ELEMENTO SUBJECTIVO
CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
QUESTÃO NOVA
NULIDADE SANÁVEL
PRESCRIÇÃO
MENORES
Sumário


1 – Em processo contraordenacional laboral, quando, quer na decisão administrativa quer na sentença proferida pela 1.ª instância, constem os factos referentes ao elemento subjetivo do tipo, não na matéria de facto, mas sim, na apreciação do direito, o tribunal de recurso pode colmatar este vício, colocando os referidos factos na matéria de facto.
II – E isto porque em sede de processo contraordenacional laboral não se exige o mesmo rigor formal que se exige em sede de processo criminal.
III – Existindo algum vício na notificação prevista no art. 18.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09, o modo de invocação desse vício rege-se nos termos previstos no art. 283.º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, ou seja, estamos perante uma nulidade que depende de arguição, dentro de determinado prazo, e é sanável.
IV – Quem tome conte de quatro ou mais crianças, com idades compreendidas entre um mês e 36 meses, cinco dias por semana, no horário das 07h00 às 19h00, recebendo de cada uma dessas crianças quantia económica mensal de €125,00, desenvolve atividade com finalidade económica.
V – Compete a quem pretende dedicar-se a uma determinada atividade económica informar-se das exigências legais estabelecidas para essa atividade, antes de a iniciar.
VI – Se o não fizer, esse estado de ignorância em que voluntariamente se colocou, não pode beneficiá-lo, nos termos do art. 6.º do Código Civil.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


Proc. n.º 3153/23.6T8FAR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
A arguida AA impugnou judicialmente a decisão da Segurança Social, Centro Distrital Local 1, que lhe aplicou uma coima única no valor de €11.000,00, referente à condenação:
a) de uma contraordenação p. e p. pelos arts. 11.º, n.º 1, al. a), 39.º-B, al. a), 39.º-E, al. a), todos do DL n.º 64/2007, de 14-03, alterado pelos DL nºs. 99/2011, de 28-09, e DL n.º 33/2014, de 04-03, na coima, especialmente atenuada, no valor de €11.000,00;
b) de uma contraordenação p. e p. pelos arts. 3.º, n.º 1, al. a) e 9.º, nºs. 1, al. a) e 4, do DL n.º 156/2005, de 15-09, alterado pelos DL n.º 371/2007, de 06-11, DL n.º 118/2009, de 19-05, DL n.º 317/2009, de 30-10, DL n.º 242/2012, de 07-11, e DL n.º 81-C/2017, de 07-07, na coima, especialmente atenuada, no valor de €150,00.
Por despacho judicial proferido em 31-10-2023, o tribunal a quo notificou as partes da intenção de proferir decisão por simples despacho, sem realização de julgamento.
A arguida e o M.º P.º declararam não se opor à decisão por simples despacho.
O Tribunal de 1.ª instância, proferiu sentença por simples despacho, em 15-12-2023, com o seguinte teor decisório:
Em face do exposto julgo improcedente a presente impugnação judicial e, em consequência, mantenho a decisão administrativa.
Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça, em face do número e complexidade das questões suscitadas, em 2 UC (cfr. art. 8º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo).
Notifique, comunicando a decisão à autoridade administrativa.
Deposite.
Inconformada, veio a arguida AA interpor recurso da sentença, apresentando as seguintes conclusões:
a) Impugna-se a decisão sobre a matéria de Direito, porque nos termos da sentença recorrida, tomou-se em consideração uma notificação de fls. 64 e 66 como passível de preenchimento do previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 54.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro, para efeitos de ser um facto interruptivo do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, quando a mesma é nula por não cumprir o previsto nos artigos 29.º n.sº 1 e 2 e 30.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro , e como tal não era passível de produzir efeitos legais.
b) Esta notificação é nula , porque não contem uma descrição que se possa sequer classificar como sumária, porque não contem um mínimo de factualidade concretizada, e procedendo à comparação do valor constante de fls. 64 e 66, com o valor da decisão administrativa objecto de recurso e a fls. 103 e 111 dos presentes autos, verificamos que o valor da notificação de fls. 64 e 66 não cumpre com o previsto com o artigo 30.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro.
c) Subsumiu-se à aplicação do " n.º 1 do art. 11.º , alínea a) do art. 39.º -B e alínea a) do art. 39.º - E do Decreto - Lei n.º 64/2007 de 14 de março, na versão republicada em anexo ao Decreto-Lei n.º 33/2014 , de 4 de março, e à cominação da aplicação de uma coima de 20.000 € ( vinte mil Euros), e subsumiu-se à aplicação da " alínea a) do n.º 1 do art. 3.º e alínea a) do n.º 1 e n.º 4 do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005 de 15 de setembro, alterado e republicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 371/2007 de 6 de novembro", e à aplicação de uma coima de 250,00 € ( duzentos e cinquenta Euros).
d) Deste processo resulta claramente que a ora Exponente agia com negligência, porquanto do Auto de Declarações, do Guião de Acção de Fiscalização, e do Projecto Relatório, e do Relatório Final é transversal e patente, que a Recorrente não procedeu com o cuidado, que segundo as circunstâncias estava obrigada e de que seria capaz, não representando a necessidade de cumprir com os requisitos que se lhe apontam naqueles elementos que constam dos presentes autos, apresentando-se em completo erro sobre as circunstancias e os pressupostos de Direito e sobre elementos normativos, que não logrou reunir e preencher para cuidar de crianças na sua própria casa, para além dos próprios filhos.
