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RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Sumário
- as informações colhidas em consultas de psicologia de menor realizadas sem o consentimento de um dos progenitores não constituem prova proibida. - estando a vigorar um regime de residência alternada do menor, a existência de um conflito acentuado e grave entre os progenitores, com efeitos no menor, e de um grau de desentendimento que os impede de chegar a acordo sobre questões de saúde, educação e rotinas do menor, recusando o progenitor manter qualquer contacto com a progenitora, deve conduzir à alteração da regulação das responsabilidades parentais, de molde a passar a vigorar um regime de residência única. (Sumário elaborado pelo relator)
Texto Integral
Proc. 182/20.5T8PTM-C.E1
Acordam no Tribunal da Relação de Évora:
I. AA e BB acordaram em 06.11.2020 na regulação das responsabilidades parentais no que respeita à menor CC (acordo homologado por decisão de 16.11.2020).
AA veio requerer a alteração daquela regulação (apenso C - 08.12.2021), alegando, em suma, que:
- a partilha das refeições entre pai e mãe durante a semana causa perturbações à menor e é difícil de articular com o horário do requerente, para além de este suportar as despesas de alimentação.
- o requerente pretende visitar a sua família na País 1 [1] e a requerida nem deixa a menor ir consigo nem aceita nessa semana ficar com a menor.
Terminou pedindo que se fixe o regime de guarda partilhada em toda a sua extensão, ficando a criança, sem reservas confiada em cada semana a cada um dos progenitores; ou seja: Se digne alterar as Responsabilidades Parentais na parte em que o progenitor ficará incumbido de ir buscar a menor todos os dias à escola às 16h30 e com ela jantar Se digne alterar as responsabilidades Parentais na parte em que a menor toma todos os dias o pequeno-almoço com a mãe; Se digne fixar a residência alternada da menor, passando esta uma semana com cada progenitor, ficando as responsabilidades inerentes a essa semana a cargo do progenitor com quem a menor está; Se digne autorizar o Progenitor a viajar com a menor ao seu país para visitar a sua família.
No apenso D (17.01.2022), BB suscitou procedimento de alteração da regulação das responsabilidades parentais, pedindo a «guarda total e completa da menor a favor da progenitora».
Alegou para o efeito, no essencial, que o requerido não cumpre o estipulado e negligencia os cuidados necessários, mormente alterando dias/horários de entrega da menor, não respeitando as refeições da menor, e revelando esta não querer estar com o progenitor.
Realizada conferência de pais (comum aos dois apensos), e na falta de acordo, foi determinada a eliminação, a título provisório, das cláusulas 3.1, 3.2, 3.3 e 3.4 do acordo homologado, e decidido suspender a conferência por dois meses (apenso C e apenso D), remetendo-se as partes para audição técnica especializada.
Retomada a conferência e na inviabilidade de alcançar acordo, foram as partes notificadas para alegar, o que fizeram em ambos os apensos.
Realizada a instrução e a audiência de discussão e julgamento (comum aos dois apensos), foi proferida sentença nos seguintes termos: 1 – Indeferir parcialmente o pedido formulado pelo requerente no apenso C e, em consequência decido: a. A CC, na companhia da mãe ou do pai, ou em viagens de estudo, pode viajar para o estrangeiro, por períodos não superiores a 30 (trinta) dias, avisando-se os progenitores mutuamente com antecedência de 30 (trinta) dias sobre o local da viagem, a data de ida e volta, o local onde a CC irá ficar, bem assim, o contacto telefónico para que possa ser contactada. 2 – Deferir ao pedido formulado pela progenitora no apenso D e, em consequência decido: a. A CC fica a residir com a mãe, a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais no que concerne as questões relativas à gestão do seu quotidiano. b. As responsabilidades parentais, no que concerne as questões de particular importância para a vida da menor são exercidas em comum por ambos os progenitores. c. O pai pode ver e estar com a criança, sem prejuízo das horas de descanso e deveres escolares da menor, avisando a progenitora com 48 horas de antecedência, por email ou telemóvel. d. A criança passa fins-de-semana alternados com o pai, desde sexta-feira, indo buscar a criança à escola no final das atividades escolares e entregando-a na segunda-feira na escola, ao início das atividades escolares; e. De acordo com o calendário escolar da menor, esta passa metade das férias escolares de Natal/Ano Novo, em semanas alternadas, com cada um dos progenitores (iniciando-se a segunda semana do Natal dia 25 de Dezembro às 11h00), devendo a criança ser entregue e recolhida em local a combinar entre ambos ou, não havendo acordo, desde já se determina que tal ocorra junto à casa da mãe; este ano passa a primeira semana com a mãe e a segunda com o pai. f. De acordo com o calendário escolar da menor, esta passa metade das férias escolares da Páscoa em semanas alternadas, com cada um dos progenitores, de forma a passar alternadamente o Domingo de Páscoa com cada um deles (sendo a criança entregue / recolhida junto à casa da progenitora, nos termos referidos anteriormente); g. A menor passa metade das férias escolares de verão com o pai (em semanas alternadas), a combinar entre ambos com um mês de antecedência; na falta de acordo, a menor passa a primeira semana de férias com a mãe (que se inicia com o 1º dia de férias da menor), a segunda com o pai, e assim sucessivamente até final das férias escolares (sendo a criança entregue / recolhida junto à casa da progenitora, nos termos referidos anteriormente). h. No dia de aniversário da criança e no dia da criança, esta toma uma refeição com o pai; i. No dia de aniversário do pai e no dia do pai, a criança toma uma refeição com o pai, o mesmo sucedendo com a mãe nos dias correspondentes; esta regra sobrepõe-se ao regime dos fins-de-semana (de forma a que a menor passe o aniversário do pai ou dia do pai com este e o mesmo sucedendo para a mãe). j. para poder aferir se o regime está a ser cabalmente cumprido, sem entraves, determino que o acompanhamento da execução do regime seja efetuado pelos serviços de assessoria técnica, por um período de 8 (oito) meses - art. 40º, n.º 6 RGPTC - devendo o tribunal ser informado, no final, sobre a forma como decorreu o regime - ou sempre que se justificar. k. O progenitor contribuirá com a importância de 125 € (cento e vinte e cinco euros) mensais a título de prestação de alimentos que será paga à progenitora, até ao dia 8 de cada mês a que diga respeito, através de transferência bancária para a conta desta. l. O progenitor paga 50% das despesas do colégio 1, de saúde, de psicólogo, escolares (livros, material escolar, viagens de estudo), e as extracurriculares, mediante a apresentação do respetivo recibo (a enviar por email), a serem pagas no mês seguinte à sua apresentação, juntamente com o pagamento da prestação de alimentos. m. A prestação fixada em l. será atualizada anualmente em 2%, com início em janeiro de 2025.
Desta decisão interpôs recurso o progenitor, que o restringiu à fixação da residência da menor, tendo formulado conclusões que reproduziam a prévia motivação e ainda aditavam novas considerações.
Também a requerida interpôs recurso, tendo formulado, após a motivação, o seguinte:
«4 - Dos Pedidos Diante do exposto , requer-se de Vossas Excelências: 1- A reforma da R. sentença, no sentido de lhe retirar a alínea ´a” do item 1, eis que conflitante com as demais especificamente “a” e “g” do item 2; 2- Fazer constar a previsão de multa, ao abrigo do artigo 41 do RGPTC; 3- Fazer constar a obrigação de comunicação em língua portuguesa, valendo o silêncio como aprovação. 4- Alterar o valor dos alimentos deferidos, nos termos já propostos;».
O progenitor respondeu a este recurso, pugnando pelo indeferimento do requerimento de recurso por apresentado fora de prazo e por não conter conclusões.
O MP respondeu ao recurso apresentado pelo progenitor, sustentando o acerto da decisão recorrida.
Pronunciou-se também quanto ao recurso interposto pela progenitora, considerando que, como do recurso não constam conclusões, não iria elaborar resposta ao recurso.
O Mmo. Juiz:
- considerando que a progenitora, no seu recurso, invocou a existência de omissão de pronúncia quanto a duas questões (pedido de multa, ao abrigo do disposto no art. 41º RGPTC, e pedido de comunicação formal e escrita em língua portuguesa), avaliou as nulidades e concluiu nos seguintes termos:
«Pelo exposto, decide-se reformar a decisão, passando a constar do dispositivo o seguinte (arts. 641º, n.º 1, 617º, n.ºs 1, 2, ambos do CPC): “n. decido absolver o progenitor da instância reconvencional, no que concerne ao pedido reconvencional deduzido pela progenitora [estando a reportar-se ao pedido de condenação do progenitor em multa]. o. indefiro o pedido de comunicação formal e escrita em língua portuguesa formulado contra a progenitora.”».
Correspondendo a convite para aperfeiçoar as conclusões formuladas, o progenitor apresentou as seguintes conclusões: I. Na douta Sentença, de que ora se recorre parcialmente, o Tribunal a quo decidiu conforme é referido em III — Decisão. II. O Tribunal a quo teve em conta e ”formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, e bem assim, da prova documental junta aos autos, e apensos, toda ela livre e criticamente apreciada de acordo com o seu valor legal probatório e as regras da experiência comum; anote-se que os depoimentos estão gravados e toda a prova documental consta dos autos (ou apensos).”. III. Todavia interpretou mal tanto prova documental como a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento dando factos como provados quando não o poderia ter feito e decidindo de forma diferente ao que as provas demonstram, ou seja, há fundamentos na sentença que estão em oposição com a decisão. IV. O Tribunal a quo considerou como assente/Factos Provados mencionados de 1 a 83 da rubrica II — FUNDAMENTAÇÃO, de facto. V. O cerne do presente Recurso é a não aceitação, por parte do Recorrente, que a sua filha menor fique a residir apenas com a mãe em detrimento de uma residência alternada, como tem acontecido desde que o divórcio aconteceu, ou seja, praticamente toda a vida da CC, não encontrando motivos ou fundamentos para que o Tribunal a quo tivesse decidido nesse sentido. VI. O Tribunal a quo justificou os factos dados como provados nos pontos 46 a 55 pelo relatório da psicóloga DD, sendo que a ida ou a avaliação da menor CC carecia de autorização de ambos os pais e o Recorrente nunca deu essa autorização, nem havia à época decisão ou Despacho judicial nesse sentido, pelo que o seu Relatório/Avaliação constitui uma prova ilícita que não pode ser aproveitada e usada pelo tribunal a quo, conforme é unânime junto da Ordem dos ” Psicólogos: ...a Ordem dos Psicólogos Portugueses entende que o consentimento de ambos os progenitores é indispensável, salvo em casos de risco ou perigo para a criança, pelo que o psicólogo que decida acompanhar uma criança à revelia de um dos seus progenitores poderá ser sujeito a procedimento disciplinar (V. Pareceres da Comissão de Ética da Ordem dos Psicólogos Portugueses 39/CEOPP/2015 e 39B/CEOPP/2015 in WWW.ordemdospsícologospt] VII. Houve por parte do tribunal a quo uma clara violação das regras de obtenção da prova. O Relatório de Avaliação psicológica da menor CC foi realizado sem o consentimento do pai, pelo que houve violação do art.º 26º n.º 1 da CRP, nomeadamente violação à reserva de intimidade da Vida privada da menor. VIII. A sentença do tribunal a quo é nula por estar fundamentada numa prova ilícita, art.º 615º n.º 1 alínea d) in fine do CPC e por Violar o disposto no art.º 26º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. IX. Por outro lado, quis o tribunal a quo fazer crer que o Recorrente é conflituoso e que é o único culpado na dificuldade que tem em comunicar com a mãe da menor. X. O Recorrente nunca se negou a comunicar com a mãe da menor. Sempre disse que pretende é restringir ao máximo esses contactos, para que os mesmos sejam apenas e só para tratar de assuntos relacionados com a CC. XI. Contrariamente ao que decidiu o tribunal a quo, quem é responsável por toda & conflitualidade é a mãe da menor que inventa factos para apresentar queixas-crime contra o Recorrente, conforme se pode verificar pelo factos dados como provados nos pontos XII. E que pode ser comprovado pelo Relatório da ATE, ponto 9 dos Factos Provados: “A progenitora está demasiadamente focada nas partilhas dos bens e no conflito enquanto casal.'