenção que nos termos consagrados no nº 1 do artigo 67º da Constituição da República Portuguesa, a família tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. Nos termos do seu artigo 68º, a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.
Em conformidade, o artigo 36º da Constituição dispõe que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e que estes não podem ser separados dos pais, salvo quando aqueles não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial. A nível infra constitucional, o artigo 1918º do Código Civil estipula que "quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontre em perigo e não seja caso de inibição do exercício do poder paternal', o tribunal pode "decretar as providências adequadas, designadamente confiá-lo a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência".
O artigo 34º da LPCJP exige, para aplicação das medidas de promoção e proteção, a existência de um perigo em que se encontrem as crianças e jovens e que estas tenham em vista:
“a) Afastar o perigo em que estes se encontram;
b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;
c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.”

O artigo 35º desta Lei estipula as medidas a aplicar:
“a) Apoio junto dos pais;
b) Apoio junto de outro familiar;
c) Confiança a pessoa idónea;
d) Apoio para a autonomia de vida;
e) Acolhimento familiar;
f) Acolhimento residencial;
g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.”

Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.
Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.
Há que ter em conta que as crianças não são no nosso Direito consideradas como um objeto dos direitos dos pais, mas são elas mesmas, como vimos, titulares de direitos, sendo que o seu interesse é o preponderante se em confronto com o dos seus progenitores.
Quando estes não conseguem cumprir as suas responsabilidades e põem os filhos em perigo, podem ver os seus direitos parentais restringidos para que seja assegurada a proteção das crianças.
Nestas situações adquire primazia a salvaguarda dos direitos fundamentais das crianças à vida, à liberdade e livre desenvolvimento da personalidade, à integridade física e moral (artigos 24.º, 25.º e 26.º da Constituição). De acordo com os conhecimentos científicos disponíveis, as crianças, como seres em desenvolvimento, têm necessidades especiais, e se não recebem os cuidados e a afeição próprios da sua idade, podem sofrer danos físicos e psíquicos irreversíveis, que para além de lhes causarem privações durante a infância, condicionam mais tarde a sua vida adulta, afetando a sua inserção social e profissional, a sua capacidade de confiar nos outros, e diminuindo seu bem-estar psicológico como pessoas.”
O artigo 4º da Lei n.º 147/99 enuncia os princípios pelos quais se deve reger a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo:
 a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
b) Privacidade - a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;
c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;
d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo;
e) Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;
g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;
h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável. Assim, “a «prevalência da família», princípio referido na alínea g) (art. 4º), significa que «na promoção de direitos e proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adoção». Este mesmo princípio tem consagração constitucional (art. 67, 36 nº 6 CRP). Também a Convenção sobre os Direitos da Criança (art. 9º) (assinada em Nova Yorque a 26.01.1990 e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90 de 12 de setembro), consagrou que «nenhuma criança pode ser separada de seus pais contra a vontade destes, exceto se as entidades competentes considerarem que a separação se impõe pela necessidade de salvaguardar o interesse superior da criança».”cf Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/23/2017, no processo 662/13.9T2AMD-A-7.
i) Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;
j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção;
k) Subsidiariedade - a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.
Não é demais salientar que a intervenção com vista a proteger a criança da referida situação de perigo tem como critério principal “o superior interesse da criança” e para tal terá que ter em conta que há que tutelar, dentro da medida do possível, a continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, preservando-se as relações afetivas estruturantes e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, considerando que devem prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante.

