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REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DEVER DE INDEMNIZAR
CULPA DO LESADO
REPARAÇÃO NATURAL
CONSTITUIÇÃO EM MORA
Sumário
I - Observados os requisitos da impugnação da matéria de facto previstos no art. 640.º do CPC, a Relação passa a ter autonomia decisória, competindo-lhe formar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes e demais que julgue pertinentes, sem prejuízo da observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia. II - No entanto, em caso de ausência de elementos probatórios que conduzam com segurança a uma convicção diversa na sequência de tal reapreciação, deverá prevalecer a decisão proferida em 1.ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nessa parte. III - O art. 570.º/2 do Código Civil tem o seu campo de intervenção no caso de culpa do lesado na produção dos danos, e não apenas no seu agravamento, pois não faria sentido excluir na totalidade o dever de indemnizar quando o lesado fosse alheio à produção dos danos e apenas tivesse contribuído para o seu aumento. IV - Não configura culpa do lesado susceptível sequer de justificar a atenuação da indemnização, ao abrigo do art. 570.º do CC, a exigência de uma máquina nova na sequência de um acidente que, mercê da deterioração parcial daquela, impede o seu funcionamento adequado para o fim a que se destinava, sem que o lesante tenha manifestado ao credor a pretensão de o indemnizar por forma legalmente consentida e que este, injustificadamente, tenha rejeitado. V - Constitui ainda modalidade admissível da reparação natural, no âmbito do dever de indemnizar, nos termos do art. 562.º do Código Civil, a condenação do lesante à antecipação ou ao reembolso das despesas com a aquisição de um bem idêntico ao danificado. VI - Enquanto na responsabilidade contratual a constituição do devedor em mora depende em regra da liquidez do crédito, na indemnização por reconstituição natural em conformidade com a factualidade existente à data do facto danoso, em caso de responsabilidade por factos ilícitos e pelo risco, mesmo em concurso com a primeira, o devedor fica constituído em mora na data da citação, salvo se o crédito se tornar líquido em data anterior.
Texto Integral
Acção Comum nº1805/15.3T8AVR.P2
ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (3.ª SECÇÃO CÍVEL):
Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
1.º Adjunto: Ana Paula Amorim
2.º Adjunto: Teresa Pinto da Silva
RELATÓRIO.
A..., S.A., contribuinte nº ...88, com sede na Rua ..., ..., instaurou a presente acção declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra B..., Lda., NIF ...05..., com sede no Lugar ..., ... e C..., Unipessoal, Lda., contribuinte nº...42, com sede na Urbanização ..., Avenida ..., ....
Pediu a condenação da 1.ª ré a pagar à autora uma indemnização sob a forma de reconstituição natural através da entrega à A., em prazo não superior a 30 dias, de uma máquina de injecção nova, e paga, da marca Negri Bossi, modelo Canbio V800/8000 H – 6700 FUSO 90mm, com os componentes alegados no artigo 4º deste articulado, ou a pagar à A. uma indemnização de valor igual ao preço desta máquina, num mínimo de 300.000€, acrescidos dos respectivos impostos e dos juros de mora vencidos desde a data da citação.
Em caso de improcedência do pedido anterior, a condenação daquela ré a pagar à autora o valor correspondente à reparação da máquina acidentada, referida no artigo 4º deste articulado, e demais custos envolvidos, que se calculam num mínimo de 197.144,40€, e uma indemnização no valor mínimo de 70.000€, a titulo de ressarcimento pela desvalorização comercial da referida máquina acidentada máquina, com o acréscimo dos referidos juros de mora.
E a entender-se que a 2.ª ré também é responsável pelos danos emergentes do acidente descrito neste articulado, a condenação solidária de ambas as rés nos pagamentos acima indicados.
Para tanto e em síntese, alegou que no âmbito da sua actividade industrial de fabricação de moldes de aço para injecçção de termoplásticos comprou em, Maio de 2014, à fornecedora italiana, uma máquina de injecção, pelo preço de € 300.000,00, e que para descarregar a máquina do camião e colocá-la no interior do seu pavilhão fabril, contratou os serviços da 1ª ré.
Neste enquadramento, no dia 22 de Maio de 2014, depois de a 1.ª ré iniciar a execução dos seus serviços, colocando os cabos à volta da máquina para proceder à sua elevação e retirada do camião, sucedeu que quando a máquina estava já erguida, a cerca de 2 metros de altura, o cabo da grua partiu-se, levando à queda da máquina ao chão, nela provocando graves e avultados danos.
