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CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
LAR DE IDOSOS
ENFERMEIRO
HORÁRIO DE TRABALHO
Sumário
I – Uma estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI) deve afetar adequadamente os horários dos enfermeiros que ali prestam serviço de forma a garantir a prestação de cuidados de enfermagem durante 24 horas por dia. II- Os “indicadores” a que se reporta o n.º 4 do artigo 12.º da Portaria n.º 67/2012, de 21 de março, são os números relativos ao pessoal (recursos humanos) mencionados nos n.ºs 2 e 3 do artigo. III- Pratica a infração contraordenacional prevista na alínea f) do artigo 39.º-B Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 126-A/2021, de 31 de dezembro, a ERPI que, por não ter agido com o dever de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, apenas tinha, diariamente, um enfermeiro que prestava serviço no estabelecimento, em média, cerca de 4 horas diárias. (Sumário elaborado pela relatora)
I. Relatório EMP01..., Lda. impugnou judicialmente a decisão proferida pelo Instituto da Segurança Social, I.P. que a condenou numa coima única de € 6.400, pela prática de duas contraordenações: - uma, p.e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, alínea k) do 39.º-B e alínea b) do 39.º-E do Decreto-Lei n.º 64/2007, 14 de março, na versão do Decreto-Lei n.º 33/2014, 04 de março; - e a segunda, p.e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, alínea f) do 39.º-B e alínea b) do 39.º-E do Decreto-Lei n.º 64/2007, 14 de março, na versão atual[2].
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A 1.ª instância julgou a impugnação parcialmente procedente e decidiu: «Em face do exposto julgo a impugnação judicial parcialmente procedente e, em consequência: a) absolvo a arguida da prática da infração p.e. pelo art. art.5º, al.k) do art.39º-B e alínea b) do art.39º E do DL 64/2007, 14 de março na versão do DL 33/2014, 04 de março; b) mantenho a condenação da mesma pela prática da infração pelo art.5º , al. f) do art.39ºB e alínea b) do art.39ºE do DL 64/2007, 14 de março na versão do DL 33/2014, 04 de março, na coima de € 5 000, 00 ( cinco mil euros); c) custas pela arguida fixando a taxa de justiça em 2 UC´s. d) Notifique, comunicando a decisão á autoridade administrativa. e) Deposite .».
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A impugnante interpôs recurso desta decisão, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões: «A) Vem o presente recurso interposto da sentença na parte que manteve a condenação da Recorrente/arguida pela prática da infração prevista no artigo 39.º-B, alínea f) do D.L. n.º 64/2007, 14 de março na versão do D.L. n.º 126-A/2021, 31/12, concretamente a “A inexistência de pessoal com categoria profissional e afetação adequadas às atividades e serviços desenvolvidos em cada estabelecimento e indicado no respetivo mapa, nos termos da regulamentação específica”, na coima de € 5.000,00 (cinco mil euros). B) Ao manter a condenação da Recorrente/arguida, nos termos acima descritos, o tribunal fez errada interpretação das normas legais aplicáveis. C) Com relevo para a questão a apreciar, o tribunal deu como provados os seguintes factos: “(…) 9. A EMP01... não acolhe idosos em situação de grande dependência. (acamados ou a carecerem de cuidados de enfermagem 24 horas por dia e, á data da ação, nenhum necessitava de cuidados com pensos). 12. À data da ação, em regime de prestação de serviços a arguida contava com 1 médico e 6 enfermeiras, sem horário pré-definido. 13. A enfermagem assegurava os tratamentos e a supervisão de alguns cuidados prestados pelos assistentes. 14. Todos os dias da semana pelo menos um enfermeiro prestava serviço de enfermagem no estabelecimento, sem horário fixo, em média, de cerca de 4 horas diárias. 