EMBARGOS DE EXECUTADO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
REQUISITOS DA COMPENSAÇÃO
Sumário

I - Um dos requisitos da compensação é que o crédito invocado para a compensação seja exigível em juízo e não esteja inutilizado por excepções, ou seja, o crédito daquele que invocar a compensação não pode ser controvertido, tem de existir de facto, estar judicialmente reconhecido.
II - A compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contracrédito sobre o exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição não é legalmente admissível.”

Texto Integral

Recurso de Apelação - 3ª Secção

ECLI:PT:TRP:2024:879/23.8T8AGD-A.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

AA e BB, residentes na Rua ..., ..., ..., ... ... instauraram embargos de executado contra “A... S.A.”, com sede na Rua ..., ..., ... ....

Alegam, em síntese, que assumem a qualidade de exequentes no âmbito da acção executiva n.º 2852/22.4T8AGD que corre contra a aqui exequente, em que o título executivo é a mesma sentença condenatória.

Alegam, ainda, que a aqui exequente foi condenada a entregar coisa certa e por não cumprir a entrega, operou a figura da compensação a título de cláusula penal fixada no próprio título, com o valor de € 6.000,00.

Mais alegam que, no processo 2852/22.4T8AGD, requereram a conversão da execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa, estipulando o montante indemnizatório pela falta de entrega no valor de € 17.835,00.

Assim, defendem que têm um crédito superior ao do exequente, devendo a execução ser extinta.


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Admitidos liminarmente os embargos de executado e notificado, a exequente veio deduzir contestação.

Alegou, em síntese, que, efectivamente, o valor estipulado a título de cláusula penal deve ser considerado para reduzir a quantia exequenda.

Contudo, recusa o valor peticionado a título da conversão da execução, nos termos do artigo 867.º do Código de Processo Civil, dado que, segundo defende, não deve ser operada uma dupla penalização pelo incumprimento da entrega de coisa certa, considerando que no próprio título executivo foi estipulado pelas partes um valor em caso de incumprimento (cláusula penal).

Assim, aceitando meramente a redução da quantia exequenda, no que diz respeito à cláusula penal estipulada, pugna pela improcedência dos embargos de executado.


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Foi realizada audiência prévia visando a conciliação.

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Foi proferido despacho saneador sentença que julgou parcialmente procedentes os embargos de executado deduzidos por BB e AA contra “A..., S.A.”, determinando o prosseguimento da execução, operando a redução do valor de capital em dívida no montante de € 6.000,00.

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Não se conformando com a sentença proferida, os recorrentes BB e AA, vieram interpor recurso de apelação, em cujas alegações concluem da seguinte forma:

I.Tal como decorre do próprio despacho ora em crise, existe uma outra acção executiva a correr seus termos, seja a 2852/22.4T8AGD do mesmo Juízo de Execução de Águeda, sendo que as partes são precisamente as mesmas, contudo configuram naquela em posições opostas, seja, os aqui executados naquela configuram como exequentes, e a aqui exequente configura como executada.

II. Na acção executiva referida na conclusão 1.ª, para entrega de coisa certa, existiu revelia por falta de oposição, uma vez que por meio de despacho aí proferido em 19.12.2023 foi decidido o seguinte: “In casu, inexistiu oposição ao incidente de liquidação do valor da indemnização compensatória - carta devolvida - objeto não reclamado.

Ademais, o executado não deduziu embargos à presente execução. Assim deverão os autos prosseguir os seus termos. Notifique.”

III. O douto despacho referido na conclusão 2.ª, decidiu a citação/notificação da executada validamente efetuada, foi notificado à executada e aos exequentes nessa mesma data, e viria a transitar em julgado. Não obstante essa questão já estar decidida nesse outro processo com força de caso julgado formal, fez-se nesses outros autos tábua rasa do mesmo, passando-se em momento posterior a conhecer da oposição da executada.

