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INDÍCIO DE PROVA
PRESUNÇÃO DE PROVA
Sumário
I - A presença de um indício pode tornar o facto verosímil (que é viável ou plausível) mas isso não basta para o tornar provável ou mais provável que sem esse indício porque a afirmação do valor indiciário não prescinde da quantificação desse valor: existem indícios mais ou menos significativos, existem indícios que o são num contexto e não o são noutro e existem indícios que o aparentam ser mas que são excluídos por outros indícios de sinal contrário. II - O indício é um vestígio que sinaliza um facto, permitindo que sobre ele, com base nas regras da experiência, se construa, racionalmente, um argumento intelectual no sentido da afirmação da probabilidade de o facto ter ocorrido ou vir a ocorrer. III - O que funciona como prova é a presunção criada pelo vestígio e pela valia intelectual do argumento nele alicerçado; a prova não é resultado do indício em si mesmo, mas sim da força persuasiva dos indícios, rectius, da força da presunção a que os indícios permitiram chegar.
Texto Integral
RECURSO DE APELAÇÃO ECLI:PT:TRP:2025:23.17.0T8PVZ.P2
ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
I. Relatório:
AA, contribuinte fiscal n.º ...16, residente em ..., Vila do Conde,
instaurou acção judicial contra
I- BB, contribuinte fiscal n.º ...69, e marido CC, contribuinte fiscal n.º ...02, residentes em ..., Vila do Conde,
II- DD, contribuinte fiscal n.º ...39, e marido EE, contribuinte fiscal n.º ...00, residentes em ..., ...;
III- FF, contribuinte fiscal n.º ...61, e mulher GG, contribuinte fiscal n.º ...64, residentes em ..., Vila do Conde;
IV- HH, contribuinte fiscal n.º ...52, residente em ..., Vila do Conde;
V- II, contribuinte fiscal n.º ...50, e marido JJ, contribuinte fiscal n.º ...80, residentes em ..., Vila do Conde;
VI- KK contribuinte fiscal n.º ...74, e marido LL, contribuinte fiscal n.º ...75, residentes em ..., ...;
por si e na qualidade de herdeiros de MM e de NN;
VII- Massa Insolvente de FF e de GG, contribuinte fiscal n.º ...64;
VIII- A..., Associação de Produtores de Leite e Carne, pessoa colectiva n.º ...60, com sede na ...;
IX- B..., Imobiliária Unipessoal, Lda., pessoa colectiva n.º ...06, com sede em Vila do Conde, e
X- OO, contribuinte fiscal n.º ...21, residente na ...,
formulando contra estes os pedidos de condenação seguintes: I – I a VI e X réus:
A) A verem declarado e a reconhecerem que o processo n.º ..., que correu termos pelo extinto Tribunal Judicial de Vila do Conde, 2.ª Juízo Cível, assenta num litígio simulado e, como tal, seja declarado nulo e de nenhum efeito o que nele foi processado;
B) Se assim se não entender – e/ou com tal abrangência - a verem declarado e a reconhecerem que o título de transmissão, e/ou despacho que sobre ele incidiu, a favor da I ré, elaborado no âmbito do processo n.º ..., assenta num negócio simulado, fraudulento e/ou nulo, de nenhum efeito e/ou ineficaz relativamente ao A. e/ou outros credores do réu FF, hoje massa insolvente deste, VII ré;
C) A verem declarado e a reconhecerem que, no que concerne, pelo menos, ao prédio rústico Campo ... ou Campo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...8/20120127, a aquisição da meação e quinhão da NN, mãe e sogra dos I a VI réus, na herança de MM, pela I ré, não contemplou ou abrangeu qualquer direito sobre o mesmo;
D) Sem prejuízo, se se entender que a aquisição pela I ré abrange direitos sobre o dito prédio, devem os réus ser condenados a verem declarado e a reconhecerem que a venda é nula, por representar venda de bens alheios - porque mais abrangente que o direito que, sobre o mesmo, cabia à dita NN no que concerne ao direito do III réu, FF, herdeiro e legatário dessas mesmas heranças;
E) A absterem-se de todo e qualquer comportamento que ponha em causa o direito das heranças ilíquida e indivisas abertas por óbito de MM e de NN, em especial, sobre o referido prédio, Campo ... ou Campo ..., identificado na al. B) do pedido supra;
F) A cancelar-se os respectivos registos de aquisição já efectuados ou que se venham a efectuar a favor da ré BB e/ou de quaisquer ónus, como hipotecas. II – A I ré:
G) A ver declarado e a restituir às heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbitos de MM e NN o prédio Campo ... ou Campo ..., identificado na al. B) do pedido supra; III - Os I, II, III a VII e X réus:
H) Devem ainda ser condenados solidariamente a pagar ao A. justa compensação pelos danos não patrimoniais por ele sofridos, que se reputa justa e adequada, na quantia de 10.000,00 €;
I) Devem ser condenados solidariamente a pagar ao A. indemnização pelos demais danos, patrimoniais, por ele sofridos e que venha a sofrer, nomeadamente, as despesas com este processo, in casu, a liquidar em sentença. IV - Os VII a IX réus:
J) Devem ser condenados nos pedidos formulados em I, al. B) a D).
K) Devem ser condenados a ver declarado e a reconhecer a favor da massa insolvente dos III réus, FF e mulher, direito, nas ditas heranças, sobre o dito prédio Campo ... ou Campo ....
Subsidiariamente, caso se entenda que o Auto de transmissão, e/ou o Douto Despacho, emitido(s) a favor da I ré BB, no âmbito da execução referida em I A) a D), compreende direitos sobre todos os bens/prédios que pertenciam ao inventariado MM, (…), deve decretar-se, e os réus, todos eles, serem condenados, além dos pedidos F) e G), a ver declarado e a reconhecer:
L) Que, no que concerne, pelo menos, ao título de transmissão referido no pedido I B) a D), seja declarado que a aquisição da meação e quinhão da NN na herança de MM, não contemplou ou abrangeu qualquer direito sobre o Campo ... ou Campo ...;
M) Que esse título, bem como o douto despacho judicial que se seguiu, é nulo e/ou ineficaz relativamente ao A. e/ou à massa insolvente dos réu FF e mulher, aqui VII ré, com as devidas consequências legais.
Alegou para o efeito que os seis primeiros réus são herdeiros universais de MM e mulher NN de cuja herança fazia parte um imóvel, o denominado Campo ... ou Campo ..., a décima ré era cunhada da NN e tia dos demais réus e o autor é credor do filho dos de cujus e insolvente FF. A NN declarou dever à ré OO, sua cunhada, a quantia de €19.268,38 e com base nisso esta instaurou contra aquela uma execução na qual foi designada hora para a abertura de propostas para venda do direito à meação e do quinhão hereditário da NN na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do marido, sem que na execução se indicasse que a herança incluía o aludido Campo ... ou da porta, tendo a ré BB exercido o direito de remição e adquirido aqueles direitos. Só depois disso a ré BB foi ao inventário aditar à relação de bens um prédio rústico que identificou como sendo o Campo ... ou Campo ..., dizendo que o mesmo estava omisso. Esse comportamento foi praticado com fraude processual já que se o autor ou outro credor ou interessado na aquisição da meação e quota na herança soubesse que delas faziam parte direitos sobre este prédio teriam tido outro comportamento face ao enorme valor do bem (não inferior a €1.000.000,00). Ao agirem do modo descrito os aqui primeiro a sexto e décimo réus enganaram os credores, como o solicitador/agente de execução, o próprio tribunal, e o Administrador da Insolvência do réu FF e mulher, havendo forte convicção que a própria execução instaurada pela tia dos seis primeiros réus, a décima ré OO, também tenha sido simulada e com intuito de obter a emissão de título de transmissão a favor da ré BB do património da mãe, NN, em prejuízo dos credores do ré FF e da respectiva massa insolvente.
A ré B... Imobiliária Unipessoal, Lda. (IX) apresentou contestação, arguindo a sua ilegitimidade.
Os réus BB e marido (I) apresentaram contestação, impugnando parte dos factos alegados pelo autor e arguindo a caducidade do direito do autor nos termos do artigo 618.º do Código Civil.
A ré OO (X) também contestou, impugnando os factos alegados pelos autores e arguindo a ilegitimidade do autor.
No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade do autor e procedente a excepção da ilegitimidade das rés B..., Imobiliária Unipessoal, Lda. (IX) e A..., Associação de Produtores de Leite e Carne(VIII), as quais foram absolvidas da instância.
Realizado julgamento foi proferida sentença, tendo a acção sido julgada parcialmente procedente, declarando-se apenas que a massa insolvente do réu FF integra os seus direitos de herdeiro nas heranças abertas por óbito de MM e NN, que são nomeadamente integradas pelo direito de propriedade sobre o prédio rústico denominado Campo ..., … inscrito na matriz sob o art. ...36.º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...8/20120127, e absolvendo-se os réus dos restantes pedidos.
Do assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. A douta decisão ora em crise afigura-se desconforme e muito aquém da prova produzida, pois, tanto a prova documental, como os depoimentos de parte e prova testemunhal, obtidos em audiência de julgamento permitiram, sem embargo, demonstrar os factos alegados na petição inicial, nomeadamente, a sucessão de acontecimentos e/ou actos simulados pela NN e pelos filhos, I a VI réus, pelo que o tribunal a quo fez errada apreciação da prova e do direito.
2. O tribunal a quo, erradamente, desconsiderando toda essa prova, que revelou, à evidência, a simulação dos actos e negócios, julgou não provado:
i. Que a declaração referida em d) se destinasse a fazer crer na existência de um direito da ré OO inexistente, e tivesse sido emitida falsamente por acordo entre NN e OO, em vista a simular toda a execução depois instaurada, que correu termos no 2.º Juízo Cível de Vila do Conde sob o n.º ..., por conluio com os réus filhos de NN, em vista de, através da remição aí realizada, com o objectivo de, no futuro diminuir o património do réu FF, em prejuízo dos seus credores (arts. 90.º a 93.º da petição inicial).
ii. Que a omissão do prédio descrito em j) à autoridade tributária, ao inventário e à execução resultasse de conluio entre NN, os réus seus filhos e OO em vista a frustrar a acção futura dos credores do réu FF sobre a herança da sua mãe (art. 47.º da petição inicial).
iii. Que em consequência da conduta dos réus o autor sentisse séria apreensão, nervosismo, inconformismo, ao ponto de abalar o seu sono e o deprimir (art. 82. da petição inicial).