e) É gritante que uma mãe que tem três crianças menores suas filhas e do seu companheiro, sendo uma delas altista, que vive com dificuldades económicas, recebendo crianças para ajudar a manter o sustento dos seus filhos, não é nunca de modo algum, uma entidade com finalidade lucrativa., pelo que decorre necessariamente deste facto que agora se alega, que não é de modo algum passível de ser reconduzido a uma entidade de finalidade lucrativa, uma mãe de filhos cuidando na sua própria casa dos filhos de outras mães, nos termos e para os efeitos previstos do n.º 1 do artigo 39.º - G do Decreto – Lei n.º 33/2014 de 4 de março, assim a moldura abstracta prevista na alínea a) do artigo 39.º -E do mesmo diploma, aplicável in casu à ora Recorrente , devia ser reduzida respectivamente, de 20.000 € ( vinte mil euros) para 10.000 € ( dez mil euros), e de 40.000 € ( quarenta mil euros) para 20.000 € ( vinte mil euros), o que à luz do constante na notificação em analise, à ora Exponente deve ser aplicada abstractamente uma coima de 10.000 € ( dez mil euros), sem prejuízo das consequências que se devem retirar dos demais factos acima alegados conjugados com o quadro legal aplicável, sempre quanto à determinação da medida da coima aplicável à ora Recorrente.
f) O facto de resultar do presente processo que a ora Exponente agiu com negligência, como acima foi alegado, releva, porquanto o artigo 39.º - F n.º 1 do Decreto -Lei n.º 33/2014 de 4 de março, prevê a punibilidade a título de negligência dos factos previstos e punidos neste diploma agora citado, como o artigo 39.º - K n.º 1 do Decreto - Lei n.º 33/2014 de 4 de março, manda aplicar o previsto no Lei n.º 107/2009 de 14 de setembro, alterada pela Lei n.º 63/2013 de 27 de agosto, e como o artigo 60.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de setembro, alterada pela Lei n.º 63/2013 de 27 de agosto, manda aplicar os preceitos do Regime Geral de Contra-Ordenações e Coimas, então verificamos que ao presente caso, nos termos do artigo 17.º n.º 3 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, a coima aplicável e em cumprimento do artigo 30.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro tinha de ser de 1.870,49 € ( mil oitocentos e setenta euros e setenta euros e quarenta e nove cêntimos).
g) Pelo que se Impugna o juízo sobre a matéria de Direito de considerar quaisquer efeitos decorrentes da notificação de fls. 64 e 66 dos presentes autos, porque nos termos da sentença recorrida, tomou-se em consideração uma notificação de fls. 64 e 66 como passível de preenchimento do previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 54.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro, para efeitos de ser um facto interruptivo do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, quando a mesma é nula por não cumprir o previsto nos artigos 29.º n.sº 1 e 2 e 30.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro , e como tal não era passível de produzir efeitos legais.
h) À data de prolação da decisão ora recorrida, em 9 de Setembro de 2023, não decorrem do presente procedimento qualquer causa de suspensão da prescrição, pois não ocorreu nenhum dos factos ínsitos das alíneas do n.º 1 do artigo 53.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro, quanto a causas de interrupção da contagem da prescrição, verificamos a ocorrência da inspecção como diligência de prova no referido dia 10 de Janeiro de 2018, estando preenchido a alínea a) do n.º 1 do artigo 54.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro, e verificamos também a ocorrência de uma das alternativas previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 54.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro, com o exercício do direito de audição com as declarações prestadas pela recorrente nesse exercício , em sede de inspecção, tudo ocorrido em 10 de Janeiro de 2018, como de resto resulta da fundamentação da decisão ora recorrida, onde se menciona e valora expressamente as declarações prestadas pela recorrente em auto de declarações lavrado em sede de inspecção.
i) Como os termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 54.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro prescrevem uma formula alternativa, apontando que a interrupção da prescrição ocorre com a notificação exercício de direito ou com as declarações prestadas em auto em sede inspecção ao abrigo do exercício do direito de audição, então a ocorrência de uma das causas alternativas afasta a outra que poderia resultar da apresentação de Contestação aos presentes autos, assim a segunda causa interruptiva da prescrição ocorreu também em 10 de Janeiro de 2023 ao abrigo do previsto nesta alínea c) do n.º 1 do artigo 54.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro, considerando o prazo de prescrição de cinco anos a contar desde 10 de Janeiro de 2018, verificamos que à data de prolação da decisão ora recorrida, em 9 de Setembro de 2023 já tinha ocorrido o prazo de prescrição em 17 de Julho de 2023.
j) Decorreu, mesmo que se considere que o prazo de prescrição aplicável nos presentes autos esteve suspenso, de acordo com o n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 conjugado com o disposto no artigo 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29/05, numa primeira fase da pandemia, pois mesmo tendo estado o prazo de prescrição aplicável à presente situação nos presentes autos, estado suspenso entre 9 de Março de 2020 e 3 de Junho de 2020.;
E numa segunda fase da pandemia, tendo a contagem do mesmo sido suspensa entre 22 de Janeiro de 2021 e 5 de Abril de 2021, de acordo com o disposto nos n.ºs 3 e 1 do artigo 6.º-B da Lei 4-B/2021, de 01/02 e no artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05/04.
Entre 9 de Março de 2020 e 3 de Junho de 2020 , perfizeram 85 dias de suspensão legal da contagem do prazo de prescrição, em que o mesmo esteve suspenso.~
Entre 22 de Janeiro de 2021 a 5 de Abril de 2021, perfizeram 71 dias de suspensão legal da contagem do prazo de prescrição, em que o mesmo esteve suspenso.