. XIII. E ainda novamente o Relatório de ATE, Vide ponto 9 dos Factos Provados: "contudo no dia 8 de julho, na hora de ir buscar a CC ao pai, a progenitora chamou a policia e apresentou queixa deste referindo que o mesmo não lhe queria entregar a CC. O progenitor refere que informou a progenitora de que a CC estava a terminar a refeição e que ainda demorava um pouco e que ficou extremamente surpreso quando viu a policia à sua porta; XIV. Quando O tribunal a quo se refere a dificuldades de comunicação entre os pais deveria ter entendido, como não entendeu, erradamente, pois não soube valorar o depoimento do pai, que este quer manter o diálogo com a mãe, mas apenas para assuntos estritos da sua filha. XV. O Tribunal a quo valorou erradamente o Relatório de ATE quanto à conflitualidade e quanto à disponibilidade do Recorrente ao diálogo, Vide ponto 9 dos Factos Provados: “, já_o pai demonstrou alguma renitência em manter comunicação com a mãe referindo ter receio que as conversas ultrapassem o) patamar da relação parentalidade, contudo acordaram em fazer um esforço para que a comunicação tenha lugar e viabilize tomadas de decisões imprescindíveis ao bem-estar da CC”. XVI. Foi o Recorrente e pai da CC que durante a pandemia assegurou a alimentação da menor e da sua mãe o que é revelador da sua não conflitualidade e que pode ser atestado pelo Relatório da ATE, ponto 9 dos Factos Provados. XVII. As provas demonstram que o pai é facilitador da comunicação com a mãe, mas o tribunal a quo decidiu mal ao dar como provado os pontos 17 e 18 dos Factos Provados. XVIII. Deveria ter dado como provado que a mãe é a responsável pela conflitualidade entre o casal, e que é a única que inviabiliza a comunicação escorreita entre ambos. XIX. Por sua vez o Tribunal a quo, incoerentemente aceitou como positivo tudo o alegado pela mãe e pelas testemunhas desta, não tendo uma valoração crítica da prova. XX. Chega a ser parcial ao afirmar: '...a mãe é mais atenta, ser essencial para a transição para o 1º ciclo..." XXI. O tribunal a quo errou mais uma vez por desconsiderar e achar normal e não prejudicial à criança, a mãe ir buscá-la todos os dias à escola pelas 19.15h quando todas as crianças há muito saíram, Vide ponto 71 dos Factos Provados. XXII. Isso contraria o facto dado como provado que a mãe é mais cuidadosa. XXIII. Para além disso a mãe deixa a criança aos sábados com a testemunha EE: ”a testemunha EE, amiga da requerente, costuma tomar conta da CC aos sábados, quando a mãe trabalha e refere a proximidade e afeto entre ambas (referiu que a criança diz que não quer ir para o pai, todavia, não concretiza os motivos que a levam a dizer tal coisa, daí não se ter valorado, nesta parte, tais declarações)" XXIV. Enquanto que o pai busca-a todos os dias da sua semana pelas 16.30h, não podendo por isso ser considerado ”desligado”. XXV. O Tribunal a quo não teve em conta para a fundamentação da sua decisão os depoimentos das testemunhas FF e GG, nomeadamente a capacidade do pai exercer as suas funções de pai e educador. XXVI. Foram estes simples motivos que o tribunal a quo encontrou para retirar à CC o convívio diário, semanalmente com o seu pai. XXVII. Também o tribunal a quo referiu que: ”Ao dar como provada a matéria vertida nos pontos 56 a 60 O tribunal atendeu: ”A partir de outubro de 2022, a CC começou a ser seguida pela psicóloga HH..." XXVIII. Contudo, a Dra. HH apenas iniciou os contactos com a menor em outubro de 2023 e não em outubro de 2022. XXIX. Por outro lado o facto dado como provado no ponto 59 também contraria o testemunho da psicóloga HH: "às declarações da psicóloga, Drª HH, a qual em sede de julgamento,... mais esclareceu que o pai não compareceu nunca no consultório,.... ” XXX. O tribunal a quo considerou que pai é “desligado”, que não se interessa pelas consultas de psicologia, que nunca foi à consulta de psicologia, mas isso é contrariado pelo próprio testemunho da psicóloga, Dra, HH. XXXI. Estando em causa a presença do Recorrente na consulta de psicologia com a testemunha HH, junta-se agora documentos assinado pela psicóloga comprovativo dessa presença, doc. n.º 1 já junto anteriormente. XXXII. O tribunal a quo não deveria ter dado como provado o ponto 59 dos Factos Provados: ”O progenitor nunca compareceu no consultório da psicóloga, mesmo quando esta o contactam..." XXXIII. A sentença que ora se recorrer é nula também por isso, art.º 615º n.º 1 alínea c) do CPC XXXIV. O tribunal a quo considera que o pai não dá importância ao infantário/creche, mas tal não é verdade, o pai apenas quer passar as suas folgas e as suas férias na presença da sua filha nesta fase em que a ida à creche não é obrigatória. XXXV. A prioridade para o Recorrente é o Vínculo de apego. XXXVI. O tribunal a quo também deu como provado um facto (Facto 67), “a vacina apenas foi dada cerca de 4 meses depois da data prevista.", que está em oposição à realidade, e ao que foi provado em audiência de julgamento, bem como pelo que pode confirmar pelos emails enviados pelo Recorrente para o Centro de Saúde com o conhecimento da mãe, ora entregue como docs. n.º 2 e 3 já junto anteriormente. XXXVII. O tribunal a quo deu como provado que houve uma dilação de 4 meses na toma da vacina pela CC, quando contrariamente, se provou em tribunal que terão sido menos de 2 meses, e que se agora pode comprovar pelos emails, em que o Recorrente autorizou a vacinação no dia 30.01.2024, ora juntos como doc. 3 já juntos anteriormente. XXXVIII. A sentença que ora se recorrer é nula também por isso, artº 615º n.º 1 alínea c) do CPC. XXXIX. O Tribunal a quo não soube analisar os documentos, nomeadamente o Relatório da ATE, e tomou uma decisão em contradição com os documentos juntos aos autos, tomando só em consideração o alegado pela Recorrida mãe da menor. XL. Mais, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão em documentos que demonstram precisamente o seu sentido contrário. XLI. O Tribunal a quo, ao ter formado a sua convicção com base nos documentos junto aos autos, e no depoimento dos pais e das testemunhas analisados no seu conjunto e à luz das regras da experiência comum fê-lo de forma errónea. XLII. Produzindo uma Sentença errada, injusta, baseada numa dualidade de critérios na valoração da prova documental. XLIII. Perante a prova documental e testemunhal apresentada o Tribunal a quo deveria ter proferido uma decisão que atribuísse a residência alternada aos pais, aqui Recorrente e Recorrida, defendendo assim o superior interesse da criança. XLIV. O Sentença do Tribunal a quo violou o princípio do processo justo e equitativo consagrado no artº 20º n.º 4 da C.R.P.. XLV. Perante a prova documental apresentada o Tribunal a quo deveria ter proferido uma decisão que atribuísse à menor a residência alternada em cada progenitor com as consequências daí advenientes. XLVI. O princípio da livre apreciação prova que vigora no ordenamento jurídico português, embora com exceções (denominada prova legal), não significa, desde logo, que o tribunal possa utilizar essa liberdade à sua vontade, de modo discricionário e a arbitrário decidindo como entender sem sustentação fáctica, e portanto sem fundamentação, como acontece com a sentença que ora se recorre. XLVII. Como atrás já foi mencionado houve um erro notório na apreciação da prova nomeadamente da prova documental. XLVIII. O Recorrente não impugna pura e simplesmente a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu esquecendo a regra da livre apreciação da prova. XLIX. Recorrente alega que a prova está em contradição com o que foi decidido. L. Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efetuados não são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e dados como provados, e a sentença posta em causa. LI. O Recorrente não faz o seu próprio julgamento pretendendo, agora impor o seu próprio raciocínio. É a decisão recorrida que se encontra em contradição com a prova documental, legalmente infundada e baseada no livre arbítrio discriminatório do juiz a quo.
A progenitora pagou multa pela apresentação tardia do seu recurso.
Respondeu também às conclusões aperfeiçoadas, contrariando-as, e pronunciou-se ainda quanto ao pedido de rejeição do seu recurso.
Tendo sido invocada pela progenitora a existência de autorização judicial para as consultas de psicologia, sem qualquer identificação, foi convidada a identificar tal decisão, vindo aquela progenitora a indicar que se trataria de decisão proferida no apenso D.
Ambos os recursos foram admitidos.
II. O progenitor recorrente juntou, com o seu recurso, três documentos.
Esta junção é disciplinada pelo art. 651º n.º1 do CPC (aplicável por força do art. 32º n.º3 do Regime geral do processo tutelar cível - doravante RGPTC), segundo o qual as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º (quando a junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão) ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Como decorre desta regra legal, o ponto de partida neste tema consiste na inadmissibilidade de junção de documentos na fase de recurso. Tal asserção deriva do carácter taxativo e excepcional dos casos em que tal admissão é legalmente permitida, e assim do carácter residual de tal junção. E justifica-se por duas vias. De um lado, dada a regra da tendencial preclusão da junção de documentos com o termo da audiência em primeira instância (art. 425º do CPC), momento a partir do qual o tribunal deve dispor de todos os elementos pertinentes para a decisão. De outro lado, em virtude da natureza do recurso. Tendo este por objecto a decisão recorrida, visando corrigir erros de julgamento e não repetir o julgamento da causa, deve partir dos mesmos dados que para a decisão recorrida estavam disponíveis (o recurso visa a «reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento» - T. de Sousa). Assim, como o objecto do recurso coincide com o objecto da decisão recorrida, a reapreciação desta decisão deve ser efectuada, em regra, em função dos meios de prova que aquela decisão considerou ou podia considerar (reponderação).
Deste modo, a apresentação de documentos nesta sede só é admissível quando não tenha sido possível ou necessária em momento anterior, ou seja, quando seja justificada uma excepção ao regime comum. Donde estar limitada tal apresentação aos casos em que os documentos se mostrem objectivamente supervenientes (em si posteriores ao encerramento da audiência de julgamento), subjectivamente supervenientes (quando a parte, de forma não censurável, ignorava a existência dos documentos) ou quando a sua junção se tenha tornado necessária em virtude da decisão proferida (em termos amplos e não rigorosos, seria o carácter surpreendente de certo aspecto da decisão, extravasando o âmbito da discussão expectável, que justifica a solução).
No caso, o progenitor recorre a este último aspecto do regime (parte final do citado art. 651º n.º1 do CPC), apelando à necessidade da junção em virtude da decisão proferida.
O alcance desta norma não se mostra de fácil apreensão, suscitando interpretações distintas (mas, em último termo, não inteiramente dispares). Diz-se que aquela junção seria admissível quando:
- a decisão impugnada se baseia em norma jurídica com que a parte não contava (A. Varela, RLJ 115/95).
- o documento visa contraditar meios probatórios introduzidos de surpresa no processo que determinem, ainda que não de forma exclusiva, o sentido da decisão - ou, de forma aprimorada, quando a escolha da norma com que as partes não contavam seja o reflexo da introdução no processo, pelo juiz, de um meio de prova com que as partes foram surpreendidas (J. Espírito Santo, O documento superveniente para efeitos de recurso ordinário e extraordinário, Almedina 2001, pág. 50).
- pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário fazer prova de um facto ou factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão (A. Varela/M. Bezerra/S. e Nora, Manual de processo civil, Coimbra Editora 1985, pág. 533).
- quando a decisão se baseia em factos que o tribunal conheça oficiosamente em termos surpreendentes (e que não haviam sido sujeitos a discussão/prova) ou em meio probatório produzido ao abrigo do inquisitório (e que, entenda-se, surpreende as partes) ou em solução jurídica com que razoavelmente as partes não contavam (L. Freitas, A. Ribeiro Mendes e I. Alexandre, CPC Anotado, vol. 3º, Almedina 2022, pág. 141).
- ocorre uma decisão-surpresa (v.g. junção de documento pelo tribunal, documento que as partes ignoravam antes da decisão), ou quando tiver sido dado como provado facto que apenas se demonstra documentalmente sem o documento estar junto, documento que se poderia então juntar em julgamento (C. Mendes e T. de Sousa, Manual de processo civil, vol. II, AAFDL 2022, pág. 135).
- quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, ou quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam (A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, CPC Anotado, vol. I, Almedina 2023, pág. 848)
- na mesma linha, a jurisprudência sustenta a admissibilidade da junção apenas nos caso em que o julgamento introduziu um elemento de novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ele se revele pertinente ab initio (v. Acs. do STJ proc. 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2 ou do TRC proc. 628/13.9TBGRD.C1, ambos in 3w.dgsi.pt).