3. A simulação, por definição, é o negócio no qual os simuladores conferem uma aparência distinta da realizada, quer porque o negócio não existe em absoluto, quer porque é distinto do modo como aparece, ou seja, com a aparência de um negócio normal, existe outro propósito negocial, (artigo 240.º do Código Civil).
4. A prova directa da simulação é uma prova de extrema dificuldade, pois o simulador actua como um estratega, com astúcia e ocultação e, na maior parte das vezes, o resultado da sua actuação não é instantâneo mas diferido no tempo, pelo que, o julgador deve recorrer ao uso de provas indiciárias, isto é, através de presunções judiciais alicerçadas no conjunto de indícios que permitam, à luz das regras da experiência e do normal suceder, extrair ilações a respeito da vontade real dos simuladores.
5. A doutrina e a jurisprudência tem vindo a condensar diversas e relevantes presunções judiciais, que permitem, de forma segura, a prova indirecta, devendo recorrer-se a vários indícios socialmente típicos para descortinar a intenção das partes, a título de exemplo, o indício necessitas; o indício affectio; o indício habitus; o indício interpositio; o indício pretium vilis; o indício retentis possessionis; o indício sigillum; o indício disparitesis; o indício pevissio; o indício locus; o indício subyacenncia.
6. Ora, os factos julgados provados, conjugados com a prova produzida, documental, testemunhal e depoimentos de parte, afiguram-se, s.m.o., suficientes para, recorrendo às regras da experiência, de igual modo julgar como provados os aludidos factos i. ii. e iii.
7. Decorre da factualidade mais relevante que entre 1998 e 2002, os réus FF e HH, acumulavam várias dívidas e, naquele hiato temporal, corriam várias execuções de penhora de bens contra ambos resultando, no caso do réu HH, a aquisição pela A..., Associação de Produtores de Leite e Carne e pela B..., Imobiliária Unipessoal, Lda., do seu direito na herança por óbito do pai MM, ocorrido em 1998, (MFP a), l), m) e o) e doc. 1, 3 e 4 juntos com a petição inicial).
8. Os aludidos débitos eram do conhecimento de todos os irmãos, I a VI réus, e da mãe NN, pelo que, os herdeiros, logo após o óbito do pai MM, aperceberam-se que iriam concorrer com eles à partilha os credores dos irmãos devedores, tanto que, em sede de depoimento de parte, a ré II afirmou que logo após o óbito do pai começaram a tratar das partilhas (cf. depoimento II ).
9. Neste contexto, por escrito de 15.12.2003, a NN declarou dever à OO a quantia de 18.500,00€ (MFP d), e embora fosse proprietária de um vasto património imobiliário (bastando-lhe vender um prédio e/ou constituir hipoteca num dos prédios a favor da OO, por sinal, sua cunhada e com quem mantinha boa relação pessoal), optou por não liquidar a dívida e sujeitar-se a uma execução que, inexplicavelmente, a despojou dos seus bens/direito (indício affectio) (cf. depoimento ré II, réu FF e ré BB).
10. Ora, um dos indícios mais operativos em sede de simulação é o indício affectio, gerado pelas relações familiares, de amizade, de dependência, de negócios, profissionais, anteriormente firmadas entre o simulador e o seu co-autor e que vinculam este àquele por um motivo de tal índole.
11. A respeito das relações familiares entre a NN, a OO e a ré BB, embora as testemunhas PP e QQ tenham procurado convencer que as mesmas não existiam, a ré II afirmou, assertiva e espontaneamente, que a BB, a mãe NN e a tia OO davam-se todas muito bem, indício affectio (cf. depoimento da ré II e depoimento do III réu FF).
12. Os I a VI réus não lograram demonstrar o destino do alegado empréstimo, nem o próprio réu FF que, supostamente, recebeu a quantia, afirmando, comodamente, que foi para pagar a lavradores, sendo certo que a sua esposa, GG, afirmou que desconhece qualquer empréstimo da NN ao FF (cf. depoimento dos III réus).
13. Em 29.03.2005 a ré OO instaurou contra a NN execução comum que correu termos no 2.º Juízo Cível de Vila do Conde sob o n.º ... para a cobrança da quantia de 18.500,00€, acrescidos de juros vencidos no valor de 768,38€ e juros vincendos (MFP e) a qual mereceu oposição por parte da executada NN.
14. O simulador procura conferir veracidade aos seus actos e negócios, pelo que a alegação, em sede de oposição à execução, por parte da NN que a assinatura não era sua, que se confirmou ser, e que resultou na sua condenação como litigante de má-fé porque deduziu pretensão cuja falta não podia ignorar, é indicativo de que tal oposição foi, também ela, fictícia e tão só para conferir veracidade ao título, por sentença (indício disparitesis).
15. Todos estes factos, se atendermos às regras da experiência, demonstram que a alegada dívida da NN à OO é fabricada e simulada, tanto mais que, do que resultou da prova, nunca houve intenção de liquidar a alegada dívida, seja pela NN e/ou por qualquer um dos réus I a VI.
16. Embora o tribunal a quo tenha afastado o cenário de conluio entre irmãos em virtude das referências a relações distantes da ré BB com o réu FF, da prova resultou que, no relevante, os réus (irmãos) mantêm uma relação de proximidade, tanto mais que, a ré BB alegou ter falado com todos os irmãos, por telefone, no dia anterior à venda dos direitos da mãe; o réu FF referiu que falavam o que tinham a falar; a ré GG confirmou um afastamento dos irmãos após o óbito da NN, mas que se falavam; e a ré II afirmou ter havido, inclusive, uma reunião entre todos os irmãos na casa da ré DD no dia anterior à venda dos direitos da NN, (cf. depoimento da ré II, réu FF, ré BB e testemunha RR) (indicio affectio).
17. Em 17.10.2006, o Agente de Execução, Dr. SS, como o confirmou no seu depoimento, juntou ao processo comprovativo das notificações/advertências dos herdeiros do falecido MM, dando conta da penhora do direito ao quinhão hereditário pertencente à NN por óbito de MM e por conta da herança (Cf. certidão junta aos autos de fls. 601 a 604 e MFP e) e f).
18. Em 19.10.2007, a A... instaurou inventário por óbito de MM, no qual a NN, tal como alguns dos filhos, protelaram ao máximo o referido processo, além do mais, com sucessivas recusas para o exercício do cabecelato (MFP l).
19. Em 2009, na sequência da notificação do Agente de Execução supra mencionada, a NN participou o óbito do marido, MM, que havia falecido em 1998, para efeitos de imposto sucessório e, deliberadamente, omitiu o prédio Campo ... ou Campo ... da relação dos bens (cf. fundamentação da douta Sentença, (pág. 9), MFP n) e doc. 31 junto com a petição inicial) (Indício Sigillum).
20. Pelo que, com base na declaração de imposto sucessório, foi penhorado pelo Agente de Execução, Dr. SS, para garantia da dívida e despesas prováveis, no global de 22.000,00€, os direitos correspondentes a 5 verbas (melhor identificadas na MFP al. g), das quais não constava o dito prédio Campo ... ou Campo ..., por sinal o prédio de maior valor, MFP e), f) e g).
21. Em Setembro e Outubro de 2010 foi publicitada a venda judicial através de propostas por carta fechada, inclusive no jornal e editais, e estabeleciam que a oferta da compra, no valor mínimo de 70%, devia juntar à sua proposta, como caução, cheque visado ou garantia à ordem do solicitador de execução no montante de 20% do valor base dos bens, especificando, o valor base de 20.000,00 €, (MFP h).
22. Por nova notificação dirigida aos herdeiros, aqui I a VI RR., foi comunicado o dia e hora para abertura de propostas, (15.11.2010), com o seguinte teor: <<Bens a vender: Verba 1 - Valor base: 20.000,00 €. Quinhão hereditário pertencente a NN na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MM. Verba 2: Valor base: 25.000,00 €. Direito à meação pertencente a NN na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MM. (MFP i).
23. Todos os herdeiros, incluindo a NN, sabiam da existência e conheciam o prédio Campo ... ou Campo ..., bem assim o seu potencial valor de mercado, que haviam, inclusive, negociado poucos anos antes, porém, nada disseram e/ou alertaram o Agente de Execução, a respeito, permanecendo no seu iter a omissão do aludido prédio, (MFP n), (indicio sigillum).
24. Por dever geral de boa-fé e cooperação com os Tribunais os herdeiros estavam obrigados a informar o Agente de Execução que se encontravam omisso da relação de bens do imposto sucessório o dito prédio Campo ... ou Campo ... o qual devia ter sido incluído na descrição dos prédios que compunham a herança na execução (indicio sigillum).
25. Admitir o contrário, isto é que não lhes incumbia tal obrigação é, salvo o devido respeito, premiar o simulador e conceder um precedente para, em situações semelhantes, os devedores que sejam herdeiros de determinados bens, omitirem na declaração para efeitos de imposto sucessório, os bens do seu interesse, usando depois o argumento de que, uma vez omitido o prédio, não há mais nada a fazer, mesmo que um credor venha a descobrir, anos mais tarde, que afinal existia(m) outro(s) prédio(s) e que o seu crédito não foi satisfeito em virtude da omissão do devedor.
26. Posto isto, não havendo dúvidas que os réus conheciam o prédio e que sabiam do seu valor comercial, reflectidamente, omitiram o mesmo na Execução, com o intuito de enganar terceiros, no sentido de que, não tendo aquele prédio sido relacionado, qualquer hipotético interessado deixaria de ter interesse na aquisição dos direitos da NN.
27. Aliás, segundo as regras da experiência, seria do interesse de todos os herdeiros relacionar o dito prédio na execução para venda do quinhão e meação, em especial da NN (que esteve sempre acompanhada por I. Causídico), pois se todos os prédios tivessem relacionados haveria mais proponentes e, por conseguinte, conseguiria arrecadar maior quantia de dinheiro, a menos que, como é o caso, estivessem todos com reserva mental.
