A lei apenas permite a utilização do procedimento cautelar comum nos casos em que a lesão cujo perigo de verificação fundamente a providência revista natureza grave e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são afastadas as lesões que, apesar de serem graves, sejam facilmente reparáveis.
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro-Juízo de Competência Genérica de São João da Madeira - Juiz 1
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
I.RELATÓRIO.
AA residente na Rua ... n.º ..., 3º Drt. ... ..., em Oliveira de Azeméis, veio intentar o presente procedimento cautelar contra Condomínio da Rua ..., nº ..., S. João da Madeira, com sede na Rua ..., S. João da Madeira. representado pela Administradora do Condomínio, A..., Ldª, com sede na Rua ..., ... Santa Maria da Feira, pedindo que seja decretado e:
A) Ser ordenado ao requerido que proceda à realização de imediato, das obras de impermeabilização e reparação do terraço de cobertura situado sobre o terceiro andar, de modo a estancar as infiltrações para a fração do requerente;
B) Ser igualmente ordenado ao requerido que proceda à realização, de imediato, das obras de reparação da fração do requerente, reparação essa a incidir sobre os estragos provocados na fração resultantes da infiltrações provenientes do terraço de cobertura existente sobre a fracção.
Mais requer que seja fixada, nos termos do artigo 365º/1 do Código de Processo Civil, uma sanção pecuniária compulsória no montante de 100 euros por cada dia que o requerido, após ser notificado pelo Tribunal para proceder à realização das obras, não o faça.
Para tanto alegou o seguinte:
1. – O requerente é proprietário do seguinte imóvel: fracção autónoma identificada pela letra K, correspondente ao 3º andar esquerdo traseiras, nº ... do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia e concelho de São João da Madeira, registado na Conservatória do Registo Predial de São João da Madeira número ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da mesma freguesia e concelho – docs. n.ºs 1 e 2 aqui integrados.
2.– Por si e antepossuidores, o requerente encontra-se na detenção e fruição do imóvel há mais de 20 anos.
3. – À vista de toda a gente e dos interessados, incluindo o requerido.
4. – Sem interrupção, nem solução de continuidade,
5. – Sem oposição de ninguém, nem ofensa do direito de outrem,
6. – Desconhecendo eventuais vícios do título de aquisição que, aliás, não existem.
7. – E possuindo, detendo e usando o prédio e tirando dele todas as utilidades, como próprio e verdadeiro dono e nessa convicção.
8. – Designadamente, nele fazendo obras, arrendando-o e pagando as respectivas despesas (como as de condomínio) e os respectivos impostos.
9. – Se outro título não tivesse, o requerente tem adquirido por usucapião o domínio e a posse do referido prédio.
10. – O domínio do requerente sobre o imóvel resulta, igualmente, da presunção proveniente do registo – artigo 7º do Código do Registo Predial.
11. – Já o Condomínio requerido tem, por sua vez, legitimidade passiva, como é jurisprudência pacífica,
12. – Sendo certo que se trata de Condomínio regularmente constituído, com número de contribuinte, tendo personalidade judiciária – artigo 12º., e) do Código de Processo Civil – e cuja administração se encontra a cargo do réu – docs. n.ºs 3, 4, 5, 6, 7 e 8 aqui integrados.
13. – E, como refere o acórdão do Tribunal de Coimbra, de 27-01-2015, no processo 586/11.4TBACB-A.C1 (relatora: Isabel Silva), disponível em www.dgsi.pt):
“I – Numa ação em que um condómino pretende a reparação dos defeitos das paredes comuns dum prédio em propriedade horizontal, bem como ser ressarcido dos prejuízos sofridos na sua fração e causados pela existência desses defeitos, parte legítima é o Condomínio desse prédio.
II - O Administrador desse Condomínio, na sua própria pessoa, é parte ilegítima e intervirá na ação apenas enquanto representante legal do Condomínio.”.
