RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
PAGAMENTO DE CHEQUES FALSIFICADOS
CULPA DO LESADO
Sumário

I - Nos termos do artigo 570.º, n.º 1, do C. C., numa situação de pagamento de cheques falsificados, pode coexistir a culpa da entidade bancária e do sacador na ocorrência do prejuízo para este último.
I.1) Não é por o auxiliar da lesada que depositou os cheques os ter dolosamente falsificado, que se deve concluir que aquela lesada atuou com dolo junto dos Bancos.
I.2). Revela falta de cuidado a lesada que confia excessivamente naquele auxiliar, não fiscalizando a sua atuação durante dois anos e preenche os cheques de modo a que facilita a falsificação.
II - Um pedido é líquido quando termina com uma quantia concretizada, mesmo que só se apure o valor devido no decurso da ação.

Texto Integral

Processo n.º 1897/19.6T8PVZ.P1

Sumário.

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1). Relatório.

A..., Lda., sociedade por quotas, com sede na Rua ..., Lugar ..., Santo Tirso, propôs contra

Banco 1..., S. A., com sede na Praça ..., Porto,

Banco 2..., com sede na Avenida ..., Lisboa,

Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de 83.082,61 EUR, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal comercial sucessivamente em vigor, desde a data de interpelação dos Réus –30/09/2019 – até efetivo e integral pagamento.

Em síntese, a Autora alega que:

. celebrou com a 2.ª Ré um contrato de convenção de cheque, através do qual a mesma se obrigou perante si a pagar, aos respetivos beneficiários, os valores inscritos nos cheques emitidos até ao limite dos fundos disponíveis na sua conta bancária;

. desde a sua constituição, em novembro de 2015, a Autora celebrou um contrato de prestação de serviços com a sociedade “B... LDA.” a qual fazia a sua contabilidade da Autora;

. exercia funções de TOC da Autora AA, sócio e gerente da B..., o qual, em regra, era quem pessoalmente recolhia toda a documentação na sede da Autora e processava as declarações fiscais e de Segurança Social;

. «B...…» prestava idênticos serviços, há mais de 23 anos, a uma outra sociedade da qual é sócio e gerente um dos sócios e gerentes da aqui Autora - a sociedade “C..., LDA.” (adiante, C...);

. era B... quem elaborava e entregava as declarações fiscais, indicava à Autora o valor devido, nomeadamente a título de IVA, ficando responsável, ainda, por proceder ao seu pagamento;

. os cheques destinados ao pagamento dos impostos eram emitidos e preenchidos pela Autora, designadamente no que concerne ao seu beneficiário, data e local de emissão, valor e assinatura, sendo que todos eram emitidos à ordem dos Banco 3..., por sugestão da B..., em concreto de AA, sendo esse um dos meios de pagamento de imposto nos termos do Decreto-Lei n.º 492/88, de 30/12;

. a Autora nunca teve motivo para desconfiar da conduta da B... e/ou dos seus representantes legais e colaboradores, razão pela qual nunca teve conhecimento dos efetivos beneficiários finais dos cheques que emitiu, na medida em que não cogitou sequer a hipótese de ser entidade diferente daquela a que se destinavam;

. a Autora emitiu vários cheques, sacados sobre a 2.ª Ré e, tanto quanto é do conhecimento da Autora, todos eles foram apresentados a depósito no balcão do 1.º Réu situado em ...;

. o beneficiário inicial inscrito pela Autora em todos os supra relacionados cheques eram os “Banco 3...”;

. sabe agora que, depois de entregues os cheques pela Autora a B..., esta falsificou-os, alterando a seu favor o nome do beneficiário inicial inscrito;

. a falsificação era grosseira e ostensiva;

. o 1.º Réu, no qual foram apresentados a depósito os referidos cheques, não verificou cuidadosamente, como lhe competia, a regularidade dos mesmos e aceitou-os;

. também a 2.ª Ré não verificou cuidadosamente, como lhe competia, a regularidade dos cheques a cujas imagens teve acesso no âmbito do sistema de compensação interbancária (SICOI);

. todos os cheques foram depositados em conta da titularidade da aludida B... ou na conta n.º ... da contitularidade de AA e de BB, casada com o primeiro, após endosso da B...;

. os cheques somam a quantia de cerca de 140.000EUR;

. a conduta ilícita e culposa dos Réus permitiu que tivesse sido depositada a quantia de 138.646,34 EUR na conta de entidade diversa do beneficiário que a Autora visava com a respetiva emissão;

. o dano efetivamente sofrido pela Autora e imputável aos Réus consubstancia-se na soma das quantias debitadas na conta bancária da Autora por cada um dos cheques viciados apresentados a depósito no balcão do 1.º Réu, aceites por ambos os Réus, deduzida dos montantes que a sociedade B... efetivamente destinou ao pagamento das responsabilidades tributárias da Autora a que inicialmente se destinavam;

. prejuízo que ascende ao montante de 83.082,61 EUR.


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Contestaram os Réus, negando a sua responsabilidade, sendo que o Réu «Banco 1… ….», além de concluir pela sua absolvição, admite, subsidiariamente, que possa ter 5% de responsabilidade na atuação em causa, sendo os restante 95% a cargo da Autora.

Este mesmo Réu «Banco 1… …» solicitou ainda a intervenção principal ou, se assim não se entender, acessória, de B..., Lda., AA, BB, CC.

O pedido de intervenção foi deferido na modalidade de intervenção acessória.

Contestou o interveniente CC, negando a sua responsabilidade.


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Foi elaborado despacho saneador e fixou-se como:

. objeto do litígio - Responsabilidade civil da 1.ª R. e da 2.ª R. e como

Temas de prova:

Contrato celebrado entre A. e 2.ª R..

Cheques emitidos pela A.

Alteração dos cheques por terceiro.

Apresentação dos cheques a pagamento.

Comportamento da 1.ª R.

Comportamento da 2.ª R.

Pagamento dos cheques pela 2.ª R.

Aceitação, e apresentação à compensação no âmbito do SICOI, dos cheques pela 1.ª Ré.

Beneficiários dos cheques.

Prejuízo da A.

Comportamento da A.


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Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença a julgar totalmente improcedente a presente ação.

Inconformado, recorre o Autor, formulando as seguintes conclusões:

«I - O presente recurso visa impugnar quer a decisão do Tribunal recorrido sobre alguns pontos da matéria de facto, quer a solução de direito aplicada na sentença recorrida.

II - A sentença recorrida enferma de erros de julgamento na decisão proferida sobre a matéria de facto, que impõe, quer a alteração da redação dos factos provados na sentença, quer a inclusão de novos factos que ficaram amplamente demonstrados, tudo em consonância com a prova produzida nos autos, incluindo a prova produzida em audiência de julgamento, que se encontra gravada e cuja reapreciação se requer;

III - Assim, no que concerne ao facto e) da sentença recorrida, a alteração dos cheques descrita na sentença não é rigorosa, uma vez que a alteração visível nos cheques em questão corresponde, a nosso ver, exatamente ao detalhe alegado pela Recorrente na petição inicial, em concreto, nos artº.s 32.º, 33.º, 35.º e 36.º, e, ainda, artº. 42.º que a sentença não refere, e que vai além daquilo que resulta descrito na alínea e) dos factos provados na sentença.

IV - Com efeito, além da transformação do “C” (de “Banco 3...”, beneficiário inicialmente inscrito nos cheques, conforme resulta do facto provado na alínea d)), em “O”, que a sentença recorrida refere, é ainda visível que: (i) O “T” (também de “Banco 3...”) que é transformado em “C” – a que a sentença recorrida alude na alínea e) dos factos provados – é o último “T” – cfr. artº. 35.º da petição inicial; (ii) A inscrição das demais letras que compõem a palavra “B..., Lda.” – inscrição que passou a constar no campo do beneficiário dos cheques na sequência da alteração em causa – foi inserida, não apenas “antes e depois das letras que inicialmente formavam a expressão “Banco 3...””, como a sentença refere no ponto e) dos factos provados, mas também entre as letras que inicialmente formavam a palavra “Banco 3...” – cfr. artº. 36.º da petição inicial; e (iii) É visível o traço mais carregado nas letras que foram transformadas noutras – cfr. artº. 42.º da petição inicial.

V - O detalhe da alteração dos cheques é matéria relevantíssima para a boa decisão da causa, na medida em que impacta diretamente com o incumprimento pelos Réus dos deveres de verificação da regularidade dos cheques a que estão adstritos, revelando-se, por isso, importante toda e qualquer evidência daquela adulteração, como aquelas que ficaram descritas e resulta da prova documental produzida – em concreto, dos cheques juntos como docº. n.º 1 com o requerimento do Réu Banco 1... de 2022.03.15.

VI - A adulteração dos cheques nos termos acima descritos resulta da análise, a olho nu, da referida prova documental junta aos autos, mas foi também corroborado pelos depoimentos prestados em audiência de julgamento, como, por exemplo, da testemunha DD (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de dia 2023.11.22, com início às 10:01 e término às 10:32, em concreto as passagens registadas ... os minutos 00:26:22 e 00:26:56), e do próprio autor da falsificação dos cheques, AA (cfr. depoimento prestado por AA na audiência de julgamento de dia 2023.11.21, com início às 10:24 e término às 11:45, encontrando-se as concretas passagens gravadas entre os minutos 00:33:22 e 00:33:49, 00:39:35 e 00:39:57 e 01:12:21 e 01:13:10) e, ainda, do depoimento da testemunha CC (cfr. depoimento prestado por CC na audiência de julgamento de dia 2023.11.21, com início às 10:00 e término às 10:23, encontrando-se as concretas passagens gravadas entre os minutos 00:10:38 e 00:10:58).

VII - Em virtude do exposto, entende a Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter levado aos factos provados o detalhe completo da adulteração dos cheques em causa nos autos que resulta da análise/observação dos mesmos e, portanto, da prova (documental e testemunhal) produzida, pelo que, em conformidade, requer-se a alteração da alínea e) dos factos provados na sentença recorrida, no sentido de incluir os detalhes acima especificados e omissos na decisão proferida, nos seguintes termos:

“e) Os cheques foram entregues a AA, sócio gerente de B..., Lda., que após rasurava o nome do beneficiário inscrito transformando a inscrição em “B..., LDA”, sendo o primeiro “C” de “Banco 3...” transformado em “O” e o último “T” em “C”, com inscrição das demais letras antes, entre e depois das letras que inicialmente formavam a expressão “Banco 3...”, encontrando-se o traço das letras que foram transformadas noutras mais carregado; (arts. 32.º, 33.º, 35.º, 36.º e 42.º da petição inicial” – assinalado a negrito as alterações introduzidas à redação da alínea e) da sentença recorrida.

VIII - Também não é rigorosa a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto ínsita na alínea h) dos factos dados como provados na sentença recorrida.

IX - Da prova produzida, nomeadamente dos depoimentos dos funcionários do balcão da agência de ... do Réu Banco 1... que vêm referidos na fundamentação da sentença, resultou (à saciedade!) que aqueles funcionários realizaram o denominado processo de conferência dos cheques em causa nos autos, que haviam sido depositados nas caixas automáticas da agência, mas que esse processo, pelo reduzido tempo que dispunham para o efeito, não era uma verificação minuciosa – bem pelo contrário! – como parece sugerir a expressão “os inspeccionaram um a um” utilizada pela sentença no ponto h) dos factos provados – cfr. depoimento da testemunha EE foi prestado na audiência de julgamento de dia 2023.11.22, com início às 14:12 e término às 14:58, encontrando-se as concretas passagens entre os minutos 00:06:05 e 00:08:29 e entre os minutos 00:16:18 e 00:18:50; depoimento da testemunha FF, na audiência de julgamento de dia 2023.11.22, com início às 15:00 e término às 15:27, encontrando-se as concretas passagens entre os minutos 00:05:44 e 00:08:38 e entre os minutos 00:16:11 e 00:16:21.

X - Ficou amplamente demonstrado em audiência de julgamento que os funcionários do Réu Banco 1... não examinavam, com grande atenção e detalhe, os cheques objeto do denominado processo de conferência/verificação de cheques, bem pelo contrário, desde logo porque não detinham especial atenção às eventuais rasuras dos cheques, como as testemunhas EE, FF e GG confessaram, preocupando-se essencialmente com o valor inscrito no cheque por extenso.

XI - Em suma da prova produzida em julgamento, o que resultou demonstrado foi que havia funcionários do Recorrido Banco 1... diariamente encarregues de retirar os cheques das máquinas automáticas e fazer a conferência dos cheques, mas que esse procedimento era aligeirado, e não rigoroso, desde logo pelo elevado número de cheques que tinham de conferir e pelo curto período de tempo que tinham para o efeito.

XII - Em virtude do exposto, entende a Recorrente que deve ser alterada a redação do ponto h) dos factos provados na sentença, o qual deverá passar a ter a seguinte redação:

“h) Não obstante, os cheques foram aceites como bons para pagamento pelos funcionários da ré Banco 1... de ... que intervieram no processo de conferência dos mesmos, trabalhando por conta da ré Banco 1...; (art. 44.º da petição inicial).”

XIII - Da mesma forma, impugna-se a decisão do Tribunal a quo sobre o facto dado como provado na sentença recorrida sob a alínea i), uma vez que do depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, designadamente aquelas que a sentença recorrida indica em sede de fundamentação, não é possível concluir que os funcionários da Recorrida Banco 2... inspecionaram (isto é, analisaram com rigor) os cheques cujas cópias lhe foram remetidas pelo Banco 1....

XIV - As testemunhas EE, FF, GG, funcionários do Banco 1... limitaram-se a referir que é remetida cópia dos cheques superiores a € 10.000,00 para a Ré Banco 2....

XV - Já o depoimento das testemunhas da Banco 2... que tiveram contacto com os três cheques emitidos pela Recorrente e que foram enviados pelo Banco 1... para aquela instituição bancária não foram nada claros – mas, antes, manifestamente contraditórios – quanto aos procedimentos normalmente empregues pelos funcionários no processo de validação dos cheques em geral e, em particular, quanto ao procedimento empregue no processo de validação dos concretos cheques em causa nos autos: cada um dos três funcionários em causa apresentou uma versão diferente daquilo em que consiste o processo de validação dos cheques e a diligência empregue – cfr. depoimento da testemunha HH foi prestado na audiência de julgamento de dia 2023.12.07, com início às 11:07 e término às 11:23, encontrando-se as concretas passagens entre os minutos 00:04:19 e 00:07:10 e entre os minutos 00:09:12 e 00:14:12; depoimento prestado por II na audiência de julgamento de dia 2023.12.07, com início às 10:33 e termo às 11:05, encontrando-se as concretas passagens gravadas entre os minutos 00:04:09 e 00:05:27, 00:12:50 e 00:14:16, 00:17:31 e 00:17:43, 00:23:09 e 00:24:33; e depoimento prestado pela testemunha JJ na audiência de julgamento de 2023.11.22, com início às 16:31 e termo às 16:52, encontrando-se as concretas passagens entre os minutos 00:03:17 e 00:04:21 e entre os minutos 00:05:42 e 00:08:19.

XVI - Ora, em face dos depoimentos pouco credíveis e coerentes entre si prestados pelos funcionários da Banco 2..., em particular no que concerne aos procedimentos de validação dos cheques levados à compensação, a nosso ver, não é possível, também aqui, falar de uma inspeção aos cheques levada a cabo agora pelos funcionários da Recorrida Banco 2... como o fez o Tribunal a quo na sentença recorrida, tendo apenas ficado demonstrado que os cheques foram objeto de processo de validação pelos funcionários da Banco 2... e que dois deles foram aceites como bons para pagamento.

XVII - Em conformidade, deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, passando a alínea i) a ter a seguinte redação: “i) Funcionários da ré Banco 1... fizeram remeter imagens dos cheques descritos na alínea b) datados de 7/07/2017 (ponto14), de 9/04/2018 (ponto 22), e de 8/06/2018 (ponto 24) à ré Banco 2... cujos funcionários trabalhando por sua conta intervieram no processo de validação dos cheques, e aceitaram os dois primeiros, datados de 7/07/2017 e 9/04/2018 como bons para pagamento; (arts. 45.º, 60.º e 141.º da petição inicial, e 158.º, 159.º e 162.º da contestação da ré Banco 1... e 47.º e 55.º da ré Banco 2...)”