28. No dia e hora da abertura de propostas por carta fechada, em 15.11.2010, para venda dos bens penhorados uma empresa, C..., Trading Lda., apresentou uma proposta no valor de 50.000,00 € ao passo que a ré BB informou que pretendia exercer o direito de remição estando, para tanto, e desde logo, habilitada com cheque visado no valor de 10.000,00 €, por sinal, precisamente 20% do valor da proposta da dita empresa, demonstrando a ré que conhecia de antemão a proposta da dita empresa, (MFP i), sendo certo que, em audiência de Julgamento, a ré não logrou justificar o motivo de apresentar um cheque com 20% do valor proposto, (indicio interpositio), (Cf. Depoimento da ré BB, da testemunha PP e QQ ).
29. Não bastasse, em 23.03.2011 a ré BB, Cabeça de Casal no Inventário por óbito do pai, MM, processo n.º ..., procedeu ao aditamento da relação e bens do prédio rústico, que descreveu como Campo ... ou Campo ..., com área de 8.000m2, alegando falsamente que o mesmo estava omisso na Conservatória do Registo Predial e omisso à matriz, mas participado em 25.03.2011, (portanto 2 dias depois...), quando a mesma esteve representada por Advogado no referido processo desde 18.10.2008, nada tendo alegado e/ou reclamado até então, (MFP m), (indicio necessitas) .
30. O aludido prédio Campo ... ou Campo ... foi adquirido por escritura pública de 30 de Outubro de 1965, exarada de fls. 42 a 43, verso, do livro de notas para escrituras diversas n.º B-18, do Primeiro Cartório Notarial de Vila do Conde, na qual, TT, UU, e VV, este actuando por si e em representação de WW e XX declararam vender a MM, que no mesmo acto declarou comprar nas mesmas condições o Campo ..., sito no lugar das ..., freguesia ..., inscrito na respectiva matriz rústica sob o art. ...11.º, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...46, pelo preço de 120.000$00, (MFP j), pelo que, estava devidamente documentado e era do conhecimento dos I a VI réus, tanto que o réu FF, em depoimento de parte, expressamente, confirmou que a mãe sempre liquidou os impostos, (IMI), do prédio, (Cf. depoimento do III réu – (indicio necessitas).
31. Em 27.01.2012 foi inscrita a aquisição a favor dos réus BB, DD, FF, HH, II e KK e de NN, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária de MM, que ocorreu juntamente com a abertura da descrição do prédio rústico denominado Campo ..., sito no lugar das ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o art. ...36.º, e assim descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...8/20120127, (MFP k), (indicio necessitas).
32. Acresce que, no processo de Inventário, por requerimento de 05.01.2016, a ré BB relacionou o dito prédio Campo ... ou Campo ... como pertencendo à herança ½ quando, face às reclamações apresentadas pela A... e outros, devia ter relacionado a totalidade, o que acabou por aceitar, assim como que o prédio, afinal, não se encontrava omisso na Conservatória do Registo Predial, mas descrito sob o n.º ...18 da freguesia ..., requerendo a rectificação da relação de bens, (cf. doc. 19 a 22 junto com a petição inicial), (indício habitus).
33. Não bastasse, pese embora a NN tenha falecido em ../../2012 o óbito só foi comunicado ao processo de Inventário cerca de 2 anos depois, em 13.01.2014, e não pelos filhos mas pelo credor B..., pelo que, só em Janeiro de 2015 é que a ré BB deduziu, no Inventário, incidente de habilitação, pedindo que fosse julgada habilitada como única titular do quinhão hereditário pertencente a NN, na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MM e ainda do direito à meação da referida NN na mesma herança, (MFP b), (indicio locus).
34. A sucessão no tempo dos diversos actos e/ou omissões pelos réus, nomeadamente I a VI, bem assim da mãe NN, cujo comportamento se pautou por condutas contrárias às regras da experiência e do normal acontecer, (Indício Habitus), resultante da prova produzida, demonstram o claro intuito dos mesmos de, em conluio, prejudicar o interesse dos credores dos herdeiros, nomeadamente e além do mais, do réu FF, (causa simulandi).
35. A respeito da aquisição dos direitos da NN na herança, resultou da prova, inclusive por confissão da I ré, que adquiriu o direito à meação e quinhão hereditário da mãe na herança por óbito do seu pai MM por um preço muito reduzido e muito abaixo do valor de mercado, o que foi confirmado pela V ré II e pela ré BB, (Indício Pretium Vilis).
36. Não deixa de relevar para a boa decisão da causa o facto da ré BB não ter comparecido na primeira sessão de julgamento, justificando com atestado médico a sua ausência e, a três dias da realização da segunda sessão de julgamento, por requerimento de 26.09.2023, ref.ª. citius 36759335, ter solicitado a gravação da audiência da primeira sessão, (na qual depôs como parte o réu FF e a ré II, que o Tribunal a quo afirma ter tido um depoimento ressentido com a sua irmã BB (...) e as testemunhas do autor (Indício Previssio).
37. Embora a ré BB tenha arrolado como testemunha o Agente de Execução, Dr. SS, inexplicavelmente, antes da sua inquirição, na sessão de julgamento, prescindiu do depoimento da testemunha, tendo o Meritíssimo Juiz mantido a sua inquirição em virtude de ter sido arrolada também pela, entretanto falecida, OO, (cf. Acta de audiência de Julgamento de 29.09.2023) (Indício Previssio), depoimento este que se revelou deveras importante para a descoberta da verdade e que confirma a tese do A. quanto às simulações.
38. Na tese da ré BB são tantas as incoerências que é difícil apurar as coerências, para mais quando conjugados os depoimentos das testemunhas PP, QQ e BB (indício subyacencia), deixando um sinal bem expressivo de que todos eles têm projectado entre si e/ou com terceiro(s) – senão contemporâneo do exercício da remição posterior – um negócio que envolve o dito prédio Campo ....
39. Os factos e/ou indícios, conjugados com a demais prova, são bastantes para compreender a intenção dos I a VI réus, especialmente da I ré BB, mas também a ausência de qualquer outra explicação credível para a forma como ocorreram todos os aludidos factos, como por exemplo a omissão do Campo ... na participação do imposto sucessório, no processo Executivo e no processo de Inventário, bem assim a forma como ocorreu a adjudicação, (in casu, a remição), por parte da ré BB cujo depoimento não encontrou acérrimo com a demais prova produzida, (indício necessitas).
40. Acresce que, segundo as regras da experiência, seria expectável que os demais herdeiros, (II a VI réus), tivessem interesse na procedência da presente acção, porém, nenhum se predispôs a colocar nessa posição, (indício disparitesis).
41. Com efeito, tem-se como verificados os factos base das presunções de simulação, e como não ilididas as presunções de simulação resultantes daqueles outros factos base que se provaram, pelo que errou o Tribunal a quo quando refere, além do mais, que não logrou no entanto provar estes pressupostos da invocada simulação processual a que se reportam os pedidos supra descritos no relatório em a) e consequente cancelamento da subsequente inscrição registral.
42. Decorre que, à matéria de facto provada devem ser aditados os seguintes factos:
p) A declaração referida em d) destinou-se a fazer crer na existência de um direito da ré OO inexistente, e foi emitida falsamente por acordo entre NN e OO em vista a simular toda a execução depois instaurada que correu termos no 2.º Juízo Cível de Vila do Conde sob o n.º ..., por conluio com os réus filhos de NN, em vista de, através da remição aí realizada, no futuro, diminuir o património do réu FF, em prejuízo dos seus credores (arts. 90.º a 93.º da petição inicial).
q) A omissão do prédio descrito em j) à autoridade tributária, ao inventário e à execução resultou de conluio entre NN e os réus seus filhos em vista a frustrar a acção futura dos credores do réu FF sobre a herança da sua mãe (art. 47.º da petição inicial).
43. A respeito do facto p), caso se entenda que o autor não logrou provar a simulação processual entre a OO e a NN, o que se concebe por mera hipótese de raciocínio, deve o facto observar a seguinte redacção:
p) O exercício do direito de remição pela ré BB no processo de Execução que correu termos no 2.º Juízo Cível de Vila do Conde sob o n.º ... foi simulado, porque em conluio com os réus filhos da NN com o objectivo de, no futuro diminuir o património do réu FF, em prejuízo dos seus credores (arts. 90.º a 93.º da petição inicial).
44. Ao que já foi dito, acresce que no caso sub judice, mesmo que o autor e/ou qualquer interessado, diligenciassem por informação mais rigorosa e fidedigna não a teriam obtido, isto é, nunca teriam sabido que a referida herança compreendia, além dos prédios identificados, o Campo ....
45. No processo executivo é determinante a clareza e o rigor da publicitação da venda, pois é perante essa publicidade que, de um modo geral, potenciais compradores definem os seus interesses e formam as respectivas vontades em relação ao bem a alienar, pelo que, tal como sucedeu com o autor, qualquer outro interessado na formulação e/ou apresentação de proposta e aquisição dessa meação e quota da herança, se soubesse que contemplava ou dela fazia parte direitos sobre um prédio com tal dimensão, localização e valor teria outro comportamento.
46. Daí que o legislador tenha fixado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 417.º do Código Processo Civil, a obrigação de todas as pessoas, sejam parte ou não na causa, a prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade material.
47. Pelo que a douta decisão ora em crise confere um precedente e aval para, em situações semelhantes, os herdeiros devedores omitirem bens da herança, na expectativa de que durante determinado hiato temporal não sejam descobertos e mantenham-se titulares dos bens da herança, sem que satisfaçam as dívidas contraídas, em prejuízo dos credores, premiando-se, com tal princípio, atitudes fraudulentas, perante os credores e, como sucede in casu, o próprio Estado.