15. Durante a noite não estava presente qualquer enfermeiro e quando necessário existia sempre alguém nas instalações que ligava e chamava o 112/INEM. (…)”. D) Na sentença, no segmento dedicado ao “Direito”, lê-se o seguinte: “O DL 64/2007 de 14 de março (republicado em anexo ao DL 33/2014, de 4 de março) estabelece o regime de licenciamento e de fiscalização da prestação de serviços e dos estabelecimentos de apoio social, em que sejam exercidas atividades e serviços do âmbito da segurança social relativos a crianças, jovens, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, bem como os destinados à prevenção e reparação das situações de carência, de disfunção e de marginalização social, estabelecendo ainda o respetivo regime sancionatório e, por força do nº 2 al. c) do mesmo diploma, aplica-se a estabelecimentos prestadores de serviços de apoio social estabelecidos em território nacional por entidades privadas que desenvolvam atividades de apoio social, considerando-se como tal os estabelecimentos em que sejam prestados serviços de apoio às pessoas e às famílias, independentemente de estes serem prestados em equipamentos ou a partir de estruturas prestadoras de serviços que prossigam os objetivos do sistema de ação social definidos na Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social, referindo-se, no âmbito do apoio a pessoas idosas, a centros de convívio, centro de dia, centro de noite e estruturas residenciais para pessoas idosas. A portaria 67/2012, 21 de março define o que se entende por estrutura residencial para pessoas idosas prevendo no seu art.1º nº2 que é “(…) o estabelecimento para alojamento coletivo, de utilização temporária ou permanente, em que sejam desenvolvidas atividades de apoio social e prestados cuidados de enfermagem.” Por força do art.8º do mesmo diploma “ 1 - A estrutura residencial presta um conjunto de atividades e serviços, designadamente: a) Alimentação adequada às necessidades dos residentes, respeitando as prescrições médicas; b) Cuidados de higiene pessoal; c) Tratamento de roupa; d) Higiene dos espaços; e) Atividades de animação sociocultural, lúdico-recreativas e ocupacionais que visem contribuir para um clima de relacionamento saudável entre os residentes e para a estimulação e manutenção das suas capacidades físicas e psíquicas; f) Apoio no desempenho das atividades da vida diária; g) Cuidados de enfermagem, bem como o acesso a cuidados de saúde; h) Administração de fármacos, quando prescritos. 2 - A estrutura residencial deve permitir: a) A convivência social, através do relacionamento entre os residentes e destes com os familiares e amigos, com os cuidadores e com a própria comunidade, de acordo com os seus interesses; b) A participação dos familiares ou representante legal, no apoio ao residente sempre que possível e desde que este apoio contribua para um maior bem-estar e equilíbrio psicoafetivo do residente.” Nos termos do disposto no art.12º nº1 da mesma Portaria a ERPI (estrutura residencial para pessoas idosas) deve dispor de pessoal que assegure a prestação dos serviços 24 por dia. Assim, por força do nº2 do mesmo artigo “(…) 2 - A estrutura residencial, para além do diretor técnico, deve dispor no mínimo de : a) um (a) animador(a) sociocultural ou técnico de geriatria, a tempo parcial por cada 40 residentes; b) Um(a) enfermeiro(a), por cada 40 residentes; c) um (a) ajudante de ação direta por cada 8 residentes (…). 3 - Sempre que a estrutura residencial acolha idosos em situação de grande dependência, os rácios de pessoal de enfermagem, ajudante de ação direta e auxiliar são os seguintes: a) Um(a) enfermeiro(a), para cada 20 residentes; b) um (a) ajudante de ação direta por cada 5 residentes;(…) Nos termos do disposto no art.12º nº1 da mesma Portaria a ERPI (estrutura residencial para pessoas idosas) deve dispor de pessoal que assegure a prestação dos serviços 24 por dia. Assim, por força do nº2 do mesmo artigo “(…) 2 - A estrutura residencial, para além do diretor técnico, deve dispor no mínimo de : a) um (a) animador(a) sociocultural ou técnico de geriatria, a tempo parcial por cada 40 residentes; b) Um(a) enfermeiro(a), por cada 40 residentes; c) um (a) ajudante de ação direta por cada 8 residentes (…). 