14. – A fracção do requerente é alvo de infiltrações de águas e humidades provenientes do terraço que lhe serve de cobertura, provocadas por falta ou deficiente impermeabilização do mesmo.
15. – O terraço de cobertura é uma parte comum do edifício constituído em propriedade horizontal – artigo 1421º. n.º 1, alínea b) do Código Civil.
16. – E socorrendo-nos novamente da jurisprudência, cita
- o acórdão do Tribunal de Guimarães, de 23-10-2008, no processo 2083/08-1 (relator: Gouveia Barros), disponível em www.dgsi.pt) que refere: “São da responsabilidade de todos os condóminos as despesas necessárias à conservação do terraço de cobertura do edifício, ainda que destinados ao uso dos condóminos do último piso, dado que à situação não é aplicável o disposto no nº3 do artigo 1424º do CC mas antes a regra fixada no nº1 do mesmo artigo.” e
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01-06-2010, no processo 95/2000.I.2.S1 (relator: Azevedo Ramos), disponível em www.dgsi.pt) na parte em que nos diz que: “I – O terraço de cobertura é parte comum do prédio, ainda que destinado ao uso exclusivo de qualquer fracção.”…
17. – E já Jorge Alberto Aragão Seia, na sua obra “Propriedade Horizontal”, pag. 73 (em anotação ao artigo vindo de invocar) ensinava que: “Os terraços de cobertura que tanto se podem situar ao nível do primeiro andar por servirem de cobertura, por exemplo, a uma garagem ou a um estabelecimento, como ao nível de qualquer outro ou até do último piso, cobrindo parte do edifício, mesmo quando estejam afectados ao uso exclusivo de um condómino são parte comum”.
Ora,18. – A infiltração da fracção do requerente provém do piso superior ao seu (3º) andar e provoca danos no tecto e paredes da referida fracção,
19. – As infiltrações e humidades em causa, designadamente na sala de estar prejudicam gravemente as condições de habitabilidade da fracção do requerente.
20. – A infiltração de água verifica-se através de uma das quatro saídas de escoamento, que se situa por cima da fracção do requerente (fracção K) – doc. nº 8.
21. – Sendo necessária a substituição da embocadura em zinco n.º 12 com Ø90 e respectivas ligações com o tubo de queda da fachada e vulcanização das telas a quente - doc. nº 8.
22. – Mas nada foi feito pela Administração do Condomínio, sendo que as infiltrações e humidades na fracção do requerente têm vindo a agravar-se continuamente.
23. – As obras de impermeabilização do terraço de cobertura e da fracção do requerente são imprescindíveis para a preservação da integridade do imóvel e para se reunirem condições mínimas para a habitabilidade da fracção.
24. – Os condóminos e o Condomínio reconhecem a existência do problema, das infiltrações, sua origem e consequências, mas, apesar de repetidamente instados, nada fazem para solucionar o grave problema ali existente.
25. – Sendo certo que a Administração do Condomínio tem conhecimento de tudo o exposto, designadamente tem conhecimento de “…reclamações dos condóminos a manifestarem o seu descontentamento, devido a terem infiltrações de água dentro das fracções” – doc. nº 7.
26. – E que o requerido alertou, repetidamente, para a necessidade imperiosa e urgente de o Condomínio solucionar o problema, eliminar as infiltrações e realizar as obras necessárias para o efeito – docs. nºs 9, 10, 11, 12 e 13 aqui integrados.
27. – Mas o Condomínio, perfeitamente conhecedor da situação não age e nada fez nem faz para solucionar o grave problema decorrente das infiltrações provenientes da parte comum – docs. nºs 4, 5, 6, 7 e 8.
28. – As infiltrações em causa constituem uma ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável dos direitos do requerente,
29. – Sujeito que está a ver agravadas, se nada for feito, a cada dia que passa, as insustentáveis condições de habitabilidade na fracção e inerentes prejuízos causados pelas infiltrações.
30. – O requerido tinha o locado arrendado, mas a arrendatária entregou o locado e abandonou a fracção devido às condições de habitabilidade se terem tornado insuportáveis e tudo por causa das infiltrações em causa.