Concretização
Postas estas ideias mestras, importa verificar se a AA se encontra em perigo e em caso afirmativo se existiria outra medida, diferente da aplicada, que melhor defenderia os seus interesses.
De mais impressivo, resulta da matéria de facto provada que a Recorrida imputou ao Recorrido e demais agregado familiar factos criminosos contra a sua filha, que não só se não provaram como se produziram fortes indícios de que eram falsos, pelo menos, duas vezes, uma em 26 de maio de 2021 e outra em 25.6.2024, levantando suspeitas de maus tratos infantis perpetrados pelo progenitor e sua companheira na pessoa da criança AA.
Os relatórios psicológicos juntos aos autos denotam que é totalmente percetível uma “relação de conflito entre os progenitores e que a menor tem sido exposta a estes conflitos. De referir que esta exposição no conflito interparental, poderá colocar a menor em risco de desajustamento”, mais se denotando que “a progenitora ainda tem dificuldade em aceitar e respeitar o direito da filha em conviver salutarmente com o progenitor e a família paterna.”
É também relevante, por demonstrativo da sua força anímica, o facto de se ter recusado, contra a determinação do tribunal, a enviar ao Recorrido a totalidade da informação que estava na sua posse para a partilha das palavras-passe referentes aos diversos serviços utilizados pela AA, a saber, plataforma INOVAR, Email institucional, portal das finanças, segurança social directa e portal da saúde.
É claro que, como se diz na sentença recorrida: ““Dos factos provados resulta, com clara evidência, que ao longo do tempo a progenitora tem vindo - e tinha, efectivamente, conseguido, é necessário que se diga com frontalidade - afastar AA do pai.” Reza ainda a sentença, no que concordamos: ”Resulta da matéria dada como provada e da respetiva fundamentação que a progenitora sujeita AA, há anos(!), a violentação emocional consistente no denegrir a pessoa do pai. Ao ponto da criança verbalizar que chama DD ao pai porque a mãe assim quer e impõe (e aqui é irrelevante se é vitimizando-se ou se é através de comportamentos mais autoritários…tal só releva para caracterizar o tipo de violência)“.
E como se afirmou no acórdão que antecede, repetindo, parcialmente o já anteriormente afirmado na 1ª instância e que não foi aqui infirmado: “A progenitora pode até verbalizar coisa distinta (e continua hoje, como sempre, assim), mas os seus actos, as suas acções (facere e non facere) permitem concluir o contrário. Esta realidade é absolutamente violentadora da dimensão psicoemocional de AA e faz com que - como supra se explanou e resulta da própria matéria de facto provada - os laços entre pai e filha se fossem enfraquecendo - até que o Tribunal teve de intervir cautelarmente a 28.7.2023 - consubstanciando esta realidade o perigo para a criança.
 Perigo esse que, rememorando o exposto, é potenciador de graves lesões psicoemocionais.
 Volvido cerca de um ano vê-se o Tribunal perante, mais uma vez (e sempre!) de alegações de factos trazidos pela progenitora, alegações essas com base nas quais se autorizou (como sempre, unilateralmente) a retirar a criança ao pai e a não a entregar, conforme lhe competia. (…) No CAFAP a progenitora adopta posição de bloqueio no processo de mediação. A progenitora visita a filha na escola, nas semanas em que a mesma está com o pai, apesar de ter sido de tanto proibida pelo Tribunal; tendo, inclusive levado a ATT a pedir a intervenção do Tribunal para mais uma advertência expressa. Bloqueou, até onde pôde, o acesso total do pai às informações escolares (e não venha cá a progenitora juntar uma qualquer comunicação de comunicação parcial do que quer que seja e alegar que o demais não detinha pois que tal é inverídico); e fê-lo desrespeitando determinação expressa do Tribunal, ao ponto do Tribunal ter de ordenar que se notificasse o estabelecimento de ensino para prestar as informações e proibisse a alteração das credenciais de acesso. …Como decorre da matéria dada como provada e da respectiva fundamentação a progenitora de AA, pelo menos, aproveitou-se de uma situação para se fazer presente, não entregou a criança ao pai quando podia e tendo-se retirado em contrário com o judicialmente determinado e sem que qualquer razão justificativa para tal houvesse reteve AA 10 dias, isolando-a fisicamente do mundo: Impediu que a criança fosse à escola, não tendo sequer participado na festa de fim de ano; Impediu que a criança fosse vista pela psicóloga que a acompanha, não a tendo conduzido conforme solicitado; Impediu que a criança fosse vista pela Sr.ª Técnica gestora do processo. (…)”.