Na sua contestação e em suma, a 1.ª ré afirmou que, nas condições gerais do contrato outorgado com a autora, consta que a ré não se responsabiliza por eventuais danos causados nos objectos manuseados, o que foi explicado à autora e tem validade, por não ter intervindo dolo ou culpa grave da sua parte.
Para além disso, impugnou parte da factualidade invocada na petição inicial, defendeu que o acidente ocorreu por defeitos no fabrico do aço usado no serviço, não perceptíveis externamente, cuja responsabilidade cabe apenas à 2.ª ré, como produtora e fornecedora do cabo, pelo que, não agiu com culpa, e suscitou a intervenção principal de Companhia de Seguros D... S. A., com quem celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil para a sua actividade.
Também a 2.ª ré deduziu contestação, na qual, resumidamente, impugnou parte dos factos alegados pela contraparte, afirmou que não manteve qualquer relacionamento comercial com a autora, que forneceu à 1ª ré o cabo identificado, que tinha certificado de inspecção e não padecia de qualquer defeito, sendo totalmente alheia ao uso que a 1ª ré lhe tenha dado e que, após o acidente, procedeu à análise do cabo em causa, da qual resultou que o cabo não era o adequado para a carga a que foi submetido porque a tonelagem da máquina levantada excedia em muito a capacidade máxima de carga suportada pelo cabo.
Deduziu igualmente incidente de intervenção da Companhia de Seguros D... S. A., com quem havia celebrado contrato de seguro de transferência da responsabilidade civil.
Os incidentes foram admitidos, ambos como intervenção principal provocada, e, devidamente citada, a Companhia de Seguros D... SA ofereceu contestação, explicando os termos dos contratos que celebrou e as exclusões de cobertura da responsabilidade civil e impugnando matéria da petição inicial.
Observado o contraditório sobre as excepções, a autora declarou que as condições gerais do contrato celebrado com a 1.ª ré não foram objeto de qualquer negociação entre as partes, nem foram explicadas, e como aquele clausulado se destinava a contratos de aluguer, quando celebrara um contrato de prestação de serviços, pensou que o envio destas folhas se tratava de mero lapso.
E sobre as exclusões invocadas pela interveniente principal, sendo matéria com maior relevância nas relações internas entre tomador do seguro e segurador, discordou da alegação de que estão em causa apenas danos resultantes de responsabilidade contratual, porque também se incluem danos resultantes da responsabilidade extracontratual que se traduziram na violação de um direito absoluto, que é o seu direito de propriedade.
Por fusão, ocorrida na pendência do processo, a 2.ª ré foi incorporada na sociedade E..., S. A., que passou a assumir a qualidade de segunda ré.
Findos os articulados, foram proferidos vários despachos para a junção de documentos por parte da autora, que levaram à sua condenação em multa, e foi designada a audiência prévia, na qual as rés e a interveniente exerceram o contraditório sobre a resposta às excepções e que culminou, como requerido pelas partes, com decisão de realização imediata da peritagem antes do saneador.
Por despacho de 23/2/2017, a autora foi novamente notificada para, no prazo de 10 dias, indicar o objecto da perícia, o que ela não fez, seguindo-se despacho, datado de 10/10/2017, a julgar deserta a instância.
Interposto recurso, este Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 21/2/2018, revogou a decisão recorrida e ordenou o prosseguimento dos autos, os quais seguiram com a prolação de despacho de saneamento, selecção dos temas de prova e admissão dos meios probatórios.
De seguida, foram proferidos vários despachos para obtenção de documentos e para cumprimento do contraditório.
Nas primeiras datas designadas para o efeito, a 8/7/2021 e 13/7/2021, a audiência de julgamento não se iniciou por ter sido deferido o pedido de suspensão da instância formulado pelas partes; em consequência, a produção de prova teve início na audiência de 31/3/2022 e prosseguiu a 21/4/2022, até que na sessão de 27/6/2022 foi decidido ser necessário concluir os autos para apreciar as várias questões suscitadas pelas partes desde 01/06/2022.
Na sequência, com base em acordo das partes e da interveniente, foi determinada a realização de prova pericial tendo por finalidade apurar os concretos danos sofridos pela máquina, assim como os custos da sua reparação e/ou substituição das peças danificadas (despacho de 20/10/2022).
Concluída a peritagem, com relatório junto aos autos a 3/4/2023, a audiência de julgamento prosseguiu a 8/9/2023, com os esclarecimentos periciais, aos quais se seguiu novo pedido de suspensão da instância, o qual foi deferido, sem que as partes obtivessem o acordo.
Na sequência, foi proferida sentença que, julgando parcialmente provada e procedente a acção, condenou a primeira ré, B... Lda., a pagar à autora a quantia de € 244.628,00, a título de danos patrimoniais, a que acresce o valor do IVA à taxa em vigor, e os juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de 4%, desde a citação, até efectivo e integral pagamento, e ao qual deve ser descontado o valor do salvado no montante de € 38.000,00.