Posto isto, o Tribunal a quo, violou entre outros, os artigos 240.º e ss., 251.º, 253.º, 280.º, 285.º e ss., 341.º, 342.º, 344.º n.º 2, 358.º, 361.º, 362.º, 396.º, 451.º, 483.º e ss., 512.º, 562.º e ss., e 892.º do Código Civil, os artigos 7.º, 8.º, 417.º, 612.º, 766.º, 781.º, 783.º, 817.º, 813.º e 838.º do Código Processo Civil, e os artigos 13.º, 16.º e 17.º do Código do Registo Predial.
Termos em que se requer a Vossas Excelências seja o recurso julgado provado e procedente, assim se fazendo inteira justiça.
Os recorridos BB e marido responderam a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se a decisão sobre a matéria de facto deve ser modificada e, na afirmativa, se ficaram provados os pressupostos da simulação.
III. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
O recorrente impugnou a decisão sobre a matéria de facto, instando esta Relação a julgar provados os seguintes factos[1] que o tribunal a quo julgou não provados: p) A declaração referida em d) destinou-se a fazer crer na existência de um direito da ré OO inexistente, e foi emitida falsamente por acordo entre NN e OO em vista a simular toda a execução … n.º ..., por conluio com os réus filhos de NN, em vista de, através da remição aí realizada, no futuro, diminuir o património do réu FF, em prejuízo dos seus credores (arts. 90.º a 93.º da petição inicial). q) A omissão do prédio descrito em j) à autoridade tributária, ao inventário e à execução resultou de conluio entre NNe os réus seus filhos em vista a frustrar a acção futurados credores do réu FF sobre a herança da sua mãe (art. 47.º da petição inicial).
Alternativamente, em relação ao primeiro destes factos, o recorrente defende que, ao menos, deve ser julgado provado o seguinte: «O exercício do direito de remição pela ré BB no processo de execução que correu termos no 2.º Juízo Cível de Vila do Conde sob o n.º ... foi simulado, porque em conluio com os réus filhos da NN com o objectivo de, no futuro, diminuir o património do réu FF, em prejuízo dos seus credores».
Foram cumpridos os requisitos particulares desta impugnação previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
O caso em apreço é, do ponto de vista probatório, muito interessante, pelas dificuldades que a demonstração de uma simulação, em regra, apresenta, e também por haver circunstâncias cujo valor e significado epistémicos que não são fáceis de determinar e qualificar.
As bem elaboradas alegações de recurso aproveitam em grande medida os textos do autor que entre nós mais e melhor escreveu sobre a prova nos processos cíveis, o Desembargador Luís Filipe Pires de Sousa, o qual, no excelente livro Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, faz a inventariação exaustiva de factos indiciários, qualificando-os e agrupando-os em função do elemento que está presente no facto ou lhe subjaz e com base no qual é possível, do ponto de vista puramente racional, formular um juízo sobre a verosimilhança, consistência e probabilidade de outro facto (o facto indiciado ou presumido).
Quem simula algo, isto é, pratica actos que não correspondem à sua vontade real visando criar a aparência de que tais actos são verdadeiros, em regra, esconde a simulação (até por ser pressuposto da simulação a intenção de enganar terceiros) e procura que não haja vestígios do engano criado, travestindo os factos, criando cenários, inventando justificações. Por isso, a prova é na maior parte destes casos essencialmente indirecta, baseada em presunções naturais, e a sua análise e avaliação pressupõem a invocação das regras da experiência, da lógica das actuações humanas, da inteligência dos comportamentos do homem.
Diz-se que determinado facto é indício de outro, podendo ou não servir para fundar uma presunção, quando a sua presença permite, em regra, formar um juízo de prognose sobre a maior ou menor probabilidade do outro facto ocorrer. Porém, a vida mostra quotidianamente que factos que eram improváveis também acontecem e, ao invés, não acontecem factos que além de serem verosímeis eram muito prováveis (o que, sublinhe-se, necessita de ser lido em contexto porque se assim não for nunca haverá prova de nada e não é isso que se quer afirmar).
Como escreveu Michele Taruffo, in Simplemente la Verdad - El juez Y la construcción de los hechos, Traducción de Daniela Accatino Scagliotti, Marcial Pons, 2010, pág. 108, «… los conceptos de verdade, verosimilitud y probabilidade no son equivalentes entre sí y no son reducibles unos a otros. Designan diferentes cualidades que se pueden predicar respecto de un enunciado: puede ocurrir que concurran positivamente respecto de un mismo enunciado, si es que es a la vez verdadeiro, verosímil y probable, en la medida que resulta confirmado por las pruebas, pero puede ocurrir también lo contrario. En otras palabras, es posible que un enunciado sea verdadeiro pero no sea verosímil, así como puede ocurrir que un enunciado sea verdadeiro pero no sea probable, pues no se dispone de elementos de prueba que lo confirmen suficientemente permitan calificarlo como «probablemente verdadeiro». Sostener que un enunciado fáctico há sido probado (es decir, que es probablemente verdade erro) no equivale entonces a sostener que es verdadeiro, pues no se puede excluir la posibilidad (quizá improbable) de que sea falso; y, a la inversa, decir que un enunciado carece de confirmación probatória (y, por tanto, que probablemente no es verdadeiro) no excluye la posibilidad de que en realidade sea verdadeiro. En ambas situaciones, que el enunciado sea o no sea verosímil resulta irrelevante» - a tradução desta passagem para a língua portuguesa encontra-se em Luís Filipe Pires de Sousa, loc. cit., pág. 132 -.
Para assegurar a probabilidade do facto indiciado não basta, contudo, a presença de um indício.
A presença de um indício pode tornar o facto verosímil (no sentido de que possui viabilidade, é plausível, integra o elenco dos factos que à luz do conhecimento existente se antevêem como possíveis) mas isso não basta para o tornar provável ou mais provávelque sem esse indício (no sentido de em situações similares ele ocorrer com uma frequência mais próxima de um numa escala de zero a um).
Com efeito, a afirmação do valor indiciário não prescinde da quantificação desse valor: existem indícios mais ou menos significativos, existem indícios que o são num contexto e não o são noutro e existem indícios que o aparentam ser mas que são excluídos por outros indícios de sinal contrário.
Como assinala Luís Filipe Pires de Sousa, loc. cit., pág. 197, «qualquer indício tem sempre, por sê-lo, uma determinada valência probática. Tal valência probática não é fixa, dependendo de fenómenos de potenciação ou de enfraquecimento mercê de relações que estabeleça com outros indícios. Os indícios relacionam-se entre si, quer em relações de corroboração (presunção polibásica) quer em relações de infirmação. A infirmação de um indício pode, por sua vez, ser objecto de contra infirmação.» Na página anterior o mesmo autor escreve, com inteiro acerto, que uma das características dos vários indícios é a sua autonomia, é não haver entre eles um «ordenação hierárquica ou temporal. O que caracteriza o indício é a sua potência lógica, não podendo a priori afirmar-se que um indício tem maior potência lógica que outro.»
A presença de um indício não é por si mesmo a prova do facto indiciado. O indício é apenas um vestígio que sinaliza um facto, permitindo que sobre ele, com base nas regras da experiência, se construa, racionalmente, um argumento intelectual no sentido da afirmação da probabilidade de o facto ter ocorrido ou vir a ocorrer.
O que funciona como prova é a presunção criada pelo vestígio e pela valia intelectual do argumento nele alicerçado, razão pela qual a prova não é resultado do indício em si mesmo, mas sim da força persuasiva dos indícios, rectius, da força da presunção a que os indícios permitiram chegar.
Isso significa que podemos ter muitos indícios e ainda assim não termos prova suficiente (v.g. porque os indícios, independentemente da quantidade, são fracos), mas o inverso também é verdadeiro, podemos ter poucos indícios mas já termos prova suficiente (v.g. porque um só indício tem força demonstrativa bastante).
O recorrente alenta a defesa de que os actos jurídicos praticados pelos réus foram motivados pela necessidadede impedir os credores do réu FF (e os do réu HH, aspecto que é secundário na tese do autor porque ele é credor daquele, não deste) pudessem executar o património deste para obterem pagamento dos seus créditos sobre o réu.
Aparentemente, face ao montante das dívidas do réu FF[2] ao período de tempo pelo qual elas se vinham arrastando sem cumprimento, é aceitável pensar que este não podia deixar de sentir que o seu património estava em risco por causa das diligências judiciais que os seus credores inevitavelmente desencadeariam para obterem pagamento (não obstante, só por sentença de 28.2.2009, transitada em 9.3.2009, veio a ser declarada a sua insolvência e a da mulher, ou seja, … 4 anos depois da instauração da execução com fundamento da dívida alegadamente simulada pela mãe).
No entanto, ouvida ao pormenor a gravação dos depoimentos que o recorrente invoca para fundamentar a alteração da decisão, mais especificamente dos réus FF e mulher GG, da ré II e da ré BB, e das testemunhas RR (outro credor do réu FF que não foi pago), QQ (filha da ré DD), PP (filha da ré BB) e SS (o agente de execução que tramitou a execução), e analisados os documentos juntos (e sopesando a falta de outros que podiam ter sido juntos), a nossa convicção é que o autor concebeu uma tese (que é possível, naturalmente, e corresponde ao interesse do arguente) e observa todos os factos à luz dessa tese, sem estar disponível para verificar se os factos corroboram suficientemente a tese, análise que constitui o momento essencial e determinante da avaliação da prova.
Desde logo, é manifesta a penúria do valor probatório do argumento do recorrente.
Mesmo que o FF e o HH tivessem dívidas e os respectivos credores andassem a procurar obter pagamento dos seus créditos, os devedores eram eles, não era a mãe deles!
Por isso, para evitar que os credores do FF e do HH executassem o património do seu devedor, não se vê qual a necessidade de simular actos que conduzissem não à subtracção desse património à acção dos credores mas sim à subtracção do património da mãe deles que não respondia por essas dívidas!
Tal estratégia envolvia, sem nenhuma necessidade, património de terceiros bem mais valioso (a mãe era meeira e cônjuge herdeiro do falecido pai do devedor e este apenas titular de um quinhão correspondente a 1/6 da parte que na meação do pai caberia aos seis filhos herdeiros na partilha a que concorria ainda o cônjuge sobrevivo) do que aquele que respondia pelas dívidas às quais se pretenderia fugir (o património do devedor).