IV. Ora, encontra-se neste momento pendente recurso já interposto no âmbito desse Proc. 2852/22.4T8AGD do mesmo Juízo de Execução de Águeda, onde discute, mormente, a violação desse caso julgado formal, e que por consequência, a cláusula penal em causa, tem natureza moratória, o que já está definitivamente adquirido naquele outro processo. Tendo sido porém, ilegalmente, objeto de indevida interpretação derrogatória pelo tribunal, contra a vontade das partes (ou no mínimo, contra uma das interpretações possíveis dessa cláusula).

V. A decisão desse outro recurso, já interposto, dará azo, potencial e eventualmente, a duas decisões contraditórias do Tribunal da Relação, pelo que, deverá a presente instância ser suspensa até à decisão daquele recurso, uma vez que naquele serão decididas questão de base e prévias, com influência da decisão do presente recurso. Ou então, deverão os dois processos ser apensados, com vista à decisão unitária dos dois recursos.

Sem prescindir,

VI. Os ora recorrentes invocaram em sede de oposição a compensação do seu crédito com a quantia exequenda, sendo que para obter eventual pagamento do remanescente não teriam de propor nova acção contra a aqui recorrida.

VII. A compensação pode servir como fundamento de oposição, por embargos, à execução baseada em sentença quando seja posterior ao encerramento da discussão na ação em que foi proferida a sentença exequenda e se prove documentalmente, nos termos do disposto no art. 729.º al. h) do CPC, é admissível quando ela não era possível à data da contestação na ação declarativa, nem o poderia ser, porquanto posterior àquela mas tendo por alicerce a transacção e o seu incumprimento pela aqui recorrida.

VIII. Fundando-se a execução em sentença, os embargos à execução podem ter algum dos fundamentos enunciados no art. 729º CPC, e nos termos da sua al. g) podem invocar-se como fundamentos da oposição qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento, o que o caso dos autos é passível de tal, sendo inclusive do conhecimento funcional do Tribunal em virtude de ter ocorrido revelia operante por força da falta de oposição à execução e à reconversão da mesma no âmbito do processo 2852/22.4T8AGD que corre seus termos também no Juízo de Execução de Águeda, conforme despacho proferido e transitado em julgado.

IX. No art. 729.º al. h) CPC autonomizou-se a defesa por compensação, prevendo-se que pode constituir fundamento da defesa o contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos, como forma de extinguir a obrigação. Isto prende-se com a nova qualificação processual da compensação face à previsão do art. 266º, nºs 1 e 2 al. c) CPC, pois que em conformidade, a compensação apenas pode ser formulada pela via da reconvenção, e tal circunstância levaria a negar a sua admissibilidade em sede de oposição à execução, por não ser admissível reconvenção. Sendo que tal interpretação seria contrária ao regime substantivo e ao próprio fim dos embargos ou oposição à execução, por manifesta diminuição das garantias de defesa.

X. A autonomização da compensação prevista no art. 729.º al. h) CPC visa, assim, demonstrar que em sede de embargos à execução de sentença também é possível deduzir oposição com tal fundamento.

XI. A compensação, respeita o caso julgado formado na sentença que se executa, o que é manifestamente o caso dos autos, pois que, o que está em causa é o incumprimento por parte da aqui exequente e embargada do acordo transacional que deu origem a que os aqui executados e embargantes lançassem mão em processo autónomo e anterior de execução para entrega de coisa certa que por força de não ter sido entregue a coisa foi reconvertida em execução para pagamento de quantia certa.

XII. A compensação pode também ser invocada por tal compensação por a mesma ser posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração (superveniência) e se prova por documento (o despacho em que operou a reconversão da execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa). Os factos extintivos ou modificativos da obrigação reconhecida na sentença dada à execução são posteriores à data da prolação da sentença homologatória da transacção pelo que não estão cobertos pelo caso julgado material formado por aquela sentença.

XIII. A invocação da compensação só não será admissível quando ela já era possível à data da contestação da ação declarativa.