XVIII - A Recorrente impugna também a decisão sobre a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida sob a alínea n) por não ser rigoroso o que ali se lê quanto ao facto de a Recorrente e a C... terem gerência comum.

XIX - A Recorrente e a C... têm um gerente em comum, KK, mas já não é verdade que a gerência da Recorrente e da C... seja comum, uma vez que um dos outros dois gerentes de cada uma das sociedades são pessoas diferentes.

XX - Encontra-se junta como docº. n.º 1 à petição inicial a certidão comercial da Recorrente, de onde decorre que são gerentes da sociedade os Senhores KK e LL.

XXI - Acresce que, do depoimento de parte da Recorrente (cfr. declarações de parte do Senhor LL prestadas na audiência de julgamento de dia 2023.11.21, com início às 11:56 e término às 12:45, encontrando-se as concretas passagens gravadas entre os minutos 00:00:35 e 00:00:43 e entre os minutos 00:08:49 e 00:08:53), bem como do depoimento das testemunhas MM (cfr. depoimento da testemunha MM prestado na audiência de julgamento de dia 2023.11.21, com início às 15:15 e término às 15:55, encontrando-se as concretas passagens entre os minutos 00:00:35 e 00:01:08, 00:01:37 e 00:01:41, 00:12:53 e 00:12:58) e NN (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de dia 2023.11.21, com início às 15:57 e término às 16:47, encontrando-se as concretas passagens gravadas entre os minutos 00:00:39 e 00:00:49) resultou que: (i) São gerentes da Recorrente os Senhores KK e LL; e (ii) São gerentes da C... o Senhor KK e a Senhora MM.

XXII - Donde, da prova documental, testemunhal e por declarações de parte produzidas nos autos, se conclui que a referência à “gerência comum” na alínea n) dos factos provados não é rigorosa, motivo pelo qual deve ser alterada a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre aquele ponto, cuja redação deverá passar a ser:

“n) A autora e a sociedade C..., Lda. são dominadas pela mesma família e têm um gerente comum (arts. 30.º, 31.º e 41.º da contestação da ré Banco 1...)”.

XXIII - Acresce que, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na alínea p) dos factos provados quanto à data do início da atuação de AA, na medida em que da prova produzida resulta que o início da atuação descrita nas alíneas e), f) e k) dos factos provados, relativamente à C..., se situa em julho de 2006, e não em 2009.

XXIV - Note-se que, de acordo com a sentença recorrida, o descrito nas alíneas o) e p) resulta do acórdão proferido no processo comum coletivo n.º 528/18.6T9STS e, ainda, dos factos provados no acórdão proferido no processo n.º 529/18.4T9STS, que correu termos no Juízo Central Criminal de Vila do Conde, sendo que, para este efeito, importa o acórdão proferido no processo n.º 529/18.4T9STS, processo-crime relacionado com a empresa C..., a que se reporta a alínea p) agora em análise.

XXV - A referência, naquele acórdão, à conduta de AA (apenas) a partir 2009 (em concreto, março), deve-se ao facto de naquele processo-crime n.º 529/18.4T9STS de onde foi feita a importação de parte da matéria de facto dada aqui como provada apenas estarem em causa uma parte (e não a totalidade) dos cheques juntos à presente ação (cfr. doc.º n.º 1 junto com o requerimento de 2023.12.19), uma vez que os crimes relacionados com a falsificação dos cheques relativos aos períodos anteriores já se encontravam prescritos.

XXVI - Encontram-se juntos aos autos a totalidade dos cheques da C... relativamente aos quais foi possível apurar terem sido objeto do esquema levado a cabo pelo Réu AA para burlar a Recorrente – cfr. doc.ºs n.ºs 1 a 141 juntos com o requerimento de 2020.02.06.

XXVII - Acresce que, encontra-se junta aos autos a sentença proferida por este mesmo Tribunal no processo n.º 1703/18.9T8PVZ (cfr. docº.s n.ºs 1 e 2 juntos com o requerimento da Recorrente de 2023.10.31), no âmbito da ação cível instaurada pela C... contra AA e outros, já transitada em julgado, com vista à obtenção de indemnização por conta da situação relacionada com a falsificação dos cheques juntos aos presentes autos como doc.ºs n.ºs 1 a 141 com o requerimento de 2020.02.06, na qual foi dado como provado que “j) Na posse dos referidos cheques, o réu AA dizia que iria proceder ao pagamento das quantias devidas a título de IVA, o que sucedeu entre Julho de 2006 e Junho de 2018; (arts. 9.º, 10.º e 12.º, da p.i.)” (negrito nosso; cfr. despacho de retificação da sentença de 2023.10.30).

XXVIII - Diga-se também que nos artº.s 34.º e 38.º da contestação do Recorrido Banco 1... e 31.º da Recorrida Banco 2..., para onde a sentença remete na alínea p) dos factos provados, os Recorridos remetem para o ano de 2006 alegado pela Recorrente na petição inicial (cfr. artº.s 53.º e 54.º da petição inicial) como tendo sido, pelo menos, o ano a partir do qual AA começou, na C..., a levar a cabo o esquema que resultou na falsificação dos cheques.

XXIX - Neste sentido, requer-se a alteração da decisão proferida na sentença recorrida na alínea p) dos factos provados, a qual deverá passar a ter a seguinte redação: “p) AA actuou, desde julho de 2006, de forma idêntica à descrita em e), f) e k) em relação a cheques que lhe eram entregues para pagamento de IVA devido pela C..., apropriando-se dos valores titulados pelos cheques e pagando IVA em valor inferior; (art. 34.º e 38.º da contestação da ré Banco 1... e 31.º da ré Banco 2...)”

XXX - Por outro lado, andou mal o Tribunal a quo ao dar como provado o facto descrito na alínea e) da sentença recorrida, o qual deve ser eliminado da matéria de facto provada, desde logo porque o docº. n.º 3 junto com a contestação do Recorrido Banco 1... não pode ser considerado, como concluiu o Tribunal a quo, como “instruções” emanadas pela Autoridade Tributária.

XXXI - De acordo com a contestação do Recorrido Banco 1... (cfr. artº. 46.º), o documento em questão, elaborado pela Autoridade Tributária, encontra-se disponível no site da anecra.pt.

XXXII - A Recorrente impugnou a força probatória do referido documento por se tratar apenas uma nota informativa da Autoridade Tributária, sem força de lei – cfr. Requerimento da Recorrente de 2020.03.25.

XXXIII - O Réu Banco 1... não produziu qualquer prova sobre o referido documento, não tendo ficado demonstrado que o mesmo tivesse sido publicado no site da Autoridade Tributária, nomeadamente na parte destinada às instruções administrativas emanadas por aquela entidade.

XXXIV - O documento em questão não pode sequer ser considerado, nos termos do artº. 55.º, do CPPT, “orientações genéricas” da Autoridade Tributária, uma vez que não resulta daquele documento que o mesmo tenha sido emitido pelo dirigente máximo do serviço ou do funcionário em quem ele tiver delegado essa competência, nem o referido documento é uma circular administrativa.

XXXV - Acresce que, mesmo que o referido documento consubstanciasse instruções emanadas pela Autoridade Tributária – o que não se concede – sempre aquela circunstância se revelaria irrelevante para a boa decisão dos presentes autos, com a necessária exclusão do referido ponto dos factos provados na sentença recorrida, uma vez que essas instruções vinculam apenas a Autoridade Tributária – cfr. Decisão do CAAD no processo de arbitragem tributária n.º 493/2021-T.

XXXVI - Na senda do que vem de ser exposto, afigura-se à Recorrente que a matéria em questão nem sequer deve integrar a matéria de facto, na medida em que o documento em questão traduz apenas, e quando muito, uma interpretação da lei, sendo esta (em concreto o Decreto-Lei n.º 492/88, de 30.12.1988) que releva.

XXXVII - Por outro lado, o objetivo das normas que regulamentam a forma de cobrança e reembolso dos impostos visou apenas criar um sistema que facilitasse à Autoridade Tributária a gestão apropriada da cobrança de impostos, permitindo um controlo mais célere e eficaz dos pagamentos de impostos e, consequentemente, facilitando a cobrança coerciva de impostos na falta do seu pagamento, e já não “impedir utilizações abusivas” dos meios de pagamento, designadamente dos cheques, como alegou o Recorrido Banco 1... na sua contestação, uma vez que para esse objetivo existem, sim, as normas que os Recorridos não cuidaram de cumprir e que se encontram previstas nos diplomas legais próprios que regulamentam este meio de pagamento e a atividade bancária, a saber: a Lei Uniforme Relativa aos Cheques e o Regime Geral das Instituições de Crédito.

XXXVIII - Em face do exposto, deve alínea q) ser excluída dos factos provados na sentença recorrida, passando a constar do elenco de factos não provados, o que se requer.

XXXIX - Caso assim não se entenda – o que apenas por mera hipótese de raciocínio se equaciona –, deverá a decisão do Tribunal a quo ser alterada no sentido de a redação da referida alínea q) passar a ser a seguinte:

“q) Em Abril de 2013 a autoridade tributária elaborou um documento sobre as formas de pagamento de impostos pelos contribuintes, com indicação de que o pagamento por cheque à ordem dos Banco 3... devia ser emitido à ordem de Correios de Portugal, com a menção “Pagamento de Impostos”, o número de identificação fiscal do devedor e o número de identificação do documento;”

XL - De igual forma, a Recorrente não se conforma com a inclusão da matéria ínsita na alínea t) da sentença recorrida nos factos provados, devendo a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo ser alterada no sentido de ser eliminada a alínea t) dos factos provados.

XLI - Em primeiro lugar, nenhum dos Recorridos alegou o que veio a ser dado como provado na alínea t) da sentença recorrida, isto é, que os valores entregues pela Recorrente a AA para pagamento de IVA eram superiores ao valor resultante da aplicação da taxa de IVA ao volume de negócios da Recorrente em 2016 e 2017.

XLII - Em segundo lugar, a alínea t) dos factos provados é um juízo conclusivo, sendo que só os factos materiais são suscetíveis de prova e devem ser julgados provados ou não provados.

XLIII - Em terceiro lugar, o Tribunal a quo nem sequer identifica a taxa de IVA considerada.

XLIV - Por outro lado, não existe – nem tal resultou provado – uma relação direta e matemática entre o volume de negócios e o IVA a pagar, pois o IVA devido depende de vários fatores (ex: operações isentas; operações de reembolso de IVA, seja por exportação, seja por dedução de IVA de equipamentos adquiridos).

XLV - Acresce que, nem sequer é verdade que Recorrente tenha entregue valores para pagamento de IVA superiores à taxa de IVA multiplicada pelo volume de negócios dos anos de 2016 e de 2017.

XLVI - A Recorrente impugna também a decisão do Tribunal a quo sob o ponto v) da sentença recorrida, na medida em que o Tribunal a quo pecou por defeito no facto que ali deu como provado, uma vez que também ficou provado que a C... acreditou na justificação que lhe foi apresentada por AA para a existência de um elevado saldo de caixa, não lhe tendo suscitado desconfiança acerca da conduta do contabilista – cfr. depoimento de AA prestado na audiência de 2023.11.21, com início às 10:24 e término às 11:45, encontrando-se as passagens entre os minutos 00:22:17 e 00:23:07, 00:26:44 e 00:27:18 e 00:28:33 e 00:29:08.

XLVII - Essa circunstância assume especial relevância para a apreciação da conduta da Recorrente, a propósito da invocada culpa do lesado pelos bancos Recorridos, atendendo às relações especiais daquela empresa com a Recorrente.

XLVIII - Assim, em face da prova produzida, deve ser alterada a decisão da matéria de facto do Tribunal a quo no sentido de ser alterada a redação da alínea v) da sentença recorrida, nos seguintes termos: “v) Em 2015, na sequência de uma inspecção tributária, foi detectado um saldo de caixa na contabilidade da C... em valor muito elevado e desconforme à realidade, tendo AA justificado a anomalia à gerência com acumulação de retiradas de caixa não documentadas, e aconselhado a regularização com tratamento do saldo em excesso como distribuição de lucros, o que foi acatado pela gerência de C... pelo facto de ter ficado acreditado na justificação por aquele apresentado, não tendo a referida situação suscitado desconfiança acerca da conduta do contabilista na C... ou na Autora; (arts. 93.º e 94.º da contestação da ré Banco 1...)”

XLIX - A Recorrente impugna, ainda, a alínea x) dos factos provados na sentença recorrida, cuja reapreciação da decisão se requer, pelo facto de da prova produzida ter resultado demonstrado mais do que foi transposto para os factos provados a propósito desta matéria.

L - Note-se que, em sede de resposta às exceções, designadamente a propósito da alegada culpa do lesado, a Recorrente alegou que resultava dos extratos bancários a saída dos montantes correspondentes aos cheques emitidos e que nunca havia existido qualquer indício ou suspeita de que estivesse a ser cometida qualquer irregularidade suscetível de gerar na Autora qualquer desconfiança, motivo pelo qual não lhe era exigível que procurasse apurar os beneficiários finais dos cheques, sendo que tal informação não consta dos extratos bancários – cfr. artº. 24 do requerimento da Recorrente de 2021.05.24.

LI - Acresce que, da prova produzida, em especial do depoimento da testemunha MM – que era a quem estavam adstritas essas funções – resultou demonstrado que a Recorrente conferia os extratos bancários e confirmava que da sua conta saiam os montantes correspondentes aos valores que havia emitido – cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de dia 2023.11.21, com início às 15:15 e término às 15:55, encontrando-se as concretas passagens abaixo transcritas gravadas entre os minutos 00:15:41 e 00:16:34.

LII - A circunstância de a Recorrente ter controlado os movimentos dos extratos bancários é matéria relevante para a boa decisão da causa em face da invocada culpa do lesado e assume especial relevância pelo facto de, por via do presente recurso, se pretender a reapreciação da decisão de direito relativa àquela exceção, pelo que deve a decisão da matéria de facto acerca do facto provado sob a alínea x) ser alterada no sentido de este passar a ter a seguinte redação:

“x) A Recorrente conferia nos extratos bancários o débito dos cheques descritos em b) na sua conta pelos montantes pelos quais aqueles haviam sido emitidos. A identificação do beneficiário final dos cheques descritos em b) não era possível por simples exame dos extractos bancários da autora, e a gerência da autora nunca procurou averiguar qual o beneficiário final de tais cheques; (arts. 117.º e 118.º da contestação da ré Banco 1...).”

LIII - Noutra ordem de considerações, além dos factos julgados provados pela sentença recorrida, foram alegados e provados outros, com interesse para a boa ecisão da causa, que não foram objeto de decisão pelo Tribunal a quo, não tendo ficado vertidos no elenco dos factos provados na sentença, os quais são especialmente relevantes, designadamente para efeitos do presente recurso, porquanto se prendem com a atuação e diligência da Recorrente, relevando, consequentemente, para efeitos de valoração da culpa.

LIV - Por um lado, a sentença é omissa relativamente aos eventos subsequentes ao referido na alínea y) da sentença recorrida, despoletados pelo alerta dado pela Recorrida Banco 2..., e à conduta da Recorrente, os quais resultaram da prova produzida, razão pela qual devem ser aditados à matéria de facto provada na sentença recorrida os seguintes factos:

(vi) aa) A Recorrente, na pessoa do Senhor KK, momentos depois de autorizar o pagamento do cheque datado de 2018.06.08, tentou cancelá-lo, mas já não foi possível;

(vii) bb) A Recorrente, com a ajuda de um consultor financeiro (OO) e de um contabilista (PP), de imediato iniciou um processo de investigação sobre os cheques emitidos pela A... e a C... para pagamento de IVA e os valores de IVA devidos em cada momento pelas respetivas empresas, tendo descoberto o esquema fraudulento de que as empresas foram alvo;

(viii) cc) No dia 2018.06.12, à noite, a Recorrente confrontou AA com a falsificação dos cheques, tendo este confessado o sucedido;

(ix) dd) A Recorrente rescindiu de imediato o contrato de prestação de serviços celebrado com a B...;

(x) ee) A Recorrente apresentou queixa-crime contra AA, a B... e CC, tendo AA sido condenado na prática de um crime de burla qualificada na forma continuada e de um crime de falsificação de documento na forma continuada, no âmbito do processo 528/18.6T9STS que correu termos no Juiz 3 do Juízo Central Criminal de Vila do Conde, referente à situação ocorrida com a A..., e na prática de um crime de burla qualificada na forma continuada e de um crime de falsificação de documento na forma continuada, no âmbito do processo 529/18.4T9STS, que correu termos no Juiz 4 do Juízo Central Criminal de Vila do Conde, referente à situação ocorrida com a C....