Para além disso, essa estratégia colocava em risco o património da mãe (!) e o património hereditário de todos os seus irmãos (!), e, pior que isso, mantinha o património dos devedores na respectiva titularidade(que, não obstante o que se passou na execução instaurada contra a mãe, continuaram a ser titulares apenas do seu quinhão na herança do pai) e, portanto, não impedia os credores de executarem esse património que seria afinal de contas a motivação da simulação (!).
Convenhamos que do ponto de vista racional é difícil aceitar que isso possa constituir um factor de incremento da probabilidade da alegada simulação da dívida.
Acresce que uma vez instaurada a execução contra a mãe deixava de estar no controle dos filhos a evolução e o resultado do processo judicial. Estando a execução pendente, os herdeiros não apenas não podiam controlar os bens que aí podiam ser penhorados (apenas podiam tentar enganar quem procedesse à nomeação de bens à penhora), como podiam ser confrontados com o aparecimento de interessados em comprar a parte da mãe no acervo hereditário. Esses interessados podiam mesmo apresentar propostas de compra por valores que os herdeiros, por falta de recursos financeiros, não conseguiriam acompanhar, designadamente para exercer direitos de remissão ou de preferência, ainda que o valor dessas propostas ficassem aquém ou mesmo muito aquém do valor real dos bens e a sua aceitação gerasse para os herdeiros maior prejuízo que aquele que, segundo o autor, eles pretendiam evitar!
É de referir que entre a instauração da execução e o óbito da executada NN decorreram mais de 7 anos e que por óbito desta (e se ela não dispusesse por testamento do seu património de outra forma) o quinhão do filho FF da herança dos pais apenas duplicava (1/6 na herança do pai e 1/6 na herança da mãe). Não é conjecturável que sete anos antes os interessados já estivessem a delinear uma estratégia no pressuposto do óbito da mãe (só desse modo se justifica simular uma dívida desta para alienar a respectiva meação e quinhão hereditário) que naturalmente não tinham como saber quando iria ocorrer.
Não seria mais fácil simular uma dívida do próprio devedor (afinal de contas, se ele tinha tantas, não era mais uma que iria originar dúvidas ou suspeitas) e promover diligências judiciais para transferir fraudulentamente o quinhão hereditário dele na herança do pai para outros herdeiros, deixando intactos os quinhões dos restantes herdeiros? Não seria mais fácil levar a viúva NN a fazer testamento deixando a sua quota disponível aos outros filhos e reduzindo significativamente o quinhão hereditário dos filhos devedores? Salvo melhor opinião, a resposta não pode deixar de ser sim.
Essa estratégia tinha ainda outra dificuldade associada ao facto de serem seis os filhos do falecido MM, cada um deles com vidas particulares, profissionais económicas próprias, distintas e de características bem diferentes: uns com vidas no exercício do comércio mas carregados de insucessos financeiros e dívidas (FF, HH), outros sem instrução, explorando a agricultura e com necessidades financeiras (II), outros com mais recursos e menos dificuldades (BB e DD). Se se pretendia com essa estratégia que o património comum a todos (a herança do pai) ficasse na titularidade apenas de um dos herdeiros para depois, sub-repticiamente, ser dividido por todos, em prejuízo dos credores de alguns, era necessário que todos os herdeiros estivessem a par da estratégia e concordassem com ela.
Ora não foi produzida absolutamente nenhuma, repete-se, absolutamente nenhuma prova de que entre os irmãos existissem uma relação pessoal e de confiança suficientemente boa para que estivessem de acordo sobre os actos a realizar e cada um deles ficasse convencido que isso também lhe convinha e não o prejudicaria, o que, convenhamos, é difícil de acreditar mesmo com pessoas ingénuas, quando a estratégia passava por colocar em risco a meação e o quinhão hereditário da mãe, o que podia prejudicar todos e não impedia o prejuízo para os únicos interessados em fugir aos respectivos credores (FF e HH).
Mais ainda, uma estratégia dessa natureza só podia ser congeminada pelos advogados envolvidos, porque só eles tinham o conhecimento jurídico para antecipar as consequências e a evolução da execução judicial instaurada na sequência da confissão de dívida da NN e a diligência para as acompanhar e contornar se viesse a ser necessário.
E tinha de envolver ainda o agente de execução (!) que exerceu tal cargo na acção executiva para garantir que ele penhorava apenas o que os filhos da executada viessem a definir e que estes teriam conhecimento antecipado das propostas de compra, para nela exercerem o direito de preferência ou remissão (como vimos, … se pudessem!).
Não somos ingénuos ao ponto de pensar que isso não pode ter sucedido, mas, convenhamos, que no meio de tantos herdeiros, com a necessidade de intervirem váriosadvogados (com poucos escrúpulos e menos ética), e ainda um agente de execução conivente e corrupto (a que outro título é que ele iria incorrer em violação intencional da lei?), é pouco provável que o plano delineado fosse do conhecimento e tivesse tido a adesão e a colaboração de vários.
O agente de execução, aliás, foi ouvido como testemunha e foi firme na refutação de que a abertura da única proposta apresentada tivesse sido feita com violação de qualquer regra legal, sendo certo que o aqui autor não esteve presente ao acto e como tal não pode conhecer ou afirmar o que lá se passou.
De todo o modo, tal não impedia o risco já assinalado de aparecer uma proposta que os herdeiros não tivessem capacidade financeira para acompanhar (afinal de contas, antes já tinha sido negociada a alienação do prédio mais significativo da herança, podendo ser do conhecimento do mercado imobiliário que esse prédio era desta família), em resultado do que, na prática, não só estariam impedidosde conservar a titularidade do acervo hereditário e ainda veriam o respectivo produto ser depositado à ordem de um processo judicial e, por isso, ficar à mercê da acção dos possíveis credores e mais difícil de dissipar ou esconder.
Parece, aliás, muito rebuscado defender que a argúcia e a falta de honestidade (dos advogados) dos simuladores foi ao ponto de, para evitar que a circunstância de a executada não se defender da execução pudesse, mais tarde, ser interpretada como um indício da simulação da dívida exequenda, os simuladores terem tido o cuidado de fazer a NN deduzir embargos de executado, impugnando falsamente a autoria da assinatura que lhe era imputada no título executivo e alegando, ao contrário do que antes haviam simulado, que a exequente não lhe tinha emprestado qualquer quantia[3].
E terem ainda decidido, perante a sentença desfavorável proferida nos embargos, interpor recurso de apelação da sentença para a Relação do Porto, sempre com a intenção de a executada/embargante/recorrente não convencer o tribunal do que alegava nos embargos (e para o que inclusivamente deduziu meios de prova) e sair … vencida nessa oposição e nessas instâncias (cf. certidão judicial da execução apresentada pela ré BB com a contestação)!!!
Por outro lado, o argumento de que a NN, pessoa já com idade, reformada, viúva e titular de um património superior a um milhão de euros (e do qual tinha a meação e um quinhão hereditário), não tinha necessidade de pedir dinheiro a uma cunhada pode impressionar na sua formulação, mas não possui, de facto, no caso, grande valor indiciário.
Por um lado, porque isso foi discutido na oposição à execução que a NN deduziu, alegando precisamente que não tinha pedido nada à cunhada, e a alegação da embargante foi julgada não provada, não se vislumbrando a possibilidade de isso ter sido decidido no processo onde tais factos foram objecto de alegação e prova específica, produzida pelas intervenientes directas, e aqui agora se decidir em sentido oposto, com base numa prova mais longínqua, produzida por terceiros e baseada somente em suposições[4].
Por outro lado, porque resultou da audiência de julgamento que um dos problemas que este grupo familiar tinha era precisamente o de haver herdeiros com mais acesso à mãe e que a ela recorriam nos momentos de dificuldades económicas, conseguindo que esta os socorresse, mesmo com o que não tinha (v.g. a II recebeu da mãe os €50.000 entregues pelo construtor que negociou a compra do Campo ..., tendo-os usado para pagar dívidas suas e não mais os restituiu, alegadamente por não ter condições financeiras para o fazer, o que, naturalmente, só terá acontecido se a mãe tiver tido em relação a outros filhos actuações similares).
Portanto, ainda que fosse a NN a contrair as dívidas, as necessidades a que ela procurava responder dessa forma não eram dela, eram dos filhos, cujas vidas económicas eram verdadeiramente desastrosas e a cujas dificuldades ela procurava atender, sob protesto dos outros filhos quando tomavam conhecimento disso. No caso, aliás, ficou provado nos embargos à execução que o valor do cheque sacado pela mutuante foi depositado na conta bancária de um dos filhos da mutuária, após endosso do cheque por esta (o que só pode ter sido provado com base em prova documental de origem bancária). Desse modo, a necessidade do dinheiro mutuado pela exequente existia de facto, era real, só não era uma necessidade da própria mutuária, mas sim uma necessidade dos filhos a que esta acorria.
Ao contrário do que o recorrente afirma, apesar de a herança compreender imóveis de valor significativo isso não proporcionava à viúva liquidez para fazer face a essas necessidades que não eram de pouca monta, porque nenhum dos imóveis gerava rendimento (era uma casa habitada por herdeiros e prédios rústicos que ela, pela sua idade, já não agricultava, por certo, ignorando-se se os terrenos estavam arrendados e, nesse caso, por que renda). Como a herança estava por partilhar ela não podia alienar ou onerar nenhum bem da herança, designadamente com hipotecas para obter fundos de bancos, sem previamente fazer a partilha e colocar todos os filhos em guerra por causa dos respectivos quinhões e do acerto com o que cada um foi obtendo da mãe ao longo do tempo, sendo certo que para conseguir isso sem a partilha feita necessitava da intervenção dos filhos e, portanto, de lhes dar satisfações sobre o uso que ia dar ao dinheiro.
Parece normal e não tem nada de suspeito alguém pedir dinheiro a uma pessoa próxima, das suas relações, à qual tem acesso e na qual confia, com reciprocidade. Anormal seria a pessoa conseguir o empréstimo de um estranho, de uma pessoa com a qual tem pouca proximidade ou não tem uma relação em resultado da qual esta se possa interessar, por razões pessoais ou afectivas, por conceder o empréstimo.
