DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIOS CONFINANTES
EXCEPÇÕES
REGISTO DA SENTENÇA
Sumário


I – Constituem requisitos do direito legal de preferência estabelecido no artigo 1380.º, nº 1 do Código Civil que: a) Tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio rústico; b) O preferente seja dono de prédio rústico confinante com o prédio alienado; c) Pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura; d) O adquirente do prédio não seja proprietário (de prédio rústico) confinante;
II - Para afastar o direito de preferência do proprietário de terreno confinante, o adquirente tem que provar, nos termos da parte final do art. 1381.º, alínea a) do Código Civil: a) A intenção de afetar o terreno a algum fim que não seja a cultura; b) A possibilidade física e jurídica (legal ou regulamentar) da afetação correspondente à intenção do adquirente.
III - o ónus da prova dos factos impeditivos do direito de preferência previstos no artigo 1381º do Código Civil incide sobre os Réus, conforme resulta do artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.
IV - O reconhecimento da preferência não implica extinção do direito do adquirente-preferido, mas unicamente a sua substituição pelo do preferente, o registo feito em favor do Réu não é nulo nem inexistente, não havendo, portanto, à luz dos arts. 10º e segs. do Cód. Registo Predial, fundamento para o seu cancelamento

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
I - Relatório

EMP01... Unipessoal, Limitada intentou contra A. EMP02... Lda. e EMP03..., S.A. a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, terminando com os seguintes pedidos:

“a) serem os RR. condenados a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre o prédio identificado no artº. 1º da p.i.;
b) Reconhecer-se á A. o direito de preferência na compra do prédio referido no artigo 9º do presente articulado, a saber:
Prédio rústico, composto de terreno de mato, com a área de 220m2, denominado “...”, sito no Lugar ...”, União das freguesias ..., ... e ..., concelho ..., a confrontar do norte com Caminho de Ferro, do sul com AA cab. casal do poente com BB e outro e do nascente com estrada nacional, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º...81 (antes artigo ...56 da extinta freguesia ...), descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...84/....
c) Serem os RR. condenados a reconhecer que a A. tem o direito a haver para si o prédio alienado pela primeira R. à segunda Ré, decidindo-se pela substituição desta, na qualidade de compradora, pela ora A., ficando o direito de propriedade sobre o prédio mencionado no artigo 9º da p.i. a pertencer, em exclusivo, à A.;
d) Ordenar-se o cancelamento no registo predial da transmissão a favor da segunda Ré, efetuado com base ou no pressuposto do mencionado contrato de compra e venda (doc. n.º 3), com as demais consequências legais”
Alega para tanto, em síntese, que é dona do prédio rústico identificado no artigo 1.º da p.i., prédio este que confina com o prédio rústico pertencente à primeira Ré, identificado no artigo 9.º daquele articulado, sendo que no dia 18/09/2020, a primeira e segunda Rés celebraram entre si um contrato de compra e venda tendo por objeto aquele segundo prédio, mediante o qual e pelo preço de 30.000,00€ a segunda Ré adquiriu o aludido prédio e registou tal aquisição a seu favor na competente conservatória do registo predial.
Mais alega que a segunda Ré, adquirente do prédio alienado, não era à data da celebração da escritura de compra e venda, nem atualmente, proprietária de qualquer prédio rústico confinante com o alienado e destinado a fins agrícolas, que o prédio da Autora, identificado no artigo 1.º da p.i., tem a área de 1.100m2, a qual é inferior à unidade de cultura legalmente fixada para a região onde se localiza e o prédio alienado pela primeira R. à segunda Ré tem a área de 11.400 m2.
Mais disse que o prédio rústico alienado, apesar de se encontrar a monte, por se encontrar abandonado, é um terreno de regadio e está apto e destina-se à cultura agrícola, predominantemente de milho, feijão, batatas, erva, etc., ou seja, predominantemente do tipo arvense ainda árvores de fruto e também o prédio rústico da Autora possui as mesmas características de terreno apto para a agricultura e de regadio, encontrando-se adstrito ao mesmo fim agrícola que o alienado pela primeira Ré à segunda Ré, nomeadamente para árvores de fruto e campo de experimentação para prática e aplicação na agricultura de sementes, novas culturas, produtos fitossanitários e adubos agrícolas.
Remata dizendo que relativamente ao prédio alienado, a Autora goza do direito de preferência, por ser proprietária do prédio rústico confinante.
Regularmente citados, contestou a segunda Ré, alegando, para tanto, que sobre o prédio em causa já tinha sido obtido um licenciamento camarário para edificação de alguns prédios e que, inclusive, se iniciaram as obras. Apesar do anterior proprietário não ter alterado a natureza do prédio, mantendo o mesmo como rústico, sobre o mesmo já foi concedida a necessária licença de construção e iniciada pela extinta empresa A. EMP02..., Lda., concluindo que estando demonstrada a sua potencialidade edificativa, resulta afastado o direito de preferência da Autora.
Termina pugnando pela improcedência da ação.
Foi proferido despacho saneador, com dispensa da fixação objeto do processo e da elaboração dos temas de prova, que não foi objeto de qualquer reclamação.
Por decisão de 17/06/2022, foi considerado existir ilegitimidade passiva da Ré A. EMP02..., Ldª. e tendo em conta que a Autora veio no requerimento de 21/03/2022 requerer a intervenção provocada principal de Massa Insolvente de A. EMP02..., Lda., foi admitida a requerida intervenção provocada principal, tendo sido ordenada e realizada a sua citação, não tendo a mesma deduzido contestação.

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Foi designado dia para realização da audiência de discussão e julgamento, após o qual foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, na improcedência total da ação, o Tribunal decide absolver a Ré EMP03..., S.A. e a chamada Massa Insolvente de A. EMP02..., Ldª. dos pedidos contra si formulados pela Autora EMP04... Unipessoal, Limitada.”
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Inconformada com a sentença, a Autora interpôs recurso e formulou, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões:
(…)
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Apenas a R. EMP03..., S.A. contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação, rematando com as seguintes conclusões:
(…)
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O recurso não foi admitido em primeira instância, por supostamente as alegações serem extemporâneas, mas após reclamação foi admitido, por este Tribunal, por despacho de 04/10/2024, como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
1 – Da existência de nulidade(s) da sentença;
2 – Da impugnação da matéria de facto;
3 – Da verificação dos pressupostos do exercício do direito de preferência.
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III. Factos provados na sentença recorrida.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:
“ 1.A A. é dona, legítimas proprietária e possuidora do prédio rústico, composto de terreno de mato, com a área de 1.100 m2, a confrontar do norte com caminho de ferro, do sul com BB, do nascente com A. EMP02..., Lda. e do poente com caminho, (atualmente denominado Travessa ...), denominado “...”, sito no Lugar do mesmo nome, em ..., atualmente União das freguesias ..., ... e ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo n.º ...87, correspondente ao artigo rústico nº ...62 da extinta freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...24 ..., onde se encontra inscrito a favor da A. – cfr. doc. n.º 1, junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido. 2. A A. adquiriu o prédio descrito em 1, a CC, residente na estrada ..., ..., da extinta freguesia ..., hoje União das freguesias ..., ... e ..., por escritura de justificação e compras e vendas outorgado no Cartório Notarial ... da notária DD, no dia 10 de setembro de 2012 – cfr. documento n.º 2 junto com a p.i., que se dá por integralmente reproduzido.
3. Através de escritura publica de compra e venda, outorgada em 18 de setembro de 2020, no Cartório Notarial do Dr. EE, sito na Rua ...., ... ..., a primeira Ré, representado nesse contrato pelo seu Administrador de insolvência, Dr. FF, vendeu à segunda Ré, pelo preço de € 30.000,00 o prédio rústico, composto de terreno de mato, com a área de 220m2, denominado “...”, sito no Lugar ...”, União das freguesias ..., ... e ..., concelho ..., a confrontar do norte com caminho de ferro, do sul com AA cab. casal do poente com BB e outro e do nascente com estrada nacional, (logradouro do Centro Comercial ...) inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º...81 (antes artigo ...56 da extinta freguesia ...), descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...84/... - cfr. doc. nº3 junto com a p.i. que aqui damos por integralmente reproduzido.
4. Com base no referido contrato de compra e venda a 2ª Ré registou o mencionado prédio a seu favor na Conservatória do Registo Predial ..., através da AP. ...34 de 2020/09/18 da Conservatória do Registo Predial ... Viçosa – cfr. doc. n.º4 junto com a p.i. que aqui damos por integralmente reproduzido.
5. Para instruir o referido contrato de compra e venda, a 2ª Ré liquidou junto da Autoridade Tributária o valor de €1.500,00 de IMT e o valor de €240,00, de Imposto de Selo.
6. O prédio da A., identificado em 1., é prédio contíguo e confinante, pelo seu lado nascente, com o prédio identificado em 3., este vendido pela primeira Ré à segunda Ré.
7. O prédio rústico alienado pela primeira Ré à segunda Ré, é contíguo e confronta do seu lado poente com o prédio rústico da A., descrito em 1.
8. A 2ª Ré, adquirente do prédio alienado, não era à data da celebração da escritura de compra e venda, nem atualmente, proprietária de qualquer prédio rústico confinante com o alienado.
9. O prédio da A., identificado em 1, tem a área de 1.100m2 – cfr. registo predial e respetiva matriz junto como doc. nº6 com a p.i. e relatório pericial de 13.04.2023, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
10. O prédio alienado pela 1ª R. à 2ª R. tem a área de 11.400 m2 - cfr. descrição predial e respetiva matriz junto como doc. nº 7 com a p.i. e relatório pericial de 13.04.2023, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
11. Ambos os prédios têm área inferior a 2,5 hectares – cfr. docs. 6 e 7 juntos com a p.i. e relatório pericial de 13.04.2023, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
12. A venda referida em 3. foi feita sem que à A. fosse dado conhecimento da mesma, nomeadamente, das cláusulas essenciais do contrato.
13. Nem a R. alienante, nem qualquer seu representante, deram conhecimento à A. da intenção de vender o referido imóvel, muito menos das condições ou elementos essenciais em que o pretendiam fazer, nomeadamente, o preço, condições de pagamento, prazo para a sua realização, pessoa do adquirente, etc., nem da sua venda.