31. – Deixando o requerente de embolsar a renda mensal de 650€ – docs. nº.s 14, 15 e 16 aqui integrados – por via do abandono da fracção do arrendatário e da impossibilidade de arrendar o imóvel enquanto as condições de habitabilidade deste se mantiverem impossíveis devido às infiltrações provenientes da cobertura.
Mais considera o requerente que
32. – É urgente e não se compadece com a demora da tramitação de um processo judicial comum, a realização das obras que eliminem as causas das infiltrações e procedam à reparação da fracção do requerente, tornando-a, novamente, habitável.
Alega depois
33. – Sendo certo que as obras a realizar ali não se revestem de especial complexidade e já estão devidamente sinalizadas e é basicamente conhecido o que é necessário fazer no terraço (e na fracção do requerente) para eliminar as infiltrações e retornar a habitação como habitável, de que tanto o condomínio como todos os condóminos estão bem cientes – docs. nºs 4, 5, 6, 7 e 8 e doc. nº. 17 aqui integrado.
Conclui ser o procedimento cautelar comum o meio próprio, e a providência adequada para a determinação da realização das obras ali necessárias, atento o seu carácter urgente e inadiável.
35. – Até porque as deteriorações e estragos provocados pelas infiltrações, tendem a agravar-se se não forem tomadas, de imediato, as medidas que se impõem, o que configura uma lesão na demora (da acção), o que, com este procedimento cautelar se visa evitar.
36. – Sendo necessário, designadamente, no terraço, apurar a origem da infiltração dali proveniente, eliminá-la e, após, reparar a fracção do requerente.
37. – Em consequência de tudo o exposto, as infiltrações não cessam de se produzir, causando deteriorações na fracção do requerente - docs. nºs 18, 19, 20, 21 e 22 aqui integrados.
38. – E prejuízos avultados, bem como danos e mal-estar que impedem a plena utilização da fracção.
39. – O que está a ser posto em causa e impossibilitado pela ocorrência das infiltrações e pelo agravar destas e do estado dos tectos e paredes da fracção do requerente.
40. – Enquanto as obras de reparação e impermeabilização não forem realizadas, as infiltrações continuarão a causar deteriorações e prejuízos e tendem a agravar-se, acaso não sejam realizadas de imediato.
41. – O que sustenta e justifica a necessidade de ser decretado o procedimento cautelar ora requerido.
42. – A situação existente carece de ser urgentemente afastada, com a realização das obras necessárias, não se compadecendo com a demora normal que um processo judicial implica,
43. – Uma vez que os factos acima descritos tendem a agravar-se, se não se tomarem já as medidas que se impõem – designadamente, as obras ora requeridas,
44. – O que torna iminente a possibilidade de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável dos direitos do requerente e consubstancia lesão na demora que os trâmites de uma acção judicial não permitem acautelar.
45. – O requerente está sujeito a ver agravadas, se nada for feito, as infiltrações que se encontram a prejudicar, a causar estragos e destruição nas paredes e tecto da sua fracção.
46. – O procedimento cautelar comum é o meio próprio, e a providência adequada a que as obras sejam efectuadas de imediato, pois a sua realização reveste-se de carácter urgente e imprescindível para fazer cessar as infiltrações ajuizadas.
47. – A fim de assegurar a efectividade do procedimento deverá também ser fixada sanção pecuniária compulsória, nunca inferior a 100 euros por cada dia que o requerido permaneça sem cumprir a ordem do Tribunal – artigo 365º. n.º 2 do Código de Processo Civil.
Juntou documentos, requereu ser ouvido em declarações de parte e indicou testemunhas.
2. De seguida, foi proferido despacho ao abrigo do disposto no artigo 590º, nº1, do CPC, pelo qual, o tribunal de primeira instância indeferiu liminarmente o procedimento, com fundamento no facto de não se mostrarem alegados os factos que permitissem vir a concluir pelo perigo na mora.