Ora no caso dos autos o contracrédito dos executados e embargantes surge em momento posterior, (por incumprimento na entrega da coisa por parte da aqui exequente e embargada) à prolação da sentença homologatória no âmbito do processo de condenação que correu no Juízo Central Cível de Aveiro sob o 20/20.9T8AND o que veio dar origem à acção executiva para entrega de coisa certa (ajuizada em 07.12.2022) onde na qual não foi entregue a coisa pelo que foi reconvertida em execução para pagamento de quantia certa nos termos legais, não tendo a aqui exequente e embargada e naquela executada deduzido oposição à execução nem oposição à liquidação conforme despacho (refª 130441055) de 19.12.2023 foi decidido, com força de caso julgado.

XIV. Está também adquirida processualmente por via desse caso julgado, a natureza moratória da cláusula penal, e portanto que a mesma não abrange os prejuízos com o incumprimento principal, resultando o contracrédito invocado, da própria sentença condenatória proferida no âmbito do Proc. 20/20T8AND.

XV. Em sede de direito substantivo estão verificados todos os requisitos do art. 847.º do Código Civil, e a declaração de compensação reporta a extinção dos créditos ao momento em que se tornaram compensáveis (art. 854.º Cód. Civil).

XVI. Conforme se colhe da petição de embargos, os aqui recorrentes deduziram embargos de executado à execução contra eles proposta e de que os mesmos são apenso, com fundamento de que são credores da exequente e embargada da quantia de 17.835,00€, sendo que tal montante foi peticionado à aqui exequente e embargada por meio de execução para entrega de coisa certa convertida em execução para pagamento de quantia certa em que a aqui exequente e ali executada não deduziu oposição à execução nem tão pouco se opôs à liquidação, tendo existido revelia operante.

XVII. Esse contracrédito está aliás já reconhecido judicialmente na própria sentença proferida no âmbito do Proc. 20/20T8AND, uma vez que a cláusula penal estava ligada ao cumprimento tempestivo das obrigações, como já está definitivamente adquirido com força de caso julgado formal.

XVIII. Objectivo do legislador foi sim o de permitir até ao último momento, ou seja até à cobrança coerciva efectiva, que se possa invocar e fazer valer um contra crédito compensatório. Se não fosse esse o entendimento do legislador não fazia sentido ter-se acrescentado expressamente a al. h) ao artigo 729º do C.P.C. Isto porque, se o contracrédito fosse posterior ao encerramento da discussão ao encerramento no processo declarativo, a oposição poderia sempre ser deduzida ao abrigo do disposto na al. g) do artigo 729º do C.P.C.

XIX. A admitir-se o entendimento constante da decisão em recurso a disposição legal do artigo 729º, al. h) deixaria de ter qualquer aplicação prática. Isto porque, se a compensação tivesse que ser e fosse invocada no processo declarativo, e julgada procedente, não haveria necessidade de oposição, e do disposto no artigo 729º, al. h) do C.P.C.

XX. A posição defendida na decisão ora em crise é uma interpretação violadora das disposições legais supra citadas, devendo ser revogada, com as legais consequências.


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Foram apresentadas contra-alegações.

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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

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2. Factos

2.1 Factos Provados

O Tribunal a quo considerou assentes os seguintes factos:

A) Foi dado à execução a sentença condenatória que correu termos no processo n.º .../20.9T8AND, do Juízo Central Cível de Aveiro - Juiz 2, datada a 03-03-2022.

B) No teor da sentença proferida no processo acima mencionado, consta:

“1- O Autor reduz o pedido para o montante de € 20.000,00 (vinte mil euros), a ser pago pelos Réus ao Autor no prazo de 12 (doze) meses, e em 4 (quatro) prestações no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) da seguinte forma:

a) € 5.000,00 (cinco mil euros) a pagar até dia 08/04/2022;

b) € 5.000,00 (cinco mil euros) a pagar até dia 08/08/2022;

c) € 5.000,00 (cinco mil euros) a pagar até dia 08/12/2022;

d) € 5.000,00 (cinco mil euros) a pagar até dia 08/04/2023;

2- Os Réus declaram desistir dos pedidos reconvencionais.