O que perfaz 156 dias de suspensão legal da contagem do prazo de prescrição, em que o mesmo esteve suspenso.
k) Verificando-se que o termo do prazo legal em analise de cinco anos, a contar de 10 de Janeiro de 2018, se fixou em 11 de Janeiro de 2023, e mesmo se acrescermos 156 dias sobre esta data de 11 de Janeiro de 2023, constatamos que a data obtida para determinação da ocorrência da prescrição do presente procedimento fixa-se em 17 de Julho de 2023, como a decisão ora recorrida é datada de 9 de Setembro de 2023 e foi notificada ao ora Recorrente na data de 14 de Setembro de 2023 que se introduziu no inicio do presente recurso, então verificamos que o presente procedimento contra-ordenacional se encontra prescrito na data de prolação da decisão ora recorrida há pelo menos dois meses.
l) Pelo que se alega e invoca para os devidos efeitos legais a prescrição do presente procedimento contra-ordenacional, o que constitui um facto extintivo da responsabilidade contra-ordenacional da ora recorrente, impondo-se a retirada da acusação pelo Ministério Público e a absolvição do dispositivo condenatório da decisão ora recorrida, nos termos dos artigos 52.º, 53.º n.º 1, 54.º n.º 1 alíneas b) e c) da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro.
m) A notificação de fls. 64 e 66 constitui uma forma de contornar os limites legais para a acção de responsabilidade contra-ordenacional, uma vez que não sendo apta a prosseguir os fins das normas dos artigos 29.º n.sº 1 e 2 e 30.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro, então visava somente interromper a contagem do prazo prescricional na prossecução de critérios de oportunidade que afrontam o principio da legalidade, o que a sentença ora recorrida não tomou em devida consideração , violando-se o mencionado principio da legalidade nos termos do artigo 41.º do Regime Geral das Contra-Ordenações por via do artigo 60.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro.
n) Impugna-se a decisão sobre a matéria de Direito da sentença recorrida, afasta-se a classificação da culpa da Recorrente a titulo de negligência, o fundamento sufragado pela sentença recorrida é o da decisão recorrida em sede da decisão ora recorrida no ponto 3.1. afasta a classificação da culpa da recorrente a título de negligência como se alegou em sede de Contestação., para tal , considera-se que da prestação de declarações da recorrente reduzidas a auto lavrado no decurso do acto inspectivo em 10 de Janeiro de 2018, por ter assumido os factos controvertidos e o desígnio de legalizar e sanar o incumprimento do que se havia constatado estar em contravenção do disposto legalmente , e que corresponde ao objecto dos presentes autos, a ora recorrente não podia desconhecer das obrigações legais a que estava obrigada, nem das regras legais para o exercício da actividade.
o) Refere-se na sentença recorrida que : “ No entanto, bem sabia e não podia desconhecer, que o exercício dessa atividade de tomar conta de crianças implicava que fosse detentora de licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento à semelhança de outras atividades. E tinha de o saber por se dedicar a esta actividade, dado o tempo a que o fazia e tendo em conta o número de crianças que tinha e as condições que apresentava o local onde o fazia.” , salvo o devido respeito, tal juízo é inválido, porque do facto de se exercer uma actividade, e não se demonstrando nos autos que a ora Recorrente tivesse formação e especiais conhecimentos académicos e técnicos , não se pode dizer sem mais que a ora Recorrente por se dedicar a uma actividade bem sabia que dependia de uma licença de funcionamento, porque do exercício de uma actividade não se pode afastar a negligência no cumprimento das normas, tanto mais que decorre dos critérios de normalidade que o incumprimento de normas técnicas no exercício de uma actividade são sempre iminentemente decorrente de negligència.
p) A Recorrrente a cuidar de crianças na sua casa, fá-lo a título doméstico, não está a fazê-lo num estabelecimento nem numa grande infra-estrutrura nem tinha qualquer assessoria , para que se desse como provado que tinha acedido à informação técnica e legal a cumprir para se depreender do conhecimento donde decorria o dolo.
q) Se a Recorrente recebia crianças para cuidar desde 2017, e se o acto inspectivo é de Janeiro de 2018, a actividade tem menos de um ano, sendo absolutamente inaceitável o que se queira extrair deste hiato temporal como o faz de forma inadequada juridicamente a sentença recorrida, das dez crianças a que alude a sentença recorrida, é preciso que se diga que três crianças são filhos da própria Recorrente o que não é tudo em devida conta para a subsunção jurídica de tal facto, reitera-se, porque foi esta a motivação da decisão administrativa acolhida que não se pode aceitar e se impugna: considera-se que da prestação de declarações da Recorrente reduzidas a auto lavrado no decurso do acto inspectivo em 10 de Janeiro de 2018, por ter assumido os factos controvertidos e o desígnio de legalizar e sanar o incumprimento do que se havia constatado estar em contravenção do disposto legalmente , e que corresponde ao objecto dos presentes autos, a ora recorrente não podia desconhecer das obrigações legais a que estava obrigada, nem das regras legais para o exercício da actividade.
r) Ora a decisão administrativa e a sentença recorridas olvidam que as declarações prestadas decorrem das conclusões e das constatações dos actos materiais e intelectuais de exame e da interpelação para exibição das condições do local e da documentação e licenças legais que exista ou que estava em falta, é que as declarações da ora Recorrente são prestadas depois dos(as) inspectores(as) terem dirigido à recorrente as interpelações concretas para exibição das condições do local e da documentação e licenças legais que exista ou que estava em falta, e de terem dirigido à Recorrente a conclusão e constatação da falta e do incumprimento do que lhe era exigido legalmente para a actividade desenvolvida.