3 - Sempre que a estrutura residencial acolha idosos em situação de grande dependência, os rácios de pessoal de enfermagem, ajudante de ação direta e auxiliar são os seguintes: a) Um(a) enfermeiro(a), para cada 20 residentes; b) um (a) ajudante de ação direta por cada 5 residentes;(…) (…).4 - Os indicadores referidos nos números anteriores podem ser adaptados, com a necessária flexibilidade, em função das características gerais, quer de instalação, quer de funcionamento, quer do número de residentes de cada estrutura residencial.” E) Considerado as normas legais aplicáveis, o tribunal concluiu “(…) que a conjugação do disposto no nº1 com o nº2 da Portaria 67/2012, 21/03 e destes com o art.8º (serviços prestados) do mesmo diploma não nos deixa dúvidas de que a afetação de enfermeiros que aí se refere é para o período de 24 horas. Por isso tendo-se apurado que, diariamente, a arguida tinha um enfermeiro, em média 4 horas, não se tendo provado a disponibilidade permanente e segura de enfermeiros nas demais horas, é de concluir que o supra mencionado não foi cumprido. Referindo-se o nº4 de tal norma a indicadores é evidente que em tal previsão (nº4) está apenas contemplada a possibilidade de adaptação do número de pessoal afeto e não das horas de afetação. No que tange aos enfermeiros a infração foi, pois, cometida.” F) O tribunal fez errada interpretação das normas aplicáveis, ao considerar que, nos termos legalmente estabelecidos, a Recorrente/arguida deveria ter um enfermeiro na estrutura residencial 24 horas por dia. G) O n.º 1 do artigo 12.º da PORTARIA, estabelece que uma ERPI deve dispor de pessoal que assegure a prestação dos serviços 24 horas por dia, sendo que, o n.º 2, elenca o quadro de pessoal que deverá ter em ordem a assegurar a referida prestação de serviços. H) Contrariamente ao pugnado pelo tribunal, para assegurar a prestação de serviços não é necessário ter uma pessoa 24 horas por dia no interior da estrutura residencial, bastando que se encontre disponível para assegurar a prestação dos serviços 24 horas por dia. I) Não resulta da letra da lei, nem terá sido certamente a intenção do legislador, determinar que as ERPI tenham, no interior das suas instalações, 24 horas por dia, todas as pessoas elencadas no n.º 2 mencionado artigo 12.º. J) Conforme ficou demonstrado em sede de audiência de julgamento, a Recorrente/arguida assegura a prestação de cuidados de enfermagem durante 24 horas por dia, sem que tal implique a permanência de um enfermeiro nas suas instalações durante esse mesmo período. K) O número de horas diárias de cuidados de enfermagem prestados na ERPI de cidade 1 no mês de junho de 2022, em média 4 horas, foi o necessário e adequado para assegurar cuidados de enfermagem a todos os residentes que deles necessitaram. L) O n.º 4 do artigo 12.º da PORTARIA permite adaptar, com a necessária flexibilidade, os indicadores aplicáveis, em função das características gerais, quer de instalação, quer de funcionamento, quer do número de residentes da estrutura residencial. M) O tribunal faz errada interpretação da letra da lei ao considerar que ”Referindo-se o nº 4 de tal norma a indicadores é evidente que em tal previsão (nº 4) está apenas contemplada a possibilidade de adaptação do número de pessoal afeto e não das horas de afetação.” N) As ERPI são entidades vocacionadas para prestar serviços de vida assistida, não se confundindo com os Hospitais, Clínicas ou Instituições de cuidados continuados. O) As ERPI sejam tuteladas pela Segurança Social e não pelo Ministério da Saúde. P) A sentença violou o disposto no artigo 12.º da Portaria n.º 67/2012, de 21 de março (na sua atual redação) e, bem assim, o disposto nos artigo 39.º- B e E do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março (na sua atual redação) Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a impugnação judicial apresentada totalmente procedente e, em consequência, determine a absolvição da Recorrente/arguida na parte que manteve a condenação da Recorrente/arguida, assim se fazendo JUSTIÇA.».
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A 1.ª instância admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
O Ministério Público ofereceu resposta, pugnando pela improcedência do recurso.