3. Inconformado, o requerente apelou e concluiu:
Primeira:
O requerente alegou, ao contrário do que sustenta a douta sentença recorrida, os factos necessários para se concluir pela verificação do perigo em mora,
Segunda:
É visível, notório e flagrante que a situação demonstrada nos autos não se compadece com a demora normal que um processo judicial implica.
Terceira:
Os factos alegados são demonstrativos dos prejuízos graves e significativos que a demora na decisão judicial iria provocar ao requerente, pois uma acção judicial com a finalidade de condenar o requerido à realização das obras de que o imóvel carece terá a duração de vários anos, sendo possível e plausível que não esteja concluída em menos de 3 ou 4 anos
. Quarta:
O agravamento das infiltrações é patente e verifica-se a cada dia que passa e a cada dia que passa as infiltrações acentuam-se e tornam a habitação do requerente cada vez menos habitável.
Quinta:
As obras ali necessárias revestem-se de urgência, sendo manifesto o periculum in mora da sua não realização, o que é, aliás, um facto notório, do conhecimento quotidiano dos tribunais, e se não o fosse, o requerente poderá demonstrá-lo nestes autos,
Sexta:
Através dos factos que alegou e pode demonstrar através de testemunhas e através dos documentos que aqui juntou.
Sétima:
O facto de as infiltrações virem a ocorrer há algum tempo não implica a falta de urgência que a sentença lhe atribui, sendo certo que as infiltrações não são detectáveis no imediato, mas apenas se tornam visíveis após algum tempo, sendo nessa altura que a intervenção para as eliminar se torna necessária,
Oitava:
Sobretudo quando as consequências são, como aqui, a inabitabilidade de uma fracção habitacional, com o agravo que isso significa para uma fracção que tem essa (única) finalidade.
Nona:
E a urgência advém não só do problema em si, mas também da demora que um pleito judicial acarreta, do contínuo agravamento das infiltrações e dos prejuízos diários, semanais e mensais que se acumulam para o requerente.
Décima:
O arrendamento da fracção que existia cessou apenas e somente devido às infiltrações e à consequente inabitabilidade do imóvel, o que o requerente alegou e pode provar.
Décima-primeira:
O que a sentença verdadeiramente admite é que o problema se possa arrastar durante anos e acumular prejuízos e o agravamento das infiltrações e transcorrerem anos sem que nada ali se faça, sem que uma obra detenha e elimine as infiltrações.
Décima-segunda:
Com o consequente agravamento e ampliação das fissuras, da água nos tectos e paredes e do risco para as instalações eléctricas, e permanecendo o requerente sem receber qualquer rendimento pelo arrendamento da fracção.
Décima-terceira:
A ser decretada a providência, o Tribunal deverá ordenar a realização das obras, não lhe competindo, como nunca competiu a nenhum Tribunal especificar os pormenores técnicos de uma obra, seja ela qual for, os quais serão da competência de especialistas na matéria que encontrarão os meios necessários à realização da obra.
Décima-quarta:
Sendo exacto dizer-se que os pedidos do requerente são claros, concretos e do dia-a-dia dos nossos tribunais e idóneos ao fim pretendido: a realização de obras de impermeabilização e a eliminação dos defeitos causados pelas infiltrações na fracção do requerente.
Décima-quinta:
Uma obra como esta apenas se tornará mais cara, mais complexa e mais abrangente com o decorrer dos anos, atendendo a que as infiltrações, como é bem sabido e facto notório, se vão estendendo gradualmente pelos tectos e paredes das fracções e ao revestimento do próprio edifício, o que implica um agravamento constante dos prejuízos, e dos prejuízos do requerente - que nada justifica deixar protelar e agravar-se.
Décima-sexta:
Sendo significativos os prejuízos do requerente, eles são também a demonstração categórica da existência do periculum in mora, no caso dos autos.