s) Não se pode afastar in casu a negligência e a aplicação do instituto do erro sobre as circunstancias e os pressupostos de Direito e sobre elementos normativos ao momento lógico imediatamente anterior ao inicio da diligência inspectiva, com fundamento no conhecimento e cogniscència que decorre das declarações do ora Recorrente reduzidas a auto no momento imediatamente posterior à conclusão dos actos materiais que corporizam as interpelações concretas para exibição das condições do local e da documentação e licenças legais que exista ou que estava em falta, e de terem dirigido à recorrente a conclusão e constatação da falta e do incumprimento do que lhe era exigido legalmente para a actividade desenvolvida, porque tal se apresenta falacioso.
t) E afigura-se falacioso tal juízo da decisão ora recorrida, porque o conhecimento, consciência e cogniscência da recorrente no momento da prestação das declarações prestadas no desenvolvimento do acto inspectivo e valoradas para afastar a negligência e o instituto do erro já reúne o que lhe foi solicitado pelos inspectores(as) e o que foi por eles (as) constatado e o foi observado e constatado à pessoa da recorrente durante a inspecção.
u) Quando presta declarações ai, já a ora recorrente sabe o que lhe falta e o que incumpriu porque tal lhe foi observado e constatado pelos(as) inspectores(as) na mencionada inspecção, e quando assume os factos e revela a intenção de sanar o incumprimento e fazer esforços por proceder ao necessário para legalizar-se , a ora recorrente fá-lo precisamente porque lhe foi apontado pelos(as) inspectores(as) o que incumpria, mas tal não afasta de nenhum que no momento anterior ao que se inicia a inspecção, que a ora recorrente se encontrasse em negligência e em erro sobre os pressupostos de facto e de Direito, antes pelo contrário, afigura-se e coaduna-se perfeitamente com a natureza das coisas e a lógica da realidade.
v) Reitera-se que das suas declarações, e dos autos de Acção de Fiscalização é notório que a recorrente não conhecia nenhuma das exigências legais para se dedicar a cuidar de crianças na sua própria casa, a ora Recorrente fazia-o, unicamente e exclusivamente para assegurar a sua sobrevivência e a dos seus filhos menores, o que não reveste o carácter de actividade lucrativa, ao que acresce que é gritante que uma mãe que tem três crianças menores suas filhas e do seu companheiro, sendo uma delas altista, que vive com dificuldades económicas, recebendo crianças para ajudar a manter o sustento dos seus filhos, não é nunca de modo algum, uma entidade com finalidade lucrativa.
w) E decorre necessariamente deste facto que agora se alega, que não é de modo algum passível de ser reconduzido a uma entidade de finalidade lucrativa, uma mãe de filhos cuidando na sua própria casa dos filhos de outras mães, nos termos e para os efeitos previstos do n.º 1 do artigo 39.º - G do Decreto - Lei n.º 33/2014 de 4 de março;
x) Deste processo resulta claramente que a ora Recorrente agia com negligência, porquanto do Auto de Declarações, do Guião de Acção de Fiscalização, e do Projecto Relatório, e do Relatório Final é transversal e patente, que a recorrente não procedeu com o cuidado, que segundo as circunstâncias estava obrigada e de que seria capaz, não representando a necessidade de cumprir com os requisitos que se lhe apontam naqueles elementos que constam dos presentes autos.
y) Por outro lado, a Recorrente apresenta-se em completo erro sobre as circunstâncias e os pressupostos de Direito e sobre elementos normativos, que não logrou reunir e preencher para cuidar de crianças na sua própria casa, para além dos próprios filhos, das suas declarações, e dos autos de Acção de Fiscalização é notório que a Recorrente não conhecia nenhuma das exigências legais para se dedicar a cuidar de crianças na sua própria casa, reafirma-se que a ora Recorrente fazia-o, unicamente e exclusivamente para assegurar a sua sobrevivência e a dos seus filhos menores, o que não reveste o carácter de actividade lucrativa.
z) O facto de resultar do presente processo que a ora recorrente ter agido com negligência, como acima foi alegado, releva, porquanto o artigo 39.º - F n.º 1 do Decreto -Lei n.º 33/2014 de 4 de março, prevê a punibilidade a título de negligência dos factos previstos e punidos neste diploma agora citado, impugna-se o juízo de não considerar este erro sobre os elementos do tipo, ou sobre os elementos de facto que afasta a ilicitude do facto ou da culpa do agente, excluindo-se o dolo, a ora recorrente deveria ter sido punida a título de negligência, nos termos em que se acabou de expor, por via do previsto nos números 1, 2, e 3 do artigo 8.º do Regime das Contra-Ordenações e Coimas, impugnando-se que não se considere este erro censurável, a situação de erro em que a ora recorrente laborava, o artigo 9.º n.º 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas manda aplicar uma coima especialmente atenuada, não foi tido em devida conta que tal se reconduz ao previsto no n.º 3 do artigo 18.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, sendo-lhe aplicável uma coima de metade do valor de 10.000 € (dez mil euros), que se cifra em 5.000 € ( cinco mil euros), ao não o ter feito, a sentença ora recorrida viola previsto no artigo 39.º - K n.º 1 do Decreto - Lei n.º 33/2014 de 4 de março, o previsto no artigo 60.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de setembro, e o artigo 17.º n.º 3 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, o previsto nos artigos 11.º n.º 1, 39.º - B do Decreto - Lei n.º 33/2014 de 4 de março.