LV - Os factos acima descritos na alínea (i) resultaram das declarações de parte do gerente da Recorrente, KK (cfr. declarações prestadas na audiência de julgamento de 2023.11.21, com início às 14:07 e término às 15:14, encontrando-se as passagens entre os minutos 01:03:23 e 01:04:39) e do depoimento da testemunha OO (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de 2023.12.07, com início às 10:02 e termo às 10:30, nas passagens gravadas entre os minutos 00:12:46 e 00:13:42).

LVI - O facto acima descrito em (ii) relacionado com o processo de investigação que a Recorrente desencadeou ficou demonstrado, não só das declarações do gerente da Recorrente, KK (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de 2023.11.21, com início às 14:07 e término às 15:14, nomeadamente as passagens gravadas entre os minutos 00:01:41 e 00:02:24, 00:34:40 e 00:36:03, 00:37:23 e 00:37:43), mas foi confirmado pelo depoimento do outro gerente e de várias testemunhas, nomeadamente por aquelas que ajudaram a Recorrente a descobrir o esquema levado a cabo por AA – cfr. depoimento da testemunha OO prestado na audiência de julgamento de 2023.12.07, com início às 10:02 e termo às 10:30, em concreto as passagens gravadas entre os minutos 00:09:15 e 00:15:30; depoimento da testemunha PP prestado na audiência de julgamento de 2023.11.22, com início às 11:08 e término às 11:57, em especial as passagens gravadas entre os minutos 00:03:24 e 00:05:32 e entre os minutos 00:12:14 e 00:15:07.

LVII - Estes factos foram, ainda, corroborados pelo também gerente da Recorrente, Senhor LL, nas declarações prestadas na audiência de julgamento de dia 2023.11.21, com início às 11:56 e término às 12:45, em concreto as passagens gravadas entre os minutos 00:01:23 e 00:01:33 e entre os minutos 00:16:48 e 00:17:04, mas também pelo depoimento da testemunha MM, prestado na audiência de julgamento de dia 2023.11.21, com início às 15:15 e término às 15:55, encontrando-se as passagens gravadas entre os minutos 00:21:32 e 00:23:05, e pelo depoimento da testemunha NN, mulher de KK, prestado na audiência de julgamento de 2023.11.21, com início às 15:57 e término às 16:47, cujas passagens se encontram gravadas entre os minutos 00:21:00 e 00:22:42.

LVIII - O facto acima descrito em (iii) sobre o confronto de AA com a falsificação dos cheques e a confissão que dessa confrontação resultou foi atestado pelo gerente KK nas declarações prestadas na audiência de julgamento de 2023.11.21, com início às 14:07 e término às 15:14, ao minuto 00:37:43, e, ainda, pela testemunha MM, conforme depoimento prestado na audiência de julgamento de dia 2023.11.21, com início às 15:15 e término às 15:55, encontrando-se as passagens gravadas entre os minutos 00:20:19 e 00:21:30, e bem assim pelo próprio Senhor AA nas declarações prestadas na audiência de julgamento de 2023.11.21, com início às 10:24 e termo às 11:45, nomeadamente nas passagens gravadas entre os minutos 00:13:39 e 00:15:24.

LIX - Não obstante ter sido emitida à C..., releva ainda a declaração confessória assinada por AA e que se encontra junta à petição inicial como docº. n.º 60 – cuja assinatura foi atribuída a AA com elevado grau de probabilidade por relatório pericial junto aos autos como docº. n.º 3 com o requerimento da Recorrente de 2022.11.15 -, uma vez que, como resulta do facto provado ínsito na alínea p) da sentença recorrida, AA atuou de forma idêntica relativamente a cheques emitidos pela C... para pagamento do IVA devido por esta sociedade.

LX - Já o facto acima descrito em (iv) – termo do contrato de prestação de serviços entre a Recorrente e a B... imediatamente após a Recorrente ter sido alertada pela Banco 2... da falsificação do cheque datada de 2018.06.08 – foi atestado pelo gerente da Recorrente LL, nas declarações que prestou na audiência de julgamento de dia 2023.11.21, com início às 11:56 e término às 12:45, em concreto nas passagens gravadas entre os minutos 00:30:01 e 00:30:26, o que também foi corroborado pelo depoimento da testemunha NN prestado na audiência de julgamento de dia 2023.11.21, gravado entre os minutos 15:57 e 16:47, encontrando-se as passagens gravadas entre os minutos 00:23:36 e 00:24:21, e pelo depoimento da testemunha PP, prestado na audiência de julgamento de 2023.11.22, com início às 11:08 e término às 11:57, encontrando-se as passagens gravadas entre os minutos 00:00:25 e 00:00:37 e entre os minutos 00:02:46 e 00:04:45.

LXI - Relativamente ao facto acima descrito em (v), o mesmo encontra-se documentalmente provado nos autos através a) da participação criminal efetuada pela Recorrente contra AA e a B... que deu origem ao processo n.º 528/18.6T9STS (cfr. docº. n.º 61 junto com a petição inicial); b) da certidão judicial do processo-crime n.º 529/18.4T9STS despoletada pela participação criminal da C... contra AA e a B... (cfr. docº. n.º 1 junto com o requerimento de 2022.01.22 e docº.s n.ºs 1 a 3 juntos com o requerimento de 2023.12.19); c) da certidão judicial do processo-crime n.º 528/18.6T9STS (cfr. Documento junto com o requerimento de 2022.01.25 e docº.s n.ºs 4 e 5 juntos com o requerimento de 2023.12.19).

LXII - Por outro lado, entende a Recorrente que deverá ser aditado ao elenco de factos provados na sentença recorrida o seguinte facto:

“fé) Os gerentes da Autora têm um baixo nível de escolaridade, sendo que aqueles e os colaboradores da Autora com funções administrativas não tinham conhecimentos nem formação para compreender matérias relacionadas com o apuramento de impostos, designadamente o IVA, a análise de documentos fiscais, contabilísticos ou de prestação de contas.”

LXIII - Isto porque, na sequência da culpa do lesado invocada pelos Recorridos Banco 1... e Banco 2..., a Recorrente, em sede de resposta às exceções, alegou, entre outros, que ela, e os seus gerentes, não tinham formação ou conhecimentos que lhes permitissem compreender matérias complexas como o apuramento do IVA – cfr. artº.s 34.º a 38.º do requerimento de dia 2021.05.24, com a ref.ª 38971865.

LXIV - Da prova produzida em audiência de julgamento resultou amplamente demonstrado que os legais representantes da Recorrente – como, de resto, os demais colaboradores da empresa – tinham um baixo nível de escolaridade e não tinham conhecimentos nem formação para compreender matérias relacionadas com o apuramento de impostos, designadamente o IVA, a análise de documentos fiscais, contabilísticos ou de prestação de contas.

LXV - Com efeito, ficou demonstrado que o Senhor KK tem o 9.º ano de escolaridade – cfr. declarações de parte do próprio prestadas na audiência de julgamento de 2023.11.21, com início às 14:07 e término às 15:14, encontrando-se as passagens gravadas entre os minutos 00:21:03 e 00:21:11; depoimento do seu pai, LL, também em sede de declarações de parte prestadas na audiência de julgamento de dia 2023.11.21, com início às 11:56 e término às 12:45, encontrando-se as passagens gravadas entre os minutos 00:23:24 e 00:23:26.

LXVI - Da prova produzida resultou também que, internamente, a Recorrente apenas emitia faturas, não tratando da parte da contabilidade das empresas, tendo referido que não tinha conhecimentos de contabilidade nem conhecimentos que lhe permitam analisar declarações fiscais ou contas anuais das sociedades – cfr. declarações de parte de KK prestadas na audiência de julgamento de 2023.11.21, com início às 14:07 e término às 15:14, encontrando-se as concretas passagens gravadas entre os minutos 00:21:17 e 00:22:23, 00:40:33 e 00:42:00, 00:44:32 e 00:46:05, 00:51:17e 00:52:01.

LXVII - Da conjugação das declarações de parte do Senhor KK com o depoimento da testemunha OO acima já transcritas, resulta que foi este quem ajudou o Senhor KK a descobrir o esquema de que foi vítima por parte do Senhor AA, na sequência do telefonema que recebeu da Banco 2... (cfr. Alínea y) dos factos provados), precisamente porque o Senhor KK não tinha capacidade para compreender se as empresas tinham IVA a pagar ou não e não sabia sequer consultar as declarações de IVA – cfr. depoimento da testemunha OO, prestado na audiência de julgamento de 2023.12.07, com início às 10:02 e término às 10:30, nas passagens gravadas entre os minutos 00:15:36 e 00:16:13.

LXVIII - Por outro lado, a falta de conhecimentos dos legais representantes da Recorrente, bem como dos seus colaboradores, nomeadamente das Senhoras MM e NN, para compreender e analisar matéria relacionadas com fiscalidade, contabilidade ou contas anuais, foi atestada pelo próprio Senhor AA, agente do esquema fraudulento de falsificação dos cheques em causa nos autos – cfr. Depoimento prestado por AA na audiência de julgamento de dia 2023.11.21, gravado entre os minutos 10:24 e 11:45, encontrando-se as concretas passagens gravadas entre os minutos 00:08:25 e 00:09:17, 00:24:05 e 00:24:51, 00:28:33 e 00:29:08, 00:35:51 e 00:36:18.

LXIX - Ficou também demonstrado que o Senhor LL tem o 6.º ano de escolaridade e que quer ele, quer o resto da família, estavam virados para o trabalho de produção das empresas propriamente dito e que ninguém tinha conhecimentos ou percebia de contabilidade – cfr. declarações de parte de LL, prestadas na audiência de julgamento de dia 2023.11.21, com início às 11:56 e término às 12:45, encontrando-se as passagens entre os minutos 00:07:57 e 00:08:05 e entre os minutos 00:22:39 e 00:24:26, e as declarações de parte de KK, prestadas na audiência de julgamento de 2023.11.21, com início às 14:07 e término às 15:14, encontrando-se as passagens entre os minutos 00:11:01 e 00:12:05.

LXX - Resultou ainda da prova produzida, que NN, mulher do sócio e gerente da Recorrente, KK, é escriturária e que ela é uma das pessoas que, internamente, trata da faturação da empresa, mas já não da contabilidade, que estava entregue totalmente ao Senhor AA, limitando-se ela a preparar a documentação para entregar ao último – cfr. Depoimento da testemunha NN prestado na audiência de julgamento de dia 2023.11.21, gravado entre os minutos 15:57 e 16:47, encontrando-se as concretas passagens registadas entre os minutos 00:00:11 e 00:00:15, 00:08:47 e 00:11:10, 00:15:54 e 00:20:24, 00:30:05 e 00:32:14.

LXXI - Ficou ainda demonstrado que MM tem a 4.ª classe de escolaridade e que não tratava da contabilidade nem da faturação das empresas, não tendo conhecimentos de contabilidade ou fiscais – cfr. depoimento da testemunha MM prestado na audiência de julgamento de 2323.11.21, gravado entre os minutos 15:15 e 15:55, encontrando-se as concretas passagens abaixo transcritas registadas entre os minutos 00:01:58 e 00:04:05 e entre os minutos 00:08:36 e 00:10:34.

LXXII - Por fim, da prova produzida resultou ainda que QQ, funcionária administrativa com vínculo laboral formal à C..., mas que prestava também serviços para a Recorrente, tem o 9.º de escolaridade e tratava também da parte da faturação, mas que internamente não tratavam da contabilidade das empresas, e que não analisavam ou questionavam o trabalho de AA porque não tinham conhecimentos para tal – cfr. depoimento prestado pela referida testemunha na audiência de julgamento de dia 2023.11.22, gravado entre os minutos 10:33 e 11:07, com as passagens registadas entre os minutos 00:00:12 e 00:00:14, 00:01:18 e 00:01:40, 00:01:49 e 00:02:23, 00:03:58 e 00:05:01, 00:08:45 e 00:08:57, 00:15:18 e 00:19:10.

LXXIII - Sublinha-se o depoimento da testemunha PP, contabilista certificado que trabalha para a empresa que atualmente presta serviços para a Recorrente e a C... e que substituiu a B.../AA, o qual atestou que a Recorrente, e em específico o Senhor KK, não sabia como funciona o IVA nem analisar uma declaração fiscal, assim como também ninguém tinha conhecimentos para elaborar ou analisar contas anuais de sociedades ou para interpretar os dados que lá estão, como, aliás, disse acontecer na maioria das empresas portuguesas – cfr. depoimento da testemunha PP prestado na audiência de julgamento de 2023.11.22, gravado entre os minutos 11:08 e 11:57, encontrando-se as passagens abaixo transcritas entre os minutos 00:05:36 e 00:08:13, 00:09:20 e 00:11:27.

LXXIV - Isto posto, entende a Recorrente que a sentença recorrida é, ainda, omissa relativamente a factos instrumentais que resultaram da instrução do processo e que assumem especial relevância para a boa decisão da causa, relacionados com a conduta e a (falta de) diligência dos bancos Recorridos, pelo que deve ser aditado ao elenco de factos provados na sentença recorrida o seguinte:

“gg) Antes do descrito em y), os funcionários do Banco 1... detetaram no nome do beneficiário inscrito em, pelo menos, alguns dos cheques sinais que suscitaram suspeitas de adulteração, o que levou, pelo menos, dois dos funcionários do banco a confrontar AA com as mesmas, tendo esses funcionários e o banco aceite como boas as justificações que este lhes apresentou, encarando com normalidade a existência de cheques em idênticas circunstâncias, que aceitaram a pagamento.”

LXXV - Com efeito, da instrução da causa ficou provado que, antes do descrito em y) dos factos provados na sentença recorrida, os funcionários (mais do que um!) do Recorrido Banco 1... detetaram as referidas rasuras em, pelo menos, alguns dos cheques e que, perante aquela evidência, confrontaram o próprio AA (e não, como obviamente se impunha, a Banco 2... para que esta contactasse a Recorrente!), tendo aceite como boa a justificação que este lhes apresentou e aceite como bons para pagamento esses cheques - cfr. depoimento prestado por EE na audiência de julgamento de dia 2023.11.22, com início às 14:12 e término às 14:58, encontrando-se as concretas passagens entre os minutos 00:04:25 e 00:05:12, 00:10:46 e 00:11:05, 00:12:21 e 00:16:01, 00:20:45 e 00:21:58; depoimento prestado pela testemunha FF na audiência de julgamento de 2023.11.22, com início às 15:00 e término às 15:27, encontrando-se as concretas passagens gravadas entre os minutos 00:02:42 e 00:03:42, 00:13:36 e 00:16:03; e depoimento prestado na audiência de julgamento de 22.11.2023, com início às 15:28 e término às 15:56, encontrando-se as concretas passagens gravadas entre os minutos 00:07:01 e 00:13:25 e entre os minutos 00:23:18 e 00:26:34.

LXXVI - Os factos em questão são factos instrumentais, na medida em que se destinam a demonstrar factos essenciais alegados pela Recorrente, in casu, que o Recorrido Banco 1..., ao aceitar como bons os cheques para pagamento, atuou com culpa grave ou, pelo menos, de forma negligente porque as suas rasuras em evidentes, motivo pelo qual devem ser podem e devem ser aditados à matéria de facto provada na sentença recorrida.

LXXVII - Noutra ordem de considerações, a Recorrente impugna, ainda, a decisão do Tribunal a quo sobre alguns pontos da matéria de direito e, em especial, a parte em que a sentença recorrida excluiu o dever de indemnização dos Recorridos com fundamento nas disposições conjugadas dos artº.s 570.º, n.º 1, e 571.º do CC; senão vejamos:

LXXVIII - O Tribunal a quo concluiu (bem) pela responsabilidade solidária dos Recorridos indemnizarem a Recorrente pelos prejuízos por esta sofridos decorrentes de os cheques falsificados em causa nos autos terem sido aceites como bons para pagamento, quantificando o montante indemnizatório na quantia de € 83.082,61, a título de capital, non entanto, a final, entendeu o Tribunal a quo – aqui, a nosso ver, manifestamente mal – excluir totalmente o referido direito de indemnização da Recorrente por via da aplicação do disposto nos artº.s 570.º, n.º 1, e 571.º do CC, imputando à Recorrente o comportamento ilícito e culposo (doloso) do seu, à data, contabilista, o qual falsificou os cheques emitidos pela Recorrente à ordem dos Banco 3... para pagamento do IVA que, depois de adulterados, foram aceites e pagos pelos Recorridos a pessoa diversa do beneficiário originário neles inscrito.