Décima-sétima:
Dúvidas não existem, no nosso caso, que tendo a pretensão do requerente probabilidade de êxito, a demora do julgamento final resultará, para ele, num dano irreparável ou, pelo menos, considerável, atendendo a tudo o que transparece dos autos.
Décima-oitava:
Tal como exarado na sentença em processo similar que ora se junta «… as Infiltrações continuarão a produzir efeitos nocivos, prolongando-se no tempo e agravando os prejuízos…reforçando a necessidade de tutela cautelar para evitar a repetição e persistência dessa situação lesiva e dessa forma obviar ao “periculum in mora” proveniente da demora na tutela da situação jurídica…estão reunidos os pressupostos de que depende o deferimento da providência, concretamente a probabilidade séria da existência do direito e o fundado receio da sua lesão, corporizado na recusa do Requerido em realizar as obras tendentes a fazer cessar as infiltrações que se alastram à fracção dos Requerentes»…
Décima-nona:
A douta decisão em apreço violou as seguintes normas: artigos 6º, 7º, 411º, 362º, 368º do Código de Processo Civil.
Nestes termos e no do douto suprimento, deve ser dado provimento ao recurso, decretando-se o prosseguimento destes autos de procedimento cautelar.
4.O requerido apresentou contra-alegações:
5.Cumpre decidir:
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
A questão que está colocada no recurso reside na apreciação e decisão, em face da alegação vertida no requerimento inicial, se foi alegada factualidade que a ser indiciariamente apurada consubstancia o conceito de “perigo na mora”, usando a expressão vertida no dispositivo final da decisão recorrida.
III. FUNDAMENTAÇÃO:
3.1. A factualidade relativa à materialidade alegada no requerimento inicial que está descrita no relatório introdutório é aquela que releva para apreciar e decidir o recurso.
3.2
Preceitua o n.º 1 do art 362º do CPC que “[s]empre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito pode requerer a providência concretamente adequada a assegurar a efectividade deste”.
Por seu turno, o artigo 368.º prescreve que a providência é decretada quando houver “[p]robabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão” (nº 1), podendo o tribunal, no entanto, recusar a sua decretação “[q]uando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar” (nº 2 do mesmo normativo).
Tendo por base os referidos normativos vem-se generalizadamente [1]entendendo que o decretamento de uma providência cautelar não especificada (ou comum) depende da concorrência dos seguintes requisitos: (i) que muito provavelmente exista o direito tido por ameaçado, ou que venha a emergir de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor; (ii) que haja fundado receio de que outrem antes de proferida decisão de mérito, ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito; (iii) que ao caso não convenha nenhuma das providências tipificadas nos arts. 393º a 427º; (iv) que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado; (v) que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.
A divergência recursiva do apelante centra-se essencialmente na alegação de estar verificado o segundo requisito: que haja fundado receio de que outrem antes de proferida decisão de mérito, ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito.
A propósito deste segundo requisito[2], considerado por alguns autores constituir a verdadeira causa de pedir cautelar, assumindo natureza de pressuposto material de concessão da providência cautelar, no procedimento cautelar comum o legislador foi bem mais exigente (e, portanto, mais restritivo) na sua formulação do que, em geral, para os procedimentos cautelares específicos: enquanto que para estes basta que se verifique “dano apreciável”, “justificado receio de perda da garantia patrimonial do crédito” ou “justo receio de extravio ou dissipação de bens”, para aquele não basta uma qualquer lesão, tornando-se mister que se esteja perante uma lesão grave e dificilmente reparável do direito.
O legislador exige, pois, que a lesão seja grave e dificilmente reparável, sendo que a utilização da conjunção copulativa significa que não é apenas a gravidade da lesão previsível que justifica a tutela provisória, do mesmo passo que não basta a irreparabilidade absoluta ou difícil, de forma que apenas merecem a tutela provisória as lesões que sejam simultaneamente graves e irreparáveis ou de difícil reparação. Por isso, como sublinha ABRANTES GERALDES[3], ficam afastadas do “círculo de interesses acautelados pelo procedimento comum, ainda que se mostrem irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são excluídas as lesões que, apesar de serem graves, sejam facilmente reparáveis”.