Nestes termos deve ser julgado procedente o presente recurso e em consequência deverá ser revogada a sentença ora recorrida , por violação do previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 54.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro, do previsto nos artigos 29.º n.sº 1 e 2 e 30.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro , por violação do principio da legalidade nos termos do artigo 41.º do Regime Geral das Contra-Ordenações por via do artigo 60.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro, por violação do previsto nos números 1, 2, e 3 do artigo 8.º do Regime das Contra-Ordenações e Coimas, no artigo 9.º n.º 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, do previsto no n.º 3 do artigo 18.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, e dos artigos 39.º - K n.º 1 do Decreto - Lei n.º 33/2014 de 4 de março, 60.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de setembro, 17.º n.º 3 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 11.º n.º 1, e 39.º - B do Decreto - Lei n.º 33/2014 de 4 de março;
E em consequência deverá ser determinada a extinção da responsabilidade contra-ordenacional da ora Recorrente sendo absolvida do pagamento da coima em que vem condenada;
Ou SUBSIDIARIAMENTE decretando-se o pagamento de uma coima de cinco mil euros; FAZENDO V. EXAS. JUSTIÇA !
O M.º P.º apresentou contra-alegações, pugnando, a final, pela improcedência do recurso, devendo ser mantida a sentença recorrida.
O Tribunal de 1.ª instância não admitiu o recurso por extemporâneo, tendo a arguida reclamado, reclamação essa que apreciou a situação de extemporaneidade e que decidiu admitir o recurso, por o mesmo se encontrar em prazo.
Já neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, propugnando pela improcedência do recurso, devendo, nessa medida, ser mantida a sentença recorrida.
Não houve resposta ao parecer.
Admitido o recurso neste tribunal apenas quanto à contraordenação p. e p. pelos arts. 11.º, n.º 1, al. a), 39.º-B, al. a), 39.º-E, al. a), todos do DL n.º 64/2007 de 14-03, alterado pelos DL nºs. 99/2011, de 28-09, e DL n.º 33/2014, de 04-03, com efeito meramente devolutivo, foram colhidos os vistos legais, pelo que cumpre apreciar e decidir.
II – Objeto do recurso
Nos termos dos arts. 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do art. 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (RGCO) e arts. 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 410.º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Penal).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Nulidade da notificação de fls. 64 e 66;
2) Prescrição;
3) A arguida não configura uma entidade de finalidade lucrativa; e
4) A arguida atuou com negligência e em erro sobre as circunstâncias e pressupostos do direito e elementos normativos.
III. Matéria de Facto
A matéria de facto mostra-se fixada pela 1.ª instância, uma vez que o tribunal da relação, em sede contraordenacional laboral, apenas conhece da matéria de direito (art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09), com exceção das situações previstas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
A decisão da 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
A) No dia 10 de Janeiro de 2018no estabelecimento de apoio social a crianças, em idade de creche, em instalações sitas na Rua 1. em Local 2 – concelho Local 3, BB tinha a seu cuidado 7 crianças entre os 2 anos e meio e os seis meses;
B) Para além dessas crianças encontravam-se aos cuidados de AA os seus dois filhos (gémeos de 6 meses) e a filha da colaboradora de dois anos e meio;
C) A arguida BB NISS ...38, desenvolvia, à data da visita inspetiva em 10l01/2018, a resposta social Creche, pelo menos desde junho/2017 (data de admissão da primeira criança a frequentar a Creche), em instalações sitas na Rua 1 Local 2, Código Postal 1 concelho Local 3, não dispondo da respetiva licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento legalmente exigida para o efeito;
D) A atividade de creche era desenvolvida num apartamento tipologia T2 destinado a habitação, onde a responsável residia, à data, com o seu agregado familiar (5 filhos e o seu companheiro), verificando-se também a inexistência de licença de utilização das instalações para o desenvolvimento da atividade de creche;
E) No dia da visita inspetiva, em 10.01.2018, encontravam-se na Creche 10 crianças, com idades entre 1 e 36 meses (incluindo os 2 filhos gémeos da proprietária com 7 meses, e a filha da trabalhadora CC com 2 anos;
F) Verificou-se que a Creche funcionava de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h, que a arguida era a responsável pela atividade de apoio social e cozinhava as refeições na sua cozinha, que tinha 1 funcionária (CC), não emitia recibos e não se encontrava enquadrada na segurança social nem inscrita nas finanças;
G) Os serviços prestados às crianças no equipamento em referência eram a prestação de cuidados adequados à satisfação das necessidades da criança, como a alimentação, higiene e descanso;
H) Inexistia projeto pedagógico e não se verificou o desenvolvimento de quaisquer atividades pedagógicas;
I) Foi detetada a insuficiência de material pedagógico -não existiam livros ou jogos didáticos e os brinquedos eram praticamente inexistentes, tendo-se verificado a não existência de berçário (as crianças permaneciam o dia inteiro na sala da habitação onde também dormiam);
J) Foi verificada a inexistência do livro de reclamações no estabelecimento;
K) Na-sequência da fiscalização a UFA propôs o encerramento administrativo da creche;
L) Não existe qualquer autorização de funcionamento, ou processo em curso para a entidade em apreço ou morada indicada;
M) Eram cobradas mensalidades no valor de € 125,00;
(Acrescentado o facto N) nos termos da fundamentação infra)
IV – Enquadramento jurídico
Questão prévia
Compulsados os autos, constata-se que na matéria fáctica dada como assente na sentença sob recurso não ficou a constar qualquer facto atinente ao elemento subjetivo do tipo, ainda que de tal matéria fáctica resulte o inequívoco desrespeito pela legislação aplicável a quem se dedique, em troca de contrapartidas económicas, a cuidar de crianças até aos 3 anos de idade.[2]
Acontece, porém, que na decisão administrativa, ainda que não sob a denominação “VII – Factos apurados”, antes sim, sob a designação “X. C)- Elemento subjetivo” fez-se consignar que “Face ao referido e atenta a factualidade dos autos, resultou provado que a arguida não atuou em conformidade com a lei, tendo atuado com dolo eventual, porquanto, tendo em conta os princípios da normalidade e da razoabilidade e as regras gerais da experiência, sabia as consequências possíveis e previsíveis da sua conduta, não se abstendo, porém, de a empreender, conformando-se com a produção dos resultados da mesma”.