14. A A. só veio a ter conhecimento da alienação efetuada pela primeira Ré à segunda Ré, do prédio identificado em 3., quando verificou que o terreno estava a ser desmatado e limpo.
15. Tendo sido informada pelos trabalhadores que estavam a proceder à limpeza do terreno acima identificado e vendido pela 1ª. Ré à 2ª. Ré que o mesmo tinha sido vendido.
16. Após diligenciou junto das repartições públicas, nomeadamente Conservatória do Registo Predial ... e Autoridade Tributária Serviço de Finanças ..., no sentido de apurar a data, modo e local da celebração do respetivo contrato de compra e venda.
17. Vindo a apurar que o prédio foi vendido em 18 de setembro de 2020, através da referida escritura pública, mantendo a sua natureza rústica nos documentos registais e fiscais.
18. A A. depositou em 25.11.2020, o preço da venda pago pela Ré adquirente, no montante de €30.000,00, e as despesas com o IMT, no valor de €1.500,00 e €240,00, referente ao imposto de selo, no montante global de € 31.740,00 – cfr. doc. n.º 8 junto com a p.i. que aqui damos por integralmente reproduzido.
19.A A sabe que sobre o imóvel em causa já tinha sido obtido um licenciamento camarário para edificação de alguns prédios e que se iniciaram as obras – cfr. doc. junto aos autos em 17.06.2023, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
20. O anterior proprietário não ter alterou a natureza do prédio, mantendo-o como rústico, sobre o mesmo já foi concedida a licença de construção e iniciada pela extinta empresa A. EMP02..., Lda., conforme decorre de uma das plantas que deu entrada na Câmara Municipal ... em 1983 – cfr. doc. 1 junto com a contestação que aqui se dá por integralmente reproduzido.
21. A escritura referida em 3 foi realizada em virtude da venda por negociação particular do bem imóvel apreendido nos autos do processo de insolvência com o n.º823/11.... correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz ...- cfr. doc. 3 junto com a p.i. que aqui damos por integralmente reproduzido.
22. A venda do referido prédio, como outros pertença do insolvente A. EMP02..., Lda., foi publicitada, tendo ocorrido mais do que um leilão eletrónico para promover a venda dos bens apreendidos à primeira Ré, e no referido imóvel e nas frações existentes no Centro Comercial ... eram bem visíveis as placas a informar a ocorrência do leilão dos bens apreendidos.
23. A A, não apresentou qualquer proposta para a sua compra, nem tentou a negociação particular do prédio com a 1ª. Ré – cfr. docs. n.º 2 e 3 juntos com a contestação que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
24. O prédio pertença da 2ª Ré é um prédio de construção que, já foi alvo de aprovação de projeto de edificação e nele já foram iniciadas obras de construção - cfr. docs. n.º 4 a 12 juntos com a contestação e doc. junto em 17.06.2023, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
25. O prédio da 2ªR já se encontra com o saneamento, foram iniciadas as escavações, a edificação de alguns pilares de suporte e foram colocadas guias para os passeios - cfr. docs. n.º 4 a 12 juntos com a contestação que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
26. No prédio da A não existe qualquer cultura, mas existe um lugar para aparcamento de viaturas e de depósito de materiais.
27. Os prédios da Autora e da 2ª. Ré são localizados em área urbana de construção – cfr. doc. 22 junto com a contestação e doc. junto em 17.06.2023, que aqui damos por integralmente reproduzidos.
28. Foi concedido à A. EMP02..., Limitada, por deliberação da Câmara Municipal ..., de 18.06.1980, o licenciamento de uma operação de loteamento urbano do prédio sito no lugar ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob os arts. nºs. ...11, ...12, ...13 e ...30 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob os nºs. ...00, ...31 e ...30, com a constituição de três lotes, designados de “A”, “B” e “C”, e com obras de urbanização, para a realização das quais foi fixado o prazo de 360 dias em função do que foi emitido o alvará de loteamento nº...2, de 12.02.1981 – cfr. documento junto em 17.06.2023 que aqui damos por integralmente reproduzido.
29. A promotora do referido loteamento apenas executou obras de urbanização referentes ao lote ..., no qual se encontra construído o edifício projetado para o mesmo - cfr. documento junto em 17.06.2023 que aqui damos por integralmente reproduzido.
30. Sendo a atual proprietária do prédio correspondente aos dois lotes do loteamento designados por lotes ... e ..., a 2ªR – cfr. documento junto em 17.06.2023 que aqui damos por integralmente reproduzido.
31. O legal representante da Autora, GG, apresentou, no dia 07 de Março de 2022, no Município ..., requerimento a solicitar a caducidade do Loteamento n.º12, de 12.02.1981, loteamento esse que incide sobre o prédio propriedade da Ré EMP03..., S.A. - conforme documento junto aos autos em 17.06.2022, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
32. Por despacho de 31 de Maio de 2023, foi declarada a caducidade do loteamento (Firma A. EMP02..., Ldª.), na Avª. ..., ..., com base nas informações do Chefe de Divisão de Urbanismo e Planeamento do Município ..., e parecer jurídico, convertendo o projeto de caducidade comunicado através do ofício nº...69 de 31 de maio de 2022, em decisão definitiva – cfr. documento junto por requerimento de 20.06.2023 que aqui damos por integralmente reproduzida.
33. Na página do Facebook da EMP05..., datada de 11 de Novembro 2020, é publicitada a venda do terreno rústico com 11.400 m2, dos autos, com a exibição de fotografia do mesmo – cfr. docs. 1 a 3 juntos por requerimento de 10.07.2023, que aqui damos por integralmente reproduzidos.
34. Do relatório pericial junto aos autos em 13.04.2023, consta designadamente o seguinte, que se transcreve:
“(…)
Quanto à natureza dos terrenos, o Perito esclarece que após análise da respetiva planta de ordenamento 2-3, a que corresponde a folha 1.3/8 do PDM ..., afigura-se que ambos os terrenos encontram-se classificados como “Solo urbano – solo urbanizado – espaço predominantemente de utilização residencial, comércio e serviços – Espaços predominantemente multifamiliar de baixa densidade.
(…)
O Perito constatou na propriedade do Autor, a existência de uma área coberta na zona poente, acedida através de um portão voltado á Travessa .... Essa zona apresenta pavimento em betonilha, possuindo um muro em alvenaria de blocos de cimento na delimitação norte (contigua ao talude da linha férrea), sendo que, na confrontação sul, designadamente com a propriedade onde se encontra instalado o estabelecimento “EMP06...”, existe uma rede de vedação adossada aos pilares metálicos que suportam a cobertura em painéis metálicos; afigurando-se que este espaço destina-se a arrumos de alfaias agrícolas. Na restante extensão da parcela do Autor, que se desenvolve para nascente até à parcela da Ré, não se constatou a existência de qualquer construção, apresentando-se o solo lavrado.
Quanto á parcela da Ré, e conforme descrito na resposta ao quesito anterior, a propriedade apresentava-se completamente coberta de vegetação densa, o que impediu a observação da generalidade da sua extensão. Contudo foi possível observar que, junto da extremidade nascente da depressão existente na zona central do terreno, existe um elemento que se afigura ser um pilar, embora com características bastante rudimentares; bem como, a existência de alguns lancis de betão sem grande alinhamento e completamente cobertos de vegetação, junto do topo norte da parcela (próximo da base do talude da linha férrea) e na zona nascente da mesma. Foi ainda possível observar a existência de duas caixas de visita de redes de drenagem de águas residuais, também junto do limite norte da parcela, designadamente uma com tampa a indicar “Saneamento” e outra sem tampa, sendo possível observar no interior desta última, que se encontrava ligada a uma tubagem enterrada” – cfr. relatório pericial junto aos autos em 13.04.2023, que aqui se dá por integralmente reproduzido.”
Quanto aos factos considerados como não provados, foram os seguintes:
“a) A A., por si e seus antecessores, já se encontram na posse do identificado prédio, desde há mais de 1, 5, 10, 20, 30, 50 e mais anos, de boa fé, de forma pública, pacífica, ininterrupta e contínua, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição de ninguém.
b) Nele praticando actos materiais de posse, nomeadamente, fazendo benfeitorias, cultivando-os, todos os anos, pelo modo e nas condições que consideram mais rentáveis e introduzindo-lhes os melhoramentos que entenderam necessários ou úteis, nomeadamente, ao nível de vedações, uso, limpeza, manutenção e arranjos.
c) Fazendo seus todos os rendimentos que o mesmo produz, bem como pagando as respetivas contribuições e impostos.
d) Praticando todos estes actos materiais de boa fé, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma reiterada, ininterrupta e com exclusão de outrem, com a firme convicção de os exercerem em nome próprio e de actuar no uso dos poderes correspondentes ao direito de propriedade sobre os prédios referidos nas alíneas a) e b) do artigo 1º da presente peça.
e) O prédio alienado, apesar de se encontrar de monte, por se encontrar abandonado, é um terreno de regadio e está apto e destina-se à cultura agrícola, predominantemente de milho, feijão, batatas, erva, etc., predominantemente do tipo arvense ainda árvores de fruto.
f) O prédio da A., descrito em 1., possui as mesmas características de terreno apto para a agricultura e de regadio, encontrando-se adstritos ao mesmo fim agrícola que o alienado pela 1ª R. à 2ª R., nomeadamente árvores de fruto e campo de experimentação para prática e aplicação na agricultura de sementes, novas culturas, produtos fitossanitários e adubos agrícolas.
g) A A. sempre teve, e mantem, o interesse em adquirir, por compra, o prédio mencionado em 3., porque quer expandir a forma de cultivo agrícola do seu prédio identificado em 1., para fins agrícolas, com culturas experimentais, para estudar o desenvolvimento novas culturas e novas formas de culturas agrícolas à semelhança do que já está acontecer na área que possui o seu tereno.
h) A A só veio a ter conhecimento da alienação da venda efetuada pela 1ªR à 2ªR no fim da semana de 16 a 20 do mês de Novembro corrente.
i) O prédio alienado destina-se a fins agrícolas.
j) A A teve conhecimento dos leilões eletrónicos.”
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IV. Do objeto do recurso.