É também adiantada outra hipótese, para os casos em que se suscita dúvida séria sobre a prova produzida, e na medida em que o Tribunal da Relação deveria promover oficiosamente a junção do documento para esclarecer a dúvida de acordo com o art. 662º n.º2 al. b) do CPC [2]. Esta hipótese, e bem assim a junção do documento essencial a que se refere T. de Sousa, parecem apelar sobretudo a uma ideia de economia, em que a parte antecipa e substitui a actividade que o tribunal deveria desenvolver (mesmo no caso de falta de junção de documento essencial, junção que o tribunal deveria ter oportunamente promovido: art. 590º n.º2 al. c) do CPC, por maioria de razão), não radicando real ou essencialmente no regime em causa. Não concorrendo assim, em último termo, para clarificar o seu sentido.
Assim, as hipóteses verdadeiramente típicas do regime em causa apontam, como circunstância justificativa da junção tardia em termos amplos, para o carácter surpreendente de certo aspecto da decisão, surpresa esta derivada da ultrapassagem do âmbito da discussão expectável. Neste sentido, fala, A. Geraldes em julgamento que se tenha revelado de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável face aos elementos do processo [3]. São tipicamente os casos de utilização na decisão de meios probatórios novos e não discutidos, de apelo a norma jurídica em termos inesperados (não expectáveis) ou de inserção no processo de facto oficiosamente conhecido sem prévia discussão.
Diversamente, seguro é que não são puras necessidades probatórias perante a decisão que justificam a junção. Assim, diz-se que o regime não vale para o caso de a parte se afirmar surpreendida pelo desfecho da causa e pretender juntar documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1ª instância ou para o caso de a parte invocar um error in iudicando, por equívoco na valoração da prova (considerar que a decisão probatória é incorrecta) [4], não servindo a mera surpresa sobre o resultado probatório para justificar a junção, estando em causa factos sujeitos a prova [5].
No caso, e atendendo à justificação do progenitor, este afirma que a junção se justifica «agora e perante a surpresa e estupefação da decisão recorrida (…) vejam quão inverídicos são os factos dados como provados acima mencionados, na Sentença ora recorrida».
Em conformidade, verifica-se que:
- o documento 1 reporta-se a questão que foi amplamente debatida, tendo inclusive o progenitor deposto sobre ela na audiência de julgamento.
- o documento 3 também respeita a matéria debatida, tanto que o progenitor até faz assentar a sua impugnação sobre a decisão da matéria de facto também nas suas próprias declarações.
- o documento 2 não vem sequer relacionado com a impugnação de factos concretos (v. art. 44 e ss. das conclusões), visando antes contrariar afirmação constante da motivação da decisão sobre a matéria de facto, sendo por isso probatoriamente irrelevante (doc. 2).
Assim, os documentos 1 e 3 vêm apresentados para contestar o sentido da decisão sobre certos factos, factos estes que foram objecto de prova em julgamento. Ou seja, não é a consideração do facto pela sentença, a sua introdução inopinada em juízo que surge como motivo para apresentação do documento, mas apenas a forma como esse facto foi julgado (o sentido da decisão que sobre ele incide).
Nestes termos, a junção não vem suportada realmente numa decisão-surpresa em sentido próprio (facto ou questão ou meio probatório relevantes anteriormente não discutidos, não conhecidos ou novos, surpreendentes), no carácter surpreendente ou imprevisível do facto em causa, mas antes na discordância do progenitor face ao resultado probatório - considerando terem-se dado como provados factos que seriam inverídicos, pretende inverter a decisão probatória com base nos novos documentos. O que se afasta do exposto sentido do regime em causa. E também não é a circunstância de certo facto ser tido por provado que torna necessária a junção do documento pois a sua discussão já a justificava - sob pena, caso contrário, de se subverter a regra, passando, a pretexto da discussão de um facto (do sentido decisório que sobre ele incidiu) se passar a admitir uma reabertura instrutória do processo em fase de recurso.
Nota-se que um dos documentos (email de Maio de 2024) é posterior à sentença mas esta superveniência não vem invocada como fundamento da junção, e bem, pois apenas a produção do documento é superveniente, já que a informação que contém é anterior ao julgamento, podendo ter a sua produção sido alcançada em momento próprio. Não se trata, em rigor, de documento superveniente para efeitos do regime em causa.
Naturalmente, a circunstância de o documento 2 não ser sequer usado a título probatório torna liminarmente inadmissível a sua junção.
Assim, não se mostra admissível a junção dos documentos apresentados com o recurso. Como consequência, devem ser desentranhados e devolvidos ao apresentante, com condenação em multa, a qual, atento o circunstancialismo em causa (mormente o momento da apresentação e o número de documentos), se justifica fixar em 1 UC (art. 443º n.º1 do CPC e art. 27º n.º1 e 4 do RCP).
III.1. O objecto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação dos recorrentes (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».
Assim, as questões relevantes seriam as seguintes:
i. quanto ao progenitor:
- a existência das nulidades da sentença invocadas.
- a qualificação de certo meio de prova como prova proibida e seus potenciais efeitos (mormente quanto a uma invocada nulidade da sentença).
- a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
- a fixação da residência da menor.
ii. quanto à progenitora:
- a eliminação da alínea “a” do ponto 1 do dispositivo.
- a inclusão da previsão de multa ao abrigo do artigo 41 do RGPTC.
- a previsão da obrigação de comunicação em língua portuguesa, valendo o silêncio como aprovação.
- a alteração do valor dos alimentos.
2. A progenitora, no recurso, invocou ainda a falta de regulamentação adequada para as «visitas livres». Esta questão não consta, porém, das conclusões, o que inviabiliza o seu conhecimento. Com efeito, e como já referido, as conclusões delimitam o âmbito do recurso e assim o objecto da apreciação pelo tribunal de recurso: trata-se de efeito da restrição (expressa ou tácita) do objecto de cognição que as conclusões efectuam (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC). Assim, não incluindo o progenitor nas conclusões questões discutidas nas alegações, fica tacitamente restringido o objecto do recurso, que já não contempla tais questões. Por isso se não pode conhecer esta questão [6] (isto considerando que se trata de integral omissão, e não de mera deficiência na exposição).
IV. O elenco de factos provados consta em momento subsequente.
V.1. O progenitor imputa à sentença três nulidades formais.
Estas nulidades estão previstas no art. 615º n.º1 do CPC, do qual, na parte ora relevante, deriva que: 1 - É nula a sentença quando: a) (…) b) (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
2. A primeira vem alicerçada no facto de aquela ter utilizado prova proibida, incorrendo no vício previsto no art. 615º n.º1 al. d), in fine, do CPC, no sentido de que não poderia ter conhecido aquela prova.
O excesso de pronúncia ocorre, em termos simples, quando o tribunal aprecie causa de pedir ou excepção não alegadas (nem de conhecimento oficioso) ou condene em excesso face ao pedido (quantidade superior ou objecto diverso). Tal não ocorre.
Por sua vez, o vício da prova (quer se trate de prova contrária a regras processuais, quer de prova violadora de direitos materiais) reflecte-se no julgamento da matéria de prova e não na sentença no seu todo: justifica a alteração daquela decisão, não torna nula toda a sentença.
A nulidade invocada não está verificada.
3. As outras duas nulidades assacadas à decisão recorrida vêm assentes no facto de o tribunal ter dado como provados factos que a prova não sustentaria, invocando o progenitor o regime do art. 615º n.º1 al. c) do CPC. A contradição invocada seria assim estabelecida entre a prova e o facto provado.
A contradição que constitui causa de nulidade, prevista na primeira parte da norma citada, ocorre quando existe contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, envolvendo, em rigor, apenas o contraste entre o enquadramento e desenvolvimento jurídico dos factos (fundamentação de direito a partir dos factos apurados) face à conclusão retirada (decisão): se aquele desenvolvimento judicial aponta num certo sentido e, paradoxalmente, se retira conclusão diversa (divergente ou oposta), existirá a aludida contradição. Tal não corresponde à situação invocada pelo progenitor. Esta situação corresponderá apenas a um erro de valoração da prova produzida e assim a um erro de julgamento, a ser discutido através da impugnação da decisão sobre a matéria de facto - como, aliás, o progenitor também faz.
Também estas nulidades não estão verificadas.
4. Também a progenitora recorrente alegou que a decisão recorrida não apreciou dois pedidos formulados, o que tenderia a corresponder à invocação de uma nulidade prevista naquele art. 615º n.º1 al. d) do CPC (1ª parte da alínea: omissão de pronúncia). Sucede que o tribunal recorrido reconheceu a existência da nulidade e pronunciou-se expressamente sobre tais questões (pedidos formulados), pelo que a nulidade deixou de constituir questão a apreciar (havendo antes que apreciar o mérito das pretensões deduzidas: art. 617º n.º2 e 3 do CPC).
5. Do elenco de factos provados consta um conjunto factual (descrito sob os números 46 a 55) cuja demonstração foi alcançada a partir de «relatório» elaborado por psicóloga que acompanhou a menor.
Porque a ida à psicóloga ou a avaliação da menor carecia de autorização de ambos os pais, e o progenitor não deu essa autorização nem havia decisão judicial sobre a questão, considera o progenitor que aquele relatório teria violado a reserva da vida privada da menor, tutelada pelo art. 26º n.º1 da CRP.
Contra, a progenitora invoca decisão judicial que cobria a situação mas, solicitado esclarecimento, verifica-se que se trata de circunstancialismo estranho (e posterior) às consultas em causa, não servindo por isso para as legitimar.
A consulta e obtenção de informação pessoal da menor, atinente aos seus afectos e vivência (no âmbito da consulta), constitui uma intromissão na sua esfera da vida privada, tolerável na medida em que exista consentimento para tanto, dado o carácter disponível deste valor. No entanto, esta intromissão ocorre no âmbito de uma intervenção terapêutica (em entendimento amplo, no sentido da restauração do equilíbrio psíquico ou emocional, em benefício do visado), ficando por isso aquele consentimento contido ou consumido pela decisão parental de promoção do bem estar ou saúde do filho, mormente pela intervenção terapêutica em consulta de psicologia. Por isso também que, pese embora o poder de representação dos progenitores não envolva actos puramente pessoais (art. 1881º n.º1 do CC), o que está em causa é antes o exercício do poder-dever de cuidado, no aspecto da saúde, e não propriamente o exercício do poder de representação. Sendo que, mesmo do ponto de vista do consentimento médico, se entende que, apesar do regime daquele art. 1881º n.º1 do CC, «os pais têm de se substituir ao filho na prestação de consentimento informado relativo a acto médico» [7] - embora, em função do grau de maturidade e desenvolvimento do filho, a sua opinião deva ser ponderada (o que não releva no caso, dada a idade da menor e a inerente limitada autonomia). Questão esta na qual não são determinantes (ou sequer relevantes) os pareceres que autoridades supervisoras das entidades intervenientes sustentem.
Assim, a intervenção realizada teria que se efectuada a coberto do regime inerente às responsabilidades parentais.
No caso, à data dos eventos em causa as responsabilidades parentais eram exercidas por ambos os progenitores, o que implicava que, nas questões de particular importância para a vida do filho, aquele exercício fosse implementado por ambos os progenitores, sendo que, na falta de acordo, teria que ser o tribunal a decidir (art. 1906º n.º1 e 1901º do CC e acordo homologado). Já nas demais questões, cada progenitor poderia tomar decisões sem necessidade da anuência do outro (princípio de actuação concorrencial) como deriva do referido acordo (e do art. 1906º n.º3 do CC).
A questão que se coloca é, assim e em primeira linha, saber se a frequência de consultas de psicologia constitui um acto de particular importância, em termos tais que a falta de acordo de um dos progenitores torna ilícita a obtenção de informação pessoal da menor (atinente à sua vida privada) derivada da submissão da menor a tal consulta.
Apelando o legislador a conceitos indeterminados (que só podem, portanto, ser preenchidos em função das circunstâncias concretas), ressalta uma intenção legal de abertura dinâmica e casuística na fixação do conteúdo do conceito, o que, por natureza, importa também alguma indefinição e flutuação na qualificação de um acto como sendo de particular importância. Acresce que, além do acto em si e nos seus potenciais efeitos, também se sustenta que os contornos da noção em causa devem variar com a personalidade de cada criança e os costumes de cada família (M. Clara Sottomayor), e também com as concepções sociais correntes. Esta indeterminação implica uma avaliação e valoração flutuante e concreta, em função da natureza e condições do acto, e do ambiente em que se desenvolve o menor, e assim uma ponderação elástica e funcional do conceito.