A primeira ré foi absolvida dos demais pedidos formulados, ao passo que a segunda ré e a interveniente foram absolvidas de todos os pedidos formulados pela autora nesta acção.
E de tal sentença, inconformada, a 1.ª ré interpôs recurso, admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Rematou com as seguintes principais conclusões (de que as restantes, no essencial, constituem repetição e que nessa parte nos abstemos de reproduzir):
1) Entende a Ré, ora Recorrente, que da Douta Sentença em crise resultam erros na apreciação e decisão da matéria de facto e de Direito.
2) Quanto à matéria de facto, a Recorrente discorda daquela decisão, designadamente quanto a parte da factualidade dada como provada e não provada, conforme infra detalhadamente enunciado.
3) Concluiu a Douta Sentença pela parcial procedência da ação. Ressalta, porém, à evidência que, da prova produzida em julgamento, não poderá chegar-se a tal conclusão.
4) Entende também a Recorrente que a Mm.ª Juiz a quo fez, igualmente, uma incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso decidendo. Realçando-se que, mesmo que o recurso da matéria de facto improceda, entende a Recorrente que os próprios factos provados na Douta Sentença reclamavam solução diferente para o caso concreto.
5) Quanto aos factos dados como Provados com o números 50º, 56º, 86º e 87º e do facto dado como não provado correspondente ao artigo 68º da Contestação da Recorrente, relativamente à classe de residência do cabo, a Douta Sentença concluiu, de forma manifestamente incorreta, que o cabo fornecido pela 2ªRé (E... à recorrente era da classe/resistência 1960 N/mm², quanto na verdade era classe/resistência 1770 N/mm².
6) Para sustentar dar como provado a classe de resistência a douta sentença socorreu-se dos relatórios apresentados pela E... e sua seguradora, nos quais é referido, num e noutro, ter existido tão-somente um erro/lapso na emissão do certificado.
7) Se o cabo fosse da classe 1960, como defende a 2.º Ré, que conseguiu iludir com a sua argumentação tanto a sua seguradora, como a Meritíssima Juiz A quo, teríamos que ter valores de rutura mínimos e medidos muito superiores aos efetivamente apurados.
8) Isto porque, à semelhança do que faz para os cabos com a classe de resistência 1770 N/mm2, também para os cabos que vende com a classe 1960 N/mm2, a 2ª Ré anuncia valores eles superiores aos mínimos definidos pela norma.
9) Na elaboração do parecer técnico de engenharia e como dele se colhe - junto com as presentes alegações (Doc 1) – por se estranhar o referido nos relatório da 2ªRé e no da F... (da 3ªRé D...), houve o cuidado de se verificar o catálogo da 2ª Ré (que é público) tendo se descoberto que tudo o quanto é referido a este respeito pela 2ªRé era e é manifestamente falso, donde também depois se dá o erro nos factos provados da Douta Sentença. (…)
14) Temos, claramente, que a 2ªR entregou à recorrente um cabo que não correspondia ao produto que foi vendido, o qual não tinha as especificações por si anunciadas, prometidas e garantidas.
15) O facto dado como provado 50º deve ser alterado, passando a constar que: 50.º A 2ª ré forneceu um cabo de 13mm com uma classe de resistência do cordão inferior ao contratado com a 1ªR e ao constante na fatura que lhe emitiu.
16) O facto dado como provado 56º deve ser dado como NÃO PROVADO, particularmente quando refere que “o que ocorreu no caso em apreço”.
17) Do mesmo modo, deve ser dado como NÃO PROVADO o facto n.º 87 dos factos provados.
18) Por seu turno, atendendo às especificações indicadas no certificado entregue pela 2ª Ré, mormente a capacidade mínima de ruptura e a medida, teria, necessariamente que SER DADO COMO PROVADO o artigo 68º da contestação da aqui recorrente, devendo aditar-se aos factos provados o seguinte facto: “Sendo que, mesmo o cabo com as especificações constantes do certificado (que tem uma carga mínima de rutura inferior ao faturado e pago), teria sempre que aguentar, de acordo com as normas aplicáveis (EN), em condições normais - sem defeito - o equivalente a, pelo menos, 11,11 toneladas por cada queda de cabo (carga de rutura mínima).”;
19) Quanto aos factos dados como Provados com os números 62º, 63º, 64º, 66º, 67º, 68º, 69º, 71º, 72º, 89º, 90º, 91º, 92º, 93º e dos factos constantes dos artigos 53º, 65º e 74º (dados como não provados) da contestação da aqui recorrente, relativamente às causas da rutura do cabo de aço, a Recorrente não se conforma, nem se pode conformar, com o não se ter dado como provado que o cabo tinha um defeito gritante e que este defeito deu causa exclusiva à respetiva rutura (do cabo) e, portanto, ao queda do módulo e danos assim originados.