3- A Autora compromete-se, no prazo de 90 (noventa) dias, a contar do dia de hoje, a entregar aos Réus os seguintes documentos:

a) Projeto de arquitetura com as alterações;

b) Projeto de especialidades, nomeadamente de estabilidade e contenção periférica, rede de distribuição de água, rede de distribuição de águas residuais (esgotos), rede de águas pluviais, rede de infraestruturas de telecomunicações (ITED), rede de gás natural alterado certificado, estudo de comportamento térmico, fichas eletrotécnicas, ficha de segurança contra incêndios;

c) Alvará do empreiteiro e seguro de riscos atualizado;

d) Declaração de direção da obra com termo de encerramento;

e) Plano de Segurança e Saúde;

f) Livro de obra encerrado com termo de responsabilidade;

g) Certificado acústico;

h) Certificado energético;

i) Ficha estatística Q4;

j) Ficha técnica de habitação;

4- Em caso de incumprimento por parte da Autora, relativamente à entrega dos documentos mencionados no número anterior, a Autora pagará aos Réus, a título de cláusula penal o valor de € 6.000,00 (seis mil euros).

5- Autora e Réus declaram que, relativamente ao contrato de empreitada, nada mais têm a requerer ou a reclamar reciprocamente, seja a que título for.

6- Custas a meias, prescindindo ambos de custas de parte”.

C) Os executados não procederam ao pagamento das prestações de € 5.000,00 (cinco mil euros) a pagar até dia 08/08/2022; € 5.000,00 (cinco mil euros) a pagar até dia 08/12/2022; € 5.000,00 (cinco mil euros) a pagar até dia 08/04/2023.

D) O exequente não procedeu à entrega dos documentos pelo qual foi condenado no título executivo dado à execução.

E) Considerando os factos enunciados em D), o exequente encontra-se em débito com os executados no valor de € 6.000,00, valor acordado a título de cláusula penal.


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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:

Das conclusões formuladas pelos recorrentes as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes:

- da suspensão da instância;

- da compensação de créditos.


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4. Conhecendo do mérito do recurso:

4.1 Da suspensão da instância

Defendem os Apelantes/embargantes que a instância deverá ser suspensa até à prolação de decisão final no processo 2852/22.4T8AGD.

Vejamos então.

Nos termos do artigo 272º, nº 1, do Código de Processo Civil, “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.

Prevê este preceito duas situações distintas e susceptíveis de levar à suspensão da instância: uma, a existência de causa prejudicial; outra, a existência de outro motivo justificado.

Nas palavras do Prof. José Alberto dos Reis,[1] “Uma causa é prejudicial em relação a outra, quando a decisão daquela pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”.

Ou seja, a decisão de uma causa depende do julgamento de outra, quando nesta acção prejudicial se aprecia uma determinada questão, cujo resultado pode afectar a decisão da acção principal, definindo ou limitando o seu objecto.

Por esse motivo, tem sido entendido que a razão de ser da suspensão da instância por pendência de causa prejudicial reside na economia e coerência de julgamentos por forma a evitar a existência de decisões incompatíveis relativamente a matérias conexas[2].

Por seu turno, ocorrendo um outro motivo justificado (que não a pendência de causa prejudicial), pode também ser ordenada a suspensão da instância.

Saliente-se que a lei não define o que se deva entender como “outro motivo justificado”, conferindo-se essa possibilidade quando o juiz entenda que há utilidade ou conveniência processual em que a instância se suspenda.

Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-01-2013,[3] “O preenchimento deste conceito - motivo justificado - ficará a cargo do juiz do processo, não podendo deixar de se considerar que esta segunda parte do n.º 1 do artigo 279.º do Código de Processo Civil confere ao juiz grande liberdade no uso do poder que lhe é concedido, devendo ele orientar-se, claro está, por critérios de utilidade e conveniência processual.”.

A este propósito, escreve Lebre de Freitas,[4] que “O tribunal pode também ordenar, discricionariamente, a suspensão da instância, quando ocorra outro motivo justificado e não se verifique nenhuma das circunstâncias do n.º 2”.