O processo subiu à Relação e na sequência da abertura de “Vista” a exma. procuradora-geral adjunta emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
A recorrente respondeu, reiterando o entendimento manifestado no recurso.
No despacho liminar, proferido pela ora relatora, foi mantido o recurso, mas alterado o seu efeito para devolutivo.
Elaborado o projeto de acórdão e colhidos os vistos legais, cumpre, agora, em conferência, apreciar e decidir.
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II. Objeto do recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
Em função destas premissas, a única questão que importa analisar e decidir relaciona-se com o alegado não cometimento do ilícito contraordenacional.
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III. Matéria de Facto A 1.ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
1. No dia 15 de Novembro de 2018 inspetoras do centro distrital da segurança social realizaram visita inspetiva ao estabelecimento da arguida, denominado "EMP01..., LDA" sito na Rua 1, em cidade 1.
2. Tal estabelecimento desenvolvia resposta social de Estrutura residencial para pessoas idosas com a licença de funcionamento n.º 02/2013, para uma capacidade máxima de 68 utentes, acolhendo na data da ação 63 utentes.
3. Na data o valor da mensalidade por cada utente variava entre 1000 e 1750 euros, podendo ainda ser prestados serviços extra os quais eram pagos como "extra-mensalidade”.
4. Parte do Processo Individual de cuidados do utente e o processo de saúde estavam integrados no mesmo suporte digital.
5. Por tal facto, solicitado o processo individual do utente, a arguida entregou para consulta processo administrativo com cópia da documentação entregue pelos utente, ficha de identificação, seu representante, extrato de transferências e contrato de prestação de serviços e informou que o demais, por constar junto com o plano de saúde, dada a natureza deste, carecia de autorização médica a qual as senhoras inspetoras podiam obter.
6. As senhoras inspetoras não solicitaram a dita autorização e, por isso, não consultaram o plano individual do utente na integra.
7. Em 21 de novembro de 2022 equipa da segurança social efetuou visita inspetiva ao mesmo estabelecimento.
8. À data estavam acolhidos na mesma 68 utentes dos quais 48 idosos tinham o serviço de assistência a dependentes (preço nível III) e 15 tinham o serviço de semi-dependentes ( preço nível II) .
9. A EMP01... não acolhe idosos em situação de grande dependência. (acamados ou a carecerem de cuidados de enfermagem 24 horas por dia e, à data da ação, nenhum necessitava de cuidados com pensos) .
10. A prestação dos serviços da maioria dos ajudantes de ação direta no estabelecimento é realizada ao abrigo de um contrato de prestação de serviços celebrado com a empresa "EMP02..., Unipessoal, Lda.", sendo o trabalho realizado com autonomia e independência hierárquica e funcional em relação à entidade ora arguida."
11. No mês de junho de 2022 o quadro de pessoal da arguida (incluindo os colaboradores cedidos ao abrigo do referido em 10.), em cidade 1 era de 26 pessoas com a categoria de ajudante de ação direta;
12. À data da ação, em regime de prestação de serviços a arguida contava com 1 médico e 6 enfermeiras, sem horário pré-definido.
13. A enfermagem assegurava os tratamentos e a supervisão de alguns cuidados prestados pelos assistentes.
14. Todos os dias da semana pelo menos um enfermeiro prestava serviço de enfermagem no estabelecimento, sem horário fixo, em média, de cerca de 4 horas diárias.
15. Durante a noite não estava presente qualquer enfermeiro e quando necessário existia sempre alguém nas instalações que ligava e chamava o 112/INEM .
16. À data da ação AA exercia as funções de animadora social.
17. O preçário da EMP01... não contém qualquer oferta de serviço de assistência dirigida a "grandes dependentes";
18. À data da inspeção os trabalhadores da arguida nem sempre preenchiam e assinavam os registos de assiduidade.
19. Sabia a arguida que tinha o dever acrescido de se manter informada e devidamente atualizada sobre o enquadramento legal pelo qual é abrangida, devendo assegurar todas as condições necessárias e adequadas para o seu funcionamento, porém por não ter procedido com o dever que se lhe impunha e de que era capaz atuou da forma descrita no que aos cuidados de enfermagem respeita.