A existência de uma relação de família, de amizade ou de confiança facilita (torna mais possível) a simulação (… tal como facilita qualquer outro entendimento!), mas não torna mais provável a ocorrência da simulação.
Imaginemos dois enunciados de facto: i) A declara num documento escrito que deve a B, seu pai, €5.000 que recebeu deste a título de empréstimo; ii) C declara num documento escrito que deve a D, pessoa que encontra quando assiste aos jogos de futebol da equipa de infantis dos filhos de ambos, €5.000 que recebeu deste a título de empréstimo.
A simulação negocial pode ocorrermais facilmente entre A e B (porque a relação existente potencia o acordo), que entre C e D (falta o motivo para D se interessar pela criação do erro); contudo, não se pode dizer que a probabilidade de o empréstimo ser simulado é maior no enunciado i) que no enunciado ii), pela simples razão de que nada permite apurar que a simulação ocorre com mais frequência naquela situação que nesta.
Ao argumentar com o valor do património hereditário e, sobretudo, com a desproporção entre o seu valor real e o valor pelo qual foi transferido para a titularidade exclusiva de um dos herdeiros que não respondia pelas dívidas dos irmãos, o autor constrói a sua tese a partir da afirmação de que o mesmo valia bem mais de um milhão de euros e que o bem imóvel mais valioso era precisamente o Campo ..., omitido em várias circunstâncias (na participação do óbito às finanças e no inventário).
O autor não requereu nem produziu qualquer meio de prova apto a demonstrar o valor real da herança. Não foi junto qualquer documento com a avaliação dos bens imóveis feito por alguma empresa do mercado imobiliário, nem foi requerida a prova pericial que em condições normais seria indispensável e a única que permitiria conhecer com a segurança mínima o valor do património em questão.
A convicção do autor está relacionada com a circunstância, referida no decurso da audiência, de em data anterior aos factos em discussão nos autos a NN ter alegadamente acordado com um construtor vender-lhe o Campo ..., recebendo, para pagamento do preço, €50.000 (como recebeu) e a promessa de depois, com a edificação do terreno, receber cerca de dezena de apartamentos acabados, o que redundava num valor muito acima do milhão de euros.
Porém, não está junto qualquer documento que ateste a veracidade dessa descrição do negócio, tendo sido igualmente referido nos depoimentos que o construtor foi declarado insolvente e não foi cumprido qualquer negócio com ele. Também foi referido por mais que um dos herdeiros que nem todos eles estavam a par do negócio da mãe e parte deles não aceitou nunca assinar qualquer documento relativo ao negócio, o que impedia a concretização válida e eficaz do negócio porque o imóvel estava compreendido na herança do MM e esta estava por partilhar.
Pior que isso, não está sequer junto aos autos, e o autor não podia desconsiderar a absoluta necessidade desse meio de prova, qualquer documento emitido pela Câmara Municipal de Vila do Conde que ateste que, à data, o Plano Director Municipal de Vila do Conde permitia construirno local, que era possível edificar aí habitação colectiva (foi referido na audiência pela testemunha YY que o imóvel se situa próximo do Hotel D..., zona cuja envolvente é caracterizada apenas por habitação unifamiliar ou moradias), que os edifícios a construir podiam ter um número de andares e um número de apartamentos e/ou lojas cujo valor no mercado permitia do ponto de vista económico ao promotor imobiliário entregar aos proprietários do terreno, em troca deste, o número de apartamentos e a quantia alegada (a entrega desta quantia não levanta dúvidas porque a ré II admitiu que a mãe a recebeu e lha entregou para ela fazer face a dificuldades económicas que tinha).
Refira-se que embora não conste da fundamentação de facto da sentença, foi junta pelo autor uma cópia simples (não é uma certidão e, portanto, não faz prova plena de molde a que agora pudéssemos acrescentar esse facto à fundamentação) de um documento (cf. págs. 25 a 27 do ficheiro pdf que contém o requerimento de 05-01-2017, ref.ª 24520655) que parece ser o relatório de uma avaliação dos imóveis deixados pelo falecido MM realizada no âmbito do inventário n.º ....
Nesse aparente relatório de avaliação, o perito engenheiro seu autor avalia o conjunto dos imóveis da herança em €1.114.840, e só o Campo ... em €600.000 (o que já é só … quase metade do milhão que o autor tinha em mente!), referindo que segundo o Regulamento do Plano Director Municipal este se situa em «zona de construção tipo I», mas sem esclarecer o significado disso, sendo certo que como a avaliação parece ser de 2012 o PDM de referência seria aparentemente o mesmo da data da venda na execução.
Como quer que seja, face à fundamentação da sentença, a questão (da eventual desproporção) do valor do património não tem no caso concreto o contributo indiciário que o autor lhe assinala, partindo de uma realidade que dá como incontroversa mas que, como assinalámos, não pode ser aceite nos autos como adquirida processualmente.
Com efeito, o valor que a herdeira BB pagou pela meação e pelo quinhão hereditário da mãe na herança do pai, postos à venda na execução, foi o necessário e suficiente para afastar a proposta de compra apresentada pelo único interessado que apresentou ao agente de execução proposta de compra.
Por isso, não só existiu uma razão para que a adquirente pagasse esse valor (foi o necessário para afastar o único interessado que se apresentou), como não se vislumbra motivo em função do qual seria espectável que ela pagasse valor superior (afinal de contas o que interessava era conservar a titularidade dos bens dos pais, e todos os irmãos sabiam todos que os direitos da mãe estavam à venda num processo judicial).
Claro que, e aqui entramos nos factos instrumentais cujo valor indiciário é mais difíceis de interpretar e quantificar, não se pode olvidar que na execução eram mencionados como fazendo parte da herança a que respeitavam os direitos penhorados apenas cinco imóveis e entre eles não constava o mais valioso, o Campo ... ou da ....
Por que motivo foi dito na execução que a meação e o quinhão hereditário penhorados eram integrados por apenas cinco imóveis quando a herança compreendia outros imóveis?
No seu depoimento o Agente de Execução explicou que isso aconteceu porque quando se trata da penhora de bens dessa natureza, consulta a participação às Finanças para efeitos de imposto sucessório e leva aos seus documentos, designadamente para efeitos de penhora, a informação constante dessa participação; não são as partes que lhe dizem, é ele que faz essa diligência no serviço de finanças.
Não foi junta certidão comprovativa da participação às Finanças e como tal esta também não consta da fundamentação de facto. O doc. 31 junto com o requerimento de 05-01-2017 (ref.ª 24521127; pág. 10 do pdf) inclui o que parece ser uma cópia dessa participação, mas sem data da sua apresentação às finanças[5], pelo que se desconhece em que data foi entregue, designadamente se, como é de lei, foi apresentada não muito depois do óbito do MM que ocorreu em ../../1998 ou apenas muito tempodepois[6].
Essa data tinha importância probatória porque se foi apresentada no prazo legal ou aproximado, a participação às Finanças teria antecedido em mais de 5 anos a confissão de dívida e em cerca de 7 anos a execução instaurada contra a viúva com base na confissão de dívida, distância temporal que torna muito improvável que a participação tivesse sido elaborada de caso pensado para determinar o que veio a ocorrer só esse tempo depois, isto é, impedir o agente de execução que viesse a ser nomeado para exercer essa função na execução de saber que a herança integrava ainda o Campo ....
Se compararmos o relatório de avaliação no inventário, o auto de penhora na execução e a participação no processo de Imposto Sucessório feita pela NN ao Serviço de Finanças, constatamos que na verdade não foi mesmo isso que o Agente de Execução fez.
A participação não compreende o Campo ..., é certo, mas compreende outro imóvel mais especificamente o prédio misto descrito no registo predial sob o n.º ...14 e inscrito na matriz sob o artigo n.º ...20, o qual também não foi discriminado pelo Agente de Execução no auto de penhora. O autor de penhora não desprezou apenas o Campo ... (o que podia dever-se ao teor da participação), desprezou outro imóvel da herança … que constava da participação!
O que daqui resulta é que o Agente de Execução não só não fez o que devia, que era obter Junto do Serviço de Finanças a lista dos prédios inscritos na matriz em nome da pessoa cuja abertura da herança fez surgir os direitos penhorados (estaria lá o Campo ... porque segundo a escritura pública de aquisição do mesmo em 1965 ele estava inscrito na matriz), como, ao contrário do que afirmou, ainda decidiu fazer algo à revelia da própria participação para efeitos de imposto sucessório.
O auto de penhora apresenta outra particularidade que ajuda a compreender a lógica (errada) do seu conteúdo. Segundo a certidão judicial junta pela ré BB após a contestação, a quantia exequenda era de €18.500, mais juros de mora de dois anos, grosso modo €20.000 (mais precisamente €19.268,38, se fizermos fé na cópia simples do anúncio de abertura de propostas). O «valor base» atribuído aos direitos penhorados foi precisamente de €20.000 que era nem mais nem menos que o valor atribuído pelo Agente de Execução ao conjunto dos cinco imóveis relacionados como integrando os direitos penhorados.
É fácil de ver que o que aconteceu foi que entre os imóveis descritos na participação ao Serviço de Finanças o Agente de Execução seleccionou aqueles que na sua avaliação perfaziam o valor necessário às finalidades da execução, procurando não penhorar mais bens que os necessários e esquecendo (ou ignorando) que o que estava penhorado não eram os bens da herança mas sim os direitos (meação e quinhão hereditário) na herança (razão pela qual depois sentiu necessidade de rectificar as notificações aos interessados na data para abertura de propostas; cf. pág. 66 do pdf da petição inicial).
Desse modo, tanto quanto se pode extrair dos documentos (e/ou com a segurança que este meio de prova possui), o que determinou os actos do Agente de Execução na execução não foi afinal a participação para imposto sucessório, foi o critério (errado) do Agente de Execução, a sua interpretação sobre o que necessário e suficiente para as finalidades da execução e devia ser penhorado.