LXXIX - Foi no confronto entre a conduta dolosa, intencional do contabilista – que a sentença recorrida imputou (mal) à Recorrente –, com a conduta negligente que imputou aos Recorridos que o Tribunal a quo fundou a decisão de exclusão total do direito de indemnização da Recorrente.

LXXX - Ora, não pode a Recorrente conformar-se com esta decisão do Tribunal a quo, a qual resulta, salvo o devido respeito, de uma interpretação errada do artº. 571.º do CC e da sua errada aplicação, conjugada com o artº. 570.º, n.º 1, do mesmo código, aos presentes autos.

LXXXI - Decorre da sentença recorrida que no entender do Tribunal a quo AA, por prestar serviços de contabilidade à Recorrente e, nesse âmbito, estar encarregue do pagamento do IVA, para cuja finalidade a Recorrente lhe entregou os cheques que este depois falsificou, integra o conceito de “pessoas de quem ele se tenha utilizado” para efeitos do disposto no artº. 571º do CC e que AA agia sob as instruções e na esfera de interesses da Recorrente, motivo pelo qual a atuação (intencional) daquele no prejuízo causado deve ser equiparado a facto praticado pela própria Recorrente (lesada), o que não se aceita.

LXXXII - O artº. 571.º do CC não está pensado para os casos, como o dos autos, em que o representante ou a pessoa de quem o lesado se tenha utilizado inflige, ele próprio, intencionalmente, e no seu exclusivo interesse, um dano ao lesado.

LXXXIII - O artº. 571.º do CC é aplicável àquelas situações em que o representante ou a pessoa de quem o lesado se tenha utilizado contribui culposamente para a produção ou agravamento dos danos sofridos pelo lesado, mas não quando é ele próprio o agente intencional do dano causado, isto é, quando age com dolo.

LXXXIV - o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do artº. 571.º do CC, estendendo a sua aplicação a situações como a dos autos, que saem manifestamente do âmbito e da ratio da norma, como seja a imputação de condutas culposas de pessoas que se apropriaram indevidamente das coisas ou que as utilizaram no seu interesse exclusivo ou dominante – cfr. Brandão Proença, A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério da Imputação do Dano Extracontratual, Almedina, p. 735.

LXXXV - Sintomático de que é errada a solução jurídica dada pelo Tribunal a quo ao caso dos autos é a circunstância de não ter sido acolhida solução idêntica nos vários acórdãos dos nossos Tribunais Superiores que versam sobre casos semelhantes ao dos autos, nos quais a apreciação da eventual culpa dos lesados foi sempre centrada na sua própria conduta, em concreto na apreciação do cumprimento dos deveres de diligência, nunca lhes tendo sido imputado o facto ilícito e doloso do agente da burla ou cogitada sequer essa imputação por força da aplicação do artº. 571.º do CC – cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 2011.10.03, no Proc. 2102/08.6TBOAZ.P1; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no Proc. 413/10.0TVLSB.L1-1, em 2017.02.21; acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 2012.01.17, no Proc. 702/08.3TBOVR.C1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 2024.04.03, proferido no Proc. 448/14.3T8VFR.P1.

LXXXVI - Acresce que, o art.º 571.º do CC equipara o facto culposo do lesado ao facto culposo dos seus representantes legais ou auxiliares, imputando ao lesado os factos culposos das pessoas por quem poderia responder se estas causassem prejuízos a terceiros (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2021.01.26, no Proc. 969/18.9T8GMR.G1.S1), no entanto, no caso dos autos, os factos ilícitos e dolosos praticados por AA, que a sentença recorrida imputa à Recorrente, foram praticados à margem das funções que a Recorrente lhe atribuiu no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado com a sociedade B... ao abrigo do qual AA exercia as funções de contabilista certificado da empresa.

LXXXVII - Com efeito, a Recorrente não conferiu à B... ou a AA poderes para emitir, preencher ou assinar cheques da empresa, mas apenas para apresentar a depósito os cheques previamente emitidos e assinados pelos legais representantes da empresa.

LXXXVIII - A falsificação dos cheques levada a cabo por AA que levou ao depósito das quantias neles tituladas na sua conta pessoal e da sua ex-mulher pelo facto de tal falsificação não ter sido detetada pelos bancos Recorridos foram atos praticados à margem das funções que lhe foram confiadas pela Recorrente.

LXXXIX - AA agiu a título meramente individual, e não ao abrigo de quaisquer poderes ou funções que lhe hajam sido atribuídas pela Recorrente e tais atos foram praticados com intenção de prejudicar a Recorrente e no interesse exclusivo de AA.

XC - Daí que seja errado afirmar – como faz a sentença recorrida – que AA integra o conceito de “pessoa de quem ele se tenha utilizado” previsto no artº. 571.º do CC.

XCI - Em virtude do exposto, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, no caso concreto não tem lugar a aplicação do artº. 570.º do CC por via do disposto no artº. 571.º do CC, imputando-se a conduta dolosa de AA à própria Recorrente, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao excluir a indemnização da Recorrente.

XCII - Visto que está que à Recorrente não é imputável a conduta ilícita e intencional do agente do crime AA, haverá que olhar à conduta dos representantes legais e funcionários da Recorrente no contexto dos eventos que circunstanciaram a falsificação dos cheques, sendo que, atendendo à matéria de facto já dada como provada na sentença recorrida – reforçada também pelas alterações na referida matéria de facto que por via do presente recurso se visam introduzir – é necessário concluir inexistir qualquer facto culposo da Recorrente para a produção ou o agravamento dos danos.

XCIII - Em primeiro lugar, a conduta da Recorrente/lesada não contribuiu, em termos de causalidade adequada, para os danos decorrentes dos factos ilícitos praticados pelos Recorridos e por AA.

XCIV - Em segundo lugar, ainda que assim não se entendesse – o que não se concede, mas por mera hipótese de raciocínio se admite – também sempre seríamos levados a concluir pela inexistência de culpa da Recorrente, uma vez que da prova produzida resulta à saciedade que a conduta da Recorrente não é merecedora de qualquer censura, pois, de entre o elenco de factos provados na sentença recorrida, nenhum deles permite formular um juízo de censura sobre a conduta da Recorrente, pelo que não é possível afirmar que a Recorrente tenha descurado qualquer dever de vigilância, pois o que ficou demonstrado é que a Recorrente fazia o controlo que lhe era possível, dentro das suas capacidades.

XCV - Note-se que não ficou demonstrado que os valores indicados por AA como sendo devidos a título de IVA a cada momento – pelos quais a Recorrente emitiu os cheques – fossem desproporcionais ou irrazoáveis em face da atividade da Recorrente.

XCVI - A gerência da Recorrente não era uma gerência desligada e demitida de qualquer controlo ou acrítica.

XCVII - A Recorrente tinha como seu contabilista pessoa idónea, que merecia a sua confiança e relativamente à qual não teve nunca qualquer motivo de desconfiança, que contratou para desempenhar as funções que os representantes legais e funcionários da empresa não tinham capacidade nem competências para desempenhar.

XCVIII - Ainda assim, dentro das suas capacidades, a Recorrente fazia o controlo da sua atividade, nomeadamente através do controlo da saída do valor dos cheques da sua conta bancária.

XCIX - O referido circunstancialismo determina o afastamento da aplicação do artº. 570.º, n.º 1, do CC aos presentes autos, na medida em que não se pode falar em concorrência da culpa do lesado, a par do facto ilícito e culposo dos Recorridos.

C - Sem prescindir, ainda que assim não se entenda, o juízo de censura sobre a conduta da Recorrente seria, quando muito, a título de negligência (e já não dolo como entendeu a sentença recorrida pelo facto de ter imputado à Recorrente erradamente a conduta intencionar do seu contabilista, agente do crime de burla).

CI - Por outro lado, afigura-se à Recorrente que dos factos provados na sentença, reforçados pelas alterações na matéria de facto que se visam introduzir por via do presente recurso em face da impugnação da decisão da matéria de facto acima deduzida, resulta que a negligência imputável aos Recorridos é uma negligência grave, embora o Tribunal a quo se tenha limitado a qualificar o comportamento dos Recorridos como negligente, fazendo uma errada interpretação do artº. 73.º do RGICSF, que estabelece um elevado grau de competência, afastando-se do conceito civilista do bonus pater famílias pelo qual se molda a conduta da Recorrente, adoptando o critério do bom banqueiro, como aquele profissional que age de forma zelosa e com elevado nível de competência técnica (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13.06.2018, proferido no âmbito do processo 2014/12.9TBPVZ.P1).

CII - Da prova produzida resultou amplamente demonstrada a falta de zelo, prudência, diligência, e mesmo de bom senso dos funcionários dos bancos Recorridos no exercício das suas funções, em particular na conferência dos cheques apresentados a pagamento, os quais agiram ao arrepio dos mais elementares deveres de cuidado e, portanto, muitíssimo aquém do grau elevado de diligência exigível aos banqueiros.

CIII - Os funcionários dos Recorridos foram completamente desleixados na conferência dos cheques, aceitando a pagamento cheques notoriamente adulterados.

CIV - Os funcionários do Banco 1... admitiram ter dado conta dos sinais de viciação dos cheques, mas, perante tal conduta, surpreendente e inexplicavelmente acharam por bem confrontar AA, e não o emitente do cheque (ainda que por intermédio da Banco 2..., banco da Recorrente).

CV - A conduta dos Recorridos é manifestamente mais grave, grosseira e censurável do que qualquer juízo de censura que se possa imputar à Recorrente, esse sim, quando muito, meramente negligente, pelo que, ainda que se entenda ser aplicável ao caso dos autos o disposto no n.º 1 do artº. 570.º do CC, a ponderação das condutas será entre a culpa grave dos Recorridos e a culpa leve da Recorrente, daí se extraindo a necessária conclusão de que a indemnização da Recorrente não deve ser reduzida e muito menos excluída como decidiu o Tribunal a quo.

CVI - Ainda que assim não se entendesse, face às condutas em confronto – por um lado, a culpa grave dos Recorridos e, por outro lado, a culpa leve da Recorrente –, dúvidas não restam de que, no limite, a indemnização da Recorrente apenas poderia ser reduzida em não mais do que 20%, nos termos do disposto no artº. 570.º, n.º 1, do CC, uma vez que o juízo de censurabilidade da conduta dos Recorridos é manifestamente mais elevado do que o da Recorrente.

CVII - Acresce que, a propósito da culpa da Recorrida Banco 2..., o Tribunal a quo, depois de enquadrar a responsabilidade desta no âmbito contratual, afirmou a culpa desta apenas com base na presunção estabelecida no art. 799.º, n.º 1, do CC.

CVIII - Sucede que, a culpa da Recorrida Banco 2... na violação do dever de diligência na verificação dos cheques resultou, no caso concreto, efetivamente demonstrada, pelo que a culpa da Recorrida Banco 2... não advém da mera presunção estabelecida no art.º 799.º do CC invocado na sentença recorrida, mas da efetiva demonstração de que violou os deveres de diligência a que se encontrava adstrita.

CIX - De facto, no que concerne aos cheques conferidos e aceites como bons para pagamento pelo Recorrido Banco 1... em virtude da adesão dos dois bancos Recorridos ao Sistema de Compensação Interbancária (SICOI), como a própria sentença refere, a Recorrida Banco 2... responde, ao abrigo do artº. 800.º, n.º 1, do CC, perante a Recorrente como se os atos tivessem sido por ela praticados, sendo que a culpa do Recorrido Banco 1... resulta inequivocamente dos factos provados na sentença recorrida – cfr., em particular, as alíneas e), f) e h), designadamente com as alterações à matéria de facto acima requeridas, bem como do facto cujo aditamento à matéria de facto provada acima se requereu (alínea gg)) – e foi afirmada categoricamente pela sentença recorrida (embora, a nosso ver, a sentença recorrida devesse ter ido mais longe e afirmado a culpa grave do Banco 1...).

CX - Por outro lado, a própria Recorrida Banco 2... recebeu cópias de dois cheques notoriamente falsificados que lhe foram enviadas para validação pelo Banco 1..., os quais também aceitou como bons para pagamento, como decorre das alíneas e), f) e i) dos factos provados na sentença recorrida, designadamente com as alterações acima requeridas em sede de impugnação da matéria de facto.

CXI - A afirmação da prova efetiva da culpa da Recorrida Banco 2... releva porquanto, vindo a reverter-se a decisão recorrida na parte em que imputa à Recorrente a conduta ilícita intencional de AA (como se espera) e vindo V. Exas. a entenderem ser aplicável ao caso dos autos o disposto no n.º 1 do artº. 570.º do CC por se considerar que a conduta da Recorrente é culposa e concorreu para a produção ou agravamento dos danos (o que não se concede, mas por mera hipótese se admite), caso a culpa da Recorrida Banco 2... decorra apenas da presunção de culpa – como estabeleceu a sentença recorrida – seria aplicável o n.º 2 daquela mesma disposição legal e excluído o seu dever de indemnizar a Recorrente; no entanto, verificando-se culpa do lesado, não há lugar à exclusão do dever de indemnizar do lesante sempre que, apesar da sua culpa se poder afirmar por força de uma presunção legal de culpa, ela haja sido efetivamente provada, como sucede no caso dos autos, daí que seja essencial a reapreciação da decisão do Tribunal a quo sobre a culpa da Recorrida Banco 2..., no sentido de se julgar provada a sua culpa grave com base na prova produzida, e não apenas no funcionamento da presunção legal de culpa prevista no artº. 799.º, n.º 1, do CC.

CXII - O Tribunal a quo aplicou, assim, erradamente ao caso dos autos o n.º 2 do artº. 570.º do CC.

CXIII - Nesta conformidade, caso, na sequência da reversão da decisão recorrida na parte em que imputa à Recorrente a conduta ilícita intencional de AA, venha a ser julgada verificada a exceção da culpa do lesado nos termos do disposto no n.º 1 do artº. 570.º do CC – o que não se concede, mas por mera hipótese de raciocínio se admite – nunca será aplicável a exclusão do dever de indemnizar da Recorrida Banco 2... com base no disposto no n.º 2 do artº. 570.º do CC.

CXIV - No que concerne ao montante indemnizatório, andou bem o Tribunal a quo no apuramento do quantum indemnizatório devido pelos Recorridos a título de capital, mas discorda-se do entendimento vertido na sentença recorrida relativamente ao início da contagem dos juros de mora, que se impugna.

CXV - Em primeiro lugar, discorda-se da sentença recorrida na parte em que entende estarmos perante um crédito ilíquido, na medida em que os critérios para a determinação do quantum indemnizatório estão determinados na lei, em concreto no artº. 566.º, n.º 2, do CC; a Recorrente interpelou os Recorridos para o pagamento da quantia de € 88.318,40, que receberam as respetivas cartas no dia 2019.09.30 – cfr. docº.s n.ºs 90 a 93 juntos com a petição inicial –; e era do conhecimento dos Recorridos o valor dos cheques indevidamente aceites para pagamento, assim a Recorrente lhes fez saber o valor que àqueles deveria ser deduzido, correspondente aos montantes de IVA efetivamente devidos pela Recorrente e que foram pagos à Autoridade Tributária pelo agente da burla.

CXVI - Assim, ao contrário do entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, não estamos perante um crédito ilíquido, não sendo aplicável o n.º 3 do artº. 805.º do CC.

CXVII - Acresce que, ambos os Recorridos foram citados para a presente ação no dia 2019.12.30, pelo que, pelo menos partir da referida data estão, não há dúvidas que os Recorridos estão na posse, não só dos cheques em causa nos autos, como também das declarações de IVA que atestam o valor de imposto efetivamente devido pela Recorrente à Autoridade Tributária a descontar ao valor dos cheques indevidamente pagos.

CXVIII - Motivo pelo qual, afigura-se à Recorrente que o início da contagem dos juros de mora começa relativamente a ambos os Recorridos a partir da data da sua interpelação para o pagamento da indemnização (2019.09.30), nos termos do n.º 1 do artº. 805.º do CC, sendo que a isso não obsta, como vimos já, o facto de a Recorrente ter interpelado os Recorridos para pagamento de quantia superior do que aquela que veio a ser julgada devida pelo tribunal.