Não se exigindo o mesmo rigor formal à decisão administrativa no âmbito de um processo contraordenacional como se exige a uma acusação em sede criminal,[3] constando estes factos da decisão administrativa sob a expressa designação de “Elemento subjetivo”, é de os considerar como integrantes da matéria de facto, existindo apenas um “desarrumo sistémico”[4], o qual deveria ter sido corrigido na sentença proferida pela 1.ª instância, o que, no caso, não ocorreu. Acontece, porém, que igualmente na sentença recorrida, apesar de não constar da matéria factual, o elemento subjetivo da contraordenação imputada à arguida (a que está em análise neste recurso), na parte do “Enquadramento jurídico” ficou a constar “No entanto, a arguida bem sabia e não podia desconhecer, que o exercício dessa atividade de tomar conta de crianças implicava que fosse detentora de licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento à semelhança de outras atividades. E tinha de o saber por se dedicar a esta atividade, dado o tempo a que o fazia e tendo em conta o número de crianças que tinha e as condições que apresentava o local onde o fazia”.
Acresce que quer na impugnação judicial, que no presente recurso, a arguida veio sempre impugnar e recorrer da imputação que lhe é feita da prática contraordenacional a título de dolo, pelo que, em ambas as decisões, entendeu a que título a referida contraordenação lhe era imputada.
Na realidade, a ausência dos factos atinentes ao elemento subjetivo do tipo na sentença recorrida determina, ao abrigo do disposto nos arts. 410.º, n.º 2, al. a), e 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (aplicável por força dos arts. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, e art. 41.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27-10), a nulidade da sentença por insuficiência da matéria de facto e o seu reenvio ao tribunal a quo, de molde a que tal vício seja sanado. Porém, constando do processo os factos necessários relativos ao elemento subjetivo da contraordenação, ainda que não no local apropriado, tendo a arguida compreendido perfeitamente a que título a contraordenação lhe era imputada, pode, desde já, este tribunal, oficiosamente, sanar tal vício, nos termos do já mencionado art. 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Cita-se a este propósito, o já referido acórdão deste Tribunal, proferido em 09-01-2024:
I - À decisão da autoridade administrativa não se exige um formalismo tão apertado como numa sentença, embora dela tenha sempre de constar a referência ao elemento subjetivo constitutivo da contraordenação, como sucedeu no caso, quando naquela se refere expressamente o seguinte: “ao não efetuar a eliminação dos despojos fruto do abate das coníferas, a arguida não observou a exigência contida na lei, assim como a obrigação a que estava sujeita nos termos das boas práticas agronómicas, quando bem sabia que era a responsável por eliminar os sobrantes, conforme declarou nos manifestos anexos aos autos. A arguida não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz”.
II - O Julgador, na primeira instância, verte essa factualidade na sentença, embora no ponto da “Fundamentação de Direito” e não, também, na “Fundamentação de Facto”. Como a matéria em causa constava da decisão da autoridade administrativa, e é inquestionada, a assinalada “insuficiência” da “factualidade provada” pode ser colmatada oficiosamente em momento processual subsequente, designadamente em sede de recurso.
Nesta conformidade, nos termos do art. 426.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, acrescenta-se, oficiosamente, à matéria factual o seguinte facto:
N) A arguida bem sabia, e não podia desconhecer, que o exercício da atividade de tomar conta de crianças implicava que fosse detentora de licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento, não se abstendo, porém, de agir nos moldes em que agiu, conformando-se com a produção dos resultados da sua conduta.

1 – Nulidade da notificação de fls. 64 e 66
No entender da recorrente, a notificação efetuada em 19-05-2019 (fls. 64 a 66 dos autos) é nula, por não cumprir o disposto nos arts. 29.º, nºs. 1 e 2, e 30.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, uma vez que não contém um mínimo de factualidade concretizada e o valor nela indicada é diverso do valor em que a arguida veio a ser condenada em decisão final administrativa.
Apreciemos.
Em primeiro lugar, importa referir que, apesar de estarmos perante questão nova, por apenas ter sido invocada em sede de recurso, tal não obsta à sua apreciação, conforme acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2019, cujo sumário se cita:
Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1.ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa.

Em segundo lugar, importa referir que não estamos no âmbito do processo especial previsto nos arts. 28.º a 31.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, uma vez que, no caso em apreço, o processo contraordenacional não foi instaurado exclusivamente por informação recolhida em base de dados, antes sim, em face de uma visita inspetiva ao local. Por tal circunstância, a notificação efetuada em 19-05-2019 à arguida foi no âmbito do art. 18.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09 (conforme, aliás, consta da 1.ª página dessa notificação), e não no âmbito dos mencionados arts. 29.º e 30.º da citada Lei.
Dispõe, assim, o referido art. 18.º, n.º 1, que:
1 - O arguido é notificado dos factos que lhe são imputados para, no prazo de 15 dias, proceder ao pagamento voluntário da coima, ou para contestar, querendo, devendo apresentar os documentos probatórios de que disponha e arrolar testemunhas, até ao máximo de duas por cada infracção.