1. Da nulidade da sentença.
Alega a Apelante que a sentença recorrida padece de nulidades, nos termos dos artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil.
Quanto à suposta nulidade por violação do primeiros dos citados normativos, tal ocorreria porquanto, em sinopse, não foram examinados dois documentos por si apresentados em sede de audiência de julgamento, uma vez que sendo os mesmos relevantes não foram ponderados na formação da convicção do tribunal, o que consubstanciam uma nulidade da sentença por violação do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, devendo reapreciar-se a prova produzida, ampliando-se a matéria de facto provada e proceder-se à correta aplicação do direito aos factos.
Como é evidente, esta primeira arguição de nulidade da sentença é descabida, sendo descontextualizada a citação do artigo 608.º n.º 2 do Código de Processo Civil, que estabelece que:
“O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.

Ora, no artigo supra transcrito não se prevê qualquer nulidade da sentença, reservando-se tal matéria para o art. 615º, nº 1, do Código de Processo Civil, que rege que:

“É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

Ora, o que aqui poderia estar em causa seria a nulidade da al. d) - mas obviamente não está - pelo o facto de em primeira instância não se ter tomado conhecimento de questão sobre a que se devia pronunciar.
O que aqui está em causa, na versão carreada pela recorrente, não é a não apreciação de qualquer questão de natureza adjetiva ou substantiva, mas tão só a desconsideração de dois documentos por si apresentados em sede de audiência de julgamento.
Ora, tal não constitui qualquer nulidade da sentença, poderá quando muito ser motivo para alterar a matéria de facto dada por adquirida na sentença, mas essa é uma outra questão que nada tem a ver com a nulidade da sentença e que adiante, a este propósito, trataremos em pormenor, uma vez que nessa sede a Autora suscita essa questão.
Não há, pois, qualquer nulidade pela não consideração de documentos apresentados pelo recorrente na motivação da matéria de facto.
As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra transcrito.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cfr. a este respeito os acórdãos da Relação de Guimarães de 04/10/2018, Processo n.º 1716/17.8T8VNF.G1, Relatora Eugénia Cunha e de 28/11/2024, Processo n.º 95/18.0T8MDL.G1, Relatora Paula Ribas, consultáveis em www.dgsi.pt).
Pretende a Autora a eliminação do item 19 dos factos provados porque “a decisão ora recorrida padece também das nulidades previstas no nº1, alíneas c) e d) do artigo 615º do C. P. Civil, nomeadamente porque ocorreu uma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, bem como pronunciou-se sobre factos e tomou conhecimento sobre questões de que não podia tomar conhecimento.”. E ainda porque “no ponto 19. dos factos provados a Sentença ora recorrida, deverá ser eliminado, por excesso de pronuncia.”
Como é ostensivo, o que a Autora parcamente alega e conclui nada tem a ver com nulidade da sentença, mas tão só com a discordância da matéria de facto dada por provada, no seu ponto 19, que no seu entender deveria ser dada como não provada, pelo que qualificando adequadamente o vício apontado se apreciar-se-á, adiante, tal arguição como impugnação da matéria de facto.
Improcede, assim, nesta parte a apelação, inexistindo qualquer das apontadas nulidades da sentença.
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2. Da impugnação da matéria de facto.

Após a – malsucedida – arguição de nulidades da sentença, a apelante impugnou a decisão da matéria de facto.

Dispõe o artigo 640.º do Código de Processo Civil que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No caso dos autos, verifica-se que a recorrente indica quais os factos que pretende que sejam considerados de modo distinto, bem como a redação que lhes deve ser conferida, bem ainda como os meios probatórios que no seu entender sustentam a sua posição, acrescendo que quanto à prova gravada indica de forma precisa as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, procedendo suplementarmente à transcrição dos excertos que considera relevantes.
Do exposto, decorre que a recorrente cumpriu devidamente o ónus imposto pelo transcrito artigo 640.º, pelo que se procederá reapreciação da matéria de facto impugnada.
Conforme ressalta das suas conclusões, pretende em primeiro lugar a apelante que o item 3 dos factos provados (e obviamente não “quesito” dos factos provados como de forma repetitiva e errada se vai referindo aos concretos itens dos factos provados), seja alterado quanto à confrontação nascente do prédio da segunda Ré, referindo para tanto que o documento ali referenciado nada refere a esse respeito, sendo certo que no relatório pericial se refere que na sua confrontação nascente, o prédio confronta com parque de estacionamento existente nas traseiras do edifício denominado “Centro Comercial ...”, pelo que se deverá manter toda a sua redação alterando-se apenas a parte refente à sua confrontação nascente.
Assiste aqui razão à Autora desde logo porque está admitido por acordo que o prédio vendido à 2.ª R. não confronta a nascente com a via pública.
Efetivamente a 1.ª R. não apresentou contestação e a 2.ª R. admitiu expressamente na sua contestação (art. 11.º) ser verdade, para além do mais, o constante no art. 15.º da petição inicial, em que se escreveu que:
“O prédio adquirido pela 2ª Ré á 1ª Ré é o que se encontra delineado a côr amarela na referida fotografia aérea, e ali melhor identificada como “prédio da 2ª. Ré” que se encontra junta sob o doc. n.º 5, onde se poderá constatar que não confronta a nascente com estrada nacional, como erradamente consta da escritura publica acima referida.”
De tal fotografia decorre, que confronta com um parque de estacionamento, sendo que tal decorre do relatório pericial que não foi igualmente posto em causa e absolutamente sufragado na motivação da matéria de facto da decisão recorrida, quando se diz que a respeito do prédio alienado pela 1.º R. à 2.ª R. que a “(…) delimitação a nascente é o parque de estacionamento existente nas traseiras do edifício denominado Centro Comercial ...”.
Acresce que em sede de audiência de julgamento, na primeira sessão realizada em 25/09/2024, a segunda Ré reiterou que admitia, para além do mais, a matéria contida no art. 15.º da petição inicial.
Refira-se ainda, embora tal nem sequer tenha sido questionado, que inscrições matriciais e prediais não fazem prova plena da localização, da área, da composição, dos limites e das confrontações dos prédios a que se referem, pois que nenhum desses elementos relativos à identificação física destes é atestado pela autoridade ou funcionários competentes com base nas suas perceções.
De facto, as áreas, limites e confrontações que se encontram descritas nas certidões prediais e matriciais, frequentes vezes, estão incorretas, quer porque nunca estiveram conformes à realidade, quer porque, fruto de desanexações do prédio entretanto ocorridas, vendas, partilhas, etc., desse mesmo prédio e/ou dos confinantes, apesar de inicialmente estarem conformes à verdade, entretanto deixaram de o estar.
Assim sendo, altera-se a redação do item 3.º dos factos provados no sentido pretendido pela Autora, ou seja:
“3. Através de escritura publica de compra e venda, outorgada em 18 de setembro de 2020, no Cartório Notarial do Dr. EE, sito na Rua ...., ... ..., a primeira Ré, representado nesse contrato pelo seu Administrador de insolvência, Dr. FF, vendeu à segunda Ré, pelo preço de € 30.000,00 o prédio rústico, composto de terreno de mato, com a área de 220m2, denominado “...”, sito no Lugar ...”, União das freguesias ..., ... e ..., concelho ..., a confrontar do norte com caminho de ferro, do sul com AA cab. casal do poente com BB e outro e do nascente com parque se estacionamento do edifício “Centro Comercial ...”, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º...81 (antes artigo ...56 da extinta freguesia ...), descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...84/.... – cfr. doc. nº3 junto com a p.i. que aqui damos por integralmente reproduzido (com exceção da confrontação a nascente).”.
Quanto ao item 20 dos factos provados, pretende em primeira linha a Autora a sua eliminação por alegadamente entrar em contradição com os factos dados como provados nos itens 28, 29 e 30. Não sendo eliminado requer que passe a ter a seguinte redação:
“O anterior proprietário não alterou a natureza do prédio, mantendo-o como rústico.”.
Do item 20 dos factos provados consta que:
“O anterior proprietário não alterou a natureza do prédio, mantendo-se como rústico, sobre o mesmo já foi concedida licença de construção e iniciada pela extinta empresa A. EMP02... Lda., conforme decorre de uma planta que deu entrada na Câmara Municipal ... em 1983.”.
Ora, também aqui assiste razão à recorrente, já que o que foi licenciado foi o loteamento e as respetivas obras atinentes ao loteamento e jamais qualquer construção. É o que resulta dos autos, maxime do documento emitido pelo Município ... datado de 14/02/2022 (inserido no citius em 04/03/2022), ou seja, de que apenas o loteamento se mostra licenciado e não já qualquer construção.
Aliás, do parecer que foi sufragado pelo Município ..., datado de 17/06/2022, decorre igualmente que não houve qualquer licenciamento da construção do prédio vendido à segunda R. (parcelas B e C), mas tão só de um outro lote.
Mais, a prova do licenciamento das obras teria de ser feita com junção da competente certidão do Município ..., algo que não foi feito pela simples razão que, conforme emerge dos referidos documentos, jamais existiu qualquer licenciamento de construção, mas apenas de loteamento das parcelas em causa e que correspondem ao prédio comprado pela segunda Ré.
Ao contrário do que se faz na sentença recorrida, não se pode invocar uma planta que não se sabe a que processo pertence nem prova testemunhal que diz que houve um processo de licenciamento de obras de construção que consultaram (as testemunhas HH e II), mas não se junta certidão da existência desse processo e bem pelo oposto existe documentação do Município ... que, como vimos, diz precisamente o contrário.
O que existiu foi uma licença de loteamento, com a autorização para a realização das obras inerentes ao loteamento, o que não se confunde com o licenciamento da construção, que apenas poderá ser obtido e iniciado após a conclusão das obras relativas ao loteamento com a construção das respetivas infraestruturas.
Assim sendo, deverá ser eliminado o item 20 dos factos provados passando a constar dos factos não provados.
Quanto ao facto sob o item 24, o mesmo tem a seguinte redação:
“O prédio pertença da 2ª Ré é um prédio de construção que, já foi alvo de aprovação de projeto de edificação e nele já foram iniciadas obras de construção.”.