Muito provavelmente foi essa (errada) interpretação que conduziu ao teor da penhora, à errada identificação inicial dos bens penhorados (como se fossem os imóveis da herança) e à posterior deficiente correcção dessa identificação (agora já os direitos da herdeira executada, mas como se estes integrassem apenas os bens anteriormente indicados, quando a participação às Finanças indicava ainda outro e de valor considerável por se tratar de um prédio misto que incluía uma casa, enquanto os outros eram apenas rústicos), e que levou a que a venda tivesse sido anunciada e realizada como foi e desencadeado os factos que conduziram à instauração da presente acção.
Nesse contexto, não atribuímos à circunstância de na participação para efeitos de imposto sucessório não constar o mais valioso prédio da herança um valor indiciário relevante de que se tratou de uma atitude predeterminada para criar um cenário falso para condicionar a execução instaurada, presumivelmente, apenas 5 a 7 anos depois.
É certo que, como todos os herdeiros sabiam bem que o Campo ... fazia parte da herança, essa circunstância é suspeita, podendo traduzir a intenção de não declarar esse imóvel para efeitos do imposto sucessório, mas não se pode escamotear que o imóvel havido sido adquirido já em 1965, ou seja, mais de 30 anos antes do óbito do comprador, e que resulta dos autos que nesse ínterim houve alteração das matrizes, razão pela qual não é de excluir de todo que o conhecimento do imóvel e que o mesmo pertencia ao MM não implicasse conhecer exactamente o número da respectiva descrição predial ou o artigo da matriz predial (não sendo muito provável, é possível).
Os depoimentos produzidos em audiência alteram este estado de coisas permitindo suplantar o que os documentos não provam? Não, de todo.
A ré II é, entre todos os herdeiros dos pais, talvez o que possui maior equidistância neste conflito. Ela tanto sai prejudicada pela actuação dos irmãos FF e HH que conseguiram destruir o património da mãe, levando-a a contrair dívidas para obter dinheiro que eles se encarregaram de dissipar, como sai prejudicada pela actuação da imã BB que apenas pela quantia de €50.000 logrou adquirir na execução toda a parte da mãe no património dos pais, possuindo este, aparentemente, valor superior um milhão euros (adquiriu por €50.000 o que valeria à volta de €700.000). Além disso, pareceu no seu depoimento ter uma vida familiar e económica bem mais difícil que a das irmãs, o que além de lhe gerar muitos problemas e ocupação cria necessidades.
Do seu depoimento resulta que entre os irmãos não houve nenhuma conversa prévia à instauração da execução para concertar qualquer estratégia relativamente ao património dos pais, designadamente por causa das dívidas dos irmãos FF e HH. Resulta ainda que quando tomavam conhecimento de que a mãe estava a meter-se em problemas por causa dos filhos homens, as irmãs atiravam-se à mãe, protestando, mas a mãe era senhora que mandava na vida dela e continuou a fazer o que muito bem entendia. Resulta que os filhos souberam que a parte da mãe na herançaia à venda e que houve conversas entre alguns deles (ela foi visitar uma irmã e encontrou lá outros irmãos em segredinhos sobre isso mas não lhe contaram tudo) sobre o que fazer e foi a ré BB, porque a outra irmã não o quis fazer, que tomou a decisão de acompanhar a venda para tentar comprar ela, como veio a fazer, o que anunciou depois à outra irmã dizendo: «não quiseste, comprei eu». Nessas conversas não se falou no Campo ... e só muito mais tarde, muito depois da venda na execução, soube que na execução não estava descriminado o Campo ..., o que a surpreendeu porque sabia bem que ele fazia parte da herança e pensava que estivesse incluído. Que depois disso também não houve qualquer acordo ou conversa sobre a partilha da parte da mãe até porque as irmãs lhe atiram que ela já tem os €50.000 que foram entregues pelo construtor a quem a mãe tinha prometido vender o Campo ... e que ela gastou porque tinha «a casa à venda» e que se pudesse, que «não pode», restituía sim mas a esse construtor.
A ré BB, naturalmente interessada na improcedência da acção, também não foi longe disto. Negou que tivesse havido qualquer concertação entre os irmãos para simular a dívida à tia e permitir a execução do património da mãe; afirmou que quando soube que a parte da mãe estava a ser executada foi pedir satisfações à mãe e esta lhe disse que o dinheiro tinha sido para ajudar o irmão FF; que quando se aproximou a venda judicial do património da mãe os irmãos não quiseram ou não puderam tentar comprar eles; que reuniu dinheiro e foi assistir à abertura de propostas; que ao tomar conhecimento do valor da única proposta apresentada viu que conseguia comprar, o que veio a fazer; que não tem que fazer contas com os irmãos em relação ao que era da mãe porque o adquiriu na venda judicial e é seu.
No que concerne aos depoimentos das testemunhas, o depoimento de RR, outro credor insatisfeito do réu FF, não tem qualquer relevo probatório porque de concreto e quanto ao que se discute nos autos a testemunha nada sabe de relevante.
As testemunhas QQ e PP, filhas das rés DD e BB, respectivamente, com mais instrução que as mães, mas que acompanharam a situação com menos envolvimento que estas, nada afirmaram que reforce a tese do recorrente.
É certo que os depoimentos dos réus e destas testemunhas apresentam diferenças que o recorrente procura aproveitar (quem soube da penhora e como; quem falou com quem, como foi obtido o cheque para pagamento do preço dos bens, etc.), mas são diferenças apenas ao nível de pormenores.
Face ao tempo que passou desde os factos, quase vinte anos desde o início da execução e 15 sobre a venda, essas diferenças são naturais, mesmo inevitáveis, e aceitáveis, não podendo ser interpretadas, de modo algum, como indício da falsidade intelectual do núcleo essencial das afirmações feitas em audiências.
O que seria estranho, anormal e suspeito era que passado todo este tempo os depoimentos tivessem sido perfeitamente coincidentes e chegado ao pormenor a que no interrogatório se quis que chegassem, ignorando o que é a memória de uma pessoa, como se forma e como se opera a sua reconstituição.
Daí que nos pareça incontornável concluir que no caso não se fez nenhuma prova de que a declaração de dívida que constitui o título executivo da execução instaurada contra a NN é falsa, o empréstimo nela declarada não existiu e que tudo não passou de um embuste, criado por acordo entre a NN, a OO, os filhos daquela e os respectivos advogados para diminuir o património do réu FF, em prejuízo dos seus credores.
Identicamente entendemos que não existe prova suficiente de que o que foi simulado foi «o exercício pela ré BB do direito de remição no processo de execução, em conluio com os restantes irmãos com o objectivo de, no futuro, diminuir o património do réu FF, em prejuízo dos seus credores»[7].
E, bem assim, que não existe prova suficiente de que a omissão do Campo ... na participação «à autoridade tributária, ao inventário e à execução resultou de conluio entre NN e os réus seus filhos em vista a frustrar a acção futura dos credores do réu FF sobre a herança da sua mãe».
A decisão da 1.ª instância sobre estes ponto da matéria de facto merece, por isso, a nossa adesão e concordância.
IV. Fundamentação de facto:
Encontram-se julgados provados em definitivo os seguintes factos:
a. Em ../../1998 faleceu MM, tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros a sua mulher NN e os filhos do casal, I a VI réus.
b. Em ../../2012 faleceu NN, tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros os I a VI réus.
c. Os I a VI réus são os únicos filhos e únicos e universais herdeiros de MM e NN.
d. Por escrito datado de 15/12/2003, junto com a certidão de 19/10/2023 (fls. 599), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, NN, declarou nomeadamente, por aposição da sua assinatura: declaro e aceito que tenho uma dívida de dezoito mil e quinhentos euros (€18.500,00) para com OO.
e. Com base no escrito referido em d), em 29/03/2005, a ré OO instaurou contra NN, a execução comum que correu termos no 2.º Juízo Cível de Vila do Conde sob o n.º ..., para cobrança de €18.500,00, acrescidos de juros vencidos no valor de €768,38 e juros vincendos.
f. Em tais autos, foram expedidas notificações pelo Sr. agente de execução antes de 1/5/2009, incluídas na certidão junta em 19/10/2023 (fls. 601 a 604), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, dirigidas aos réus II, FF, DD e BB, advertindo-os da penhora do direito ao quinhão hereditário pertencente a NN na herança aberta por óbito de MM.
g. No auto de penhora depois lavrado em 1/5/2009, incluído na certidão junta em 19/10/2023 (fls. 605 a 607), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi inscrita a penhora do direito e acção de NN na herança ilíquida e indivisa, com indicação de que dela faziam parte:
i. O prédio rústico denominado Ribeira ..., Ribeira ... e Bouça ..., sito no lugar da ..., freguesia ..., inscrito na matriz rústica sob os arts. ...79..., ...80.º, e ...81.º, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...40, com indicação de valor de €4.000,00;
ii. O prédio rústico denominado ..., sito no lugar da ..., freguesia ..., inscrito na matriz rústica sob o art. ...1.º, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...47, com indicação de valor de €4.000,00;
iii. O prédio rústico denominado Bouça ..., sito no lugar ..., freguesia ..., inscrito na matriz rústica sob o art. ...55.º, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...26, com indicação de valor de €4.000,00;
iv. O prédio rústico denominado Bouça ..., sito no lugar ..., freguesia ..., inscrito na matriz rústica sob o art. ...56.º, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...27, com indicação de valor de €4.000,00;
v. O prédio rústico denominado Campo ..., sito no lugar ..., freguesia ..., inscrito na matriz rústica sob o art. ...78.º, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...48, com indicação de valor de €4.000,00; (art. 11.º da petição inicial)
h. Em Setembro e Outubro de 2010 foi publicitada a venda em propostas por carta fechada do direito em questão, por editais e anúncios, incluídos na certidão junta em 19/10/2023 (fls. 608 a 617), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em que o direito em venda foi designado direito e acção de NN na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MM e quinhão hereditário e direito à meação de NN na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MM sempre com indicação apenas dos prédios descritos em g), e anúncio de um valor base de venda de €45.000,00.