Em terceiro lugar, inexistindo norma expressa na Lei n.º 107/2009, de 14-09, relativamente à violação do disposto no art. 18.º, importa, nos termos do art. 60.º dessa Lei, recorrer ao DL n.º 433/82, de 27-10 (Regime Geral Das Contraordenações e Coimas), o qual, por sua vez, por não cominar qualquer sanção pela violação do disposto no art. 50.º (norma mais próxima do teor do referido art. 18.º), determina a aplicação subsidiária, por força do seu art. 41.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Imputando a arguida a insuficiência fáctica dos factos que lhe foram notificados, bem como a indicação errada do valor a pagar, aquando da notificação ocorrida nos termos do art. 18.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, importa apurar qual possa ter sido o vício ocorrido.
A jurisprudência tem aplicado, subsidiariamente, a estas situações, com as devidas adaptações, o vício constante do art. 283.º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, o qual depende de arguição e é sanável. Tendo o ato que a arguida entende ser nulo, lhe sido pessoalmente notificado em 19-05-2019, deveria, no prazo de 10 dias (art. 105.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), tal nulidade sido por si invocada junto da Segurança Social ou judicialmente aquando da impugnação e no prazo legal desta (art. 121.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).
Ora, basta atentar no teor da impugnação judicial apresentada para se concluir que nela inexiste qualquer invocação desta nulidade. E, a ser assim, apenas se pode concluir que, a ter existido alguma nulidade no ato de notificação efetuado ao abrigo do art. 18.º Lei n.º 107/2009, de 14-09, a mesma sempre se mostraria sanada, sendo extemporânea a sua invocação.
Veja-se a este propósito o Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2003, cujo sumário se cita:
IV (ver nota a) - Se a notificação, tendo lugar, não fornecer (todos) os elementos necessários para que o interessado fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o vício será o da nulidade sanável (artigos 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), arguível, pelo interessado/notificado (artigos 120.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), no prazo de 10 dias após a notificação (artigos 105.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), perante a própria administração ou, judicialmente, no acto da impugnação [artigos 121.º, n.º 3, alínea c), e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações)(ver nota 53). Se a impugnação se limitar a arguir a nulidade, o tribunal invalidará a instrução administrativa, a partir da notificação incompleta, e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa [artigos 121.º, n.os 2, alínea d), e 3, alínea c), e 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]. Todavia, se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações].
V - No caso, a nulidade decorrente da insuficiência/incompletude do teor da notificação operada ao abrigo do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações ficou sanada logo que o interessado não a arguiu nem no prazo de 10 dias perante a administração nem, depois, na impugnação judicial da subsequente decisão/acusação administrativa.
Nesta conformidade, apenas nos resta concluir pela improcedência da invocada nulidade, improcedendo, nesta parte, o recurso.

2 – Prescrição
Entende a arguida que a contraordenação que lhe é imputada se mostra prescrita, por ter inexistido qualquer ato suspensivo ou interruptivo da prescrição, entre as suas declarações, ocorridas em 10-01-2018 (sendo esta também a data da prática do facto contraordenacional), e a notificação da decisão administrativa ocorrida em 14-09-2023 (fls. 103 a 111).
Acontece, porém, que mantendo-se válida a notificação que foi efetuada à arguida em 19-05-2019, a fls. 64 a 66 dos autos, em face do disposto no art. 54.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 107/2009, de 14-09, é manifesto que essa notificação interrompeu o prazo de prescrição em curso, tendo determinado o início de um novo prazo, sendo que entre 19-05-2019 e 14-09-2023 não decorreram 5 anos.
Pelo exposto, apenas resta concluir pela improcedência da invocada prescrição, improcedendo, nesta parte, o recurso.

3 – A arguida não configura uma entidade de finalidade lucrativa
Entende a arguida que, ao cuidar de crianças, em sua casa, o faz a título doméstico e não no âmbito de um estabelecimento, sendo que o fazia como forma de sustentar as suas três filhas menores, visto viverem com dificuldades económicas.
Conclui, assim, que lhe devia ser aplicado o disposto no art. 39.º-G, n.º 1, do DL n.º 33/2014, de 04-03.
Decidamos.
Em primeiro lugar, importa referir que o DL n.º 33/2014, de 04-03, limita-se a alterar e republicar o DL n.º 64/2007, de 12-03, pelo que é a este último que nos iremos reportar.
Para apreciarmos se a arguida atuou com finalidade lucrativa, importa trazer à colação o disposto no art. 6.º, n.º 1, da Portaria 67/2012, de 21-03.
Dispõe, assim, o referido art. 6.º, n.º 1, que:
1 - A capacidade máxima da estrutura residencial é de 120 residentes, não podendo ser inferior a 4 residentes.
Cremos, aliás, na esteira do acórdão do TRP proferido em 18-11-2019, no âmbito do processo n.º 5902/18.5T8MTS.P1,[5] que para que se possa considerar estarmos perante uma atividade exercida com fins lucrativos se torna necessário que no estabelecimento onde tal atividade esteja a ser exercida se encontrem ao cuidado da arguida, pelo menos quatro crianças, relativamente às quais, seja paga mensalidade, uma vez que “se a Portaria 67/2012, no seu art. 6º, nº 1, exige que a estrutura residencial tenha uma capacidade mínima para quatro utentes, afigura-se-nos mais ajustado ao espírito da lei, bem como lógico e coerente que, para que a actividade se possa considerar como prestada por entidade que tenha finalidade lucrativa, que tal finalidade se encontre presente em relação a, pelo menos, quatro utentes”.