CXIX - Verifica-se, assim, que a sentença recorrida aplicou erradamente o disposto no n.º 3 do artº. 805.º do CC, devendo, por conseguinte, ser alterada no sentido de condenar os Recorridos ao pagamento do montante indemnizatório apurado pelo Tribunal a quo, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal comercial em vigor desde a data de interpelação dos Recorridos (2019.09.30).

CXX - Caso assim não se entenda, considerando que, pelo menos à data da interpelação judicial (citação para os presentes autos), o crédito não é ilíquido, é nesse momento que se inicia a contagem dos juros de mora mesmo quando esteja em causa a responsabilidade contratual da Recorrida Banco 2....

CXXI - Note-se que, relativamente à responsabilidade do Recorrido Banco 1... de fonte extracontratual, a própria sentença recorrida afirma o início da contagem dos juros de mora a partir da citação para a ação, pelo que, sendo a responsabilidade dos Recorridos solidária, a obrigação de indemnização terá necessariamente de vencer juros de mora desde a data da citação para ambos os Recorridos.

CXXII - Nessa conformidade, sempre deverá a sentença recorrida ser alterada no sentido de condenar ambos os Recorridos no pagamento do montante indemnizatório apurado pelo Tribunal a quo, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal comercial em vigor desde a data da citação dos Recorridos para a ação (2019.12.30), nos termos do disposto no artº. 805.º, n.º 1, do CC. Em suma:

CXXIII - Deverá a sentença recorrida ser alterada no que concerne à decisão sobre a matéria de facto, alterando-se e aditando-se os factos nos termos acima requeridos.

CXXIV - O Tribunal a quo andou mal ao fazer aplicar aos autos o disposto no artº. 571.º do CC, imputando à Recorrente o comportamento ilícito e doloso de AA, disposição legal essa que não é aplicável a situações como a dos presentes autos.

CXXV - Consequentemente, o Tribunal a quo também errou ao, por força da aplicação do artº. 571.º do CC, julgar existir uma conduta do lesado (a conduta ilícita e intencional do contabilista) que concorreu com a dos bancos Recorridos para a produção dos danos, nos termos do disposto no artº. 570.º, n.º 1, do CC, concluindo pela exclusão do dever de indemnização dos Recorridos.

CXXVI - Assim, e pelos motivos acima já expostos, deverão V. Exas. alterar a decisão recorrida, no sentido de não excluir o dever de indemnização dos Recorridos com base nas disposições conjugadas dos artº.s 570.º, n.º 1, e 571.º do CC.

CXXVII - Por outro lado, uma vez negada a aplicação do artº. 571.º do CC, atendendo agora apenas à conduta da Recorrente, também não é aplicável aos autos o disposto no n.º 1 do artº. 570.º do CC, na medida em que a conduta da Recorrente não concorreu para a produção ou o agravamento dos danos, pelo que não há lugar a qualquer exclusão ou redução do dever de indemnizar dos Recorridos.

CXXVIII - Nestes termos, uma vez revertida a decisão recorrida que fez aplicar aos autos o disposto nos artº.s 570.º, n.º 1, e 571.º do CC, deverão V. Exas. concluir pela concessão da indemnização à Recorrente na íntegra.

CXXIX - Caso assim não se entenda, e julgando V. Exas. Ser aplicável aos autos o n.º 1 do artº. 570.º do CC pelo facto de a conduta da Recorrente ter concorrido para a produção ou o agravamento dos danos, ainda assim deverão concluir pela não exclusão ou não redução do dever de indemnizar dos Recorridos, em face da culpa grave dos Recorridos em contraponto com a culpa leve da Recorrente.

CXXX - Vindo V. Exas. a entender que, nos termos do n.º 1 do artº. 570.º do CC, deverá haver uma redução do dever de indemnizar dos Recorridos, essa redução não deverá ser superior a 20% do montante indemnizatório devido, em face da culpa grave dos Recorridos em contraponto com a culpa leve da Recorrente.

CXXXI - No que concerne ao montante indemnizatório, deverá manter-se o montante de capital apurado na sentença recorrida, mas já não o momento a partir do qual ali se julgou começarem a vencer-se os juros de mora, os quais, nos termos do disposto no artº. 805.º, n.º 1, deverão vencer-se desde a data da interpelação dos Recorridos para a ação ou, pelo menos, para ambos os Recorridos desde a data da citação.

CXXXII - Em consonância, deverão, a final, V. Exas. Julgar totalmente procedente a presente ação, condenando os Recorridos solidariamente a pagar à Recorrente a quantia de € 83.082,61 (oitenta e três mil oitenta e dois euros e vinte e um cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal comercial, desde a data da interpelação dos Recorridos para pagamento da indemnização (2019.09.30).


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Os Réus/recorridos apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.

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As questões a decidir são:

. apreciação da impugnação da matéria de facto, aferindo-se da sua relevância para o objeto do recurso;

. determinar se há culpa da lesada/recorrente nos danos que sofreu com o pagamento de cheques falsificados.


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2). Fundamentação.

2.1) De facto.

Foram julgados provados os seguintes factos:

«a) Em momento anterior a Agosto de 2016 a ré Banco 2... fez entregar à autora os módulos de cheque infra descritos com referência à conta bancária neles assinalada; (arts. 2.º e 4.º da petição inicial)

b) A partir de tais módulos, a autora fez emitir os seguintes cheques:

1. Cheque nº ..., datado de 8 de Junho de 2016, no valor de € 5.897,38;

2. Cheque nº ..., datado de 7 de Julho de 2016, no valor de € 6.312,05;

3. Cheque nº ..., datado de 9 de Agosto de 2016, no valor de € 4.823,12;

4. Cheque nº ..., datado de 8 de Setembro de 2016, no valor de € 6.813,10;

5. Cheque nº ..., datado de 7 de Outubro de 2016, no valor de € 2.611,03;

6. Cheque nº ..., datado de 8 de Novembro de 2016, no valor de € 5.876,80;

7. Cheque nº ..., datado de 7 de Dezembro de 2016, no valor de € 2.823,50;

8. Cheque nº ..., datado de 9 de Janeiro de 2017, no valor de € 2.501,01;

9. Cheque nº ..., datado de 8 de Fevereiro de 2017, no valor de € 4.629,31;

10. Cheque nº ..., datado de 9 de Março de 2017, no valor de € 2.905,29;

11. Cheque nº ..., datado de 6 de Abril de 2017, no valor de € 4.023,15;

12. Cheque nº ..., datado de 9 de Maio de 2017, no valor de € 5.123,83;

13. Cheque nº ..., datado de 6 de Junho de 2017, no valor de € 3.705,13;

14. Cheque nº ..., datado de 7 de Julho de 2017, no valor de € 10.547,91;

15. Cheque nº ..., datado de 8 de Agosto de 2017, no valor de € 1.703,01;

16. Cheque nº ..., datado de 8 de Setembro de 2017, no valor de € 4.215,17;

17. Cheque nº ..., datado de 9 de Outubro de 2017, no valor de € 3.821,15;

18. Cheque nº ..., datado de 8 de Novembro de 2017, no valor de € 5.911,64;

19. Cheque nº ..., datado de 6 de Dezembro de 2017, no valor de € 5.203,52;

20. Cheque nº ..., datado de 9 de Janeiro de 2018, no valor de € 3.725,06;

21. Cheque nº ..., datado de 8 de Fevereiro de 2018, no valor de € 4.231,16;

22. Cheque nº ..., datado de 9 de Abril de 2018, no valor de € 15.854,21;

23. Cheque nº ..., datado de 9 de Maio de 2018, no valor de € 8.693,29;

24. Cheque nº ..., datado de 8 de Junho de 2018, no valor de € 16.695,52; (art. 29.º da petição inicial)

c) Tais cheques foram sacados sobre a ré Banco 2... e apresentados a pagamento no balcão de ... da ré Banco 1...; (art. 30.º da petição inicial)

d) O beneficiário inicial inscrito pela Autora em todos os supra relacionados cheques era “Banco 3...”; (art. 31.º da petição inicial)

e) Os cheques foram entregues a AA, sócio gerente de B..., Lda., que após rasurava o nome do beneficiário inscrito transformando a inscrição em “B..., LDA”, sendo o primeiro “C” de “Banco 3...” transformado em “O” e o “T” em “C”, com inscrição das demais letras antes e depois das letras que inicialmente formavam a expressão “Banco 3...”; (arts. 32.º, 33.º, 35.º, e 36.º da petição inicial e arts. 23.º, 24.º e 27.º da contestação da ré Banco 2...)

f) Após receber e alterar cada um dos mencionados cheques, AA, por via do endosso, creditou-os na conta bancária n.º ..., domiciliada no Banco 1..., titulada por si e pela sua esposa BB, fazendo suas as respectivas quantias; (art. 46.º da petição inicial e arts. 23.º, 24.º e 27.º da contestação da ré Banco 2...)

g) Após a alteração descrita em d) e) era facilmente verificável que tinha ocorrido uma rasura nos cheques quanto ao nome do beneficiário por simples observação a olho nu de cada um dos cheques ou das suas imagens; (arts. 34.º, 37.º, 40.º, 43.º, 61.º da petição inicial)

h) Não obstante, os cheques foram aceites como bons para pagamento pelos funcionários da ré Banco 1... de ... que os inspeccionaram um a um, trabalhando por conta da ré Banco 1...; (art. 44.º da petição inicial)

i) Funcionários da ré Banco 1... fizeram remeter imagens dos cheques descritos na alínea b) datados de 7/07/2017 (ponto14), de 9/04/2018 (ponto 22), e de 8/06/2018 (ponto 24) à ré Banco 2... cujos funcionários trabalhando por sua conta também os inspeccionaram, e aceitaram os dois primeiros, datados de 7/07/2017 e 9/04/2018 como bons para pagamento; (arts. 45.º, 60.º e 141.º da petição inicial, e 158.º, 159.º e 162.º da contestação da ré Banco 1... e 47.º e 55.º da ré Banco 2...)

j) Os cheques descritos em b) foram emitidos pela autora para pagamento de IVA por si devido nos meses correspondentes; (art. 77.º da petição inicial)

k) Em relação aos meses a seguir indicados, os valores de IVA a pagar pela autora e efectivamente pagos por AA foram os seguintes:

1. A pagar em Junho de 2016: € 3.097,38;

2. A pagar em Julho de 2016: € 3. 348,62;

3. A pagar em Agosto de 2016: € 1.261,62;

4. A pagar em Setembro de 2016: € 5.051,84;

5. A pagar em Outubro de 2016: € 0,00;

6. A pagar em Novembro de 2016: € 2.876,80;

7. A pagar em Dezembro de 2016: € 0,00;

8. A pagar em Janeiro de 2017: € 0,00;

9. A pagar em Fevereiro de 2017: € 1.735,17;

10. A pagar em Março de 2017: € 0.00;

11. A pagar em Abril de 2017: € 0,00;

12. A pagar em Maio de 2017: € 1.149,83;

13. A pagar em Junho de 2017: € 0,00;

14. A pagar em Julho de 2017: € 7.354,29;

15. A pagar em Agosto de 2017: € 0,00;

16. A pagar em Setembro de 2017: € 3.162,30;

17. A pagar em Outubro de 2017: € 350,49;

18. A pagar em Novembro de 2017: € 911,64;

19. A pagar em Dezembro de 2017: € 334,05;

20. A pagar em Janeiro de 2018: € 0,00;

21. A pagar em Fevereiro de 2018: € 0,00;

22. A pagar em Abril de 2018: € 15.847,04;

23. A pagar em Maio de 2018: € 0,00;

24. A pagar em Junho de 2018: € 9.082,65. (arts. 78.º, 79.º e 81.º da p.i.).

l) A autora fez remeter à ré Banco 1..., que o recebeu em 30/09/2019, o escrito junto como documento n.º 40 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente a interpelação da ré para pagamento de €88.318,40 no prazo de dez dias; (art. 86.º da petição inicial)

m) A autora fez remeter à ré Banco 2..., que o recebeu em 30/09/2019, o escrito junto como documento n.º 42 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente a interpelação da ré para pagamento de €88.318,40 no prazo de dez dias; (art. 87.º da petição inicial)

n) A autora e a sociedade C..., Lda. são dominadas pela mesma família e têm gerência comum; (arts. 30.º, 31.º e 41.º da contestação da ré Banco 1... e 31.º da ré Banco 2...)

o) Desde 1995 que AA prestava serviços de contabilidade a favor de C..., e passou a tratar de toda a documentação relativa à contabilidade da C..., ao processamento de salários, entrega e elaboração das respetivas declarações fiscais, bem como do pagamento dos impostos referentes ao IVA, e a partir de 2016 passou também a prestar tais serviços a favor da autora; (arts. 34.º e 36.º da contestação da ré Banco 1... e 31.º da ré Banco 2...)

p) AA actuou, desde 2009, de forma idêntica à descrita em e), f) e k) em relação a cheques que lhe eram entregues para pagamento de IVA devido pela C..., apropriando-se dos valores titulados pelos cheques e pagando IVA em valor inferior; (art. 34.º e 38.º da contestação da ré Banco 1... e 31.º da ré Banco 2...)

q) Em Abril de 2013 a autoridade tributária fez emitir instruções genéricas sobre as formas de pagamento de impostos pelos contribuintes, com indicação de que o pagamento por cheque à ordem dos Banco 3... devia ser emitido à ordem de Correios de Portugal, com a menção “Pagamento de Impostos”, o número de identificação fiscal do devedor e o número de identificação do documento; (arts. 39.º, 47.º e 48.º da contestação da ré Banco 1...)

r) Os cheques mencionados em b) e p) eram emitidos à ordem de “Banco 3...”, sem qualquer das restantes menções supra indicadas, e sem inutilização do espaço restante disponível no módulo de cheque para identificação do beneficiário; (arts. 39.º e 49.º da contestação da ré Banco 1... e arts. 8.º, 18.º da contestação da ré Banco 2...)

s) AA não remetia as declarações de IVA que emitia à gerência da autora, nem esta lhas solicitava; (arts. 39.º e 75.º da contestação da ré Banco 1... e art. 21.º da contestação da ré Banco 2...)

t) Os valores entregues pela autora a AA para pagamento de IVA, por indicação deste, eram superiores à consideração da taxa de IVA aplicada aos valores do volume de negócios constante das contas da autora nos anos de 2016 e 2017; (arts. 39.º, 81.º a 83.º da contestação da ré Banco 1... e art. 21.º da contestação da ré Banco 2...)

u) Em alguns dos meses que a autora fez entregar cheques para pagamento de IVA, a autora tinha crédito de IVA e não dívida; (art. 91.º da contestação da ré Banco 1... e art. 21.º da contestação da ré Banco 2...)

v) Em 2015, na sequência de uma inspecção tributária, foi detectado um saldo de caixa na contabilidade da C... em valor muito elevado e desconforme à realidade, tendo AA justificado a anomalia à gerência com acumulação de retiradas de caixa não documentadas, e aconselhado a regularização com tratamento do saldo em excesso como distribuição de lucros, o que foi acatado pela gerência de C...; (arts. 93.º e 94.º da contestação da ré Banco 1...)

w) Os cheques descritos em b) eram emitidos à ordem pela gerência da autora por sugestão de AA, por aquela aceite; (art. 116.º da contestação da ré Banco 1...)

x) A identificação do beneficiário final dos cheques descritos em b) não era possível por simples exame dos extractos bancários da autora, e a gerência da autora nunca procurou averiguar qual o beneficiário final de tais cheques; (arts. 117.º e 118.º da contestação da ré Banco 1...)

y) JJ, funcionário trabalhando por conta da Banco 2..., depois de receber a imagem do cheque descrito na alínea b) datado de 8/06/2018 (ponto 24), nos termos descritos e i), inspecionou-o, contactou telefonicamente KK, gerente da autora, advertindo-o para os sinais de rasura que o cheque apresentava, e chegou mesmo a remeter-lhe cópia do cheque, mas não obstante KK autorizou o pagamento do cheque. (arts. 59.º e 60.º da contestação da ré Banco 2...)

z) A gerência da autora depositava grande confiança em AA, que já prestava serviços de contabilidade a favor da família e sociedades por si dominadas desde o tempo de ascendentes dos gerentes. (art. 13.º da petição inicial).».