i. Em 15/11/2010 ocorreu a abertura de propostas em tal venda, em conformidade com o auto incluído na certidão junta em 19/10/2023 (fls. 619 e 620), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde foi apresentada por C..., Lda., uma proposta no valor de €50.000,00, após o que a ré BB declarou pretender exercer o direito de remição, pelo mesmo valor, em consequência do que as verbas em venda lhe foram adjudicadas, tendo posteriormente sido emitido o título de transmissão incluído na mesma certidão (fls. 621 a 622), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
j. Por escritura pública de 30/10/1965, exarada de fls. 42 a 43, verso, do livro de notas para escrituras diversas n.º B-18, do Primeiro Cartório Notarial de Vila do Conde, com certidão junta pelo autor como documento n.º 15 com a petição inicial, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, os TT, UU, e VV, este actuando por si e em representação de WW e XX declararam nomeadamente vender a MM, que no mesmo acto declarou comprar nas mesmas condições o Campo ..., sito no lugar das ..., freguesia ..., inscrito na respectiva matriz rústica sob o art. ...11.º, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...46, pelo preço de 120.000$00.
k. Em 27/01/2012 foi inscrita a aquisição a favor dos réus BB, DD, FF, HH, II e KK e de NN, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária de MM, que ocorreu juntamente com a abertura da descrição do prédio rústico denominado Campo ..., sito no lugar das ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o art. ...36.º, e assim descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...8/20120127.
l. Em 19/10/2007, foi requerido processo especial de inventário por A... – Associação dos Produtores de Leite e Carne, invocando a aquisição do quinhão hereditário do réu HH, para partilha da herança aberta por MM.
m. Tal inventário correu termos no 1.º Juízo Cível de Vila do Conde sob o n.º ..., e a ré foi aí nomeada cabeça-de-casal, tendo prestado compromisso de honra e declarações em 8/2/2011, e aditado à relação de bens o prédio descrito em k) após ter participado tal prédio à autoridade tributária em 25/3/2011.
n. NN e os seus filhos sabiam da existência do prédio descrito em j) e sua pertinência à herança.
o. Por sentença de 8/7/2009, proferida nos autos de reclamação de créditos em insolvência que correram termos no 2.º Juízo Cível de Vila do Conde sob o n.º ..., em que foram requeridos os réus FF e GG foi nomeadamente decidido reconhecer ao autor um crédito no valor de €11.130,00, acrescido de juros no valor de €1.469,97.
V. Matéria de Direito:
O recurso tem por objecto exclusivamente matéria de facto, no sentido de que a pretendida modificação da decisão radica apenas na alteração da respectiva fundamentação de facto.
Não faz parte do objecto do recurso qualquer questão jurídica que possua relevância para a apreciação do mérito da causa independentemente da modificação da fundamentação de facto, ou seja, que possa impor a alteração da decisão mesmo que esta se mantivesse, como vai manter, com o conteúdo fixado pela 1.ª instância, sendo certo que aquela fundamentação exclui sem qualquer dúvida ou reparo a totalidadedos pressupostos da simulação, seja ela de um contrato (o mútuo) ou de actos processuais (a remissão).
Não obstante, sempre se dirá que no auto de penhora dos direitos penhorados (meação e quinhão hereditário da executada) não foram indicados todos os bens que integravam a herança a que respeitavam esses direitos e, consequentemente, até pelo valor que lhe corresponde, a proposta apresentada não tinha por objecto a aquisição de um direito num património comum que integrasse os bens não especificados no auto de penhora.
Logo, como o direito de remissão é o direito de passar a ocupar a posição do proponente cuja proposta está em condições de ser aceite, também o direito adjectivo que permitiu a aquisição dos direitos penhorados por uma familiar da executada não tem esse âmbito objectivo.
Como quer que seja, excluída a simulação que constitui a causa de pedir da acção, essa circunstância não pode ser aqui apreciada ou decidida. Com efeito, os actos processuais praticados num processo e sobre os quais são proferidas decisões judiciais, beneficiam da força de caso julgado dessas decisões, não sendo impugnáveis autonomamente à margem dos processos onde foram praticados, excepto com fundamento nos vícios que podiam permitir a revisão das aludidas decisões (é o caso da presente acção cuja causa de pedir é o vício da simulação, mas eram possíveis outros meios jurídicos).
Por isso, os efeitos, o âmbito e/os vícios da venda judicial realizada na execução que correu termos no 2.º Juízo Cível de Vila do Conde sob o n.º ... só podem ser discutidos no âmbito desse processo ou do processo de inventário no qual se faz a partilha da herança cujos direitos foram objecto daquela venda judicial.
Desse modo, excluído o vício da simulação que constitui a causa de pedir da acção, esta tinha de improceder, conforme foi decidido e aqui se confirma.
VI. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente, o qual vai condenado a pagar aos recorridos, a título de custas de parte, o valor da taxa de justiça que suportaram e eventuais encargos.
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Porto, 9 de Janeiro de 2025.
*
Os Juízes Desembargadores Relator: Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 866) 1.º Adjunto: Ana Luísa Loureiro 2.º Adjunto: Francisca Micaela da Mota Vieira
[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]
__________________________ [1] Na conclusão 6 das alegações de recurso, o recorrente refere-se ainda a outro facto [iii. Que em consequência da conduta dos réus o autor senti[u] séria apreensão, nervosismo, inconformismo, ao ponto de abalar o seu sono e o deprimir]. Todavia, nas conclusões 42 e 43, local onde o recorrente sintetiza a sua impugnação da decisão sobre a matéria de facto, tal facto já não é referido. No corpo e nas conclusões das alegações de recurso também não vem indicado nenhum meio de prova concreto para fundamentar a alteração da decisão, nem vem apresentado qualquer argumento relativo à prova para justificar tal alteração. Assim, embora haja uma conclusão a defender a sua alteração, no tocante a este ponto concreto da matéria de facto faltam as alegações de recurso que permitam a esta Relação alterar a decisão proferida pelo tribunal a quo. Por isso, não se conhecerá da impugnação desse ponto. [2] Tais dívidas não constam da matéria de facto, mas, segundo a respectiva cópia simples junta, na fundamentação de direito da sentença do apenso da exoneração do passivo restante é dito, embora ressalvando que essa factualidade não estava «directamente provada nos autos» mas resultar «das informações prestadas pelos próprios Insolventes e pelo administrador da insolvência», que, só de capital, o réu ficou a dever, em 1998, ao Banco 1..., €49.879,79; em Novembro de 2000, a ZZ, €3.900,00; em 2002, à Banco 2... €32.623,00; em 2002, ao Estado €2.916,75; em Abril de 2003 a AAA, €7.885,00; em 2005, a E..., Lda. €28.357,07. [3] A lógica do recorrente é esta: para permitir a instauração de uma execução os interessados simularam a … existência de uma dívida e depois deduziram oposição à execução sustentando que a dívida … não existia, só para evitar o risco de a não oposição ser interpretada como um sinal de que a dívida … não existia, mas sempre para que o tribunal concluísse mal, apesar da prova da embargante, que a dívida … existia (!) [4] Nos embargos de executado foram julgados provados, entre outros, os seguintes factos, cuja decisão foi mantida por esta Relação do Porto na apelação da sentença dos embargos: «6) A exequente emprestou à executada a quantia de € 18.500,00; 7) Empréstimo esse que ocorreu a 15/12/03 e que devia ter sido pago decorridos 4 meses sobre essa data; 8) Para o efeito, a exequente procedeu ao levantamento da quantia de € 13.400,00, a qual se encontrava depositada nos F..., em títulos de certificados de aforro, titulados por BBB, tendo o restante sido entregue em numerário; 9) Os certificados de aforro foram levantados nos F... da Av...., no Porto, pela exequente, acompanhada por um dos filhos da embargante e pela citada BBB; 10) Tendo sido, nessa sequência, emitido um cheque em nome desta última, a qual o endossou e que veio a ser depositado numa conta bancária titulada pela embargante ou por um dos filhos da mesma; 11) Após a entrega das quantias referidas no facto provado n.º 8) e 7), e na presença de BBB, foi assinado o documento dado à execução; 12) Ainda em 15/12/03, a embargante solicitou à embargada mais €847,96 (Esc. 170.000$00), montante esse que lhe foi emprestado em numerário.» [5] O recorrente confunde a data que consta da parte superior das folhas correspondentes aos documentos 30 e 31 (pág. 10 e seguintes do pdf) e que é somente a data em que um advogado enviou a outro, por fax, cópia do requerimento que apresentou nessa data (09-06-2009) no processo de insolvência dos réus FF e mulher e com o qual juntou a referida cópia simples da participação às Finanças para imposto sucessório, com a data de apresentação dessa participação às Finanças, sendo certo que a cópia dessa participaçãonão possui qualquer carimbo de entrada do Serviço de Finanças do qual se pudesse retirar a data em que foi apresentada. Por outras palavras, estes documentos revelam que em 09-06-2009, a participação estava feita (por isso o advogado pôde apresentar cópia dela noutro processo e enviá-la a um Colega), mas não, de modo algum, que a participação só foi feita nessa data, como depois o recorrente debalde explora na sua argumentação. [6] A participação não deve mesmo ter sido feita na altura referida pelo recorrente. Conforme certidão do processo executivo junta, por iniciativa do tribunal, em 19-10-2023, no requerimento executivo da execução instaurada em 29-03-2005 pela OO contra a NN foi nomeado à penhora apenas o recheio da habitação da executada; não obstante, o Agente de Execução juntou aos autos logo em 17-10-2006 cópia da notificação efectuada aos demais herdeiros da penhora do «quinhão hereditário» da executada na herança do marido MM, o que revela que nessa data já tinha obtido informação do óbito do marido da executada; no seu depoimento o Agente de Execução afirmou que nessas situações procedia à consulta da participação feita às Finanças para conhecer o património da herança e decidir o que penhorar; tudo aponta pois que a participação foi feita antes de 17-10-2006 (quando exactamente não sabemos) e não apenas em 2009. [7] Nem se vislumbra, aliás, como é que poderia ter sido simulado o exercício deste direito potestativo quando o seu efeito jurídico asseguraria na prática o objectivo que se imputa à parte; isto é: porque haveriam de simular um acto quando a prática real e efectiva do acto (que se defende ter sido simulado) serviria para alcançar o objectivo desejado! Bastava pois praticarem realmente o acto e acordarem que não obstante isso depois fariam contas entre todos na partilha dos bens da herança.