No caso em apreço, resultou provado que das 10 crianças, com idades compreendidas entre 1 mês e 36 meses, que estavam ao cuidado da arguida, duas eram filhas da arguida, uma era a filha da funcionária CC, que trabalhava para a arguida naquele estabelecimento, e 7 pagavam mensalidades no valor de €125,00. Acresce que se provou igualmente que o estabelecimento gerido pela arguida, e que possuía, para a auxiliar, uma empregada, funcionava de segunda a sexta-feira, das 07h00 às 19h00, sendo prestado por ambas (arguida e funcionária) cuidados às crianças, tais como, alimentação, higiene e descanso.
Resulta, assim, da matéria factual dada como assente que a arguida se dedicava, durante cinco dias da semana, em horário fixo, ao cuidado de crianças até 36 meses, recebendo, em contrapartida, por mês, a quantia de €125,00 por cada uma das 7 crianças que estavam ao seu cuidado, ou seja, tinha finalidade económica quanto a 7 crianças.
E, a ser assim, por tal número ultrapassar o número mínimo previsto na referida Portaria, é de considerar estarmos perante uma atividade desenvolvida pela arguida com finalidade económica.
Pelo exposto, improcede, nesta parte, a pretensão da recorrente.

4 – A arguida atuou com negligência e em erro sobre as circunstâncias e pressupostos do direito e elementos normativos
Considera a arguida que atuou com negligência e em erro, e não com dolo, porque se limitou a cuidar de crianças na sua própria casa, desconhecendo a necessidade de exigências legais para se dedicar a cuidar de crianças na sua própria casa, fazendo-o única e exclusivamente para assegurar a sobrevivência do seu agregado familiar, composto por si, seu companheiro e 5 crianças.
Conclui a arguida que, por isso, deveria ter-lhe sido imputada a contraordenação em recurso, a título de negligência, nos termos do art. 39.º-F, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14-03, atenuando-se especialmente os limites da coima nos termos dos arts. 8.º, nºs. 1, 2 e 3, 9.º, n.º 2, e 18.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas.
Apreciemos.
Na realidade, a arguida pretende que lhe seja imputada a conduta contraordenacional de que recorre, a título de negligência, por ter cuidado das referidas crianças em sua casa, a troco de uma mensalidade, sem ter consciência da ilicitude do seu comportamento, por desconhecer os trâmites legais a que se encontrava sujeita. Ou seja, pretende que se considere negligente a sua conduta, por ter agido em erro, ainda que esse erro lhe seja censurável.
Conforme bem refere o art. 6.º do Código Civil, “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”.
Dito de outro modo, e no que ao caso concreto diz respeito, compete a quem pretenda dedicar-se a uma determinada atividade económica, informar-se das exigências legais estabelecidas para essa atividade, antes de a iniciar. Se o não fizer, esse estado de ignorância em que voluntariamente se colocou não pode beneficiá-lo, pois, desse modo, quem nem sequer se deu ao trabalho de apurar as exigências legais da atividade económica a que se dedica, passava a ter vantagens sobre quem, apesar de se ter informado (ter, pelo menos, tido esse cuidado), acabou por não as cumprir.
Importa referir que a arguida, apesar de invocar tal desconhecimento da lei, não alegou nem provou qualquer facto que permitisse concluir por tal desconhecimento. Acresce que dos factos dados como provados nada permitem concluir nesse sentido. Antes pelo contrário. Efetivamente, na situação que ora nos ocupa, apesar de a arguida cuidar de 7 crianças até aos 3 anos, em troca da quantia mensal de €125,00, na sua casa, juntamente com dois filhos seus, de 7 meses, contratou, como sua funcionária, uma outra pessoa (CC), para a ajudar em tal atividade. Não ter consciência de que estava a desenvolver uma atividade económica, neste contexto, não é sequer credível. Bem como não é credível que pudesse considerar que essa atividade económica, que envolve o cuidar de bebés, não implicasse o cumprimento de determinadas e específicas regras, designadamente de licenças de funcionamento ou de autorização provisória de licenciamento.
Deste modo, a arguida, ao não se abster de atuar nos moldes em que o fez, admitiu como possível o desrespeito da Lei, conformando-se com tal resultado, ou seja, agiu com dolo eventual.
Assim, e sem mais delongas, importa concluir que inexiste qualquer factualidade dada como assente que permita inferir que a arguida agiu em erro sobre a ilicitude do seu comportamento, o que determinaria a punição do seu comportamento como negligente, improcedendo, também, nesta parte, a pretensão recursiva.
V - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (art. 8.º, n.º 7 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
Évora, 19 de dezembro de 2024
Emília Ramos Costa (relatora)
João Luís Nunes
Mário Branco Coelho
__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.
[2] Acórdãos do TRG proferido em 05-03-2020 no âmbito do processo n.º 2481/19.0T8GMR.G1; do TRL proferido em 25-05-2023 no âmbito do processo n.º 5386/22.3T8LRS.L1-9; e do TRP proferido em 12-07-2023 no âmbito do processo n.º 54/23.1Y3VNG.P1; consultáveis em www.dgsi.pt.
[3] Acórdão do TRE proferido em 11-01-2022 no âmbito do processo n.º 231/21.0T8SSB.E1, consultável em www.dgsi.pt.
[4] Acórdão do TRE, proferido em 09-01-2024 no âmbito do processo n.º 406/22.4T8GDL.E1, consultável em www.dgsi.pt.
[5] Consultável em www.dgsi.pt.