Ora, pelas mesmas razões supra expostas em relação ao item 20, não pode tal matéria figurar nos factos provados, antes devendo figurar nos factos não provados, pois o que foi licenciado, repete-se, foi o loteamento (entretanto declarado caducado), pelo que as construções aí existentes nada têm a ver com qualquer – inexistente – licença de construção.
Quanto ao item 25 pretende igualmente a Autora a sua eliminação por alegadamente seguir a linha de pensamento anterior.
Este ponto dos factos provados tem a seguinte redação:
“O prédio da 2ªR já se encontra com o saneamento, foram iniciadas as escavações, a edificação de alguns pilares de suporte e foram colocadas guias para os passeios - cfr. docs. n.º 4 a 12 juntos com a contestação que aqui se dão por integralmente reproduzidos.”
Porém, aqui a situação é distinta, pois se de facto existe fundamentação adequada para considerar a existência de tais infraestruturas tal matéria deve manter-se nos factos provados, sendo certo que as obras em causa, repete-se não foram realizadas baixo qualquer – inexistente - licença de construção.
Para dar como provada tal matéria, a sentença alicerça-se nas fotografias juntas como documentos 4 a 12 com a contestação, no depoimento das testemunhas HH e II que referiram tal factualidade.
Além disso refere-se na motivação que:
“Assim no que concerne ao tipo de construções existentes em ambos os terrenos e quanto ás áreas, natureza e morfologias de ambos os terrenos atendemos ao teor do relatório pericial junto aos autos.”
No relatório pericial a este respeito refere-se que:
“Quanto á parcela da Ré, e conforme descrito na resposta ao quesito anterior, a propriedade apresentava-se completamente coberta de vegetação densa, o que impediu a observação da generalidade da sua extensão. Contudo foi possível observar que, junto da extremidade nascente da depressão existente na zona central do terreno, existe um elemento que se afigura ser um pilar, embora com características bastante rudimentares; bem como, a existência de alguns lancis de betão sem grande alinhamento e completamente cobertos de vegetação, junto do topo norte da parcela (próximo da base do talude da linha férrea) e na zona nascente da mesma. Foi ainda possível observar a existência de duas caixas de visita de redes de drenagem de águas residuais, também junto do limite norte da parcela, designadamente uma com tampa a indicar “Saneamento” e outra sem tampa, sendo possível observar no interior desta ultima, que se encontrava ligada a uma tubagem enterrada.”
Assim sendo, da conjugação das fotografias juntas aos autos, com os depoimentos das testemunhas e do relatório pericial, afigura-se-nos que inexiste aqui qualquer erro na fixação da matéria de facto no item 25, sendo que ademais inexiste qualquer outra prova relevante e direta que ponha em causa a sobredita prova, designadamente o sobredito parecer pois que não consta que se tenha feito qualquer vistoria quanto ao que foi feito no terreno em causa. De toda a forma, a prova relevada é mais do que suficiente para ser dada por provada a matéria que foi dada por provada no item 25 nos precisos termos que foi considerada provada.
Insurge-se igualmente a Autora contra o que ficou plasmado no item 26, dizendo que nada foi motivado a tal respeito.
No item 26 dos factos provados consta que:
“No prédio da A não existe qualquer cultura, mas existe um lugar para aparcamento de viaturas e de depósito de materiais.”.
Contrariamente ao que refere a recorrente, decisão sob escrutínio, conforme emerge do seu teor, alicerça a sua convicção na prova testemunhal (depoimentos de HH e II) e na prova pericial, a que como vimos atribuiu prevalência sobre qualquer outra prova no que tange ao seu objeto.
Analisando.
Diz-se no relatório pericial que:
“Quanto à morfologia das parcelas, o Perito constatou que fisicamente, o prédio descrito no nº 1 da petição inicial, é plano com configuração irregular, aproximadamente triangular, possuindo no seu topo poente uma zona coberta para arrumos de alfaias agrícolas e no seu topo nascente apresentava-se com o solo lavrado”. Mais se diz, aliás em termos que constam da própria factualidade provada, mais precisamente no seu último item:
“O Perito constatou na propriedade do Autor, a existência de uma área coberta na zona poente, acedida através de um portão voltado á Travessa .... Essa zona apresenta pavimento em betonilha, possuindo um muro em alvenaria de blocos de cimento na delimitação norte (contigua ao talude da linha férrea), sendo que, na confrontação sul, designadamente com a propriedade onde se encontra instalado o estabelecimento “EMP06...”, existe uma rede de vedação adossada aos pilares metálicos que suportam a cobertura em painéis metálicos; afigurando-se que este espaço destina-se a arrumos de alfaias agrícolas. Na restante extensão da parcela do Autor, que se desenvolve para nascente até à parcela da Ré, não se constatou a existência de qualquer construção, apresentando-se o solo lavrado.”.
No art. 23.º da contestação e fotografias juntas aí referidas não identificam o prédio do Autora, existindo isso sim fotografias de um outro prédio contíguo ao da Autora onde se pode observar que não existe qualquer cultura, mas sim um parque de estacionamento e depósito de materiais – Mas, repete-se, esse não é o prédio da Autora. Aliás, na sua contestação a segunda Ré refere não saber a exata localização do prédio da Autora, o que, a ser assim, poderá eventualmente ter originado uma série de asserções erradas designadamente a do art. 23.º da contestação, que foi indevidamente sufragado na matéria vertida nos factos provados.
Para além do que se encontra escrito no relatório pericial, note-se que as fotografias juntas a fls. 1 e 2 desse relatório são elucidativas a este respeito, identificando o prédio da Autora, onde se pode ver um pavilhão de formato hexagonal, sendo que o pavilhão ao lado (“EMP06...”) e parque de estacionamento e depósito de materiais, reforça-se, nada tem a ver com o prédio da Autora.
Quanto à prova testemunhal indicada na motivação, nenhuma das testemunhas relevadas falou sequer quanto à morfologia do prédio da Autora.
A única testemunha que prestou declarações a tal respeito, foi o JJ, empregado de balcão da Autora, que de forma clara disse que esse prédio era utilizado como campo de ensaio, onde se colocam sementes para mostrar aos clientes.
É assim, salvo o devido respeito, errado o que se consignou no item 26 dos factos provados, pelo que tal matéria passará a figurar nos factos não provados e não que se destina a cultura agrícola, como pretende a Autora, uma vez que nenhuma prova foi feita nesse sentido (sendo que como à frente veremos, também não lhe cabia essa prova), mas antes se tendo apurado com base na sobredita prova testemunhal e conforme por si alegado na petição inicial, que o prédio é utilizado como um campo de ensaio onde se colocam sementes para mostrar aos clientes, o que passará a figurar no item 26 dos factos provados. Em contraponto, eliminar-se-á tal matéria dos factos não provados.
Diz também a recorrente que no dia 10/10/2023, juntou dois documentos não impugnados cuja apreciação e ponderação são de primordial importância, sobre os quais a Sentença, não se pronunciou e que, segundo a mesma, provam:
a) Que ainda na data do julgamento a Ré EMP03... continua a publicitar a sua venda.
b) Que o objecto social daquela Ré, constante da sua Certidão Comercial Permanente nomeadamente os eu CAE, não lhe permite construir.
Devia assim ficar provado, segundo a Autora, que:
-À data do julgamento a segunda Ré, ainda continua a publicitar a venda do prédio preferido.
- A segunda Ré é uma sociedade comercial por quotas que, com escopo lucrativo habitual, se dedica única e exclusivamente à compra e venda de bens imobiliários.
-A segunda Ré destinava o seu prédio à revenda.
Quanto ao primeiro ponto que a Autora pretende ver incluído nos factos provados, não resulta que à data do julgamento a segunda Ré estivesse a publicitar a venda do mesmo, uma vez que impugnou o documento junto do sítio de vendas “idealista”, no sentido de que fosse a mesma que tivesse colocado tal anúncio, que imputa ter sido feito por um terceiro sem o seu consentimento, juntando documento onde apresenta queixa crime contra esse terceiro. Assim sendo, revela-se de todo insuficiente a junção do documento em causa por parte da Autora, sem mais qualquer elemento probatório acompanhante, para a prova dos fins pretendidos.
Quanto ao segundo item, o mesmo resulta efetivamente provado nos termos em resulta certidão da Conservatória do Registo Comercial, sendo um facto instrumental com relevo, pelo que se acrescentará o seguinte item aos factos provados:
“O objeto social da 2.ª R. consiste na compra e venda e gestão de bens imobiliários; compra e venda e aluguer de máquinas e equipamentos; comércio por grosso de bens novos e usados provenientes de vendas judiciais e leilões.”.
Relativamente ao último item, a segunda Ré destinava naturalmente o imóvel à revenda, pois tal resulta expressamente da escritura pública de compra e venda junta como doc. n.º 3 com a petição inicial onde esta diz, através do seu legal representante, que:
“ (…) aceita para a sociedade sua representada esta venda nos termos exarados, e que o imóvel adquirido se destina a revenda.”.
Tal, aliás está em linha com o objeto social da segunda Ré, sendo que inclusivamente a testemunha HH, colaborador da segunda Ré à data dos factos, reconheceu que o imóvel tinha sido colocado à venda por uma empresa do grupo da segunda Ré. Acresce que, distintamente do que se escreve na motivação, as testemunhas HH e II não revelaram qualquer assertividade quanto à hipótese de a Ré construir no imóvel em causa, bem pelo contrário, por várias vezes foi referido não saberem se seria para edificar. Acresce que tal seria contrário ao objeto social ainda que a construção fosse levada a cabo por um terceiro.
Não há, pois, quaisquer dúvidas, que, como expressamente declarou a segunda em documento autêntico, o imóvel comprado à 1.ª R. era para ser revendido, tendo inclusivamente sido anunciada a venda desse imóvel por uma empresa do grupo EMP03..., o que aliás ficou provado.
Assim sendo, embora não fosse absolutamente necessário, uma vez que tal já constava da escritura pública de compra e venda que foi dada por reproduzida nos factos provados, mas para inexistirem quaisquer dúvidas e por ser sendo um facto instrumental relevante, acrescentar-se-á a seguinte matéria de factos provada.
“A 2.ª R. destinava o prédio por si comprado à revenda.”.
Formula ainda a Autora a pretensão de que se adicione à matéria de facto provada um item com a seguinte redação:
“A 2ª. ré apenas consultou o Processo de Loteamento referido nos autos no dia 30/06/2022.”.