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E julgou não provados os seguintes factos:
1. A arguida não dispusesse de plano individual de cuidados do utente onde se contemplasse a perspetiva social do mesmo, expetativas, dificuldades, restrições, serviços e atividades a desenvolver;
2. Em junho de 2022:
a) o turno das 08h00 às 16h00, o número de ajudantes de ação direta, durante 10 dias, foi apenas assegurado por 5 noutros nove dias do mesmo mês, noutros nove dias por 6 e nos restantes por 3,4 e 7 funcionárias da mesma categoria;
b) no turno das 16h às 00h, em oito dias apenas prestaram serviço 3 ajudantes de ação direta, noutros sete apenas estavam 4 ajudantes e noutros onze dias apenas prestaram serviço 5 ajudantes de ação direta;
c) no período noturno (turno das 00h00 às 07h00) apenas prestaram serviço 2 ajudantes de ação direta e 1 empregada auxiliar, sendo que, em seis dias do mês de junho de 2022, apenas esteve presente 1 ajudante de ação direta e dois empregados auxiliares;
3. Em junho de 2022 no período diurno tenham prestado serviço menos de 8 ajudantes de ação direta e em período noturno menos de 3.
4. Não existissem utentes que precisassem de cuidados de enfermagem 24 horas por dia, nem tinha residentes a necessitar de cuidados com pensos.
5. As enfermeiras estivessem sempre disponíveis mesmo quando já não se encontrassem nas instalações.
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IV. Enquadramento jurídico
Dos elementos expostos no relatório supra resultaque o Instituto da Segurança, I.P. condenou a ora recorrente numa coima única de € 6.400, pela prática de duas contraordenações: - uma, p.e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, alínea k) do 39.º-B e alínea b) do 39.º-E do Decreto-Lei n.º 64/2007, 14 de março, na versão do Decreto-Lei n.º 33/2014, 04 de março; - e a segunda, p.e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, alínea f) do 39.º-B e alínea b) do 39.º-E do Decreto-Lei n.º 64/2007, 14 de março, na versão atual.
Impugnada judicialmente esta decisão, a 1.ª instância manteve a condenação pela segunda infração.
E é precisamente esta decisão que a recorrente pretende que seja reapreciada e revogada, por não ter praticado, de acordo com a sua argumentação, a contraordenação imputada.
Apreciemos.
Adianta-se desde já que se entende que o tribunal a quo decidiu com acerto.
Escreveu-se na sentença recorrida: «O DL 64/2007 de 14 de março (republicado em anexo ao DL 33/2014, de 4 de março) estabelece o regime de licenciamento e de fiscalização da prestação de serviços e dos estabelecimentos de apoio social, em que sejam exercidas atividades e serviços do âmbito da segurança social relativos a crianças, jovens, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, bem como os destinados à prevenção e reparação das situações de carência, de disfunção e de marginalização social, estabelecendo ainda o respetivo regime sancionatório e, por força do nº 2 al. c) do mesmo diploma, aplica-se a estabelecimentos prestadores de serviços de apoio social estabelecidos em território nacional por entidades privadas que desenvolvam atividades de apoio social, considerando-se como tal os estabelecimentos em que sejam prestados serviços de apoio às pessoas e às famílias, independentemente de estes serem prestados em equipamentos ou a partir de estruturas prestadoras de serviços que prossigam os objetivos do sistema de ação social definidos na Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social, referindo-se, no âmbito do apoio a pessoas idosas, a centros de convívio, centro de dia, centro de noite e estruturas residenciais para pessoas idosas. A portaria 67/2012, 21 de março define o que se entende por estrutura residencial para pessoas idosas prevendo no seu art.1º nº2 que é “(…) o estabelecimento para alojamento coletivo, de utilização temporária ou permanente, em que sejam desenvolvidas atividades de poio social e prestados cuidados de enfermagem.” Por força do art.8º do mesmo diploma “ 1 - A estrutura residencial presta um