Sem embargo, alguns critérios orientadores devem ser fixados.
A história da norma em causa indicia uma intenção legal restritiva, limitando as «questões de particular importância» às «questões existenciais graves e raras, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças» [8], assim reduzindo o espaço de competência consensual. As previsões legais que expressamente reportam o consentimento de ambos os pais prevêem actos de significativo grau de impacto, ofensividade ou efeitos potenciais (proposição de acções - art. 16º n.º1 do CPC; autorização para casamento - art. 1612º n.º1 do CC; interrupção voluntária da gravidez - art. 142º n.º5 do CP). Estas situações, dado o seu carácter algo extremado, não podem ser tidas sem mais como manifestações do padrão aferidor dos actos de particular importância. No entanto, a sua particularização, em especial articulação com o adjectivo «particular» usado pelo legislador (sintomático da importância acrescida que o acto deve revestir), não deixa de apontar para a integração no conceito apenas de actos que têm efeitos relevantes ou importantes na vida (pessoa ou bens) do menor, não regularmente integrados no seu processo de crescimento. Actos com alguma excepcionalidade, pois, que contendam fortemente com um núcleo essencial da vida do menor, em si e na sua relação familiar, sendo muito relevantes os impactos neles produzidos. Além disso, a avaliação deve ser realizada do ponto de vista do interesse da criança. O que envolve uma solução restritiva, a qual se justifica também por «razões de segurança jurídica, de estabilidade na vivência dos menores e para reduzir os conflitos parentais judicializados» (seguindo o Ac. do TRG proc. 1108/13.8TBCHV-A.G1, in 3w.dgsi.pt).
Deve, assim, a qualificação reservar-se para actos com impressiva «projecção na vida e no bem-estar da criança», tendo «uma ligação estreita com os seus direitos fundamentais e com direitos pessoalíssimos» - de «acontecimentos raros» falam a este propósito P. Coelho/G. de Oliveira [9].
Ora, em termos gerais, a sujeição da menor a uma consulta médica normal, ou a uma intervenção de um psicólogo, não é de molde a, só por si, afectar a menor em termos relevantes, ao ponto de constituir um acto de particular importância, apenas tolerável a partir da unanimidade parental. Trata-se de actos que podem não ser rotina (porque as doenças ou perturbações comportamentais não o serão na sua diversidade mas que são correntes e recorrentes (no sentido de que ocorrem com normalidade e previsibilidade na vida de um menor). Procurar ajuda para debelar essas situações, sem sujeitar a menor a intromissões agressivas ou potencialmente lesivas, não se deve qualificar com um acto de particular importância quer pela sua relativa normalidade e necessidade quer pelo seu efeito na esfera do menor, circunscrito a efeitos ou aspectos vivenciais comuns. Trata-se de actos naturalmente integrados no processo de crescimento do menor e assim integrados na sua vida corrente, e actos com regularidade sujeitos a um «princípio de beneficência» sem custos pessoais relevantes ou expressivos. O interesse da criança suporta a intervenção. Só não será assim quando a intervenção exceda o âmbito do tratamento normal, supondo intervenções mais intrusivas. Os «cuidados correntes de saúde», nos quais se incluem consultas de psicologia, não integram, pois, o conceito de actos de particular importância (também assim, o citado Ac. do TRG proc. 1108/13.8TBCHV-A.G1, do qual se colheu a referida expressão; no mesmo sentido, para consultas de psicologia clínica, que considera se terem tornado um «expediente corrente», Ac. do TRP proc. 4597/16.5T8PRT-C, também em 3w.dgsi.pt).
Em termos particulares, o que se verifica, no caso, é que, face aos dados disponíveis, a iniciativa da progenitora se prendeu com uma situação específica (retrocesso no desfralde) que justifica a sua preocupação e torna fundada aquela iniciativa, mostrando-se conforme ao interesse da criança. Independentemente de asserções científicas ou experimentais, é empiricamente sabido que aquele retrocesso se pode relacionar com perturbações emocionais da criança e, por isso, o esforço de dilucidação da situação constitui intervenção que serve o desenvolvimento saudável da menor. De outro lado, também se verifica que o progenitor nada alega quanto aos termos da intervenção que a caracterize em moldes negativos, como desfavorecendo a CC, limitando-se a apelar a uma construção formal e linear do consentimento parental. Por fim, e dos termos da «informação» [10] junta aos autos apenas se referenciam intervenções mínimas, em ambiente essencialmente lúdico, e intervenções destinadas essencialmente a colher opiniões e sentimentos da menor, sem que da informação decorra que tivesse tido lugar alguma intervenção manipulativa da menor (mormente visando corrigir comportamentos, impor condutas ou alterar sentimentos).
Neste quadro, a intervenção da progenitora mostra-se suficiente, não estando em causa acto que exceda uma intervenção normal (que seja particularmente relevante) e, assim, não se mostrando necessário o consentimento do progenitor.
De outra banda, não deixa de relevar a referida circunstância de o progenitor nunca invocar o interesse da menor na sua argumentação, argumentação esta estritamente formal, que reservou para momento tardio do processo e com vista à eliminação de factos que, notoriamente, não considera lhe serem favoráveis. Dando conta de uma actuação desvirtuada, porque desligada do interesse da menor, o que também deveria pesar na avaliação. Pois o poder parental está instituído no interesse dos filhos, sendo desvirtuado quando exercido como instrumento enviesado de interesses dos pais.
Inexiste pois prova proibida.
Deste modo, inexiste também razão para eliminar os factos 46 a 55.
6. O progenitor suscita autónoma impugnação da matéria de facto.
Esta impugnação da decisão sobre a matéria de facto está regulada no art. 640º n.º1 do CPC, o qual, na parte aqui relevante, determina que o recorrente deve especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (art. 640º n.º1 al. a) do CPC);
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (art. 640º n.º1 al. b) do CPC);
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art. 640º n.º1 al. c) do CPC);
d) a estar em causa prova gravada, deve indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso (art. 640º n.º2 al. a) do CPC).
A verificação destes requisitos deve ser, como reiteradamente o STJ tem sublinhado, avaliada segundo um «um critério adequado à função e conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade», de molde a admitir a impugnação que, embora apresentando alguma desconformidade formal, ainda corresponda materialmente àqueles requisitos (ou seja, cumpra as funções que eles desempenham, definindo suficientemente o objecto e fundamento da impugnação e permitindo o exercício do contraditório). Por fim, apenas o primeiro dos aludidos pressupostos deve constar das conclusões, podendo os restantes constar apenas da alegação/motivação.
O incumprimento destas exigências implica a rejeição do recurso na parte viciada, e rejeição imediata, sem possibilidade de formular convite ao aperfeiçoamento.
7. O progenitor começa por impugnar a matéria descrita em 17 e 18 dos factos provados.
Indica os concretos pontos de facto em causa (nas alegações e nas conclusões). Embora de forma pouco linear, ainda indica os meios de prova relevantes. Não indica com rigor a decisão a proferir (v. conclusões 17 e 18 e alegações 21 e 22) mas pode admitir-se que pretenderia manter os factos 21 e 22 mas aditando-se que a conflituosidade era devida apenas à progenitora. Sucede que, cabendo-lhe indicar os meios de prova que impõem semelhante decisão, os meios de prova que indica são manifestamente incapazes de suportar aquela asserção: o relatório que se mostra reproduzido em 9 dos factos provados e o depoimento do progenitor na parte invocada também não o sustenta, como é patente a partir dos seus termos. Quanto à invocação dos factos descritos em 21 a 23, deles não decorre que as denúncias eram falsas (inventadas) mas apenas que o MP considerou insuficiente a sua prova em dois casos (e num terceiro o arquivamento até se deveu à atitude da progenitora, que não deduziu acusação particular).
Improcede assim esta impugnação.
8. Reporta-se depois a certo facto contrariar «o facto dado como provado que a mãe é mais cuidadosa» (art. 22 das conclusões e 26 das alegações). Não indica o concreto ponto de facto em causa nem existe qualquer facto provado com aquele conteúdo, o que implica a rejeição da impugnação. Embora, na verdade, os termos adoptados pelo progenitor sugiram que este não visa um concreto facto mas antes a valoração que a decisão recorrida fez dos factos, o que constitui realidade diversa.
9. Reportando-se genericamente aos pontos 56 a 60 dos factos provados, discute afinal apenas a menção inicial do facto 56, quanto ao ano em causa (conclusões 27 e 28 e pontos 35 e 36 das alegações). Sucede que não indica qualquer meio de prova, o que importa a rejeição do recurso nesta parte.
10. Impugna o facto 59, que indica nas alegações e conclusões (pontos 29 das conclusões e 37 das alegações), indicando ainda suficientemente o sentido da decisão (excluir a menção a que o progenitor nunca compareceu no consultório) e meio de prova relevante (depoimento), com indicação da passagem exacta. Indicou ainda documento que juntou ao recurso, mas este não foi admitido, não sendo por isso de considerar.
Começa por notar-se que a impugnação apenas abrange a parte inicial do facto 59, não estando impugnada a parte restante, pelo que tal matéria sobrante não pode ser reavaliada nesta sede (por falta de impugnação, não ocorrendo motivo que autorize intervenção oficiosa).
Quanto ao mérito da impugnação, o que deriva do depoimento da testemunha HH é que o progenitor esteve presente numa reunião (juntamente com a sua companheira), tendo sido agendada consulta com o progenitor e a menor, consulta que o progenitor desmarcou por entender que a menor não necessitava dela. Atendendo à motivação da decisão, verifica-se que foi este o depoimento que justificou a fixação do aspecto impugnado, não havendo meios de prova adicionais (as referências às declarações do pai e da sua companheira não se reportam à presença ou não do progenitor). Assim, não é inteiramente exacta a impugnação do progenitor, mas justifica-se adaptar a descrição factual para se ajustar ao depoimento, passando a ter os seguintes termos: 59. O progenitor compareceu no consultório da psicóloga para uma reunião com esta e, tendo sido marcada consulta com a presença do progenitor e da CC, aquele desmarcou-a, por considerar que a CC não precisa de qualquer acompanhamento nesta área, justificando que a CC é “mimada” (sic) e “a mãe não a consegue controlar, é problema dela” (sic).
11. Impugna por fim o facto 67, que identifica cabalmente nas alegações e nas conclusões (pontos 52 das alegações e 36 das conclusões), sendo ainda compreensível o sentido da alteração proposta (a menção a 4 meses que consta dos factos provados deveria reduzir-se a menos de 2 meses), sustentando-se em meio de prova concreto (as declarações do progenitor), com indicação exacta da passagem relevante. Também aqui a impugnação fica limitada ao aspecto referido.
A decisão sobre este aspecto de facto foi motivada, na sentença recorrida, com base nas declarações dos progenitores. Não se vislumbra outro meio de prova relevante. Aquelas declarações são díspares no aspecto em causa, tendo a progenitora afirmado que a vacina foi dada quase 4 meses depois (mas sem explicitação da forma como fixou este prazo), ao que se opôs o progenitor, afirmando que não teriam sido 4 meses, foi de Dezembro (mês em que a vacina deveria ser dada) até agora (as declarações foram colhidas em Fevereiro). Mostrando-se ambos os depoimentos empenhados e emotivos, não se vê razão para favorecer as declarações da progenitora (que não explicitou o prazo em causa), podendo fixar-se como duração mínima atendível o que deriva das declarações do progenitor.
O facto em causa deverá passar a ter os seguintes termos: 67. A vacina prevista pelo plano nacional de vacinas dos 5 anos de idade não foi prontamente dada no prazo previsto, contrariando a vontade da mãe, porque o pai informou o Centro de Saúde que só a podiam dar com o seu consentimento e a vacina foi dada cerca de 2 meses depois da data prevista.
Eliminou-se o advérbio «apenas» por veicular um juízo valorativo impróprio nesta sede.
12. Em vários momentos o progenitor discute meios de prova mas relacionando-os com a motivação da decisão de facto ou até com o mérito da decisão jurídica, ou pelo menos sem os relacionar com concretos factos impugnados, pelo que são tais considerações irrelevantes nesta sede.
13. Assim, tendo em conta os factos que forma tidos por provados na sentença recorrida, com as especificações agora aditadas, são os seguintes o factos relevantes:
1. Requerente e requerida, naturais da País 1, foram casados entre si, vindo a divorciar-se na data de 04.03.2020, tendo o processo de divórcio corrido termos sob o nº 182/20...., neste J3.