Não se vislumbra qual o interesse de tal suposta ocorrência, ainda que de forma instrumental para a sorte dos presentes autos, pelo que sendo tal irrelevante ainda que se desse por adquirido, não se aprecia sequer tal pretensão.
Diferentemente sucederia, quanto à inserção da caducidade do loteamento nos factos provados em função documento junto a tal respeito no dia 20/06/2023. Porém, tal pretensão só se compreende por manifesta distração, uma vez que tal matéria mostra-se contemplada no item 32 dos factos provados, onde se deu por adquirido que:
“Por despacho de 31 de Maio de 2023, foi declarada a caducidade do loteamento (Firma A. EMP02..., Ldª.), na Avª. ..., ..., com base nas informações do Chefe de Divisão de Urbanismo e Planeamento do Município ..., e parecer jurídico, convertendo o projeto de caducidade comunicado através do ofício nº...69 de 31 de maio de 2022, em decisão definitiva – cfr. documento junto por requerimento de 20.06.2023 que aqui damos por integralmente reproduzida.”.
Não há, pois, que adicionar nada a este respeito aos factos provados.
Com base no relatório pericial, pretende ainda a Autora que fique a constar nos factos provados que o prédio comprado pela segunda R. nas suas delimitações não confronta com qualquer caminho ou via pública.
Ora, supra já se se deixou dito as conforntações mostravam-se incorretas na sentença recorrida, tendo-se já alterado tal matéria onde constam as confrontações do prédio em causa, de onde se infere que não confronta com a via pública, não sendo por isso necess´rio acrescentar tal matéria.
Outra questão é a de saber se o prédio em causa não tem acesso à via pública, algo que não pode ficar adquirido até porque não faz qualquer sentido que se licencie o loteamento de 3 lotes e dois deles deixem de ter acesso à via pública. Trata-se de algo que estava seguramente acautelado aquando do licenciamento do loteamento –nem poderia ser de outro modo.
Diga-se, aliás, que a tal se reporta a testemunha, II, arquiteto, referiu que a ligação do prédio em causa se faria por baixo do prédio (que confronta a poente onde se situa o parque de estacionamento), ou seja através de um túnel.
Assim sendo, não se pode dar por adquirido que o prédio em causa não teria acesso à via pública, ainda que a poente confronte com um parque de estacionamento.
Resta analisar o item 19 dos factos provados, que a A. pretende que seja eliminado, que tem a seguinte redação:
“19.A A sabe que sobre o imóvel em causa já tinha sido obtido um licenciamento camarário para edificação de alguns prédios e que se iniciaram as obras – cfr. doc. junto aos autos em 17.06.2023, que aqui se dá por integralmente reproduzido.”
Ora, o documento junto aos autos em 17/06/2022 (e não 2023, conforme por lapso se referiu na sentença recorrida) não resulta qualquer licenciamento para edificação de prédios, mas apenas é a notificação que antecedeu a declaração de caducidade do licenciamento de loteamento, a que já nos reportámos. Ora, a A. não podia saber da existência de um licenciamento camarário para a edificação de edifícios que jamais existiu, nem podendo ter-se iniciado obras baixo esse inexistente licenciamento. Assim sendo, deverá tal item ser igualmente eliminado (não devendo sequer passar para os factos não provados) uma vez que tal matéria nem sequer foi alegada, pelo menos nestes termos, na contestação.
*
Em função do supra exposto, é, pois, a seguinte matéria de facto a considerar:
Factos provados:
1. A A. é dona, legítima proprietária e possuidora do prédio rústico, composto de terreno de mato, com a área de 1.100 m2, a confrontar do norte com caminho de ferro, do sul com BB, do nascente com A. EMP02..., Lda. e do poente com caminho, (atualmente denominado Travessa ...), denominado “...”, sito no Lugar do mesmo nome, em ..., atualmente União das freguesias ..., ... e ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo n.º ...87, correspondente ao artigo rústico nº ...62 da extinta freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...24 ..., onde se encontra inscrito a favor da A. – cfr. doc. n.º 1, junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. A A. adquiriu o prédio descrito em 1, a CC, residente na estrada ..., ..., da extinta freguesia ..., hoje União das freguesias ..., ... e ..., por escritura de justificação e compras e vendas outorgado no Cartório Notarial ... da notária DD, no dia 10 de setembro de 2012 – cfr. documento n.º 2 junto com a p.i., que se dá por integralmente reproduzido.
3. Através de escritura publica de compra e venda, outorgada em 18 de setembro de 2020, no Cartório Notarial do Dr. EE, sito na Rua ...., ... ..., a primeira Ré, representado nesse contrato pelo seu Administrador de insolvência, Dr. FF, vendeu à segunda Ré, pelo preço de € 30.000,00 o prédio rústico, composto de terreno de mato, com a área de 220m2, denominado “...”, sito no Lugar ...”, União das freguesias ..., ... e ..., concelho ..., a confrontar do norte com caminho de ferro, do sul com AA cab. casal do poente com BB e outro e do nascente com parque se estacionamento do edifício “Centro Comercial ...”, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º...81 (antes artigo ...56 da extinta freguesia ...), descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...84/.... – cfr. doc. nº3 junto com a p.i. que aqui damos por integralmente reproduzido (com exceção da confrontação a nascente).
4. Com base no referido contrato de compra e venda a 2ª Ré registou o mencionado prédio a seu favor na Conservatória do Registo Predial ..., através da AP. ...34 de 2020/09/18 da Conservatória do Registo Predial ... Viçosa – cfr. doc. n.º4 junto com a p.i. que aqui damos por integralmente reproduzido.
5. Para instruir o referido contrato de compra e venda, a 2ª Ré liquidou junto da Autoridade Tributária o valor de €1.500,00 de IMT e o valor de €240,00, de Imposto de Selo.
6. O prédio da A., identificado em 1, é prédio contíguo e confinante, pelo seu lado nascente, com o prédio identificado em 3, este vendido pela primeira Ré à segunda Ré.
7. O prédio rústico alienado pela primeira Ré à segunda Ré, é contíguo e confronta do seu lado poente com o prédio rústico da A, descrito em 1.
8. A segunda Ré, adquirente do prédio alienado, não era à data da celebração da escritura de compra e venda, nem atualmente, proprietária de qualquer prédio rústico confinante com o alienado.
9. O prédio da A., identificado em 1, tem a área de 1.100m2 – cfr. registo predial e respetiva matriz junto como doc. nº6 com a p.i. e relatório pericial de 13.04.2023, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
10. O prédio alienado pela primeira R. à segunda R. tem a área de 11.400 m2 - cfr. descrição predial e respetiva matriz junto como doc. nº 7 com a p.i. e relatório pericial de 13.04.2023, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
11. Ambos os prédios têm área inferior a 2,5 hectares – cfr. docs. 6 e 7 juntos com a p.i. e relatório pericial de 13.04.2023, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
12. A venda referida em 3 foi feita sem que à A. fosse dado conhecimento da mesma, nomeadamente, das cláusulas essenciais do contrato.
13. Nem a R. alienante, nem qualquer seu representante, deram conhecimento à A. da intenção de vender o referido imóvel, muito menos das condições ou elementos essenciais em que o pretendiam fazer, nomeadamente, o preço, condições de pagamento, prazo para a sua realização, pessoa do adquirente, etc., nem da sua venda.
14. A A. só veio a ter conhecimento da alienação efetuada pela primeira Ré à segunda Ré, do prédio identificado em 3, quando verificou que o terreno estava a ser desmatado e limpo.
15. Tendo sido informada pelos trabalhadores que estavam a proceder à limpeza do terreno acima identificado e vendido pela primeira Ré à segunda Ré que o mesmo tinha sido vendido.
16. Após diligenciou junto das repartições públicas, nomeadamente Conservatória do Registo Predial ... e Autoridade Tributária Serviço de Finanças ..., no sentido de apurar a data, modo e local da celebração do respetivo contrato de compra e venda.
17. Vindo a apurar que o prédio foi vendido em 18 de setembro de 2020, através da referida escritura pública, mantendo a sua natureza rústica nos documentos registrais e fiscais.
18. A A. depositou em 25/11/2020, o preço da venda pago pela Ré adquirente, no montante de €30.000,00, e as despesas com o IMT, no valor de €1.500,00 e €240,00, referente ao imposto de selo, no montante global de € 31.740,00 – cfr. doc. n.º 8 junto com a p.i. que aqui damos por integralmente reproduzido.
19. Eliminado.
20. Eliminado.
21. A escritura referida em 3 foi realizada em virtude da venda por negociação particular do bem imóvel apreendido nos autos do processo de insolvência com o n.º823/11.... correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz ...- cfr. doc. 3 junto com a p.i. que aqui damos por integralmente reproduzido.
22. A venda do referido prédio, como outros pertença do insolvente A. EMP02..., Lda., foi publicitada, tendo ocorrido mais do que um leilão eletrónico para promover a venda dos bens apreendidos à primeira Ré, e no referido imóvel e nas frações existentes no Centro Comercial ... eram bem visíveis as placas a informar a ocorrência do leilão dos bens apreendidos.
23. A A, não apresentou qualquer proposta para a sua compra, nem tentou a negociação particular do prédio com a primeira Ré – cfr. docs. n.º 2 e 3 juntos com a contestação que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
24. Eliminado.
25. O prédio da segunda R. já se encontra com o saneamento, foram iniciadas as escavações, a edificação de alguns pilares de suporte e foram colocadas guias para os passeios - cfr. docs. n.º 4 a 12 juntos com a contestação que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
26. O prédio da A. é utilizado como um campo de ensaio onde se colocam sementes para mostrar aos clientes.
27. Os prédios da Autora e da 2ª. Ré são localizados em área urbana de construção – cfr. doc. 22 junto com a contestação e doc. junto em 17/06/2022, que aqui damos por integralmente reproduzidos.