E resultaram não provados:

« Que tivessem ocorrido devoluções de valor de IVA à autora pela autoridade tributária que fossem detectáveis por exame dos extractos bancários (art. 73.º da contestação da ré Banco 1...).

Que as contas da C... evidenciassem os desvios assinalados no art. 39.º em relação aos valores de IVA pagos (art. 39.º da contestação da ré Banco 1...).

Que a gerência da autora ou da C... tivessem conhecimento prévio da apropriação de valores por AA através da falsa indicação dos montantes de IVA em dívida e alteração de cheques (art. 96.º da contestação da ré Banco 1...).

Que funcionários da ré Banco 2... tivessem advertido a gerência da autora para sinais de rasura nos cheques descritos na alínea b) datados de 7/07/2017 (ponto14), de 9/04/2018 (ponto 22) e não obstante aquela gerência tivesse autorizado o pagamento do cheque (arts. 56.º a 58.º da contestação da ré Banco 2...).».


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2.2). Do mérito do recurso.

Como se denota da sentença objeto do recurso, a improcedência da ação deve-se a ter-se entendido que:

. a autora entregou os cheques para pagamento de IVA a AA, que depois os falsificou dolosamente;

. AA enquadra-se claramente no conceito de pessoas de quem ele (a autora) se tenha utilizado, prescrito no art. 571.º supracitado. É pessoa escolhida pela gerência da autora, actuando sob instruções suas, na sua esfera de interesse;

. a actuação de AA, que intencionalmente causa à autora o prejuízo que esta pretende ver ressarcido pelas rés é equiparada a facto da própria autora, nos termos do art. 571.º, do CC;

. considerando o confronto entre uma conduta intencional imputada à autora lesada, causadora do dano, e uma conduta meramente negligente imputada às rés será de excluir totalmente a indemnização, em decorrência do critério prescrito no art. 570.º, n.º 1, do CC..

Anteriormente, o tribunal recorrido concluiu que as duas Rés, ora recorridas, eram responsáveis, solidariamente, pelos prejuízos que causaram à Autora (tendo até fixado-se o respetivo valor – 83.082,61 EUR -).

O recurso da Autora visa, naturalmente, somente a parte em que se considerou estarem preenchidos os pressupostos que conduziram à exclusão da responsabilidade das Rés já que concorda com a parte restante (exceto a ponderação sobre a data de vencimento dos juros).

As Rés apenas contra-alegaram, pedindo a manutenção do decidido, sendo que «Banco 2… ….» menciona que há um lapso no cálculo da indemnização (75.469,80 EUR e não 83.082,61 EUR) e «Banco 1… ...» refere que deve ser abatido ao valor referido na sentença (83.082,61 EUR) o montante de 16.695,52 EUR, confessadamente já recebido pela Autora.

Daí que a apreciação da impugnação da matéria de facto (e obviamente a apreciação jurídica do caso) se fará tendo em atenção unicamente os factos que possam ser relevantes para a apreciação os pressupostos que conduziram à exclusão da responsabilidade das Rés.

Assim, apreciando a impugnação da matéria de facto, temos:

. alínea e), dos factos provados.

e) Os cheques foram entregues a AA, sócio gerente de B..., Lda., que após rasurava o nome do beneficiário inscrito transformando a inscrição em “B..., LDA”, sendo o primeiro “C” de “Banco 3...” transformado em “O” e o “T” em “C”, com inscrição das demais letras antes e depois das letras que inicialmente formavam a expressão “Banco 3...”; (arts. 32.º, 33.º, 35.º, e 36.º da petição inicial e arts. 23.º, 24.º e 27.º da contestação da ré Banco 2...)

A recorrente pretende que se acrescente que o último «T» foi transformado em «C», com inscrição das outras letras também entre as letras Banco 3..., estando as letras transformadas mais carregadas.

Concordamos com as observações dos recorridos no sentido de, nem ser através de testemunhas que se vai analisar e concluir pelas alterações nos documentos (será o julgador a fazê-lo, auxiliado ou não por prova pericial) e de que esta alteração não tem relevo na dinâmica do processo. Na verdade, seja porque:

. a alteração dos cheques provada já foi suficiente para o tribunal recorrido concluir que houve comportamento inadequado das Rés ao aceitar a sua validade, matéria que já não merece discussão neste recurso; seja porque

. resultou provado que «após a alteração descrita em d) e e) era facilmente verificável que tinha ocorrido uma rasura nos cheques quanto ao nome do beneficiário por simples observação a olho nu de cada um dos cheques ou das suas imagens» - alínea g), não sujeita a qualquer impugnação -, é inútil acrescentar qualquer outra factualidade pois aquela que determinaria a responsabilização das Rés já está assente.

Deste modo, por ser irrelevante, não se altera o facto em causa.


*

Alínea h), dos factos provados.

Não obstante, os cheques foram aceites como bons para pagamento pelos funcionários da ré Banco 1... de ... que os inspecionaram um a um, trabalhando por conta da ré Banco 1....

A recorrente pretende que se altera a redação, retirando a expressão um a um e se escreva «…funcionários da ré Banco 1... de ... que intervieram no processo de conferência dos mesmos.».

Não vemos igualmente, por um lado, que seja relevante para aferir se a Autora pode ver reduzido ou excluído o seu direito, em virtude da sua atuação, saber se os funcionários bancários viam ou não os cheques um a um. O que importa, e já está provado, é que falharam na sua análise dos cheques e não se os viram isoladamente ou por atacado ou em molhes de cheques.

Por outro lado, de nenhuma das testemunhas ouvidas resulta que os funcionários não vissem os cheques um por um, ou seja, lendo cada cheque naquela parte que consideravam relevante, como resulta dos excertos de testemunhas quer dos recorridos quer dos indicados pela própria recorrente.

Note-se que não é por se entender que as testemunhas viam os cheques um por um que se poderá concluir que os funcionários já eram mais cuidadosos na análise dos cheques: não só tal pode indiciar até uma maior falta de cuidado - se os viam isoladamente, como foi possível não detetarem aquela adulteração -, como o que efetivamente tem importância é saber o que viram ou, no caso, o que não viram e deviam ter visto.

Deste modo, também não se procede a qualquer alteração do facto.


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Alínea i), dos factos provados.

Funcionários da ré Banco 1... fizeram remeter imagens dos cheques descritos na alínea b) datados de 7/07/2017 (ponto 14), de 9/04/2018 (ponto 22), e de 8/06/2018 (ponto 24) à ré Banco 2... cujos funcionários trabalhando por sua conta também os inspecionaram, e aceitaram os dois primeiros, datados de 7/07/2017 e 9/04/2018 como bons para pagamento.

A recorrente pretende que se elimine a expressão inspecionaram e se escreva intervieram no processo de validação dos cheques. Com o devido respeito, inspecionar também significa examinar pelo que inspecionar ou intervir num processo de validação, não tem, para nós, a diferença de significado que a recorrente lhe pretende atribuir. Por outro lado, intervir num processo de validação dos cheques é nada dizer em concreto – interveio de que modo: olhando simplesmente para o cheque, analisando/comparando letras, -… -. A expressão é vaga, não podendo ser reservada um elenco de factos. Daí que, ou se apura que os funcionários examinaram os cheques ou não se apura esse exame mas não é caso de se substituir por uma expressão sem sentido concreto. E, no caso concreto, mais uma vez, seja pelos excertos de testemunha da apresentados pela recorrida «Banco 2… …» seja pelos da própria recorrente, nunca poderia resultar não provado que os funcionários daquela instituição bancária não examinavam os cheques. Na verdade, basta para tal que foi referido que houve verificação de pelo menos um cheque que suscitou dúvidas para que não se pudesse concluir que não houve aquele exame/inspeção Não se procede assim à pedida alteração.


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Alínea n), dos factos provados.

A Autora e a sociedade C..., Lda. são dominadas pela mesma família e têm gerência comum.

A recorrente pretende que se altere para A autora e a sociedade C..., Lda. são dominadas pela mesma família e têm um gerente comum.

Este facto é totalmente irrelevante para aferir se a Autora (e só esta) incumpriu os seus deveres de controlo de pessoas que exerciam funções para si; podia a gerência não ser comum ou ser comum a mais empresas que esse circunstancialismo em nada se relaciona com o saber como era exercida a fiscalização da atuação de colaboradores/prestadores de serviços.

Assim, para a dinâmica deste recurso, o facto é inócuo, pelo que não se procede a qualquer alteração.


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Alínea p) dos factos provados.

AA atuou, desde 2009, de forma idêntica à descrita em e), f) e k) em relação a cheques que lhe eram entregues para pagamento de IVA devido pela C..., apropriando-se dos valores titulados pelos cheques e pagando IVA em valor inferior.

A recorrente pretende que se altere para AA atuou, desde julho de 2006, de forma idêntica à descrita em e), f) e k) em relação a cheques que lhe eram entregues para pagamento de IVA devido pela C..., apropriando-se dos valores titulados pelos cheques e pagando IVA em valor inferior.

Como já dissemos, o que está em causa nos autos (em especial agora, em fase de recurso mas, diga-se, desde o início dos autos) é apenas a atuação da Autora e em que foi a mesma prejudicada e não o que sucedeu noutra empresa. A eventual atuação de AA noutra empresa, de contornos semelhantes, poderia servir de indício a se suspeitar que também o poderia ter feito em relação à Autora mas não se tratava de um facto essencial que devesse ser retratado na factualidade provada. De qualquer modo, neste momento, em que já se ultrapassou a fase de saber como ocorreu a viciação dos cheques e já se entrou na fase de análise da culpabilização da própria Autora ao não fiscalizar a emissão de cheques por outras pessoas, é totalmente irrelevante determinar qual foi a atuação de AA noutra empresa, mesmo que relacionada com a Autora, e muito menos se essa atuação noutra empresa ocorreu desde 2009 ou 2006.

Não se procede assim à pretendida alteração.


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Alínea q), dos factos provados.

Em abril de 2013 a autoridade tributária fez emitir instruções genéricas sobre as formas de pagamento de impostos pelos contribuintes, com indicação de que o pagamento por cheque à ordem dos Banco 3... devia ser emitido à ordem de Correios de Portugal, com a menção “Pagamento de Impostos”, o número de identificação fiscal do devedor e o número de identificação do documento.

A recorrente pretende que ou se elimine o facto ou então que passe a ter a seguinte redação: em abril de 2013, a autoridade tributária elaborou um documento sobre as formas de pagamento de impostos pelos contribuintes, com indicação de que o pagamento por cheque à ordem dos Banco 3... devia ser emitido à ordem de Correios de Portugal, com a menção “Pagamento de Impostos”, o número de identificação fiscal do devedor e o número de identificação do documento.

Afigura-se-nos que a discordância da recorrente não se relaciona tanto com a existência do documento mas se pode ser entendido como contendo instruções genéricas e, a conter, qual a sua abrangência objetiva e subjetiva; tal relaciona-se com o seu alcance jurídico, matéria que em nada deve brigar com o elenco de factos. Não obstante porventura este facto não ter a qualidade de facto essencial para ser elencado como facto provado (será antes um meio de prova para aquilatar se teria havido algum erro no preenchimento dos cheques pela Autora), aceitando a recorrente que possa permanecer, com uma redação que também pensamos ser mais escorreita (define-se que se está perante um documento, para depois, em sede de fundamentação jurídica, ser for caso disso, se ponderar o âmbito desse documento), altera-se a alínea para esta redação:

Em abril de 2013, a autoridade tributária elaborou um documento sobre as formas de pagamento de impostos pelos contribuintes, com indicação de que o pagamento por cheque à ordem dos Banco 3... devia ser emitido à ordem de Correios de Portugal, com a menção “Pagamento de Impostos”, o número de identificação fiscal do devedor e o número de identificação do documento.


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Alínea t), dos factos provados.

Os valores entregues pela Autora a AA para pagamento de IVA, por indicação deste, eram superiores à consideração da taxa de IVA aplicada aos valores do volume de negócios constante das contas da Autora nos anos de 2016 e 2017; (arts. 39.º, 81.º a 83.º da contestação da ré Banco 1... e art. 21.º da contestação da ré Banco 2...).

A recorrente pretende que se elimine este facto pois não corresponde ao que foi alegado, em especial pelo Réu «Banco 1… …».

Este alegou, nos ali citados artigos 81.º a 83.º da contestação, que:

. consultadas as IES de 2016 e de 2017 verifica-se que

i. no ano de 2016, o volume de negócios da Autora rondou os 388 mil euros;

ii. no ano de 2017, o volume de negócios da Autora rondou os 963 mil euros.

Significa isto que:

Os montantes em causa (isto é, a diferença entre o valor dos cheques emitidos e o valor do IVA devido) foi de cerca de 2,8% do volume de negócios da Autora em 2016, e de cerca de 9,3% do volume de negócios em 2017.

Ou seja, o que se alega é que a diferença entre o valor dos cheques (emitidos para pagamento de I. V. A.) e o que era devido era de tal modo elevado (representava 2,8% e 9,3% do volume de negócios, que tinha de suscitar suspeitas à Autora que algo não estava correto.

Por isso, efetivamente, não foi alegado, naqueles artigos, que o valor de I. V. A. devido era inferior ao que resultava dos cheques algo que, como menciona o recorrido «Banco 1… …» é algo que já está provado – alíneas b) e k), dos factos provados -.

Por isso, o facto não pode manter-se; as recorridas sustentam que se deve redigir o facto tal como alegado pelo «Banco 1… …».

Pensamos, um pouco na senda do alegado pela recorrente/Autora, que se deve unicamente elencar a factualidade isenta de juízos de valor – os volumes de negócio que resultam da Informação Empresarial Simplificada (I. E. S.) que, realizada pela própria Autora, não mereceu impugnação quanto ao seu teor no sentido de conter algum tipo de falsidade -. E daí que, pelo teor dos documentos nºs. 4 a 6, juntos pela Ré «Banco 1… …», verifica-se efetivamente que as vendas tiveram os seguintes valores:

. 2016 – 388.330,51 EUR;

. 2017 – 963.703,33 EUR;

. 2018 – 1.109.516,29 EUR (quadro 05301-A).

Depois, com estes valores, se se entender que são relevantes para tal, pode aferir-se se, naquela empresa Autora, aqueles valores de saída para pagamento de imposto, teriam que suscitar desconfiança ou não.

Deste modo, o facto provado t) passa a ter a seguinte redação:

Nos anos 2016 a 2018, na Informação Empresarial Simplificada (I. E. S.) de cada ano da Autora, constam como volume de vendas os seguintes valores:

. 2016 – 388.330,51 EUR;

. 2017 – 963.703,33 EUR;

. 2018 – 1.109.516,29 EUR.


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Alínea v), dos factos provados.

Em 2015, na sequência de uma inspeção tributária, foi detetado um saldo de caixa na contabilidade da C... em valor muito elevado e desconforme à realidade, tendo AA justificado a anomalia à gerência com acumulação de retiradas de caixa não documentadas, e aconselhado a regularização com tratamento do saldo em excesso como distribuição de lucros, o que foi acatado pela gerência de C....

A recorrente pretende que se acrescente que «o que foi acatado pela gerência de C... pelo facto de ter ficado acreditado na justificação por aquele apresentado, não tendo a referida situação suscitado desconfiança acerca da conduta do contabilista na C... ou na Autora.

Também aqui concordamos com as recorridas, quando alegam, nas contra-alegações:

. «Banco 2… …» - esta matéria não foi alegada por qualquer das partes;

. «Banco 1… …» - a confiança da Autora em AA já resulta da alínea z) - A gerência da autora depositava grande confiança em AA, que já prestava serviços de contabilidade a favor da família e sociedades por si dominadas desde o tempo de ascendentes dos gerentes.

A estas afirmações, acrescentamos que não está em causa nos autos saber o que sucedeu em «C...…» nem já se questiona o que AA fez em relação à Autora; o que se irá analisar no recurso é se a confiança em tal pessoa, já provada, pode desresponsabilizá-la, de algum modo, pelo o que ocorreu.

Assim, por não se tratar de matéria alegada nos autos e ainda por ser redundante, não se altera o facto.


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Alínea x), dos factos provados.

A identificação do beneficiário final dos cheques descritos em b) não era possível por simples exame dos extratos bancários da autora, e a gerência da autora nunca procurou averiguar qual o beneficiário final de tais cheques; (arts. 117.º e 118.º da contestação da ré Banco 1...).