2. No decurso do casamento nasceu, no dia ../../2018, a criança CC, filha do requerente e requerida.
3. Na sequência da separação, foi instaurado o processo para regular as responsabilidades parentais e, no âmbito deste, teve lugar a conferência de pais, na data de 04.03.2020, na qual a progenitora declarou que:
“quando se separaram, combinaram a residência partilhada da menor, mas o progenitor não pratica, até agora a menor só ficou alguns dias no mês de Fevereiro com o progenitor. Na semana passada necessitou de ir à urgência do hospital com a criança e depois para a farmácia e o pai foi um ausente. Ela é que assume todas as despesas da menor. Trabalha, aufere de vencimento o valor de 700,00€.
4. Por sua vez, o progenitor fez saber que:
“a separação é recente, ainda se encontra instável. Trabalha como segurança privado para a empresa "EMP01..." Tem três horários de trabalho, com duas folgas por semana, rotativas. Tem quatro noites seguidas mas não são fixas. Aufere cerca de 780,00€ de vencimento. A progenitora diz que assume todas as despesas da menor, mas não é bem assim, pois ele paga metade do infantário da criança”.
5. Foi, então, fixado um regime provisório, nos termos do qual a CC ficou entregue aos cuidados da mãe e com ela residente, cabendo a esta o exercício das responsabilidades parentais no que concerne as questões relativas à gestão do seu quotidiano, sendo as questões de particular importância exercidas em comum por ambos os progenitores.
6. Quanto a convívios e visitas, ficou previsto que o pai pode estar e visitar a menor, sem prejuízo das horas de descanso, combinando com a progenitora com antecedência razoável e mais, ficou previsto que:
a. CC passava com o progenitor as folgas do trabalho deste, informando previamente a mãe, sendo que o local de entrega e recolha na casa da progenitora (ou local a combinar);
b. No dia de aniversário da menor, no dia de aniversário do pai, no dia do pai e no dia da criança, a menor tomará uma refeição com o progenitor, sucedendo o mesmo para a mãe nos dias correspondentes;
c. A menor passará as férias escolares do Natal/Ano Novo e Páscoa em semanas alternadas com cada progenitor, indo o pai buscá-la e levá-la à casa da mãe (ou local a combinar);
d. A menor passará um mês das férias escolares do verão com o pai, a combinar entre ambos com antecedência razoável;
7. Mais ficou o pai obrigado a pagar a título de alimentos a quantia de 125,00€ (cento e vinte cinco euros), a depositar na conta bancária da mãe, até ao dia 08 de cada mês, sendo tal quantia atualizada anualmente em Janeiro à taxa de 2%, com início em 2021;
8. Ficou, ainda, obrigado a pagar metade das despesas do infantário/creche, escolares, extracurriculares (estas, desde que sejam acordadas entre ambos), médicas e medicamentosas, devidamente comprovadas, devendo a mãe enviar ao pai, no prazo de um mês, os comprovativos da efetivação das ditas despesas e devendo o pai proceder ao seu pagamento juntamente com a prestação de alimentos do mês seguinte à sua comunicação.
9. Foram remetidos para Audição Técnica Especializada e, no decurso desta a técnica realizou entrevistas e contactos com os progenitores, tendo informado que:
“A progenitora, em meados de junho propôs à técnica (…) que alargasse o tempo da ATE com o intuito de os pais experimentarem pôr em prática uma residência alternada. Depois de 2 semanas tentámos contactar com a progenitora, nos mais variados horários, e nunca foi possível, tendo ficado a sensação de que a progenitora estava a evitar fazer o balanço das semanas em que a CC esteve em residência alternada;
Desde março que foram mantidos contactos telefónicos com os progenitores e foi possível apurar que enquanto durou o estado de emergência a progenitora ficou a prestar assistência à CC, cumprindo com o confinamento, sendo o progenitor que assegurava a aquisição de todos os bens necessários a ambas (mãe e CC). Posteriormente, após a saída do diploma que orientou o regresso à Creche, a progenitora voltou ao exercício da atividade laboral e o progenitor assegurou os cuidados à menor, por forma a que o regresso da CC à creche fosse feito com a máxima segurança. Desde o fim do confinamento obrigatório que a progenitora e o progenitor alternaram entre si a prestação dos cuidados à menor, sem qualquer intercorrência, contudo no dia 8 de julho, na hora de ir buscar a CC ao pai, a progenitora chamou a policia e apresentou queixa deste referindo que o mesmo não lhe queria entregar a CC. O progenitor refere que informou a progenitora de que a CC estava a terminar a refeição e que ainda demorava um pouco e que ficou extremamente surpreso quando viu a policia à sua porta;
Ao longo da "experienciação" da residência alternada o progenitor demonstrou capacidade de se organizar e assegurar as rotinas da CC;
A progenitora referiu que era sua intenção manter a residência junto de si permitindo ao progenitor estar com a menor sempre que este o pretendesse, apresentando como suporte da sua pretensão o facto de o progenitor trabalhar por turnos. O progenitor refere que só tem 4 noites por mês em que não pode ficar com a CC;
A progenitora afirma que o progenitor é completamente capaz de prestar todos os cuidados à CC.”
10. Quanto às competências parentais, a técnica refere que “Ambos os progenitores revelam capacidade de reconhecer a importância e papel parental que cada um deles assume perante a menor, contudo não houve capacidade de separarem as questões inerentes ao casal matrimonial das questões relativas ao casal parental.
A progenitora está demasiadamente focada nas partilhas dos bens e no conflito enquanto casal.”, todavia, “Os progenitores revelam boas competências no exercício da sua parentalidade.”
11. Entretanto, os progenitores lograram chegar a acordo relativamente ao exercício das responsabilidades parentais, o qual foi homologado por sentença de 16.11.2020, nos termos do qual a CC ficou a menor a residir com a mãe e com o pai, num regime de semanas alternadas com cada um, cabendo a ambos o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos correntes da vida da menor na respetiva semana, sendo as questões de particular importância exercidas por ambos os progenitores.
12. Mais ficou estipulado que:
a. Na semana em que a menor confiada com a progenitora passará as folgas com a progenitor, e vice-versa;
b. Na semana que a menor estiver confiada ao progenitor, este entregará diariamente a menor na residência da progenitora pelas 07h30, e por sua vez a progenitora provirá o pequeno-almoço e a entrega da menor no infantário pelas 9h45:
c. Independentemente com quem a menor esteja confiada, o progenitor irá buscar a menor ao infantário até às 16h30, e provirá o respetivo jantar, e por sua vez, a progenitora irá buscá-la à residência do progenitor pelas 19h20 na semana em que tiver a menor confiada;
13. Mais ficou previsto que os progenitores obrigam-se reciprocamente a informar ao outro as alterações de horários e folgas, com uma antecipação de 48 horas na semana da mãe passava as folgas com o pai e na semana que estivesse com o pai, seria entregue, diariamente, à mãe pelas 07h30;
14. Ficou, ainda, estipulado um regime de convívios e contactos nos seguintes termos:
a. Nos períodos não correspondentes a cada progenitor, cada um deles pode visitar ou contactar telefonicamente a menor, salvaguardando os períodos de descanso desta, os seus horários escolares, as suas atividades próprias e sempre após acordo com o outro progenitor.
b. Os progenitores deverão informar-se reciprocamente sobre todos os aspetos relacionados com a educação e condições de vida da menor.
c. A menor passará a noite de Consoada e o Dia de Natal com cada progenitor alternadamente, assim como passará a noite de Passagem de Ano e o Dia de Ano Novo com cada progenitor alternadamente. Passará o 'Domingo de Páscoa' alternadamente com cada progenitor.
d. Nas férias escolares de verão, a menor passará um período alternado de 15 dias com cada progenitor, a acordar entre ambos até final do mês de março de cada ano.
e. Quando a menor estiver de férias com um progenitor, este indicará o local onde se encontra e fornecerá um contacto efetivo que permita ao outro contactar com a menor.
f. A menor passará o dia de aniversario do pai e o dia de aniversário da mãe, e o «dia do pai» e o «dia da mãe», com o respetivo progenitor, sem prejuízo das atividades escolares e períodos de descanso.
g. No dia do seu aniversário, a menor fará uma refeição (considerando-se por um lado o almoço ou lanche e por outro lado o jantar) com cada progenitor alternando em cada ano essa refeição, sempre sem prejuízo das atividades escolares e períodos de descanso.
15. Quanto a alimentos e despesas, ficou determinado que:
a. os progenitores suportarão, em igual medida, as despesas referentes à menor, nomeadamente, despesas de saúde e medicamentosas (na parte não comparticipada por SNS, seguro ou sistema de saúde), em despesas com livros e material escolar e atividades extracurriculares, creche elou estabelecimentos de ensino.
b. O abono de família e outros benefícios sociais serão depositados na conta bancária da titularidade da menor, com o IBAN ...05, e só poderá ser movimentada com a assinatura de ambos os progenitores.
c. O progenitor obriga-se a depositar mensalmente o reembolso da comparticipação do infantário efetuado pela entidade patronal deste, na conta bancária indicada no ponto antecedente.
16. Por fim, ficou estabelecido que a menor só poderá viajar com cada um dos pais para o estrangeiro com a autorização escrita do progenitor com quem não esteja.
17. Todavia, desde a separação dos progenitores e até ao presente, o relacionamento entre ambos não tem sido pacifico, antes marcado por acentuado e permanente conflito, com recurso às vias judiciais ou autoridade policial, pois nunca conseguiram manter entre si um diálogo cooperante, mantendo uma relação marcadamente beligerante.
18. Os progenitores comunicam essencialmente via SMS ou email e não conseguem chegar a qualquer entendimento relativamente aos convívios da criança com o progenitor com quem não está durante a semana, ou por causa do receio da progenitora que o progenitor viaje com a criança para a País 1, assim como não chegam a acordo relativamente às questões de saúde, educação e rotinas da criança (v.g. viagens, informações escolares e de saúde / médicas, consultas médicas, acompanhamento psicológico, frequência do infantário, etc), o que originou uma série de incidentes e desentendimentos, com troca de acusações mútuas entre ambos.
19. A favor da criança correu termos na CPCJ Local 1 um processo, no âmbito do qual o progenitor não prestou o seu consentimento para a intervenção e acompanhamento por parte da Comissão, tendo o processo sido remetido para os serviços do Ministério Público.
20. A relação entre os progenitores foi, e continua a ser, pautada pelo conflito, tendo corrido contra o progenitor o processo-crime nº 729/20...., o qual teve origem “com a Denúncia elaborada pela PSP Local 1 (…) no âmbito da qual se dá conta que, no dia 8.07.2020, pelas 7:30h, na sua residência sita na urbanização, Rua 1, Andar..., Local 1, AA, na sequência de uma discussão com a sua esposa BB, ameaçou-a de morte, apodando-a de “vaca”, “puta”, tendo ainda empurrado a mesma”.
21. Todavia, o Ministério Público, na data de 23.09.2020, veio a proferir despacho de arquivamento por não se mostrar suficientemente indiciada a prática do crime de violência doméstica pº e pº pelo arts 152.º, nº 1, alínea a) e nº 2 alínea a) do Código Penal do Código Penal que era imputado ao progenitor e, em consequência, foi determinado o arquivamento dos autos por “carência de indícios”.
22. Contra o aqui requerente correu, ainda, termos o processo-crime nº 459/22...., onde se investigava a prática de crime de subtração de menor, p. e p. pelo art. 249º, nº 1, al. c) CP, tendo o Ministério Público na data de 31.05.2022 proferido despacho de arquivamento “perante a ausência de elementos indiciários”.
23. Também correu termos contra o progenitor o processo-crime nº 782/22...., onde se investigava a prática de crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º CP, tendo o Ministério Público na data de 07.09.2023 proferido despacho de arquivamento em virtude de a ofendida / progenitora não ter deduzido acusação particular, carecendo o Ministério Público de legitimidade para o exercício da ação penal.
24. Nos presentes autos, e apenso D, teve lugar a conferência de pais na data de 29.03.2022, na qual a progenitora declarou que “pretende que o regime seja alterado, de forma a que a residência do menor se fixe permanentemente junto a si. Consubstancia a sua pretensão com o facto de o regime vigente não acautelar e salvaguardar os interesses da menor. O progenitor recusa-se a articular consigo os horários e demais questões (…) – não atende o telemóvel, impõe horários, bem assim, desde dezembro que assumiu um acordo unilateral, regendo-se pelo mesmo. No que concerne ao pedido do progenitor – introdução de uma cláusula que preveja a possibilidade de o mesmo se ausentar para a País 2 com a filha – não percebo qual o fundamento desta pretensão, uma vez que não existe qualquer familiar deste na País 2, por isso não concorda com o que é pedido. Labora na empresa “cor português”, no centro de Local 1. Reside sozinha. Consigna ter outro filho em comum com o progenitor, de 20 anos de idade, o qual se encontra a estudar na universidade Local 2. Desde 2019, aquando da ida do filho para esta região, não houve por parte do progenitor qualquer contribuição financeira. No que diz respeito ao processo-crime de violência doméstica, desconhece o andamento do mesmo”.