“(…) a 2ª parte do nº 1 do art.º 279º do CPC deve ser entendido no sentido de que a lei não toma em consideração, propriamente, os prejuízos ou vantagens (de um ponto de vista subjectivo) das partes, mas apenas do ponto de vista processual, devendo o juiz ponderar as vantagens e os inconvenientes da suspensão para obter a justa composição do litígio”.

Mais, como bem se explica no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-03-2019, “Daí que, o seu exercício pressuponha a existência do indicado “motivo justificado”, ou seja, suficientemente ponderoso para justificar a suspensão da marcha normal do processo, que se mostre conveniente e contribua para a justa resolução do litígio e, naturalmente, que não prejudique o princípio da igualdade das partes.”.

Ou seja, fundamental é sempre que o motivo justificativo da suspensão decretada nos termos da 2ª parte, do nº 1, do artigo 272º do Código de Processo Civil seja ponderoso e contribua para a justa composição do litígio, sem beliscar o princípio da igualdade das partes.

No caso vertente, da análise do processo 2852/22.4T8AGD.P1, a que temos acesso electrónico, constata-se que por despacho aí proferido foi determinado a suspensão da referida instância até decisão final nos presentes autos, nomeadamente do presente recurso.

Assim, a ordenar-se a suspensão da presente instância poderia resultar a suspensão de ambas as instâncias, o que certamente não foi o objectivo do legislador ao estatuir o referido regime legal.

Além disso, afigura-se-nos que não existe, sequer, motivo que justifique a suspensão da presente instância recursiva, atento o cariz particular da decisão aqui alvo de recurso, sendo, ainda, certo que o montante em causa (17.835,00€) passível de compensação não se mostra liquidado no referido processo.

Assim sendo, soçobra a referida questão.


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4.2 Da excepção de compensação

Defendem, ainda, os Apelantes/embargantes que são, ainda, credores da exequente de, pelo menos, € 14.500,00, que acrescido de IVA perfaz a quantia de € 17.835,00, pelo que esse crédito, também, deve ser compensado pelo valor da quantia exequenda, pedindo, por isso, a extinção total do crédito exequendo.

Como é sabido, através dos embargos à execução, o executado vai procurar demonstrar que a obrigação documentada no título trazido à execução é insubsistente.

A oposição do executado visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva[5].

Na sua estrutura processual, constitui a oposição à execução uma acção declarativa que, simultaneamente, são um meio de defesa posta em benefício do executado.

Diversamente da contestação da acção declarativa, a oposição, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia[6].

Por isso, é o opoente quem tem o ónus da prova, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil, dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que, através da oposição adianta contra o exequente e que este dirige contra o executado e pretende fazer valer através do título que traz à execução.

Sendo o título executivo uma sentença, podem constituir fundamentos dos embargos de executado apenas os elencados no artigo 729.º, do Código de Processo Civil, a saber:

a) Inexistência ou inexequibilidade do título;

b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;

c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;

d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;

e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;

f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;

g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;

h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;

i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.”

No caso vertente, está apenas em causa a alínea h) da referida disposição legal.

Com a redação dada pela Lei n.º 41/2013 ao novo Código e Processo Civil, passou a constar expressamente a possibilidade de o executado poder invocar perante o exequente um crédito de que seja titular perante aquele, com vista a obter a compensação de créditos.

Com fundamento na compensação do crédito que afirma ter sobre a exequente no montante de € 17.835,00, emergente do incumprimento alegado, reclamam os Apelantes/ embargantes que seja declarado extinto na sua totalidade o crédito exequendo.

A compensação constitui uma causa extintiva das obrigações, distinta do cumprimento das mesmas: artigo 847.º do Código Civil. Trata-se de uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, o compensante realiza o seu crédito, por uma espécie de acção directa.

Dispõe o artigo 848.º, n.º 1 do mencionado diploma que “a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra”.