Pretende que se, através dessa análise, adite que:

«A Recorrente conferia nos extratos bancários o débito dos cheques descritos em b) na sua conta pelos montantes pelos quais aqueles haviam sido emitidos. A identificação do beneficiário final dos cheques descritos em b) não era possível…».

Como alegam as recorridas, não se consegue vislumbrar qual o interesse em se de aditar que a recorrente conferia os extratos bancários se, por tal conferência, nada conseguiria descortinar quanto a uma eventual má-conduta de AA. Se a análise dos extratos não permite concluir que haveria algum problema de falsificação dos cheques e destino do dinheiro, não há necessidade de acrescentar que se fazia essa análise (só se esta pudesse evitar algum dano é que teria interesse aditar o facto, eventualmente provado).

Deste modo, por irrelevante, não se adita o pretendido.


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Aditamento de factos.

A recorrente pretende que se aditem os seguintes factos:

. aa) A Recorrente, na pessoa do Senhor KK, momentos depois de autorizar o pagamento do cheque datado de 2018.06.08, tentou cancelá-lo, mas já não foi possível;

. bb) A Recorrente, com a ajuda de um consultou financeiro (OO) e de um contabilista (PP), de imediato iniciou um processo de investigação sobre os cheques emitidos pela A... e a C... para pagamento de IVA e os valores de IVA devidos em cada momento pelas respetivas empresas, tendo descoberto o esquema fraudulento de que as empresas foram alvo;

. cc) No dia 2018.06.12, à noite, a Recorrente confrontou AA com a falsificação dos cheques, tendo este confessado o sucedido;

dd) A Recorrente rescindiu de imediato o contrato de prestação de serviços celebrado com a B...;

ee) A Recorrente apresentou queixa-crime contra AA, a B... e CC, tendo AA sido condenado na prática de um crime de burla qualificada na forma continuada e de um crime de falsificação de documento na forma continuada, no âmbito do processo 528/18.6T9STS que correu termos no Juiz 3 do Juízo Central Criminal de Vila do Conde, referente à situação ocorrida com a A..., e na prática de um crime de burla qualificada na forma continuada e de um crime de falsificação de documento na forma continuada, no âmbito do processo 529/18.4T9STS, que correu termos no Juiz 4 do Juízo Central Criminal de Vila do Conde, referente à situação ocorrida com a C....

Mais uma vez, pensamos que nenhum destes factos tem o mínimo relevo para a decisão a tomar neste recurso. Na verdade, repete-se, estando em causa unicamente aferir se a atuação da Autora, em momento anterior, seja em termos de passado mais distante seja em termos de passado imediato, em relação à alteração/viciação dos cheques, de algum modo é culpada do prejuízo que acabou por ter.

Não está em causa como, na nossa opinião, bem refere a recorrida «Banco 2… …» nas contra-alegações, a atuação posterior à descoberta da situação nem sequer que a recorrente não tenha diligenciado por descortinar o que já tinha sucedido e atuar em relação ao agente do ilícito.

Estes factos que aqui estão descritos em nada irão contribuir para aferir se o mecanismo adotado pela recorrente foi afinal apto a que pudesse existir a prática de atos como a aqueles de se que ocupa a presente ação, assim podendo ter sido negligente na sua atuação.

A condenação de AA é igualmente irrelevante pois já está provada toda a sua atuação, sem ter sido questionada por qualquer das partes – alíneas e) e f), dos factos provados -.

Improcede assim este pedido.


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Alínea ff).

Os gerentes da Autora têm um baixo nível de escolaridade, sendo que aqueles e os colaboradores da Autora com funções administrativas não tinham conhecimentos nem formação para compreender matérias relacionadas com o apuramento de impostos, designadamente o IVA, a análise de documentos fiscais, contabilísticos ou de prestação de contas.

Desde logo, a expressão um baixo nível de escolaridade, não concretiza afinal que grau será – ensino básico, completo ou incompleto, ensino secundário incompleto e, a sê-lo, até que ano -, pelo que em nada iria contribuir para aferir se havia responsabilidade da Autora no controle de atuações que pudessem ser dolosamente lesivas dos seus interesses no que respeita à emissão de cheques por valores demasiado elevados para as dívidas da empresa.

Depois, não importaria tanto aferir se os gerentes da Autora e os seus colaboradores seriam pessoas incapazes de perceberem que havia movimentações de cheques que eram entregues para pagamento de I. V. A. e que não percebiam o que significavam entradas e saídas de valores da mesma empresa mas antes poderia importar determinar se a Autora não tinha criado uma estrutura capaz de, em tempo útil e possível para as suas capacidades, de detetar que haveria movimentações de cheques por valores que não tinham correspondência com os valores devidos (por exemplo, contratando contabilistas).

Esta última possível situação não faz parte da impugnação da matéria de facto apresentada pela recorrente ao pretender o aditamento desta alínea; nos artigos 35.º a 38.º, do articulado em que a Autora se pronuncia sobre exceções (apresentado em 24/05/2021), são tecidas apenas considerações genéricas sobre a dificuldade de um gerente de uma empresa em se aperceber das complexidades que giram à volta da dívida de impostos e que, por isso, é natural que se recorra a contabilistas mas não alega que, em concreto, os gerentes da Autora tivessem baixa escolaridade.

Assim, não se defere o requerido aditamento.


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Por último, pretende ainda a recorrente que se adite o seguinte facto:

. gg) Antes do descrito em y), os funcionários do Banco 1... detetaram no nome do beneficiário inscrito em, pelo menos, alguns dos cheques sinais que suscitaram suspeitas de adulteração, o que levou, pelo menos, dois dos funcionários do banco a confrontar AA com as mesmas, tendo esses funcionários e o banco aceite como boas as justificações que este lhes apresentou, encarando com normalidade a existência de cheques em idênticas circunstâncias, que aceitaram a pagamento.».

As recorridas concordam que se adite um facto que tenha por objeto a atuação de funcionários bancários quanto a um cheque que podia revelar sinais de adulteração; no entanto, não concordam com que se adite que se encarou a explicação dada por AA como boa e se entendeu o que se estava a passar como normal.

E, na verdade, atentos os depoimentos de EE e FF, ambos parcialmente transcritos por recorrente e recorridos, verifica-se que o que terá sucedido é que uma funcionária (EE) terá tido dúvidas em relação a um cheque e que suscitou a intervenção de AA que explicou que o realce do nome do beneficiário (assim entendido pela funcionária) seria para não haver engano a favor de quem era emitido o cheque; e FF confirmou que era essa a explicação que já tinha sido dada anteriormente e que por isso aceitava, o assim entendido, realce do nome beneficiário.

Assim, comparando as três versões que recorrente e recorridos apresentam, pensamos que a melhor será aquela que resulta da proposta pela recorrente, eliminando a parte final onde se menciona, encarando com normalidade a existência de cheques em idênticas circunstâncias, que aceitaram a pagamento.». A versão de «Banco 1… …» afigura-se-nos algo interessada no sentido de classificar a viciação como realce, quando já se sabe que o não é, foi a adulteração do nome do beneficiário; a da «Banco 2… …, », bastante escorreita, acaba por se refletir na versão da recorrente, excluindo o que já se mencionou. No entanto, ambas as versões das recorridas contêm a menção à aparente idoneidade de AA, facto que contextualiza e concretiza a atuação dos Bancos ao aceitaram a versão da pelo mesmo, o que também assim será dado como provado.

Este facto pode ter relevância para aferir qual o grau de falta de cuidado por parte das Rés – desconfiando de algo, atuam junto de uma determinada pessoa e confiam nela -.

Assim, adita-se o seguinte facto:

a1). Antes do descrito em y), os funcionários do Banco 1... detetaram no nome do beneficiário inscrito em, pelo menos, alguns dos cheques sinais que suscitaram suspeitas de adulteração, o que levou, pelo menos, dois dos funcionários do banco a confrontar AA com as mesmas, tendo esses funcionários e o banco aceite como boas as justificações que este lhes apresentou atento o caráter de pessoa idónea de que o mesmo gozava junto das instituições bancárias.


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2.2). Da apreciação jurídica.

O que sustenta a presente ação é a responsabilização das Rés, enquanto instituições bancárias, por terem pago o valor inscritos em cheques falsificados.

Como já referimos, não é questionado no recurso que as Rés/Bancos, incumpriram os seus deveres enquanto instituições bancárias ao não impedirem o pagamento dos cheques adulterados quanto ao beneficiário, pelos motivos constantes da sentença recorrida.

Tal responsabilização advém, de acordo com a sentença recorrida:

«Banco 2… ..» - «como resulta dos pontos 1 e 6 do anexo à Instrução n.º 3/2009, sobre Procedimentos Relativos à Compensação de Cheques, a ré Banco 2... delega na ré Banco 1... o cumprimento do seu dever perante a autora da verificação da genuinidade dos restantes cheques por si sacados e apresentados a pagamento perante aquela ré, sem qualquer procedimento ulterior de verificação pela Banco 2..., nomeadamente através de imagem. Nos termos do art. 800.º, n.º 1, do CC, o devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor.», e «…a delegação da Banco 2... em Banco 1... do cumprimento do dever de verificação da genuinidade dos cheques através do SICOI enquadre esta previsão normativa e torne a violação desse dever imputável à ré Banco 2..., por aplicação do normativo em análise»;

. «Banco 1… …» - a responsabilidade advém da ilicitude extracontratual adotada pela instituição bancária ao não ter sido diligente no exercícios dos seus deveres ao verificar a autenticidade dos cheques – artigos 483.º, do C. C., 73.º e 74.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras

Temos então que, como objeto de recurso a análise sobre se essa responsabilização pode ser excluída ou reduzida pelos motivos indicados pelo tribunal, a saber:

. aplicação do disposto no artigo 570.º, n.º 1, do C. C. por se entender que se estava perante uma atuação dolosa da mesma Autora;

. atuação dolosa essa que resultava da equiparação determinada pelo artigo 571.º, do C. C. entre facto culposo do lesado e facto culposo seus representantes legais e das pessoas de que ele (lesado) se tenha utilizado.

Vejamos então.

O artigo 570.º, do C. C. dispõe que:

. n.º 1 - quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

n.º 2 - se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.

Por seu turno, o artigo 571.º, do C. C. estatui que:

Ao facto culposo do lesado é equiparado o facto culposo dos seus representantes legais e das pessoas de quem ele se tenha utilizado.

O tribunal recorrido afirmou que: Decorre da alínea o) dos factos provados que AA prestava serviços de contabilidade a favor da autora… . A autora entregou os cheques para pagamento de IVA a AA, que depois os falsificou dolosamente. AA enquadra assim claramente o conceito de pessoas de quem ele (a autora) se tenha utilizado, prescrito no art. 571.º supracitado. É pessoa escolhida pela gerência da autora, atuando sob instruções suas, na sua esfera de interesse. A atuação de AA, que intencionalmente causa à autora o prejuízo que esta pretende ver ressarcido pelas rés é equiparada a facto da própria autora, nos termos do art. 571.º, do CC. Considerando o confronto entre uma conduta intencional imputada à autora lesada, causadora do dano, e uma conduta meramente negligente imputada às rés será de excluir totalmente a indemnização, em decorrência do critério prescrito no art. 570.º, n.º 1, do CC..

Ora, afigura-se-nos ser correto (mas não isento de dúvidas) entender que AA foi uma pessoa de quem a Autora/recorrente se serviu para o pagamento das quantias inscritas nos cheques, não só entregando-os para depósito como até os preenchendo; e também é correto que aquela pessoa atuou dolosamente ao falsificar o elemento relativo ao beneficiário.

Não será pela circunstância de, aquela pessoa, quando deveria cumprir as suas funções, ao invés tenha decidido não o fazer, que se deve afastar a noção de que a mesma atuou como auxiliar da Autora. O que sucede é que aquela mesma pessoa não cumpriu com as funções que lhe foram atribuídas – em vez de depositar os cheques a favor de outras pessoas, fê-lo a seu favor, beneficiando da falsificação por si operada -. Igual ideia existiria, por exemplo, na pessoa que foi encarregue pela empresa para entregar dinheiro a uma outra empresa e que, em vez de o fazer, foge com o dinheiro – a pessoa não tinha cumprido a função que estava destinada a realizar. Diferente será se, um contabilista a prestar serviço a uma empresa, em vez de proceder ao depósito de cheques, assaltasse o Banco – o assalto extravasaria as funções que lhe foram atribuídas -.[1]

Mas, no caso concreto, não é pela simples falsificação dolosa dos cheques que se pode concluir pela exclusão ou redução da indemnização. Na verdade, aquele artigo 571.º, do C. C. nada mais faz do que equiparar à culpa do lesado a situação em que exista uma atuação culposa de um, no caso, auxiliar do lesado. Ou seja, supondo-se que existe uma ocorrência em que o lesado, por si só, não tem responsabilidade mas um seu auxiliar a tem, continua a considerar-se que existe um facto culposo do lesado. A culpa do terceiro equivale assim a culpa do lesado.

E, numa situação de cumprimento contratual, em que o devedor encarrega um terceiro de realizar uma prestação a favor de um credor, se aquele terceiro não a cumpre, negligente ou dolosamente, o devedor continuará a ser responsável perante o credor (artigo 800.º, n.º 1, do C. C.).

No caso, não se está perante o cumprimento de contrato entre Autora e as entidades bancárias; o que sucede é que a Autora pretendeu efetuar pagamentos através de cheques e a pessoa por si encarregue de o fazer falsificou esses mesmos cheques, obtendo um benefício a que não tinha direito. E, pretendendo a mesma Autora a responsabilização das entidade bancárias por terem pago cheques falsificados, a culpa do lesado que se tem de analisar não é somente a do auxiliar que beneficiou da sua atuação ilícita mas a da própria empresa que não fiscalizou devidamente essa atuação e assim a permitiu.

A atuação da Autora, em relação às entidades bancárias, é a de pedir o pagamento de cheques e a responsabilização das Rés advém de pagarem os valores inscritos em cheques falsificados. Será neste binómio que se tem de aferir se a Autora, lesada por esse pagamento de cheques falsificados, pode ser considerada culpada de algum modo nessa ocorrência.

Não havendo qualquer notícia de a Autora ter comparticipado na atuação do seu auxiliar, então a atuação deste, dolosa, repercute-se na análise que se tem de efetuar mas englobada na culpa da própria lesada/Autora: esta, ao entregar cheques e transmitir a própria tramitação contabilística da empresa a uma pessoa que acaba por viciar dolosamente tais documentos, incorreu nalgum tipo de falta/culpa ao eleger essa pessoa e ao não fiscalizar devidamente a sua atividade, assim a permitindo?

Ou seja, a Autora, que não teve culpa na entrega de cheques falsificados aos Bancos, acaba por ver repercutida na sua esfera essa atuação do seu auxiliar – desconto de cheques falsificados pelo mesmo auxiliar – mas essa repercussão não atinge o grau de se considerar que foi a própria Autora quem falsificou os cheques e que beneficiou dessa conduta.

Não é unicamente a atuação do contabilista que está em causa: o que está em causa é a sua atuação e o modo como a Autora permitiu que se repercutisse, daquela forma, no seu património. No fundo, continuamos a aplicar diretamente o disposto no artigo 570.º, n.º 1, do C. C., aferindo se há culpa do lesado e ponderando que parte dessa culpa pode advir de uma conduta dolosa de um seu auxiliar mas não se concluirá pela eventual culpa do lesado unicamente porque o seu auxiliar atuou daquele modo; note-se que a culpa do lesado pode existir antes da atuação do auxiliar (falta de vigilância) pelo que não se pode ficar pela análise da culpa do auxiliar para se concluir pela redução ou exclusão da indemnização através da equiparação prevista no artigo 571.º, do C. C..

Como refere Mário de Brito, Cheques falsificados. Responsabilidade pelo seu pagamento, B. M. J., n.º 205, páginas 98, 99 «é precisamente a partir deste contrato [convenção de cheque] que deve resolver-se o problema da responsabilidade pelo pagamento de cheques falsificados. Na verdade, da celebração de tal convenção resulta para o banqueiro, por um lado, a obrigação de pagar o cheque à sua apresentação e, por outro lado, o dever de diligência na verificação da assinatura do sacador; por sua parte, o cliente assume perante o banco, em virtude da mesma convenção, o dever de guardar cuidadosamente os cheques, de só os confiar a empregados de cuja probidade se tenha certificado convenientemente, de avisar o banco logo que dê pela sua perda ou extravio. Da inobservância ou violação destes deveres, quer por parte do banco, quer por parte do depositante, é que resultará a responsabilidade pelos danos causados pelo pagamento de cheques falsificados.».