25. Pelo progenitor foi dito que “intentou a acção com vista à possibilidade de viajar para a País 1, deve tratar-se de lapso, pois é natural da País 1. Labora como vigilante, no EMP01..., em Local 1. Reside sozinho. Quanto ao declarado pela progenitora, consigna que, apenas não comunica com a mesma, por perspectivar problemas com a justiça se tal ocorrer, uma vez que foi acusado de rapto; de violência doméstica, sem qualquer fundamento, por parte da progenitora. Ou seja, evita e tenta o máximo possível o afastamento da progenitora (…).Quanto aos processos-crime, tem provas da sua inocência.”
26. Foi, então, decidido que, em face do “intenso conflito existente entre os progenitores, e receando o escalar e o exacerbar desse conflito (…) suscetível de lesar o bem-estar e equilíbrio emocional da criança e, decorrendo dos autos principais (RRP) que ambos foram acompanhados em sede de audição técnica especializada, e que do acompanhamento realizado, a técnica procedeu a uma avaliação positiva a ambos os progenitores, nomeadamente nas competências parentais para ter a criança a seu cargo e, considerando as declarações (…) prestadas, resulta que ambos estão a exercer actividade profissional e possuem habitação própria, bem assim o facto de que, para além do intenso conflito latente entre ambos, por ora, não tendo sido identificados, nomeadamente da parte do pai, indicativos que o mesmo seja inadequado ou incapaz de prestar à criança os devidos cuidados” o tribunal decidiu manter o regime fixado nos autos principais, alterando, todavia, provisoriamente, a cláusula relativa à residência, nos seguintes moldes:
- as cláusulas 3.1; 3.2; 3.3 e 3.4 foram eliminadas;
- No restante, manteve-se o regime vigente.
27. E, não tendo os progenitores chegado a acordo foram remetidos para audição técnica especializada (ATE).
28. Finda a ATE, a técnica informa que “ambos os pais assumiram uma atitude de respeito e disponibilidade para sanar as divergências que levaram a esta situação. Da informação recolhida junto das técnicas que acompanham a CC, foi possível aferir que a criança se encontra bem, com um desenvolvimento físico e emocional adequado, sendo caracterizada como uma criança extrovertida e bem-disposta.”
29. Mais esclarece a técnica que “Os pais revelam capacidade de reconhecer a importância e papel parental que cada um deles assume perante a filha demonstrando disponibilidade para irem aceitando as diferenças inerentes a cada um deles e adequando comportamentos. Revelam boas competências no exercício da sua parentalidade”.
30. Mais apurou que “A mãe mostrou-se bastante disponível para manter a comunicação e sanar todas as questões que forem surgindo, tendo em conta o bem estar e o desenvolvimento harmonioso da filha, já o pai demonstrou alguma renitência em manter comunicação com a mãe, referindo ter receio que as conversas ultrapassem o patamar da relação parentalidade, contudo acordaram em fazer um esforço para que a comunicação tenha lugar e viabilize tomadas de decisões imprescindiveis ao bem-estar da CC”.
31. Pese embora os progenitores terem alcançado um acordo em sede de ATE, este acabou por não se concretizar, pois o progenitor acabou por manter a vontade em viajar até à País 1, o que não mereceu a concordância da progenitora, entre outros aspetos em relação aos quais não conseguem chegar a acordo, nomeadamente, convívios da progenitora com a menor na semana que esta está aos cuidados do pai.
32. A CC frequenta o Lar da Criança, em Local 1, e costuma ser pontual, embora se registem assiduidade através dos documentos da escola e como tal, registaram-se algumas ausências, como a participação no desfile de Carnaval, a visita de estudo à Quinta 1, a atividade com a participação da mãe no âmbito da comemoração do dia da mãe, no mês de março de 2023 também esteve ausente na semana de 13 a 16 de março e de 27 a 30 março.
33. A CC vai sempre acompanhada pela mãe ou então pelo pai e, algumas vezes, pela companheira do pai – GG.
34. Os progenitores demonstram interesse pelo desenvolvimento e bem-estar da CC.
35. Quando os progenitores são convocados quem está presente costuma ser mãe.
36. O comportamento da CC dentro da sala, é um comportamento normal para a sua faixa etária, revelando interesse pelas atividades, principalmente atividades relacionadas com desenho e pintura.
37. Nos recreios também costuma interagir com os pares, mas tem momentos em que se revela distante, principalmente após alguns dias de ausência.
38. A CC mantém um bom relacionamento tanto com os adultos da sala como com os seus pares, costuma brincar com aqueles que tem mais afinidade.
39. A CC é uma criança tranquila, meiga, calma, revela momentos em que se distrai com facilidade, os quais o adulto a chama a atenção.
40. Não existe nenhum sinal indicador de que a criança tenha problemas familiares, com algum dos progenitores.
41. Quando muda de residência não existe nenhuma diferença ao nível da higiene e do vestuário, apenas quando se ausenta por alguns dias, tem mais dificuldade em interagir com os pares, revelando tendência para se afastar.
42. Relativamente aos cuidados pessoais e vestuário, a CC demonstra sempre uma boa higiene e roupas adequadas à sua idade e estação do ano.
43. A CC continua a ter um bom desenvolvimento global.
44. Na sala de atividades, a CC tem estado na maior parte do seu tempo na área da expressão artística, gosta muito de desenhar, as suas produções têm uma apresentação muito cuidada e um traço definido; verificou-se uma evolução ao nível da utilização da tesoura demonstrando uma maior agilidade e destreza ao recortar.
45. Em grande grupo, a CC tem momentos de distração com os pares, em que o adulto tem de chamar a sua atenção.
46. Em Março de 2022, a CC começou a ser seguida em consultas de psicologia, com a psicóloga DD, por iniciativa da progenitora que manifestou preocupação com o facto de a CC “apresentar um retrocesso na desfralde (controlo dos esfíncteres) e alteração de comportamento quando existe a transição da responsabilidade parental” - sic.
47. A CC apresentou-se nas consultas de forma cuidada e bem-disposta.
48. Foi criada uma ligação terapêutica fundamental para as sessões e a criança mostrou-se participativa, bastante expressiva e explicita no discurso.
49. Ao longo das sessões foram abordados temas como a família, as emoções, a alimentação e as rotinas diárias; todas as atividades realizadas foram adaptadas à idade da criança assim como o tipo de linguagem e conceitos, tendo sido utilizada a abordagem a nível da ludoterapia, cuja teoria se centra no brincar que “é um recurso importante no desenvolvimento infantil, pois a capacidade linguística é prematura nesta fase da vida e com o auxílio deste recurso terapêutico aprende a comunicar de maneira mais efetiva consigo e com os outros, conseguindo expressar-se”. sic
50. No que se refere à família, a psicóloga refere que “a CC desenhou através de garatujas os membros significativos para a mesma, na seguinte ordem: mãe, a própria, o irmão e o pai. Estes foram os elementos que a mesma considera
de elevada importância emocional, sendo utilizadas como figuras de referência” - sic.
51. No que se refere às emoções a psicóloga adianta que “a CC consegue identificar as expressões faciais associadas às emoções básicas (alegria, tristeza, medo, raiva). Esta simbologia foi trabalhada através de desenhos faciais,
de bonecos com expressões faciais, de faz-de-conta e de questões abertas. De um modo geral, a CC associa a si mesma a expressão de alegria/feliz, no que se refere ao pai relata emoções de tristeza, raiva e medo, sendo a tristeza e raiva demonstradas pelo o pai, e o medo sentido da criança com o pai, mais especificamente "quando o pai se zanga,
tenho medo e escondo para não bater". Relativamente à mãe revela alegria e tristeza/choro demonstradas pela mãe.” - sic
52. Apesar destas emoções associadas “a CC relata amor por ambos os progenitores, embora associe os comportamentos de proteção e afetivos como carinhos, beijinhos, abraços, à mãe”. sic
53. Quando se refere à temática da alimentação, a psicóloga constatou que “a mesma direciona os alimentos ditos saudáveis para a lista da mãe. Foram colocados 2 bonecos (um feminino e outro masculino) representativos da mãe e do pai e vários tipos de produtos alimentares (legumes, frutas, hambúrguer, batatas, bolachas, chocolates, azeite, pão, frango, peixe, etc.), foi pedido que escolhesse e colocasse a lista de produtos na zona da mãe e do pai, de um modo geral os alimentos considerados saudáveis como frutas, legumes, frango, azeite, pão, leite, etc na mãe, tendo colocado as bolachas, hambúrguer, batatas, manteiga, sumo, etc ao pai”. sic
54. Relativamente às rotinas diárias, quando questionada pela psicóloga sobre o sono “refere que na casa do pai dorme sozinha e que na mãe dorme acompanhada pela progenitora, nas refeições não come sozinha. Quando questionada qual a casa que gosta mais refere a da progenitora, pois gosta de passear com a mãe e porque o pai deita os brinquedos para o lixo”. sic
55. A psicóloga considera que “Apesar da tenra idade da CC, é notório a noção que a mesma tem na diferença comportamental dos progenitores. A CC revela dificuldade na tarefa de arrumação após a realização das atividades, sendo normal nesta faixa etária, relativamente ao retrocesso do desfralde e atendendo ao enquadramento da mesma é considerado normal, contudo ressalva-se que é necessário que seja observado continuamente pois se for constante e caso aconteça até determinada idade deverá ser analisado, podendo revelar alguma imaturidade física ou emocional.
Analisando todo o conteúdo acima referido é percetível as diferenças entre os progenitores, não considerando nem certo nem errado as suas escolhas nas suas regras/rotinas realizadas ou para com a menina, contudo devem ser analisadas, atuando de forma consciente na elaboração de planos e acordos de forma a que as diferenças entre ambos sejam pouco notórias, pois o objetivo que interessa nas duas situações é o supra-interesse e bem-estar da criança, assim quanto mais coerentes e concisos forem todos os comportamentos, menor a confusão emocional e comportamental da CC, dando-lhe equilíbrio e estabilidade fundamentais para um bom desenvolvimento.” sic
56. A partir de outubro de 2022, a CC começou a ser seguida pela psicóloga HH e, no decurso do acompanhamento a psicóloga considera que a CC do ponto de vista cognitivo tem boa capacidade de compreensão e de raciocínio, mas tem dificuldades ao nível expressivo, revelando dificuldades em reter a informação, considerando importante o seu acompanhamento em terapia da fala.
57. Ao longo do acompanhamento, foi percetível para a psicóloga que o conflito entre os progenitores afeta a CC, a qual revela comportamentos de agressividade e de oposição, tenta desafiar e desobedecer.
58. A psicóloga, da observação que fez, concluiu, ainda, que a CC é uma criança que manifesta traços de ansiedade, é impulsiva, com dificuldades em reagir à frustração, fazendo birras quando contrariada. 59. O progenitor compareceu no consultório da psicóloga para uma reunião com esta e, tendo sido marcada consulta com a presença do progenitor e da CC, aquele desmarcou-a, por considerar que a CC não precisa de qualquer acompanhamento nesta área, justificando que a CC é “mimada” (sic) e “a mãe não a consegue controlar, é problema dela” (sic).
60. A CC apenas vai às consultas de psicologia nas semanas em que está com a mãe, porque o pai não concorda que a filha frequente tais consultas, por as considerar desnecessárias, enquanto que a mãe as considera necessárias.
61. A CC tem dois pares de óculos, uns adquiridos pela mãe e outros pelo pai, justificando este que “quer limitar os contactos” com a requerida, e são “da sua responsabilidade”.
62. A CC na semana que está aos cuidados do pai não vai todos os dias ao Colégio, ficando em casa, na companhia da companheira do requerente, o que é contrário à vontade da mãe.
63. Em consequência, a CC faltou a algumas atividades do Colégio, como sucedeu com a ida à quinta pedagógica, ao Nome 1, assim como não participou, este ano, no evento do “Dia dos Afetos” e o ano passado não participou na festa do carnaval.