A lei optou, assim, por permitir apenas a utilização do procedimento cautelar, expedito e meramente indiciário - em que se não exige uma comprovação segura dos fundamentos da providência requerida - nos casos em que a lesão cujo perigo de verificação fundamente a providência revista natureza grave e de difícil reparação, sendo que nos demais casos (isto é, de receio de lesão não grave ou que não seja de difícil reparação) o legislador, de acordo com a ponderação de interesses que entendeu fazer, considerou não se justificar a utilização de um expediente sumário e escassamente apurado como é o procedimento cautelar não especificado. Por conseguinte, havendo justo receio de lesão de direito, o titular do mesmo terá de recorrer ao meio processual normal - acção -, com a necessidade de uma demorada, segura e amadurecida indagação dos fundamentos da pretensão, para a adopção da providência reparadora de modo definitivo, no fim do processamento normal da acção, se a lesão em causa não revestir a natureza grave e de difícil reparação; caso a lesão se possa qualificar como grave e de difícil reparação, poderá, então e só então, lançar mão do expedito, sumário e urgente procedimento cautelar comum.
Deste modo, a lesão receada pelo requerente, para ser relevante (no sentido de legitimar a via cautelar), tem de ser grave, gravidade essa que se mede em função da dimensão dos danos que possa provocar, ou seja, apenas a lesão que possa vir a desencadear danos de montante considerável deverá ser considerada grave.
Já no que especialmente se refere à irreparabilidade ou difícil reparação da lesão, importa clarificar o que pretendeu o legislador com tal exigência.
Apelando aos contributos que podem ser colhidos na doutrina e na jurisprudência[4], vem-se entendendo que para a densificação do aludido conceito indeterminado se deverá recorrer a dois critérios: um critério subjectivo e um critério objectivo.
Um critério subjectivo, segundo o qual se deverá atender às possibilidades económicas do requerido para vir a suportar a reparação do direito do requerente. Desta forma, atendendo às possibilidades económicas concretas do requerido, a lesão será dificilmente reparável nos casos em que o requerido se encontre em situação económica instável e precária, sendo previsível que a lesão causada ao requerente não irá ser reparada.
Por sua vez, um critério objectivo que terá em conta o tipo de lesão, a natureza do direito em causa, o tipo de sanção prevista pela ordem jurídica e as formas admissíveis de reparação da lesão.
Do exposto, resulta que o julgador deverá ter sempre presente as várias formas existentes para a reparação da lesão: a reconstituição natural, que se traduz na obrigação de reconstituir a situação anterior à lesão (ou seja, o dever de repor as coisas na situação em que estariam caso o evento lesivo não se tivesse produzido) e a indemnização em dinheiro que tem carácter subsidiário, tendo lugar apenas nas situações em que a reconstituição natural não seja viável, quando não repare integralmente o dano ou quando seja excessivamente onerosa para o devedor (cfr. art. 566º do Cód. Civil). A indemnização colocará o lesado numa situação equivalente à situação em que se encontrava antes de se ter produzido o dano ou poderá apenas funcionar como reparação.
Ora, tendo em conta este critério objectivo, terá de se analisar a situação em concreto e as hipóteses existentes para posterior reparação da lesão. Se a lesão for passível de reconstituição natural, isto é, se for possível colocar o requerente/lesado na situação em que se encontrava antes da lesão, a medida cautelar requerida não deverá ser concedida já que nestas situações a lesão não poderá ser considerada dificilmente reparável.
Pelo contrário, nos casos em que não seja possível a reconstituição natural e a indemnização, subsidiariamente, também não seja capaz de compensar totalmente o lesado pelos danos sofridos, deverá então ser concedida a providência cautelar requerida, na medida em que tais situações se enquadram no conceito de lesões dificilmente reparáveis.