Ou como se refere no Ac. do S. T. J. de 26/01/2021, processo n.º . 969/18.9T8GMR.G1.S1, www.dgsi.pt, «a culpa do lesado pode referir-se à atuação do próprio credor, assim como à das pessoas de que este se utiliza, nos termos do art. 571.º do CC. Trata-se aqui de uma “responsabilidade contra si próprio por facto de terceiro”. O art. 571.º imputa ao lesado a atuação culposa de pessoa de cuja atuação beneficie, tal como o faz o art. 800.º, n.º 1, do CC. Assim, a lei equipara o facto culposo do lesado ao facto culposo dos seus representantes legais ou auxiliares, imputando ao lesado os factos culposos das pessoas por quem poderia responder se estas causassem prejuízos a terceiros. Está em causa uma situação de concausalidade.».

O facto culposo do auxiliar foi ter falsificado cheques e tê-los apresentado a pagamento; se esta atuação do auxiliar causasse prejuízo a terceiros, então a Autora/empresa teria de responder pelos mesmos em virtude da atuação do seu auxiliar mas não respondia por ter falsificado cheques. E aqui, nos termos do artigo 570.º do C. C. é igual o raciocínio: a indemnização pode ser reduzida ou excluída face à atuação daquele seu auxiliar desde que por força dessa atuação do auxiliar, se possa concluir que há culpa da empresa na produção do dano.

Esta ideia não é nova pois já se referia no § 6.º do Anteprojeto elaborado por Comissão presidida por José Gabriel Pinto Coelho, nomeada por portaria do Ministério das Finanças, de 21 de fevereiro de 1953, acessível em https://purl.sgmf.gov.pt/COL-MF-0076/1/COL-MF-0076_master/COL-MF-0076_PDF/COL-MF-0076_PDF_01-B-R0299/COL-MF-0076_0000_01-30_t01-B-R0299.pdf que: se o sacado pagar um cheque falsificado, o prejuízo daí resultante será da sua responsabilidade, a não ser que prove que o pagamento foi devido unicamente a culpa do sacador, exemplificando-se depois, no § 2.º que revela culpa o sacador que confira o cheque ou caderneta de cheques a empregado ou familiar, cuja culpa ou dolo, tenha determinado ou concorrido para a falsificação.[2] No entanto, este diploma não chegou a entrar em vigor.

Assim, importa analisar se existe então culpa da Autora na produção do dano que sofreu.

Está em causa aferir se o lesado/prejudicado não adotou a conduta exigível com que poderia ter evitado a produção do dano ou o agravamento dos seus efeitos, tendo que esse facto do prejudicado ser considerado causa do dano ou do seu aumento, verificando-se um nexo de concausalidade – Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª edição, páginas 725 e 726 -.

No Ac. do S. T. J. de 29/10/2020, processo n.º 515/04.1TBGDM.P1.P1.SI, www.dgsi.pt, menciona-se, citando Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2011, páginas 728, 730, 731, que «a culpa do lesante pressupõe a ilicitude; pressupõe um facto desconforme a um dever; a culpa do lesado, não – pressupõe, tão-só, um facto desconforme a um ónus”, querendo com isto dizer que o facto culposo do lesado deverá consistir em “um facto desconforme ao ónus do lesado atuar com a diligência ordinária, com a diligência de uma pessoa razoável na gestão dos seus assuntos e interesses.».

Na verdade, não impende um dever sobre o lesado de atuar conforme determinadas regras pois esse modo de atuar é facultativo; por isso, entende-se que o lesado, para poder ser eximido de qualquer responsabilidade, tem o ónus de agir com a diligência devida.

Esta norma, de caráter geral, é aplicável tanto à responsabilidade obrigacional como à delitual.

No caso concreto, pensamos que há factos que permitem concluir pela falta de cuidado da Autora no tratamento do seu património no que respeita à emissão e pagamento de cheques, a saber:

. os vinte e quatro cheques foram emitidos desde 08/06/2016 a 08/06/2018, ou seja, durante dois anos;

. todos os cheques continham valores superiores para pagamento de I.V. A. relativamente ao que efetivamente era devido, sendo que se há uma situação em que a diferença é mínima (cheque n.º 22), na esmagadora maioria das situações a diferença é relevante (veja-se o ultimo cheque, por exemplo).

Estes dois factos demonstram que não houve diligência da Autora em controlar as suas contas, pelo menos durante aquele período de tempo, já que bastaria analisar os valores pagos à autoridade tributária e conferir os valores que eram cobrados para se detetar que aqueles cheques não estavam a ser preenchidos corretamente. Admite-se que durante algum tempo (três meses ou até seis meses ou até se efetuar uma verificação anual) a situação pudesse escapar ao controlo mas dois anos é um período para o qual não encontramos explicação que não seja a de excessiva confiança atribuída a um prestador de serviço e falta de diligência na inspeção da sua atividade.

Note-se que nem AA remetia à gerência da Autora as declarações de I. V. A. nem esta lhas solicitava o que, durante dois anos, causaria suspeita num empresário minimamente diligente.

E não é por do extrato bancário não se conseguir detetar qua o valor em dívida de I. V.A. que a Autora não revela falta de cuidado pois, numa empresa, a conferência de valores tem de ultrapassar o que, por exemplo, acontece no seio de uma pessoa singular que poderá ter maior facilidade em detetar um erro não só por poder existir menor número de movimentos como não haverá movimentações indiretas por outras pessoas, o que acontece quando se utilizam colaboradores/prestadores de serviço para fazer pagamentos.

Mas acresce ainda:

. a forma de preenchimento de cheques, permitindo com maior facilidade a alteração do beneficiário, sendo de conhecimento elementar, para mais numa empresa cujo escopo é unicamente a obtenção de maior lucro possível, o que implica contenção de custos, que deve haver cuidado no preenchimento de cheques, ou não os entregando em branco ou preenchendo-os de modo a que se deixe o mínimo espaço possível para alterações nos seus dizeres. Tanto assim é que, em abril de 2013 a autoridade tributária emitiu documento onde referia que o pagamento por cheque à ordem dos Banco 3... devia ser emitido à ordem de Correios de Portugal, com a menção “Pagamento de Impostos”, o número de identificação fiscal do devedor e o número de identificação do documento. Ou seja, aqui está consubstanciada uma orientação que nada mais é do que um alerta para que se preencha corretamente um cheque de modo a evitar a sua viciação.

Se a confiança em alguém faz com que se comprometa esta regra de cuidado, é preciso aferir em quem se está a confiar de tal modo. E, no caso, não se trata de um familiar próximo (pais, filhos) nem o cônjuge nem alguém com quem se esteja envolvido numa relação de namoro que se revele consistente, situações que poderiam explicar o baixar da guarda do emitente do cheque. Trata-se de um estranho à empresa, que já tinha ligações profissionais com uma outra empresa relacionada com pessoas ligadas à Autora, mas nada mais do que isso. Assim, essa falta de cuidado não encontra explicação em qualquer atenuante pessoal que pudesse explicar esse excesso de confiança.

. nem quando foi alertada pela «Banco 2… …», para o último cheque, a Autora recuou, dando ordem de pagamento, o que demonstra o excesso de confiança no contabilista e incúria na gestão dos seus interesses (o que sucedeu depois já não é relevante pois o cheque já estava pago).

Evidentemente que a Autora foi alvo de um engano doloso de um prestador de serviço pelo que não se pode considerar que toda a responsabilidade no sucedido se deve a si, empresa/Autora; mas há uma relevante quota parte de responsabilidade no sucedido.

Poderia optar-se por um outro caminho que seria o de entender que a Autora é unicamente a prejudicada por uma atuação dolosa de uma pessoa em quem confiava, que não pertencia aos seus quadros e que tratava da contabilidade pelo que, a partir do momento em que entregou os cheques confiou (além de naquela pessoa) no sistema bancário e no sistema de circulação de cheques no sentido de que estaria protegida de qualquer viciação.[3] Nesta perspetiva, nenhuma atuação negligente poderia ser assacada à Autora.

Na nossa opinião, apesar de ser correta esta apreciação, pensamos que há uma falta de cuidado relevante que deve ser atendida, apesar de se admitir que o caráter que AA teria junto da Autora e dos Bancos em questão (alínea a1, dos factos provados), faz diminuir essa falta de cuidado por parte da Autora que, legitimamente, entregou a tal pessoa o tratamento daquelas questões.

Consideramos que às entidades bancárias, como entidades altamente profissionais, exige-se elevada diligência na sua atuação, sendo que a confiança em terceiros para tirar dúvidas sobre um cheque nunca pode existir sem que esteja solidamente fundada (o que não é o caso pois o que se sabe é que AA era considerado uma pessoa idónea), a que acresce o caráter pouco fino da falsificação (reforço de letras existentes com inclusão de outras para que Banco 3... passe a ser B..., pensamos que a responsabilidade da Autora é menor do que a das Rés, distribuindo-se a culpa por ambos em 30% para a Autora e 70% para as Rés.[4]


*

Da quantia de 16.695,52 EUR referente ao último cheque [(facto provado b), 24)].

A recorrente «Banco 1… …» menciona nas alegações de recurso que essa quantia tem de ser abatida ao prejuízo sofrido pela Autora por AA lhe ter restituído esse valor.

Por seu turno, a recorrente «Banco 2… …» refere que esse cheque só foi pago porque a Autora deu instruções para esse pagamento.

Vejamos.

Não está provado o mencionado pagamento por AA nem consta das atas qualquer confissão da Autora em como recebeu esse valor, pelo que não se apura o motivo para que pudesse ser deduzido esse valor ao prejuízo sofrido pela Autora.

No entanto, está provado que um funcionário trabalhando por conta da Banco 2..., depois de receber a imagem do cheque descrito na alínea b) datado de 8/06/2018 (ponto 24), nos termos descritos e i), inspecionou-o, contactou telefonicamente KK, gerente da autora, advertindo-o para os sinais de rasura que o cheque apresentava, e chegou mesmo a remeter-lhe cópia do cheque, mas não obstante KK autorizou o pagamento do cheque (alínea y).

Ora, assim sendo, como pensamos que refere a recorrente «Banco 2… …», o cheque não foi pago devido a incúria da entidade bancária pois diligenciou junto da sacadora sobre se podia efetuar o pagamento, tendo tido resposta afirmativa, pelo que se limitou a seguir as instruções da mesma.

Não há assim qualquer forma de responsabilizar a entidade bancária por ter pago esse cheque já que foi diligente.

Deve então ser eliminado do prejuízo sofrido pela Autora este valor de 16.695,52 EUR.

Deste modo, temos um prejuízo total de 66 387,09 EUR, dos quais 70% cabe às Rés, solidariamente como já determinado, ressarcir a Autora, ou seja, o valor de 46.470,96 EUR (suportando a Autora 19.916,12 EUR).


*

Dos juros.

Na sentença, apesar de não fixar qualquer valor a pagar pelas Rés, mencionou-se que: Será assim líquida a obrigação cujo conteúdo possa ser determinado pela sua fonte, com recurso a regras supletivas da lei. Não será líquida quando a fonte da obrigação não defina simultaneamente o seu conteúdo. Seguindo o entendimento expendido, o direito da autora dependia da quantificação dos prejuízos por si sofridos, que apenas foram liquidados na presente sentença, pelo que, tratando-se de responsabilidade contratual serão devidos juros de mora apenas após a sua prolação.

A recorrente/Autora sustenta que o crédito é líquido e afigura-se-nos que tem razão. Como se menciona no Ac. da R. C. de 2012/10/23, processo n.º 2073/10.9T2AVR.C1, www.dgsi.pt que a recorrente cita, não é por haver divergência entre as partes no valor do crédito que este se torna ilíquido. A iliquidez significaria que a Autora não tinha elementos para calcular o seu crédito e que, por isso, deduzia um pedido genérico, nos termos dos artigos 556.º e 557.º, do C. P. C.; ora, no caso, a Autora entendeu que tinha todos os elementos para formular um pedido líquido e não um pedido genérico pelo que, a circunstância de o crédito se tornar também exequível (em conjunto com a sentença, sentença), não significa que, até esse momento, fosse um crédito ilíquido.[5]

Conclui-se assim que o pedido e a condenação são líquidos, constituindo-se na obrigação de pagarem os juros de mora desde a data de constituição em mora (artigo 806.º, n.º 1, do C. C.), no caso, desde a interpelação extrajudicial para as Rés pagarem, o que sucedeu em 30/09/2019 – facto provado m) – conforme artigo 805.º, n.º 1, do C. C. -.

Têm assim as Rés de pagar à Autora a quantia acima referida de 46.470,96 EUR, acrescida de juros de mora desde 30/09/2019, à taxa de juros comerciais já fixada pelo tribunal recorrido.

Conclui-se assim pela parcial procedência do recurso.


*

3). Decisão.

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, altera-se a decisão recorrida nos seguintes termos:

Condenam-se a Rés a pagar, solidariamente, à Autora, a quantia de 46.470,96 EUR, acrescida de juros de mora desde 30/09/2019 até efetivo pagamento, à taxa de juros comerciais, aplicável nos termos da Portaria n.º 277/2013, de 26/08.

Custas do recurso a cargo de recorrente e recorridos, na proporção do respetivo decaimento.

Registe e notifique.


Porto, 2025/01/09.
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
Isabel Ferreira
__________________
[1] Este exemplo de assalto ao Banco é referido num Ac. da R. G. que é objeto de recurso em Ac. do S. T. J. de 08/05/2012, processo n.º 96/1999.G1.S1, www.dgsi.pt, como não se podendo enquadrar nas funções de quem ia entregar cheques que tinha falsificado. E aqui, ao contrário da nossa visão, nas duas decisões destes Tribunais Superiores, entendeu-se que Acontece que a iniciativa de falsificação desencadeada por aquele réu não ocorreu, ao contrário do que possa parecer, no cumprimento das suas obrigações para com a autora. A sua obrigação para com esta residia em entregá-los ou enviá-los aos seus beneficiários, Centro Regional de Segurança Social ou SIVA. Esta é que era a sua obrigação. Mas não, o réu, depois de os falsificar, foi depositá-los na sua conta. Na nossa perspetiva, a falsificação é uma das facetas do incumprimento da função que lhe estava confiada e não uma outra função que, diga-se, nem poderia existir pelo que não deve ser enquadrada numa função.
[2] No relatório deste anteprojeto afirma-se que «E finalmente enuncia-se o princípio da concorrência de culpas: se – como certamente acontecerá em grande número de casos – se apura que houve culpa tanto do sacado como do sacador na falsificação e no pagamento, a responsabilidade é dividida equitativamente entre ambos, em proporção da gravidade das respetivas culpas. Ao juiz compete fazer essa divisão e graduação, em presença das circunstâncias de cada caso concreto.».
[3] Em síntese, terá sido essa a argumentação adotada naquele Ac. do S. T. J. de 08/05/2012 acima citado.
[4]Pensamos que reveste interesse a leitura de A responsabilidade pelo pagamento de cheques falsos, Prof. Waldemar Ferreira, R. F. D. L., XVII, 1964, páginas 57 a 78, acessível em file:///C:/Users/MJ01804/Downloads/RFDUL_XVII_1964%20-%20Waldemar%20Ferreira.pdf onde se analisa a dicotomia entre a entidade bancária que tem a obrigação de proteger os fundos dos seus depositantes e a eventual sobrecarga de análise de cheques, o que pode levar a repartição de culpas.
[5] Veja-se também Ac. da R. G. de 19/03/2015, processo n.º 3333/13.2TBGMR.G1, www.dgsi.pt, com outra jurisprudência aí citada: - A interpretação da primeira parte do nº 3 do art.º 805º do Código Civil deve ser feita com alguma exigência, de tal modo que, na responsabilidade contratual, só uma iliquidez objetiva obsta à mora, para além de que a ela não obsta o mero desacordo das partes sobre o valor da obrigação.
2- A obrigação é ilíquida quando a indefinição do valor da obrigação resulta da circunstância de não terem ainda ocorrido ou serem desconhecidos de alguma das partes algum ou alguns dos factos que são necessários para o apuramento e conhecimento desse valor.