64. A CC quando se apercebe das atividades realizadas pelas outras crianças na sua ausência ressente-se e fica triste.
65. A continuidade e a participação da CC nos eventos e a frequência regular e assídua no colégio são importantes para o seu processo de crescimento, a fim de adquirir regras e rotinas para a preparar para a transição para o 1º ciclo, adquirindo alguma autonomia.
66. Nesta idade, a frequência no colégio e a relação com outras crianças ajudam no processo de socialização, que é fundamental no crescimento da criança. 67. A vacina prevista pelo plano nacional de vacinas dos 5 anos de idade não foi prontamente dada no prazo previsto, contrariando a vontade da mãe, porque o pai informou o Centro de Saúde que só a podiam dar com o seu consentimento e a vacina foi dada cerca de 2 meses depois da data prevista.
68. Numa ocasião em que a menor esteve doente, foi-lhe receitado um medicamento que a mãe deixou na escola, para que o pai pudesse continuar com o tratamento em casa, todavia, o progenitor não o deu à filha, por considerar que ela ficou “com diarreia, não é preciso ser médico para saber que o tratamento fez mal”
69. Nas semanas em que CC está aos cuidados do pai, a mãe vai à escola para a ver, por volta das 14h00.
70. A CC manifesta alegria e contentamento com a presença da mãe e, depois de esta ir embora, retoma a rotina escolar, sem demonstrar qualquer constrangimento ou perturbação no comportamento.
71. O pai vai buscar a CC por volta das 17h00 e quando está aos cuidados da mãe, esta vai buscar a CC por volta das 19h15.
72. O progenitor vive em casa própria, que adquiriu com recurso a empréstimo bancário, estando a pagar ao banco a prestação mensal de 350 €.
73. Vive com a companheira, a qual trabalha na área da medicina alternativa, auferindo o salário de 1000,00 € mensais.
74. Do agregado familiar faz ainda parte a filha da companheira, a qual tem 12 anos de idade.
75. O progenitor é vigilante, exercendo a sua atividade no supermercado EMP01..., com horário das 08h30 às 16h30, com folgas aos fins-de-semana.
76. Aufere o salário de 1.000,00 € mensais.
77. Do agregado familiar da progenitora apenas faz parte a CC, nas semanas que lhe correspondem.
78. Trabalha como vendedora, numa loja, em Local 1.
79. Além da CC, requerente e requerida têm mais um filho em comum, de 22 anos de idade, o qual está a estudar País 1, na universidade Local 2.
80. No aniversário da CC esta foi com o pai, a sua companheira e a filha desta ao Zoo Local 3.
81. A CC manifesta sentimentos de carinho e afeto por ambos os progenitores.
82. Ambos os progenitores amam a filha.
83. O progenitor recusa manter qualquer contacto ou proximidade com a requerida.
E foram considerados não provados os seguintes factos:
- a CC é prejudicada pelo comportamento da mãe quando esta se desloca à escola, desestabilizando a menor;
- a mãe tem comportamento desadequado, questionando a CC sobre as vivências em casa do pai, acerca da madrasta induzindo na criança a ideia de estar melhor com a mãe e mal com o pai;
- a CC quando se encontra com a mãe nas semanas que cabem ao pai altera sempre o seu comportamento para pior;
- a menor torna-se desobediente não fazendo as tarefas mínimas a que está habituada, como sejam, deitar cedo, lavar os dentes ou as mãos antes das refeições, entre outras, como forma de “afrontar” e contrariar o pai.
Também não se provou que o progenitor não presta os cuidados de higiene à filha ou que não lhe dá as refeições a horas e “salta” refeições; que o progenitor revele “elevada instabilidade emocional” e que use de violência psicológica com a progenitora na presença da menor e que se reflita no comportamento da CC.
14. A avaliação de mérito a efectuar tem que assentar exclusivamente nos factos provados, não sendo, neste momento, lícito o apelo a meios de prova para discutir aquele mérito (como o progenitor faz em vários momentos do seu recurso, e ainda ocorreu na sentença recorrida, quando invocou um parecer da psicóloga sobre a necessidade de acompanhamento da menor que não consta dos factos provados, mormente nos pontos 56 a 60 para que a sentença, neste ponto, remete - fls. 26 da sentença).
15. A questão de fundo a apreciar, do ponto de vista do recurso do progenitor, corresponde à fixação da residência da menor, pretendendo o progenitor que se mantenha o regime de residência alternada que estava em vigor. Ou seja, importa saber com quem é que CC vai continuar a viver [11] - o que poderá reflexos importantes na forma como se atribui o exercício das responsabilidades parentais (dada a correlação existente entre estes dois aspectos). Não discutindo outros aspectos da regulação fixada, só serão considerados na medida em que seja alterado o decidido quanto à residência da CC em termos que se reflictam nos demais termos da regulação fixada.
16. Quanto à avaliação a realizar, as coordenadas determinantes são as seguintes:
- por ser menor, a CC está sujeita às responsabilidades parentais (art. 124º e 1877º do CC).
- as responsabilidades parentais integram um conjunto de poderes-deveres funcionalizados por referência ao interesse do menor, visando a promoção do seu saudável desenvolvimento nos vários aspectos da sua vivência pessoal e social, com reconhecimento, salvaguarda e promoção dos seus direitos (v. art. 1874º n.º1 e 1878º n.º1 do CC). O interesse do menor constitui sempre o critério essencial (art. 4º al. a) da Lei 147/99 - LPCJP - , ex vi do art. 4º n.º1 do RGPTC).
- estas responsabilidades parentais são atribuídas aos pais do menor, seus titulares (citado art. 1878º n.º1 e 1882º do CC).
- com a separação dos progenitores, torna-se necessária a fixação do seu modo de exercício. O regime civil permite um exercício conjunto, autónomo ou misto, em função também da distinção entre as questões de particular importância e os actos da vida corrente do filho (art. 1906º n.º1 a 3 do CC).
- quanto à residência, elemento determinante do modo de vida do menor por também determinar a forma de convivência com os progenitores, o regime civil parece partir da residência da criança com um dos progenitores, cabendo ao outro direitos de visita, como solução inicial (art. 1906º n.º5 do CC). Porém, em função do interesse da criança, sempre critério determinante, pode o tribunal determinar a residência alternada (mesmo sem acordo dos progenitores) - art. 1906º n.º6 do CC. Atendendo aos termos neutros da literalidade da lei (que expressamente não contém nenhuma hierarquização), e como esta solução está apenas subordinada ao interesse da criança, ela não se mostra numa relação de subordinação ou excepção face ao regime da residência única (pois também esta é determinada apenas em função do interesse da criança), pelo que inexiste, a final, um regime regra.
17. Como deriva da singela indicação dos momentos essenciais do regime, o interesse da criança (de novo sublinhado no art. 1906º n.º8 do CC) constitui sempre o critério primário e preponderante. Como princípio regulativo indeterminado, não dispensa um seu preenchimento valorativo que lhe confira carácter operativo concreto, capaz de sustentar decisões a ele vinculadas. preenchimento no qual se pode apelar a várias circunstâncias. Assim, por referência legal (ainda que indirecta), cabe atender:
. à manutenção ou promoção de relação de grande proximidade com os progenitores (art. 1906º n.º8 do CC). Trata-se de expressão também da essencialidade da coparentalidade, em termos afectivos e efectivos, no desenvolvimento da criança.
. à manutenção ou promoção de relação de grande proximidade com irmãos e ascendentes (com refracção no art. 1888º-A do CC).
Estes factores constituem, ambos, concretizações do princípio da continuidade das relações psicológicas profundas (art. 4º al. g) da LPCJP, ex vi do art. 4º n.º1 do RGPTC).
Em termos mais gerais, inexiste um quadro definido de factores a atender, sendo os critérios de avaliação multiplicáveis por inúmeras circunstâncias relevantes, com significado e expressão variável entre si e em função das circunstâncias do caso. Assim, por exemplo, invocam-se, e distinguindo entre factores relativos à criança a e aos pais, a «idade e o grau de desenvolvimento, físico, psíquico e cultural da criança; as relações da criança com parentes que sejam relevantes para ela; as suas necessidades físicas, intelectuais e materiais; a adaptação da criança ao ambiente extra familiar de origem; os efeitos de uma eventual mudança causados por uma ruptura com este ambiente; os sentimentos e a vontade da criança; relativamente aos pais, são atendíveis, também além de muitos outros, a sua saúde, física e mental, a afeição de cada um deles pela criança, a sua capacidade para satisfazer as suas necessidades, o seu envolvimento e o tempo disponível para cuidar do filho, a competência prática de cada um deles para desempenhar as responsabilidades parentais, a estabilidade do ambiente que cada um deles pode proporcionar à criança, a sua aptidão para respeitar os direitos e os deveres do outro e a relação da criança com os novos cônjuges ou companheiros dos progenitores» [Juiz Conselheiro Henrique Antunes].
O critério do cuidador principal, ainda amplamente sustentado, assente na primazia do progenitor que detinha uma maior proximidade assistencial com o filho, tende a ser relativizado (desde logo, e para além de ser redutivo, por impor uma escolha que desvaloriza e subalterniza o papel do outro progenitor e tendencialmente diminui a sua relação com o menor). Em superação, fala-se na regra da aproximação ou do cuidado anterior, segundo a qual a guarda física do filho devia continuar a prática do casal anterior à ruptura parental [12]. Independentemente do relevo de cada uma destas aproximações (que funcionam, sobretudo, como critérios de escolha no caso de residência única, sendo que o primeiro funciona em tendencial oposição a uma residência alternada), não deve ter-se nenhuma por decisiva, constituindo apenas elementos a atender numa ponderação valorativa ampla, onde intervêm de forma concomitante com outros factores ou elementos valorativos, e sem estarem dotados de uma prevalência pré ou abstractamente atribuída.
A intervenção deve pautar-se ainda pela proporcionalidade e actualidade (com intervenção actual e apenas no que se revelar necessário) e pela responsabilidade parental (visando a assunção, pelos pais, dos seus deveres para com a criança) (art. 4º al. e) da LPCJP, ex vi do art. 4º n.º1 do RGPTC).
Todas estas considerações ficam, porém, subordinadas ao único critério essencial, o interesse da criança, sendo dele instrumentais e por isso a ele subordinadas.
18. Atendendo à situação vertente, considera-se que a avaliação realizada pela sentença recorrida se mostra ajustada.
A avaliação a realizar parte da existência, durante período prolongado, de uma partilha da residência da menor. Não se trata, pois, de aferir da implementação da residência partilhada, mas de avaliar o sentido e efeitos da partilha da residência já implementada.
Deste ponto de vista, verifica-se que o desenvolvimento da menor se mostra, em termos gerais, ajustado, tendo aquela sentimentos afectivos relevantes por ambos os progenitores, e tendo estes capacidades parentais reconhecidas (factos 28, 29, 34, 36 e ss., ou 52). Estes pontos são favoráveis à manutenção da situação.
Porém, a partilha da residência implica uma partilha das condições de vida da CC que implica, de um lado, uma tendencial compreensão unitária da forma como a vida da menor deve ser estruturada (de um projecto de vida comum, na formulação da decisão recorrida), por tal se revelar essencial a um desenvolvimento harmonioso (radicado num princípio de estabilidade do filho). De outro lado, pressupõe que exista alguma vontade e capacidade de entendimento e diálogo entre os progenitores, pois a «partilha» da menor implica uma constante partilha de decisões e opções, só possível com base numa plataforma mínima de entendimento. Não se pretende que o conflito, ou qualquer conflito, entre progenitores seja objecção essencial à residência partilhada, mas apenas que eventual conflito não pode ser um elemento perturbador do interesse da menor (e só se o for deverá funcionar como critério de avaliação).
Ora, o que se verifica é que:
- existe uma situação de conflito permanente e bastante relevante. Os factos não revelam que tal situação seja devida exclusiva ou preponderantemente a um dos progenitores (não havendo assim indício de manipulação da situação com vista à inviabilização da residência alternada), relevando apenas a constatação objectiva da sua existência.
- este conflito não é indiferente para a CC, antes se projectando nela por três vias.
. de um lado, provocando efeitos pessoais, alteradores do seu equilíbrio psico-emotivo e do seu comportamento (facto 57), parecendo estar a CC a replicar aspectos conflituais. Naturalmente, o conflito é mais exacerbado e visível para a CC em virtude da residência alternada, por envolver necessidade de maiores contactos entre os progenitores e maior proximidade à menor.
. de outro lado, causando perturbações em aspectos essenciais da sua situação pessoal, mormente na forma como frequenta o colégio (frequência regular cuja importância consta de 65 e 66 dos factos provados) ou é cuidada na sua saúde (factos 67 e 68).