… Na situação em apreço, julgamos, em sintonia com a decisão recorrida, que o momento é o de estancar a influência negativa que os apontados comportamentos da progenitora vêm tendo na saúde emocional da criança e na relação desta com o progenitor.”
É sabido como a figura da mãe e do pai influenciam a imagem que uma criança tem de si própria, sendo uma ofensa à própria criança a crítica a qualquer um dos progenitores, mesmo que efetuada também por um progenitor.
Por outro lado, um clima de conflito entre as figuras que deviam ser securizantes, em que um dos progenitores age em detrimento da relação parental com o outro pai, colocando a filha numa situação de ter que escolher entre a mãe ou o pai, sendo conduzida a ter conflitos emocionais quando dá ou recebe a atenção de um deles, por lealdade perante o outro é, obviamente, perigosa para a estabilidade emocional da criança.
A mãe tem vindo a agir com o expresso intuito de afastar totalmente a AA do pai, chegando a impedir que lhe chame pai (instando-a a chamá-lo pelo nome próprio) e imputando ao pai e seu agregado a prática de crimes contra a criança que se vieram a revelar não ter substrato de verdade.
Como resultado desses comportamentos a menor chegou a afastar-se totalmente do pai, relação que veio a recuperar, mercê das intervenções técnicas desenvolvidas para o efeito. Nesse momento, a Recorrente voltou a agir, com novas imputações falsas, para obter novo afastamento, visto que o que causara anteriormente já havia sido superado.
Assim, é patente que a mãe não tem revelado capacidade para colocar o interesse da filha em primeiro lugar, antes a põe em perigo, por promover uma relação doentia com o outro progenitor e até consigo, visto que a sua relação passa pelo denegrir da pessoa do outro progenitor e não pelo acompanhar e criar condições para o são desenvolvimento da criança. Mais a mais, sujeita-a a situações afetivamente desestruturantes, não a deixando assumir o pai como tal e o afeto que por este nutre.
Enfim, como descreve o citado artigo 3º, nº 2, alínea f) da Lei 149/99, a AA está sujeita, de forma direta, a comportamentos que afetam gravemente o seu equilíbrio emocional.
Esta situação tem decorrido há anos e não se vê que se altere sem que a progenitora desenvolva esforços nesse sentido, assumindo uma postura de respeito pela AA e o seu pai, sem a instrumentalizar contra este e o seu agregado.
Verifica-se, pois, que nesta fase, a manutenção da criança entre a casa de ambos os progenitores, neste clima de guerrilha cavilosa a que progenitora a sujeita em relação ao pai é muito prejudicial para a AA, pondo em risco o seu desenvolvimento afetivo.
Ora, neste aspeto há que ver que a alteração da residência da criança para junto do pai, com visitas acompanhadas à mãe, é a melhor forma de proteger a menor, afastando-a do foco de conflito a que a mãe a tem sujeitado, constatado que está que esta tem desenvolvido um conjunto de ações que são nefastas para a criança e que o pai dispõe de condições para garantir a residência da criança e proporcionar sãos convívios com a mãe, acompanhada de apoio junto dos pais.
 Importa conceder um tempo de recuperação à criança relativamente a este vaivém de afetos e instrumentalizações.
Importa dar tempo à mãe para se consciencializar dos benefícios que ambos os progenitores podem trazer para a AA, ou, pelo menos, que o clima de guerrilha em que coloca a sua filha, mais a mais por ser contra o pai, figura essencial na construção da identidade, conjuntamente com a mãe, lhe faz muito mal.
Termos em que se entende ser de manter a decisão recorrida.
*
V- Decisão

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso e confirmar integralmente a sentença proferida.
Custas pela Recorrente (artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Guimarães, 09-01-2025

Sandra Melo
Fernanda Proença Fernandes
José Manuel Flores