Por fim, quando esteja em causa uma lesão que pode ser ressarcida mediante uma indemnização por equivalente (ou seja, lesões susceptíveis de compensação pecuniária equivalente ao valor do dano) tem-se colocado a questão de saber se tais lesões se deverão incluir ou não no conceito de dificilmente reparáveis, sendo que a posição majoritariamente acolhida vem sufragando o entendimento de que se essas lesões são reparáveis mediante uma compensação pecuniária, poderão ser ressarcidas posteriormente, após a ocorrência da lesão, não constituindo, assim, lesões que sejam de difícil reparação.
Postas tais considerações, revertendo ao caso sub judicio verifica-se que o decisor de 1ª instância afirmou a não verificação do requisito com os seguintes fundamentos:
“que quer do alegado pelo requerente, quer dos documentos juntos se constata também que as infiltrações terão vindo a ocorrer já desde há algum tempo, pelo que poderia assim o requerente, que considera não se compadecer a situação com o recurso a uma acção comum, ter intentado a mesma há já algum tempo.
Por outro lado, também do que alega se fica com a ideia quanto a não estar ainda bem estabelecida a origem da infiltração – cfr. artigo 36º “Sendo necessário, designadamente, no terraço, apurar a origem da infiltração dali proveniente, eliminá-la e, após, reparar a fracção do requerente.”
“Ora se o supra referido é de mencionar quanto ao direito, também quanto ao perigo em mora não alegou o requerente os factos necessários para se concluir pela sua verificação.
Assim para além do já referido quanto ao alegado indiciar que as infiltrações já vêm a ocorrer desde há algum tempo e que a sua origem não estará ainda bem determinada, o que evoca quanto ao agravamento e urgência, verifica-se em grande parte das acções comuns que são intentadas por condóminos contra o Condomínio por pretenderem a realização de obras.
Ainda que possa levar a maiores gastos, não se vê como a reparação não continuará a ser possível, assim como vir a ser-lhe atribuída uma indemnização pelos danos sofridos.
Não veio o requerente alegar por exemplo que o requerido não possui os meios económicos necessários para depois o indemnizar pelos prejuízos sofridos, ou está na iminência de perder tais meios.
Nestes termos não se mostram desde logo alegados os factos que permitissem vir a concluir pelo perigo na mora.”
Dito isto, importa enfatizar que como tem sido sustentado[5], o preenchimento do mencionado requisito há-de aferir-se não através de um juízo de mera probabilidade (como o da verificação da aparência do direito) mas sim através de um juízo de realidade ou de certeza que tem que provir de factos que atestem perigos reais e certos, relevando tudo de uma apreciação ponderada, regida por critérios de objectividade e de normalidade, não bastando simples dúvidas, conjecturas ou meros receios subjectivos.
A esta luz, ainda que se condescenda que o prejuízo decorrente do incumprimento da obrigação de execução das obras de impermeabilização e reparação do terraço de cobertura situado sobre o terceiro andar e das obras de reparação da fração do requerente por banda do apelado possa ser rotulado de grave, já será, contudo, discutível que o substrato factual indiciariamente apurado permita afirmar que esse prejuízo seja de difícil reparação, pois nada foi alegada em termos concretos sobre qualquer impossibilidade ou especial dificuldade de os prejuízos que o alegado incumprimento daquelas obrigações possa ocasionar ao requerente.
Ademais, verifica-se estarem em causa interesses meramente patrimoniais, indemnizáveis nos termos dos arts. 564º e 566º, do Código Civil.
Só assim não seria se, porventura, a situação patrimonial do requerido o impossibilitasse de pagar a correspondente indemnização. Nesse caso a requerente deveria ter articulado factos concretos evidenciadores da precariedade da situação económico-financeira do requerido/apelante, o que, não foi feito.