Em sede de oposição à execução contra si instaurada, os executados/embargantes e ora recorrentes invocaram serem titulares de um contra-crédito contra a exequente, designadamente a parcela no montante de 17.835,00€, reclamando, também, a compensação entre este e a dívida exequenda.

Sobre a admissibilidade da compensação em sede executiva e a possibilidade de ser exercida na oposição à execução, sendo controvertido o crédito invocado para a fazer operar, não tem sido unânime o entendimento da jurisprudência portuguesa, embora seja claramente maioritária no sentido da sua inadmissibilidade, sendo esta a constante no Supremo Tribunal de Justiça, posição que a sentença sob recurso claramente abraçou.[7]/[8]

Também a doutrina maioritária, designadamente a citada na sentença recorrida, entende que para que a compensação possa operar exige-se a validade, exigibilidade e exequibilidade do contra crédito, convocando, para o efeito, a norma do artigo 847.º, n.º 1, a) do Código Civil.

Revela-se particularmente pertinente o que, a tal propósito, é abordado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.07.2019, já citado: “A declaração de compensação é um negócio jurídico unilateral, podendo denominar-se negócio potestativo porque, através dela, é exercido o direito potestativo do declarante. Consequentemente, traduzindo-se a compensação num direito potestativo extintivo que tanto pode ser exercido por via extrajudicial ou judicial, por via de acção ou de defesa por excepção, ou por reconvenção, conforme a situação.

Logo, a compensação pode ser exercida, no âmbito de oposição à execução, como facto extintivo da obrigação exequenda e não já de reconvenção, pois esta não é admissível em processo executivo[9].

No entanto, tal como foi supra-referido, um dos requisitos da compensação é que o crédito invocado para a compensação seja exigível em juízo e não inutilizado por excepções, ou seja, o crédito daquele que declarar/invocar a compensação não pode ser controvertido, tem de existir de facto, estar judicialmente reconhecido.

Permitir que o executado utilize a oposição à execução para através dela ver reconhecido o seu contra-crédito seria abrir caminho para entorpecer ou até inviabilizar a sua actividade de cobrança rápida e eficaz de créditos, como é a específica finalidade da execução para pagamento de quantia certa[10].

Ora, segundo a jurisprudência que seguimos, para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente e, na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva.

A orientação jurisprudencial do STJ nesta matéria, explanada, designadamente, no atrás referido Acórdão de 14-03-2013, já citado, dá conta que para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente. Este reconhecimento pode ocorrer em simultâneo na fase declarativa do litígio, contrapondo o réu o seu crédito, como forma de operar a compensação. Na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva. Donde, a compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contracrédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível.

Em suma, para além dos requisitos substantivos que o instituto da compensação comporta e que vêm definidos no artigo 847º do Código Civil, é indispensável também que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-crédito, não sendo os embargos de executado a sede própria para o reconhecer, pelo que o crédito só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva (...). Só depois de comprovado e declarado por sentença é tal crédito exigível, mesmo que a obrigação retroaja o seu vencimento para data pretérita.

Revendo-nos nas posições doutrinárias e jurisprudenciais citadas, perfilhamos o entendimento de que a invocação da compensação em sede de oposição à execução exige, para que a mesma possa ser atendida, que não seja controvertido o contra crédito de que o executado se arroga titular em relação ao exequente, carecendo de estar judicialmente reconhecido, não podendo esse reconhecimento ser obtido nos próprios autos de oposição à execução.

Ora, no caso aqui em debate os embargantes para se oporem à execução contra eles instaurada invocam, como fundamento dessa mesma oposição, terem, ainda, sobre a exequente um contra crédito no montante de 17.835,00€ proveniente do incumprimento da transacção, mas sem que esse hipotético crédito esteja judicialmente reconhecido, sendo a sua discussão introduzida nos próprios autos de oposição à execução, para que neles seja reconhecido, desta forma determinado a extinção da execução por via da compensação assim operada.

Além disso, ao contrário do que sustentam os Apelantes, o reconhecimento desse crédito não se mostra líquido no processo 2852/22.4T8AGD.P1.