28. Foi concedido à A. EMP02..., Limitada, por deliberação da Câmara Municipal ..., de 18/06/1980, o licenciamento de uma operação de loteamento urbano do prédio sito no lugar ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob os arts. nºs. ...11, ...12, ...13 e ...30 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob os nºs. ...00, ...31 e ...30, com a constituição de três lotes, designados de “A”, “B” e “C”, e com obras de urbanização, para a realização das quais foi fixado o prazo de 360 dias em função do que foi emitido o alvará de loteamento nº...2, de 12.02.1981 – cfr. documento junto em 17/06/2022 que aqui damos por integralmente reproduzido.
29. A promotora do referido loteamento apenas executou obras de urbanização referentes ao lote ..., no qual se encontra construído o edifício projetado para o mesmo - cfr. documento junto em 17/06/2022 que aqui damos por integralmente reproduzido.
30. Sendo a atual proprietária do prédio correspondente aos dois lotes do loteamento designados por lotes ... e ..., a segunda R. – cfr. documento junto em 17/06/2022 que aqui damos por integralmente reproduzido.
31. O legal representante da Autora, GG, apresentou, no dia 07 de Março de 2022, no Município ..., requerimento a solicitar a caducidade do Loteamento n.º12, de 12.02.1981, loteamento esse que incide sobre o prédio propriedade da Ré EMP03..., S.A. - conforme documento junto aos autos em 17/06/2022, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
32. Por despacho de 31 de Maio de 2023, foi declarada a caducidade do loteamento (Firma A. EMP02..., Ldª.), na Avª. ..., ..., com base nas informações do Chefe de Divisão de Urbanismo e Planeamento do Município ..., e parecer jurídico, convertendo o projeto de caducidade comunicado através do ofício nº...69 de 31 de maio de 2022, em decisão definitiva – cfr. documento junto por requerimento de 20/06/2023 que aqui damos por integralmente reproduzido.
33. Na página do Facebook da EMP05..., datada de 11 de Novembro 2020, é publicitada a venda do terreno rústico com 11.400 m2, dos autos, com a exibição de fotografia do mesmo – cfr. docs. 1 a 3 juntos por requerimento de 10/07/2023, que aqui damos por integralmente reproduzidos.
34. Do relatório pericial junto aos autos em 13/04/2023, consta designadamente o seguinte, que se transcreve:
“(…)
Quanto à natureza dos terrenos, o Perito esclarece que após análise da respetiva planta de ordenamento 2-3, a que corresponde a folha 1.3/8 do PDM ..., afigura-se que ambos os terrenos encontram-se classificados como “Solo urbano – solo urbanizado – espaço predominantemente de utilização residencial, comércio e serviços – Espaços predominantemente multifamiliar de baixa densidade.
(…)
O Perito constatou na propriedade do Autor, a existência de uma área coberta na zona poente, acedida através de um portão voltado á Travessa .... Essa zona apresenta pavimento em betonilha, possuindo um muro em alvenaria de blocos de cimento na delimitação norte (contigua ao talude da linha férrea), sendo que, na confrontação sul, designadamente com a propriedade onde se encontra instalado o estabelecimento “EMP06...”, existe uma rede de vedação adossada aos pilares metálicos que suportam a cobertura em painéis metálicos; afigurando-se que este espaço destina-se a arrumos de alfaias agrícolas. Na restante extensão da parcela do Autor, que se desenvolve para nascente até à parcela da Ré, não se constatou a existência de qualquer construção, apresentando-se o solo lavrado.
Quanto á parcela da Ré, e conforme descrito na resposta ao quesito anterior, a propriedade apresentava-se completamente coberta de vegetação densa, o que impediu a observação da generalidade da sua extensão. Contudo foi possível observar que, junto da extremidade nascente da depressão existente na zona central do terreno, existe um elemento que se afigura ser um pilar, embora com características bastante rudimentares; bem como, a existência de alguns lancis de betão sem grande alinhamento e completamente cobertos de vegetação, junto do topo norte da parcela (próximo da base do talude da linha férrea) e na zona nascente da mesma. Foi ainda possível observar a existência de duas caixas de visita de redes de drenagem de águas residuais, também junto do limite norte da parcela, designadamente uma com tampa a indicar “Saneamento” e outra sem tampa, sendo possível observar no interior desta última, que se encontrava ligada a uma tubagem enterrada” – cfr. relatório pericial junto aos autos em 13.04.2023, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
35 - O objeto social da 2.ª R. consiste na compra e venda e gestão de bens imobiliários; compra e venda e aluguer de máquinas e equipamentos; comércio por grosso de bens novos e usados provenientes de vendas judiciais e leilões.
36 - A 2.ª R. destinava o prédio por si comprado à revenda.
Factos não provados:
a) A A., por si e seus antecessores, já se encontram na posse do identificado prédio, desde há mais de 1, 5, 10, 20, 30, 50 e mais anos, de boa fé, de forma pública, pacífica, ininterrupta e contínua, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição de ninguém.
b) Nele praticando actos materiais de posse, nomeadamente, fazendo benfeitorias, cultivando-os, todos os anos, pelo modo e nas condições que consideram mais rentáveis e introduzindo-lhes os melhoramentos que entenderam necessários ou úteis, nomeadamente, ao nível de vedações, uso, limpeza, manutenção e arranjos.
c) Fazendo seus todos os rendimentos que o mesmo produz, bem como pagando as respetivas contribuições e impostos.
d) Praticando todos estes actos materiais de boa fé, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma reiterada, ininterrupta e com exclusão de outrem, com a firme convicção de os exercerem em nome próprio e de actuar no uso dos poderes correspondentes ao direito de propriedade sobre os prédios referidos nas alíneas a) e b) do artigo 1º da presente peça.
e) O prédio alienado, apesar de se encontrar de monte, por se encontrar abandonado, é um terreno de regadio e está apto e destina-se à cultura agrícola, predominantemente de milho, feijão, batatas, erva, etc., predominantemente do tipo arvense ainda árvores de fruto.
f) O prédio da A., descrito em 1., possui as mesmas características de terreno apto para a agricultura e de regadio, encontrando-se adstritos ao mesmo fim agrícola que o alienado pela 1ª R. à 2ª R., nomeadamente árvores de fruto e campo de experimentação para novas culturas, produtos fitossanitários e adubos agrícolas.
g) A A. sempre teve, e mantém, o interesse em adquirir, por compra, o prédio mencionado em 3., porque quer expandir a forma de cultivo agrícola do seu prédio identificado em 1., para fins agrícolas, com culturas experimentais, para estudar o desenvolvimento novas culturas e novas formas de culturas agrícolas à semelhança do que já está acontecer na área que possui o seu terreno.
h) A A só veio a ter conhecimento da alienação da venda efetuada pela 1ªR à 2ªR no fim da semana de 16 a 20 do mês de novembro corrente.
i) O prédio alienado destina-se a fins agrícolas.
j) A A teve conhecimento dos leilões eletrónicos.
l) O anterior proprietário não alterou a natureza do prédio, mantendo-o como rústico, sobre o mesmo já foi concedida a licença de construção e iniciada pela extinta empresa A. EMP02..., Lda., conforme decorre de uma das plantas que deu entrada na Câmara Municipal ... em 1983 – cfr. doc. 1 junto com a contestação que aqui se dá por integralmente reproduzido.
m) O prédio pertença da segunda Ré é um prédio de construção que, já foi alvo de aprovação de projeto de edificação e nele já foram iniciadas obras de construção - cfr. docs. n.º 4 a 12 juntos com a contestação e doc. junto em 17.06.2023, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
n) No prédio da A. não existe qualquer cultura, mas existe um lugar para aparcamento de viaturas e de depósito de materiais.
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3. Da verificação dos pressupostos do direito legal de preferência
Na presente ação, a Autora assenta o invocado direito de preferência na sua qualidade de proprietária de um prédio rústico confinante com o prédio rústico que foi vendido à segunda Ré, nos termos previstos no art. 1380.º, n.º 1 do Código Civil.
Na sentença recorrida não se reconheceu esse direito de preferência por apesar de se ter entendido que se mostravam verificados os requisitos plasmados no artigo 1380º, n.º 1 do Código Civil, verificava-se a exceção impeditiva do art. 1381.º, al. a), parte final do mesmo diploma legal, ou seja que ambos os prédios, apesar de rústicos, não se destinavam à cultura.
Analisemos então da bondade do recurso interposto, considerando a substancial alteração da matéria de facto, nos termos que supra deixámos dito.
O direito de preferência legal, como refere Oliveira Ascensão (Direito Civil, Reais, 4.ª Edição Refundida, pág. 512) atribui a um sujeito a prioridade na aquisição, em caso de alienação ou oneração realizada pelo titular atual de um direito real, desfrutando por isso de um direito potestativo que lhe permitirá fazer seu o negócio realizado em violação da preferência, em consentaneidade com o art. 1410.º do Código Civil, aplicável à situação vertente por virtude do artigo 1380.º, n.º 4 do Código Civil (cfr. também Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, pág. 390).
A preferência pode também ser convencional, conforme ressalta dos artigos 414.º a 423.º do Código Civil (tendo neste caso eficácia meramente obrigacional, a não ser que lhe seja conferida eficácia real, nos termos do artigo 421.º do Código Civil).
O artigo 1380.º, n.º 1 do Código Civil, estabelece uma preferência legal, regendo que:
“Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.”.