Na ausência de alegação e demonstração de quaisquer factos concretos que permitam ajuizar dessa situação económico-financeira, o tribunal não pode presumir que o requerido não disponha de meios que lhe permitam suportar o pagamento da indemnização devida ao requerente pelos prejuízos de índole exclusivamente patrimonial decorrentes da demora na realização das obras de impermeabilização e reparação do terraço de cobertura situado sobre o terceiro andar, de modo a estancar as infiltrações para a fração do requerente e da demora na realização das obras de reparação da fração do requerente, reparação essa a incidir sobre os estragos provocados na fração resultantes da infiltrações provenientes do terraço de cobertura existente sobre a fracção.
A revelar que a falta da atempada execução dessas obras no terração de cobertura e na fracção do apelante não privará, só por si, o requerente de receber a correspondente compensação monetária.
Assim, afigura-se-nos que haveria que alegar e demonstrar factos que apontassem razoavelmente para a ocorrência de um risco superior ao normal, o que, nos sobreditos termos, implicaria a prova (ainda que perfunctória) de uma situação económica deficitária do requerido que tornasse impossível ou muito difícil o ressarcimento dos prejuízos que a demora nessa restituição ocasione ou tenha ocasionado à requerente.
Certo é que o tecido fáctico apurado não permite concluir, com a necessária objectividade e consistência, pela ocorrência de uma situação passível de constituir fundado receio de lesão grave e de difícil reparação do direito do requerente, sendo certo que, como anteriormente se enfatizou, estando, in casu, essencialmente em causa lesão suscetível de reintegração in natura ou de compensação por sucedâneo não pode a mesma ser considerada dificilmente reparável.
Posto isto, tendo em consideração a materialidade alegada no requerimento inicial, o enquadramento legal e doutrinal e jurisprudencial referidos, impõe-se, pois, confirmação da decisão recorrida, dada a falta de verificação do requisito do periculum in mora que, como se assinalou, constitui pressuposto material de concessão da providência cautelar.
Sumário.
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………………………………
………………………………
IV. DELIBERAÇÃO:
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, conformando a decisão recorrida que indeferiu liminarmente a providência cautelar.
Custas a cargo do apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).
Porto, 9.01.2025
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
Manuela Machado
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[1] Cfr., por todos, ABRANTES GERALDES, in Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3ª edição, Almedina, págs. 97 e seguintes, LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado. Vol. II, 3ª edição, Almedina, págs. 5 e seguintes e CARVALHO GONÇALVES, in Providências Cautelares, 2015, Almedina, págs. 168 e seguintes.
[2] Cfr., neste sentido, RITA LYNCE DE FARIA, in A tutela cautelar antecipatória no Processo Civil Português, Universidade Católica Editora, 2016, págs. 132 e seguintes e RUI PINTO, in A questão de mérito na tutela cautelar – A obrigação genérica de não ingerência e os limites da responsabilidade civil, Coimbra Editora, 2009, págs. 589 e seguintes.
[3] Ob. citada, págs. 101 e seguinte.
[4] Cfr., inter alia, na doutrina, CARVALHO GONÇALVES, ob. citada, pág. 205, ABRANTES GERALDES, ob. citada, pág. 102, RITA LYNCE DE FARIA, ob. citada, págs. 145 e seguintes e ABRANTES GERALDES et al., in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 439; na jurisprudência, acórdãos desta Relação de 7.06.2021 ( processo nº , 296/20.1T8AVR.P1), que vimos seguindo, de 22.11.2011 (processo nº 1408/11.1TJPRT.P1) e de 11.04.2019 (processo nº 257/18.0T8AMR.P1), acórdão da Relação de Lisboa de 30.01.2019 (processo nº 7840/17.0T8CBR-B.L1-4), acórdão da Relação de Coimbra de 28.04.2010 (processo nº 319/10.2BPBL.C1) e acórdão da Relação de Guimarães de 10.10.2013 (processo nº 246/12.9TBBCL-A.G2), acessíveis em www.dgsi.pt.
[5] Cfr., inter alia, ABRANTES GERALDES, ob. citada, págs. 108 e seguinte e LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, ob. citada, pág. 8.