. de outro lado ainda, por impedir a fixação de um projecto de vida uniforme e comum, ficando a CC sujeita a duas formas bastante diferentes de orientação educacional ou na saúde. Esta dualidade constitui um elemento relevantemente contrário a uma residência partilhada, pois este implica um espaço (e espaço com relativa amplitude) de autonomia decisória em cada momento de partilha que potencia a divergência já estabelecida quanto ao projecto de vida. A partilha da residência implica uma partilha de decisões e de determinações de forma de vida. Para além de as decisões sobre aspectos correntes, do quotidiano, pertencerem em regra (e como no caso ocorria) a cada um dos progenitores [13] quando com ele resida a menor, esta residência envolve poderes de facto que são incontroláveis pelo outro progenitor e que se repercutem na forma de viver da menor. Neste contexto, não se vê como seria possível manter uma partilha da residência, que deveria envolver uma partilha de um projecto comum para a CC, quando os progenitores não conseguem chegar a cordo sobre aspectos essenciais da vida da menor, mormente quanto à educação e saúde (factos 17 e sobretudo 18 ou 31).
- por fim, o conflito projecta-se também sobre a forma de os progenitores coexistirem, o que revela uma tendencial incapacidade de superação da discórdia. Aliás, não é viável superar diferenças nem criar entendimentos quando o progenitor recusa qualquer contacto ou proximidade com a progenitora - facto 83. A manutenção da residência partilhada não se poderá, assim, basear numa convergência de posições dos progenitores e numa partilha de opções, redundando antes numa verdadeira autonomia decisória com dualidade de opções.
A manutenção da residência alternada só iria por isso, previsivelmente, acentuar o fosso entre as práticas díspares e potenciar o agravamento dos efeitos nefastos sobre a CC. A desejada igualdade dos progenitores não se mostra, no caso, inteiramente cabível, por conflituar com o interesse prevalecente da CC.
É certo que, como referido, a CC mantém um desenvolvimento ajustado, revela relações positivas com ambos os progenitores, e que estes têm para com ela sentimentos de grande afectividade. Mas tais circunstâncias não são de molde a superar a conclusão alcançada: que a residência alternada não se mostra, neste momento, ajustada ao interesse da menor, e que o grau de distanciamento entre os progenitores não permite, de momento, esperar uma evolução positiva, pelo que a residência única constitui a única forma de salvaguardar aquele interesse da CC. Este princípio da actualidade justifica também a decisão mas, ao mesmo tempo, deixa clara a sua possível transitoriedade, pois uma outra evolução da relação parental pode justificar, em momento diferente, diferente avaliação.
Deve, pois, manter-se a decisão recorrida quanto à residência da CC. E como o progenitor não impugnou a decisão recorrida nos demais aspectos da regulação estabelecida, não é devida, do ponto de vista do recurso do progenitor, uma sua autónoma avaliação.
19. Do ponto de vista do recurso da progenitora, esta começa por afirmar existir contradição entre a al. a) do ponto 1 e as al. a) e g) do ponto 2.
A al. a) do ponto 1 refere que a CC pode viajar para o estrangeiro por períodos não superiores a 30 dias (com a mãe, o pai ou em visitas de estudo).
A al. a) do ponto 2 refere que a CC fica a residir com a mãe. E a al. g) que a CC passará metade das férias de verão com o pai, em semanas alternadas.
A contradição derivaria da impossibilidade de cumprimento do período de 30 dias, previsto na al. a) do ponto 1, na sua plenitude, face ao carácter mais restrito das al. a) dos pontos 1 e 2.
A contradição é meramente aparente. De um lado, a al. a) não estipula um prazo fixo de 30 dias mas um prazo máximo de 30 dias e por isso não contraria as demais cláusulas (fixa o período máximo, não impede um período inferior). Por outro lado, a utilização do prazo máximo estará condicionada pelas demais cláusulas: só poderá ser usado se existir acordo dos progenitores (ou suprimento judicial). Não existe, pois, motivo, para a eliminação da cláusula (para além de a fixação do prazo ser apenas aspecto da cláusula, pelo que, a existir um problema de articulação, nem assim se justificaria a exclusão do demais previsto naquela cláusula).
20. Invocando que a sentença não apreciou pedidos formulados, a progenitora entende que existem incumprimentos do progenitor, pelo que a sentença deveria «fazer constar a «previsão de multa, ao abrigo do artigo 41 do RGPTC».
Atendendo aos termos do processo, verifica-se que o tribunal recorrido considerou que estaria em causa uma nulidade por omissão de pronúncia (art. 615º n.1 do CPC), julgou verificada essa nulidade, e supriu-a [14], apreciando a questão: nesta apreciação, configurou a pretensão da progenitora como um pedido reconvencional, o qual decidiu não ser processualmente admissível neste procedimento, tendo absolvido o progenitor da instância reconvencional.
O regime inerente a este suprimento consta do art. 617º n.º2 e 3 do CPC, de onde decorre que o despacho proferido passa a fazer parte integrante da sentença e o recurso interposto passa a ter por objecto a nova decisão (n.º2). Mas, em virtude da alteração da sentença, o recorrente pode, além de desistir do recurso, alargar ou restringir o seu âmbito (n.º3). Isto porque o suprimento da nulidade pode ter reflexos no recurso interposto, quanto ao seu objecto, havendo necessidade de adaptar o recurso à nova sentença (nova porque integrada pela decisão de suprimento da nulidade). É esse o caso dos autos, pois o recurso interposto visava fazer constar da sentença «a previsão da multa», pressupondo a admissibilidade da pretensão e de sobre ela recair uma decisão de mérito, e a decisão de suprimento da nulidade julgou inadmissível, por razões formais, tal pretensão (excluindo uma decisão de mérito). Ora, esta circunstância (inadmissibilidade formal do pedido) não é impugnada no recurso interposto, pelo que não está incluída no seu objecto, e a progenitora recorrente não ampliou o objecto do recurso (ao abrigo do referido art. 617º n.º3 do CPC), não tendo invocado qualquer razão contrária àquela decisão. Assim, pese embora e por força do regime do citado art. 617º n.º2 do CPC, a nova decisão continue integrada no recurso (continue impugnada), a verdade é que as razões que a progenitora invocou no recurso são irrelevantes para a decisão final (a decisão integrada pelo suprimento da omissão) e contra esta decisão nenhumas razões são invocadas, pelo que inexiste objecto de apreciação nem, por essa via, razão para alterar a decisão em causa.
Sem embargo de se notar que, de um ponto de vista material (ou seja, ainda que houvesse que considerar processualmente admissível a pretensão formulada), tal pretensão não seria cabível. Fazer constar a «previsão de multa, ao abrigo do artigo 41 do RGPTC» corresponde a pretender que a sentença reproduza a lei, o que constitui, a um tempo, uma inutilidade (mera repetição da lei, inútil) e um excesso (pois não cabe à sentença antecipar e lidar com eventuais incumprimentos futuros). De outro lado, e como nota a sentença recorrida, o momento próprio para avaliar a questão será no âmbito do incidente de incumprimento. Sempre seria de excluir a pretensão.
21. Pretende a progenitora que se faça constar «a obrigação de comunicação em língua portuguesa, valendo o silêncio como aprovação». Tal pretensão foi igualmente apreciada em sede de conhecimento de nulidades pelo tribunal recorrido, o qual admitiu a existência da nulidade, e supriu a omissão ocorrida, apreciando a pretensão deduzida e indeferindo-a. Neste caso, o objecto do recurso continua a coincidir com o teor da sentença recorrida, integrada por aquela decisão de suprimento, podendo ser conhecido.
O que se verifica, quanto ao mérito da pretensão, é que a progenitora não radica a sua pretensão em quaisquer factos provados que a justifiquem, nem invoca fundamentos legais para tanto (sendo que a pretendida atribuição de valor declarativo ao silêncio até se mostra contrária ao regime legal do art. 218º do CC). A afirmação de que o progenitor usa a sua língua materna para ofender por escrito, confiando na dificuldade do tribunal em apreender a realidade, não é convincente ou bastante, pois a, serem os tais escritos relevantes, basta proceder à tradução das comunicações.
A pretensão mostra-se assim distanciada de qualquer suporte, devendo ser reprovada.
22. Por fim, pretende que a prestação de alimentos imposta ao progenitor seja ampliada. Sustenta a pretensão exclusivamente na circunstância de já no acordo de 04.03.2020 se ter fixado prestação com igual valor, com actualização anual de 2% (sendo que, adita, apenas com a inclusão da taxa de inflação, aquele valor já passaria dos 150 euros). Como a prestação de alimentos é fixada em função de circunstâncias actuais, ela não fica dependente do valor fixado em anteriores decisões, pelo que a mera invocação do valor fixado em anterior decisão não é argumento bastante. Acresce que, ao contrário da decisão (provisória) invocada pela progenitora, que não impunha ao progenitor o pagamento de actividades extracurriculares (pois o seu pagamento ficava dependente do acordo dos progenitores), a decisão impugnada já impõe esse pagamento (independentemente de acordo), o que constitui elemento agravante da responsabilidade por alimentos imposta ao progenitor (sendo que estas actividades tendem a aumentar com a idade do menor). No mesmo sentido depõe a inclusão das viagens de estudo no âmbito das despesas escolares, o que não seria seguro na anterior decisão (que o não previa expressamente). Donde, face ao único fundamento invocado (que leva implícita a ideia de que inexistem outros factores relevantes que justifiquem valor diverso), não se justificar a alteração do decidido.
23. Decaindo as partes nos seus recursos, respondem pelas respectivas custas (art. 527º n.º1 do CPC) - sem prejuízo do decidido em sede de apoio judiciário.
VI. Pelo exposto, decide-se:
- julgar improcedentes os recursos interpostos.
- não se admitir a junção dos documentos apresentados em sede de recurso, determinando-se o seu desentranhamento.
- condena-se o progenitor apresentante em multa, fixada em uma UC.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do decidido em sede de apoio judiciário.
Notifique-se.
Évora, 19-12-2024
António Fernando Marques da Silva
Filipe Aveiro Marques
Filipe César Osório
(Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico, ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redacção original).
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[1] A menção à País 2 no articulado deve-se a lapso, posteriormente esclarecido.
[2] V. Henrique Antunes, Recurso de apelação e controlo da decisão da questão de facto, Estudos em comemoração dos 100 anos do Tribunal da Relação de Coimbra, Almedina 2018, pág. 99; isto não obstante, e como nota A. Geraldes, a junção do documento pelo Tribunal da Relação, e assim também a junção pela própria parte, ter uma natureza complementar e extraordinária (Recursos em Processo Civil, Almedina 2022, pág. 345).
[3] Op. cit., pág. 286.
[4] Henrique Antunes, op. cit., pág. 98/99.
[5] A. Geraldes, op. cit., pág. 287.
[6] V. A. Geraldes, op. cit., pág. 135.
[7] J. Duarte Pinheiro, Limites ao exercício das responsabilidades parentais em matéria de saúde da criança. Vida e corpo das crianças nas mãos de pais e médicos?, Gestlegal 2020, pág. 53. Embora se não trate verdadeiramente de consentimento mas de autorização.
[8] Exposição de motivos do projecto de Lei nº 509/X, que esteve na génese da Lei nº 61/2008, de 31 de outubro
[9] Curso de direito da família, vol. I, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, pág. 793.
[10] O documento é, e com rigor face ao seu conteúdo, intitulado «Informação de acompanhamento clínico em psicologia clínica e de saúde».
[11] Como notam P. Coelho/G. de Oliveira, «Quando se usou a expressão “O tribunal determina a residência” pretendeu-se, manifestamente, que o tribunal determine com quem é que o filho vai viver, provavelmente com carácter habitual» (op. cit., pág. 796).
[12] V. Guilherme de Oliveira, Ascensão e queda da doutrina do “cuidador principal”, disponível online, onde a discussão é mais desenvolvida. Julgando inadequado o critério do cuidador principal, J. Duarte Pinheiro, O direito da família contemporâneo, Gestlegal 2023, pág. 318/9.
[13] Isto a par da atribuição das responsabilidades parentais no que às questões de particular importância a ambos os progenitores, dando lugar à denominada atribuição das responsabilidades parentais mista ou mitigada que, pelos problemas práticos que pode acarretar, é por certas vozes criticada.
[14] Embora ali se diga que se decide reformar a decisão, estaria notoriamente em causa o suprimento da nulidade formal diagnosticada.