Conforme tem vindo a ser pacificamente entendido pela jurisprudência, são os seguintes os pressupostos do exercício do direito legal de preferência estabelecidos no transcrito normativo:
a) Que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio rústico;
b) Que o preferente seja dono de prédio rústico confinante com o prédio alienado;
c) Que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura;
d) Que o adquirente do prédio não seja proprietário (de prédio rústico) confinante. (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª Edição Revista e Atualizada, em anotação ao artigo 1380.º, e ainda, exemplificativamente os acórdãos da Relação de Guimarães de 11/01/2024, Processo n.º 38/15.8TAAV.G1, Relatora Raquel Batista Tavares, de 28/09/2023, Processo n.º716/20.5T8AVV-A.G1, Relatora Margarida Pinto Gomes, de 21/09/2023, Processo n.º 1131/21.9T8FAF.G1, Relatora Carla Oliveira, de 29/06/2023, Processo n.º 766/21.4T8GMR.G1, Relatora Alexandra Rolim Mendes e de 19/01/2023, processo n.º 1929/20.5T8VRL.G1, Relator Jorge Santos e do Supremo Tribunal de Justiça de 10/04/2024, Processo n.º 2948/19.0BEPRT.G2.S1, Relator Nélson Borges carneiro, de 19/12/2023, Processo n.º 1303/20.3T8VRL.G1.S1, Relator Jorge Leal, de 06/07/2023, Processo n.º 249/19.2T8TVR.E1.S1, Relatora Catarina Serra, de 14/01/2021, Processo n.º 892/18.7T8BJA.E1.S1, Relatora Rosa Tching, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
O direito de preferência estabelecido no normativo em referência tem por escopo incrementar o emparcelamento dos terrenos com área inferior à unidade de cultura de forma a conseguir uma exploração tecnicamente mais rentável, permitindo assim a unificação de prédios vizinhos para formar propriedades agrícolas ou florestais com área apropriada a uma maior e melhor produtividade e rentabilização, criando objetivamente as condições que, sob o ponto de vista económico, se considerem imprescindíveis à constituição de explorações rentáveis. (Cfr. a este propósito, exemplificativamente, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2019, Processo n.º 295/16.8T8VRS.E1.S2, Relator Raimundo Queirós, da Relação de Guimarães de 02/05/2019, Processo n.º 25/11.0TBVRL.G1, Relatora Margarida Almeida Fernandes e de 26/11/2015, Processo n.º 3224/13.7TBVCT.G1, Relatora Ana Cristina Duarte, todos consultáveis em www.dgsi.pt).
Por esse motivo, foram criadas as exceções previstas no art. 1381.º do Código Civil, que tem a seguinte redação:
“Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:
a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura;
b) Quando a aleinação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola tipo familiar.”.
Assim sendo e considerando a hipótese que se mostra gizada na parte final da transcrita alínea a), não visando aquisição do prédio rústico a exploração agrária do terreno, inexiste qualquer razão para conceder essa preferência aos proprietários dos prédios confinantes, pelo que o proprietário do prédio confinante deixa neste caso de gozar do direito de preferência.
Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código civil Anotado, Volume III, 2.ª Edição Revista e Atualizada, em anotação ao artigo 1381.º:
“O fim que releva, para efeitos do disposto a alínea a), não é aquele a que o terreno esteja afectado à data da alienação, mas antes o que o adquirente pretenda dar-lhe. Este fim não tem que constar necessariamente da escritura, podendo provar-se por outros meios.”.
Na jurisprudência a interpretação que tem sido a dominante, sobretudo no Supremo Tribunal de Justiça é a de que:
“O fim que releva para integrar a situação que a al. a) do artigo 1381º do Código Civil excepciona não é o que tem ou ao qual está afectado no momento da alienação mas aquele que constitui a finalidade da compra, caso essa finalidade seja legalmente possível.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/04/2004, Processo nº 04A844, Relator Ribeiro de Almeida, acessível em www.dgsi.pt. Cfr. também, entre outros, alguns já supra citados, o acórdão da Relação de Guimarães de 26/11/2020, Processo n.º 832/19.6T8BRG.G, Relator Joaquim Boavida e a vasta jurisprudência aí recenseada, também consultável em www.dgsi.pt.
Assim para inocuizar o direito de preferência do proprietário de terreno confinante é insuficiente a prova da intenção de afetar o terreno adquirido a outro fim que não seja a cultura. É ainda necessário que exista a possibilidade física e jurídica de concretização dessa intenção. Não bastam, pois, meras intenções.
Em suma, para afastar o direito de preferência do proprietário de terreno confinante, o adquirente tem que provar:
a) A intenção de afetar o terreno a algum fim que não seja a cultura;
b) A possibilidade física e jurídica (legal ou regulamentar) da afetação correspondente à intenção do adquirente.
Verificando-se estes pressupostos, tal como alguma das hipóteses plasmadas na primeira parte da alínea a) e na alínea b) do artigo 1381.º do Código Civil, a ação não poderá triunfar ainda que se verifiquem os requisitos do art. 1380.º, n.º 1 do mesmo diploma legal.
Passemos a analisar o caso em apreço.
Diga-se que não foi colocada em causa pelas Rés (nem sequer pela Ré contestante) a verificação dos pressupostos estabelecidos para o direito de preferência, com assento no art. 1380.º, n.º 1 do Código Civil, o que aliás foi sufragado pacificamente na sentença recorrida.
O que está aqui em causa, repete-se é unicamente saber se existe a causa impeditiva do direito de preferência, com assento na parte final da alínea a) do artigo 1381.º do Código Civil.
Brevemente, dir-se-á que se verificam os quatro referidos requisitos do artigo 1380.º, n.º 1 do Código Civil, ou seja e cotejando os mesmos com a factualidade dada por adquirida, temos que:
a) Foi vendido um prédio rústico, nos termos que se deram por assentes no item 3 dos factos provados, ou seja, através de escritura publica de compra e venda, outorgada em 18 de setembro de 2020, no Cartório Notarial do Dr. EE, sito na Rua ...., ... ..., a primeira Ré, representado nesse contrato pelo seu Administrador de insolvência, Dr. FF, vendeu à segunda Ré, pelo preço de € 30.000,00 o prédio rústico, composto de terreno de mato, com a área de 220m2, denominado “...”, sito no Lugar ...”, União das freguesias ..., ... e ..., concelho ..., a confrontar do norte com caminho de ferro, do sul com AA cab. casal do poente com BB e outro e do nascente com parque se estacionamento do edifício “Centro Comercial ...”, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º...81 (antes artigo ...56 da extinta freguesia ...), descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...84/...;
b) A A. é proprietária do prédio rústico, composto de terreno de mato, com a área de 1.100 m2, a confrontar do norte com caminho de ferro, do sul com BB, do nascente com A. EMP02..., Lda. e do poente com caminho, (atualmente denominado Travessa ...), denominado “...”, sito no Lugar do mesmo nome, em ..., atualmente União das freguesias ..., ... e ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo n.º ...87, correspondente ao artigo rústico nº ...62 da extinta freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...24 ..., onde se encontra inscrito a favor da A., sendo contíguo e confrontado do seu lado nascente com o prédio comprado pela R. EMP03... (cfr itens 1 e 3 dos factos provados).
c) Ambos os prédios têm uma área inferior à unidade de cultura, ou seja a 2,5 hectares (cfr. itens 9, 10 e 11 dos factos provados e a Portaria n.º219/2016, de 09/08, definiu as áreas de cultura para as diversas regiões do país, sendo que a unidade de cultura para a região ... – ... é de 2,5ha, para terreno de regadio, e de 4ha, para terreno de sequeiro)
d) Ficou igualmente provado que a Ré EMP03... não era à data da celebração da escritura de compra e venda nem atualmente proprietária de prédio rústico confinante com o alienado, conforme emerge do item 8 dos factos provados.
Cumpre agora tão só indagar se conforme se deixou dito na sentença recorrida não goza do direito de preferência por ocorrer a situação de exceção prevista na segunda parte do al. a) do artigo 1381.º do Código Civil, conforme se defendeu na sentença recorrida.
Diga-se que o ónus da prova dos factos impeditivos do direito de preferência incide sobre os Réus, conforme ressalta do artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.
Como já deixámos dito, o mencionado dispositivo legal estabelece que não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes quando algum dos terrenos se destine a algum fim que não seja a cultura.
Na sentença recorrida diz-se estar verificada esta exceção em relação a ambos os prédios, porquanto, em suma, apesar de ambos serem prédios rústicos, de acordo com a definição do art. 204.º, n.º 2 do Código Civil, encontram-se, de acordo com o Plano Diretor Municipal, em zona com potencialidade edificativa, acolhendo assim a tese vertida na contestação da R. EMP03....
Escreveu-se na sentença recorrida, à guisa de remate, que:
“Decorre do supra exposto que apesar dos prédios em causa integrarem a definição de prédios rústicos nos termos do art. 204, n.º 2, do CCivil e estando demonstrada a sua potencialidade edificativa é previsível que se destinem à construção, razão pela qual nos termos do artigo 1381.º, a), do CCivil, resulta afastado o direito de preferência conferido pelo artigo 1380.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.”
Ora, salvo o devido respeito não podemos concordar com tal posição.
Quanto ao prédio da Autora ficou provado que uma parte do mesmo (um armazém) se destinava ao arrumo de alfaias agrícolas e na restante extensão da parcela não existe qualquer construção apresentando-se o solo lavrado ( cfr. item 34 dos factos provados)., o que evidentemente denota que o prédio da A. tem um fim agrícola, sendo que do item 26 dos factos provados resulta que tal prédio é utilizado como um campo de ensaio agrícola onde se colocam sementes para mostrar aos clientes. Ou seja, não só não ficou provado que o terreno não se destinava a algum fim que não seja cultura (cujo ónus incumbia, como vimos à Ré contestante), como ficou provado que esse mesmo prédio se destinava a ser agricultado e era agricultado como terreno de experimentação agrícola.
Quanto ao facto de no Plano Diretor Municipal constar que o terreno da Autora, tal como o comprado pela segunda Ré, estarem classificados como “Solo urbano – solo urbanizado – espaço predominantemente de utilização residencial, comércio e serviços – Espaços predominantemente multifamiliar de baixa densidade”, não só não lhe retira a característica de prédio rústico, nos termos do art. 204.º, n.º 2 do Código Civil, como se mostra totalmente indiferente para os fins previstos no art. 1381.º, al. a) parte final do Código Civil, pois que como vimos, o que releva é a concreta destinação do prédio.
Por outro lado, diga-se que:
“Pressuposto fundamental para o exercício do direito de preferência atribuído pelo artigo 1380º do CC aos proprietários de terrenos confinantes é de que estes sejam considerados terrenos aptos para cultura, não sendo necessário que eles sejam efectivamente agricultados.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2023, Processo n.º 249/19.2T8TVR.E1.S1, Relatora Catarina Serra, consultável in www.dgsi.pt).
Questão mais delicada é aquela que tange ao prédio comprado pela segunda Ré, isto é saber se se destina a algum fim que não seja a cultura.
Munidos dos critérios orientadores supra traçados, temos a considerar qual o intuito da compradora em relação ao prédio e sendo esse intuito distinto da cultura, indagar se o mesmo é física e legalmente possível.