conjunto de atividades e serviços, designadamente: a) Alimentação adequada às necessidades dos residentes, respeitando as prescrições médicas; b) Cuidados de higiene pessoal; c) Tratamento de roupa; d) Higiene dos espaços; e) Atividades de animação sociocultural, lúdico-recreativas e ocupacionais que visem contribuir para um clima de relacionamento saudável entre os residentes e para a estimulação e manutenção das suas capacidades físicas e psíquicas; f) Apoio no desempenho das atividades da vida diária; g) Cuidados de enfermagem, bem como o acesso a cuidados de saúde; h) Administração de fármacos, quando prescritos. 2 - A estrutura residencial deve permitir: a) A convivência social, através do relacionamento entre os residentes e destes com os familiares e amigos, com os cuidadores e com a própria comunidade, de acordo com os seus interesses; b) A participação dos familiares ou representante legal, no apoio ao residente sempre que possível e desde que este apoio contribua para um maior bem-estar e equilíbrio psicoafetivo do residente.” Nos termos do disposto no art.12º nº1 da mesma Portaria a ERPI (estrutura residencial para pessoas idosas) deve dispor de pessoal que assegure a prestação dos serviços 24 por dia. Assim, por força do nº2 do mesmo artigo “(…) 2 - A estrutura residencial, para além do diretor técnico, deve dispor no mínimo de : a) um (a) animador(a) sociocultural ou técnico de geriatria, a tempo parcial por cada 40 residentes; b) Um(a) enfermeiro(a), por cada 40 residentes; c) um (a) ajudante de ação direta por cada 8 residentes (…). 3 - Sempre que a estrutura residencial acolha idosos em situação de grande dependência, os rácios de pessoal de enfermagem, ajudante de ação direta e auxiliar são os seguintes: a) Um(a) enfermeiro(a), para cada 20 residentes; b) um (a) ajudante de ação direta por cada 5 residentes ;(…) (…).4 - Os indicadores referidos nos números anteriores podem ser adaptados, com a necessária flexibilidade, em função das características gerais, quer de instalação, quer de funcionamento, quer do número de residentes de cada estrutura residencial.” (…) Por força do disposto no art.39-B do DL 64/2007 de 14 de março (republicado em anexo ao DL 33/2014, de 4 de março “Constituem infrações muito graves: (…) e no DL 126-A/2021, 31/12) f) A inexistência de pessoal com categoria profissional e afetação adequadas às atividades e serviços desenvolvidos em cada estabelecimento e indicado no respetivo mapa;” (…) Quid iuris quanto prevista no art.39ºB al. f) ? Diremos, desde logo, que a conjugação do disposto no nº1 com o nº2 da Portaria 67/2012, 21/03 e destes com o art.8º (serviços prestados) do mesmo diploma não nos deixa dúvidas de que a afetação de enfermeiros que aí se refere é para o período de 24 horas. Por isso tendo-se apurado que, diariamente, a arguida tinha um enfermeiro, em média 4 horas, não se tendo provado a disponibilidade permanente e segura de enfermeiros nas demais horas, é de concluir que o supra mencionado não foi cumprido. Referindo-se o nº4 de tal norma a indicadores é evidente que em tal previsão (nº4) está apenas contemplada a possibilidade de adaptação do número de pessoal afeto e não das horas de afetação. No que tange aos enfermeiros a infração foi, pois, cometida.».
Vejamos.
A recorrente tem um estabelecimento que é uma ERPI (estrutura residencial para pessoas idosas), que está sujeita ao regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, que sofreu as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.ºs 99/2011, de 28 de setembro, 33/2014, 04 de março, e 126-A/2021, de 31 de dezembro.
Tal estabelecimentos rege-se, igualmente, pelas condições impostas pela Portaria n.º 67/2012, de 21 de março.
De harmonia com o disposto no artigo 39.º-B, alínea f), do referido Decreto-Lei, a inexistência de recursos humanos com categoria profissional e afetação adequadas às atividades e serviços desenvolvidos em cada estabelecimento e indicado no respetivo mapa, nos termos da regulamentação especifica, constitui uma infração muito grave.