Com efeito, no âmbito do atrás referido processo, no dia 09/01/2024, ou seja, antes de ultimados os 10 dias, a Executada/aqui Apelada veio arguir a nulidade do despacho de 19/12/2023, que alegadamente liquidaria o crédito controvertido aqui em causa, por omissão de pronúncia relativamente às questões por ela suscitadas em requerimento do dia 04 de Dezembro, o que carece de análise, não chegando, por isso, a formar caso julgado formal em virtude de, atempadamente, ter sido invocada a respectiva nulidade. E a arguição da nulidade impõe ao Tribunal que, de novo, se debruce sobre a situação criada, possibilitando a inversão da posição tomada anteriormente.
Além disso, há que distinguir entre a questão processual da admissibilidade, ou não, da conversão, segundo os requisitos do artigo 867º Código de Processo Civil da questão substantiva que consiste em aferir se existe ou não o direito, o que depende da prova que vier a ser produzida no incidente de liquidação do processo 2852/22.4T8AGD, um incidente de natureza declarativa, sendo-lhe, por isso, aplicáveis os princípios inerentes às acções declarativas, designadamente a possibilidade de convite ao aperfeiçoamento e a produção de prova, se disso se vir necessidade.

Improcede, por isso, igualmente a referida questão.

Impõe-se, assim, o não provimento da apelação.


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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:

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5. Decisão

Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar não provido o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.


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Custas a cargo da apelante.

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Notifique.

Porto, 09 de Janeiro de 2025

Relator: Paulo Dias da Silva

1.º Adjunto: Carlos Portela

2.º Adjunto: Ernesto Nascimento

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
_______________________________
[1] Cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, pág. 268.
[2] Cfr. Prof. José Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 272.
[3] Cfr. processo 154/11.0TVPRT.L1-8, Relator Maria Amélia Ameixoeira.
[4] Cfr. processo 369/18.1T8MTS-A.P1, relator Jerónimo Freitas.
[5] Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, pág. 193.
[6] Cfr. José Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 212.
[7] Cfr. em sentido favorável à admissibilidade da compensação nas referidas circunstâncias pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 11.07.2019 (Desembargador Jorge Leal), de 7.02.2019 (Desembargador Pedro Martins), de 13.11.2008 (Desembargadora Márcia Portela, com voto de vencido); da Relação de Coimbra de 28.01.2020 (Desembargador Fonte Ramos), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[8]Cfr. em sentido divergente decidiram, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21.11.2002 (Conselheiro Nascimento Costa), de 6.03.2003 (Conselheiro Ferreira Girão), de 14.12.2006 (Conselheiro João Camilo), de 14.03.2013 (Conselheiro Granja da Fonseca), de 1.07.2014 (Conselheiro Paulo Sá), de 2.06.2015 (Conselheiro Fernandes do Vale), de 4.07.2019 (Conselheira Ana Paula Boularot); da Relação do Porto, acórdãos de 29.06.2006 (Desembargador Ferreira do Amaral), 19.01.2006 (Desembargador Fernando Baptista); da Relação de Lisboa, de 6.07.2005 (Desembargador António Valente), de 7.05.2005 (Desembargadora Carla Mendes), de 9.03.2006 (Desembargador Pereira Rodrigues), de 26.06.2007 (Desembargadora Maria José Simões), de 10.09.2020 (Desembargador Arlindo Crua); da Relação de Guimarães, de 12.10.2017 (Desembargadora Margarida de Sousa), de 31.01.2019 (Desembargador Alcides Rodrigues), de 11.11.2021 (Desembargador José Cravo), todos igualmente disponíveis em www.dgsi.pt.
[9]Cfr., por todos, Lebre de Freitas, A Acção Executiva (Depois da Reforma), 4.ª edição, págs. 178/179, e acórdão do STJ de 26.04.2012, processo n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[10]Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.05.2015, processo n.º 7520-13.5TBOER-A.L1-8, disponível in www.dgsi.pt.