Ao contrário do alegado pela Ré EMP03..., não logrou adesão de prova que o prédio objeto de litígio alguma vez tenha tido qualquer licença de construção, tendo apenas tido uma licença de loteamento emitida em 1980 para 3 lotes, com obras de urbanização para as quais foi fixado um prazo de 360 dias. As obras apenas foram executadas em um dos lotes sendo que os dois outros lotes correspondem ao prédio alienado.
Sucede que a caducidade do loteamento foi declarada na pendência da presente ação por jamais terem sido concluídas as obras de loteamento e de há mais de 3 décadas o processo estar parado, conforme ressalta designadamente do expediente junto em 17/06/2022 e em 20/06/2023, dado por reproduzido nos factos provados.
O prédio da segunda Ré encontra-se com o saneamento, foram iniciadas as escavações, a edificação de alguns pilares de suporte e foram colocadas guias para os passeios, nada mais tendo sido feito e estando paradas as obras há mais de 3 décadas acabou por ser declarada a caducidade da licença de loteamento.
Ou seja, em tempos idos houve intenção de urbanizar o prédio rústico vendido à segunda Ré, mas tal ficou-se apenas pelas intenções, tendo sido abandonadas as operações de loteamento, que, conforme ficou provado, se quedaram numa fase liminar, tendo ficado o processo parado por mais de 30 anos, sendo que fruto das sucessivas prorrogações deveriam as obras estar concluídas em 1990, sendo ainda que o último requerimento apresentado no processo administrativo camarário data de 1993.
Ora, neste panorama fáctico teria a segunda ré de provar que a sua intenção era urbanizar o prédio em causa e que tal era legalmente possível, algo que não fez de todo, estando o prédio em questão abandonado há largos anos e com a licença de loteamento caducada há mais de 30 anos à data da escritura de compra e venda, tendo tal sido declarado em 31 de maio de 2023, a requerimento do legal representante da Autora, face à inércia do Município ....
Note-se que a intenção de urbanizar deveria ser contemporânea da escritura pública de compra e venda (cfr. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23/05/2024, Processo n.º 616/22.4T8FLG.P1, Relator Paulo Duarte Teixeira, consultável em www.dgsi.pt), embora essa intenção pudesse ser concretizada e demonstrada por ato posterior, designadamente através de um pedido prévio de viabilidade construção, algo que não foi feito nem sequer alegado.
Aliás, consta expressamente da escritura de compra e venda que a intenção da segunda Ré não era construir no imóvel em causa, mas sim revendê-lo, aliás, também como ficou provado, em sintonia com o objeto social da Ré EMP03... que se consubstancia na compra e venda e gestão de bens imobiliários; compra e venda e aluguer de máquinas e equipamentos; comércio por grosso de bens novos e usados provenientes de vendas judiciais e leilões (cfr. itens 3, em que se dá por reproduzida a escritura de compra e venda, e 35 e 36 dos factos provados).
Por outro lado, incumbiria também à segunda Ré alegar e provar a capacidade construtiva do prédio em causa, pois não é pelo simples facto de o imóvel se encontrar em zona urbanizável, que automaticamente é legalmente possível construir no mesmo. Aliás, no caso vertente, temos mesmo que em função das obras levadas a efeito no prédio confinante que o imóvel comprado pela segunda Ré não confronta com a via pública, embora, como supra se disse, se creia que o loteamento levado a efeito tenha cerceado a possibilidade de acesso à via pública, designadamente através de um túnel. Mas trata-se de algo que deveria ser alegado comprovado, algo que não foi feito de todo.
Em suma, temos apenas que o prédio em questão se situa em zona urbanizável, mas não tinha à data da realização da escritura pública de aquisição do mesmo por parte da Autora sequer licença de loteamento vigorante, não tendo sido alegado nem feito prova de que a intenção da Autora era construir no prédio em causa, bem pelo contrário, pois que a sua intenção era revender o prédio rústico de que se tornou proprietária, em consentaneidade com o seu objeto social. Por outro lado, ainda que houvesse a intenção de construir no prédio em causa, contemporânea da escritura de compra e venda, teria de alegar e prova a viabilidade legal dessa putativa intenção edificadora.
Diga-se ainda, que na esteira da sua intenção de revenda do imóvel, ficou assente a publicitação no “facebook” pela EMP05..., datada de 11 de novembro 2020, da venda do terreno em causa, com a exibição de fotografia do mesmo.
Verificado que está o direito de preferência, temos de perscrutar os pressupostos a considerar para o exercício do direito de preferência em causa.
Por força do artigo 1380.º, n.º 4 é aqui aplicável com as devidas adaptações, na parte que ora importa considerar, o artigo 416.º, n.º1 do Código Civil, prevê que:
“Querendo vender a coisa que é objeto de pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato.”.
Ora, como ficou assente, nada foi comunicado à Autora para exercer o seu direito de preferência (cfr. itens 12 e 13 dos factos provados).
Por sua vez, o artº. 1410º, nº. 1, do Código Civil, aqui aplicável com as devidas adaptações, igualmente por virtude do remissivo referido artigo 1380.º, n.º 4 dispõe que:
“O comproprietário a quem não se dê conhecimento da venda ou dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.”.
Resulta do referido que o preferente, a quem não se deu conhecimento da venda tem o direito de haver para si o prédio vendido, desde que o requeira no prazo de seis meses a contar da data do conhecimento dos elementos essenciais da alienação e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.
Como flui do disposto das disposições conjugadas dos artºs. 342º, nº. 2, e 343º, nº. 2, é sobre os Réus que impende o ónus de demonstrar que caducou o direito do autor. Ora, nada foi alegado nesse sentido, estando demonstrado que a Autora depositou o preço pago pela segunda Ré pela compra do prédio dentro do prazo legal estabelecido para o efeito (cfr. item 18 dos factos provados), sendo que inclusive depositou as despesas com o IMT, no valor de €1.500,00 e €240,00 referentes ao imposto de selo.
Julga-se que a Autora depositou até demais, acautelando entendimento mais exigente pois “preço devido” respeita apenas à contraprestação que deve ser paga ao vendedor, não abrangendo quaisquer outras despesas, designadamente com a escritura, o registo e impostos pagos (cfr. neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2023, Processo n.º 3848/18.6T8SNT.L1.S1, Relatora Maria José Mouro, bem como a doutrina e jurisprudência aí recenseada).
Em face de todo o exposto, merece provimento o presente recurso.
Apenas uma ressalva, há que fazer, pois apesar da procedência da ação, não há que decretar, como solicitado, o cancelamento no registo predial da transmissão a favor da segunda Ré, efetuado com base no mencionado contrato de compra e venda.

Não tem aqui aplicação o artigo 8.º do Código do Registo Predial que rege que:
“A impugnação judicial de factos registados faz presumir o pedido de cancelamento do respetivo registo.”
Conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/11/2002, Processo n.º 02A3447, Relator Silva Paixão, acessível em www.dgsi.pt.:
“Reconhecido o direito de preferência, não há que ordenar, contudo, o cancelamento do registo efectuado com base na mencionada compra e venda.
Com efeito, importa acentuar que a acção de preferência não é uma acção de anulação, mas uma pura acção de substituição.
Ora, tendo em conta que o reconhecimento da preferência não implica extinção do direito do adquirente-preferido, mas unicamente a sua substituição pelo do preferente, o registo feito em favor do Réu não é nulo nem inexistente, não havendo, portanto, à luz dos arts. 10º e segs. do Cód. Registo Predial, fundamento para o seu cancelamento (cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de 28/01/97, CJSTJ, V, 1º, pág. 77, de que foi relator o do presente)".
O Acórdão da Relação de Évora de 29/9/88, consultável em Coletânea de Jurisprudência, Ano XII, 1988, tomo 4, págs. 251 e 252, diz precisamente que o artigo 8.º do Código do Registo Predial não é aplicável às ações de preferência e que o cancelamento ou averbamento é uma questão de técnica registral a ser impulsionada pelo preferente junto da Conservatória do Registo Predial
Assim sendo, independentemente de saber se o registo da substituição deve ser feito por averbamento do preferente em substituição do adquirente postergado ou por averbamento do cancelamento e posterior inscrição, não deve ser o Tribunal a decretá-lo, uma vez que conforme também refere Isabel Ferreira Quelhas Geraldes no Código do Registo Predial Anotado e Comentado, 4ª ed., 2024, págs. 107 e 120, onde escreve a propósito do artigo 8.º do CRP:
"Este preceito não tem aplicação quando em tabela estejam ações de preferência, posto que a procedência deste tipo de ações não origina o cancelamento do registo de aquisição, antes determina a substituição de quem nele figura como sujeito ativo na inscrição pelo autor triunfante, efetuada mediante averbamento à inscrição em causa.".
Assim, não deve ser o Tribunal a ordenar o cancelamento, devendo tal ser requerido pela Autora junto da Conservatória do Registo Predial.
As custas da ação e do recurso serão suportadas pela Ré EMP03..., que ficou vencida, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
*
V. Decisão.

Perante o exposto, acordam os Juízes da Terceira Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando, em consequência, a decisão recorrida e assim condenam-se as demandadas a:
- Reconhecer à demandante o direito de preferência na compra do prédio rústico, alienando Através de escritura publica de compra e venda, outorgada em 18 de setembro de 2020, no Cartório Notarial do Dr. EE, pelo preço de € 30.000,00, composto de terreno de mato, com a área de 220m2, denominado “...”, sito no Lugar ...”, União das freguesias ..., ... e ..., concelho ..., a confrontar do norte com caminho de ferro, do sul com AA cab. casal do poente com BB e outro e do nascente com parque se estacionamento do edifício “Centro Comercial ...”, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º...81 (antes artigo ...56 da extinta freguesia ...), descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...84/....
- A reconhecer que a Autora tem o direito a haver para si o prédio alienado pela primeira Ré à segunda Ré, substituindo esta última, na qualidade de compradora, pela Autora, ficando o direito de propriedade sobre o prédio mencionado a pertencer, em exclusivo, à Autora.
As custas serão suportadas pela apelada EMP03..., S.A..
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Guimarães, 9 de janeiro de 2025

Relator: Luís Miguel Martins
Primeira Adjunta: Paula Ribas
Segunda Adjunta: Fernanda Proença Fernandes