Por seu turno, a Portaria n.º 67/2012 prescreve que os cuidados de enfermagem são um dos serviços prestados pela ERPI – cf. artigo 8.º, n.º 1, alínea g) – devendo existir, no mínimo, um enfermeiro por cada 20 residentes ou por cada 40 residentes, consoante a estrutura residencial acolha, ou não, idosos em situação de grande dependência – cf. artigo 12.º, n.º 2, alínea b), e n.º 3, alínea a).
De acordo com o n.º 1 do artigo 12.º da Portaria, a ERPI deve dispor de pessoal que assegure a prestação dos serviços 24 horas por dia.
Por fim, estatui o n.º 4 do artigo 12.º da Portaria. «Os indicadores referidos nos números anteriores podem ser adaptados, com a necessária flexibilidade, em função das características gerais, quer de instalação, quer de funcionamento, quer do número de residentes de cada estrutura residencial.»
Argumentou a recorrente que o tribunal a quo interpretou mal esta norma ao considerar que «Referindo-se o nº 4 de tal norma a indicadores é evidente que em tal previsão (nº 4) está apenas contemplada a possibilidade de adaptação do número de pessoal afeto e não das horas de afetação.».
Salvaguardado o devido respeito, que é muito, não concordamos com a recorrente.
Os “indicadores” a que se reporta o n.º 4 são os números de pessoal mencionados nos n.ºs 2 e 3 do artigo, que não são taxativos, admitindo o legislador que tais números sejam adaptados, com a necessária flexibilidade, em função das características gerais, quer de instalação, quer de funcionamento, quer do número de residentes de cada estrutura residencial.
A preocupação do legislador foi a de assegurar que exista sempre o pessoal necessário para garantir o bom funcionamento da estrutura residencial, designadamente a prestação dos serviços a que está vinculada durante 24 horas por dia, ou seja é, a tempo inteiro.
Basta ler o artigo 3.º, alínea a) da Portaria para se perceber que um dos objetivos de uma ERPI é precisamente o de proporcionar serviços permanentes e adequados à problemática biopsicossocial das pessoas idosas que acolhe.[3]
Por conseguinte, a flexibilidade prevista no n.º 4 do artigo 12.º não se reporta ao número de horas de afetação, como acertadamente apreciou o tribunal a quo.
Foquemo-nos agora no caso dos autos.
O que se apurou é que a recorrente apenas tinha, diariamente, um enfermeiro que prestava serviço no estabelecimento, em média, cerca de 4 horas diárias.
Ao contrário do alegado pela recorrente não resultou demonstrado que nas demais horas do dia existisse um serviço de enfermagem permanentemente disponível para assegurar os cuidados de enfermagem.
Durante a noite não estava presente qualquer enfermeiro e, quando necessário, a instituição recorria aos serviços do 112/INEM.
Em suma, os factos evidenciam que inexistia pessoal de enfermagem afetado adequadamente de modo a garantir a prestação dos cuidados de enfermagem aos idosos a tempo inteiro.
Consequentemente, o ilícito previsto na alínea f) do artigo 39.º-B Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, na versão atual, mostra-se objetivamente preenchido.
E também se mostra subjetivamente preenchido, pois a recorrente atuou negligentemente por não ter agido com o dever de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.
Destarte, a factualidade provada é suficiente para se concluir pela imputação (objetiva e subjetiva) do ilícito contraordenacional à recorrente.
Nesta sequência e considerando que não vem posto em causa o concreto montante da coima (que foi fixado pelo valor mínimo), resta-nos concluir pela improcedência do recurso e, por consequência, pela manutenção da decisão recorrida.
Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
Évora, 19 de dezembro de 2024 Paula do Paço João Luís Nunes Emília Ramos Costa
__________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa
[2] Não obstante no dispositivo da decisão recorrida se mencione que é aplicável a versão do Decreto-Lei n.º 33/2014, de 4 de março, trata-se de um manifesto lapso material como se deduz a partir da leitura da decisão da entidade administrativa e da própria fundamentação da sentença.
[3] Realce da nossa responsabilidade.