20) De facto, logo após o sinistro a aqui recorrente solicitou ao laboratório ISQ – Instituto de Soldadura e Qualidade – a análise do cabo, que detetou logo a existência de mossas nos arames que compõem a parte interna do cabo.
21) Atente-se que se deu como provado, na parte primeira parte do facto 64º: “Os esmagamentos (“mossas”) na camada interna do cabo, que se encontram ao longo de toda a sua extensão (…)”
22) A discussão centra-se, assim, se estas mossas constituem ou não um defeito de fabrico e, em caso afirmativo, se existe o necessário nexo de causalidade entre o defeito e a rutura abrupta do cabo (e subsequente queda do módulo e por aí em diante…).
23) Partindo dos antecedentes, primeiramente existiam duas versões que se contrariavam, a saber, as conclusões a que chegou o ISQ - na investigação independente que lhe foi solicitada pela aqui recorrente - e a do relatório junto pela 2ªR, da própria autoria desta.
24) O relatório do ISQ conclui, em suma, que “Efectivamente os esmagamentos (“mossas”) verificados nos fios acarretam uma diminuição da sua secção útil elevando as tensões a que estão sujeitos. Este desequilíbrio de forças induz esforços de corte sobre alguns fios que acabam por fracturar a 45º ficando os restantes em sobrecarga resultando na ruptura do cabo.”.
25) Por seu turno o relatório da 2ª Ré, conclui, em suma, que, “a) Não foram detectados quaisquer defeitos de fabrico na amostra recebida do cliente.” e que “d) O facto do cabo ter sido danificado durante a sua utilização contribuiu ainda mais para que este tivesse ainda menos capacidade de resistência às forças de tracção a que foi sujeito.”
26) Após, chegou aos autos um terceiro relatório da F... – Consultores de Engenharia e Gestão, junto pela 3ªRe D..., cujas investigações foram efetuadas na sequência da participação do sinistro pela 2ªRé, que conclui, no que respeita às mossas que “é do parecer que não está demonstrado, pelo contrário, que a rotura do cabo se deveu a uma alegada falta de qualidade do mesmo, concluindo desse modo estar por demonstrar a responsabilidade da C... pelo sucedido que por esse motivo lhe está a ser imputada pela B....”
27) No seu relatório a 2ªR E..., não se pronuncia, sequer, quanto à existência daquelas “mossas”.
28) Todavia, consultores da F..., questionaram a E... relativamente à sua posição quanto à existência das ditas mossas, tendo a E... referido (conforme página 13 do Relatório): (…) Durante o Processo de Fabrico de um cabo de aço e durante a Operação de Cocha (Fecho do cabo / enrolamento dos cordões exteriores à volta da madre ou alma), ocorrem alguns pontos de deformação plástica ou permanente nas zonas de contacto entre arames de cordões exteriores adjacentes e entre os cordões exteriores e os cordões da alma ou madre. Estas pequenas deformações devem-se à pressão exercida pelos cordões exteriores sobre a alma durante a sua passagem pelo tubo de bitola, pelos rolos de aperto e pelos pósformadores. A camada exterior do cabo e a alma não têm o mesmo sentido de torção nem têm passos iguais, portanto estes pontos de contacto existem. Durante a utilização do cabo e devido aos movimentos a que os arames são sujeitos quando o cabo passa por roldanas e/ou é colhido num tambor, as deformações podem-se tornar mais acentuadas. Estas pequenas “mossas” (deformações plásticas ou permanentes) são normais ocorrerem durante a produção de um cabo de aço (…)”
29) Esta foi a surpreendente tese a que o Tribunal A Quo deu como provada! (…).
38) Ora, em linguagem mais simples, o que explica o INEGI é que a existência destas indentações nos arames - em toda a sua extensão, algumas de dimensões que atingem o raio do arame – determinará que o cabo e em especial os arames, com esses danos, acabem por quebrar, aquando da sua utilização, em especial quando o cabo rolar/dobrar pela polia. Ou, citando o relatório: “tendo a rotura final acontecido por perda de secção resistente dos fios que se mantiveram ligados.” (página 9 do parecer INEGI).
39) Porque a Meritíssima Juiz entendeu que o cabo não tinha defeito, concluiu, erradamente e a par do relatório de que se socorre (F...), que: 63º. O cabo partiu porque foi danificado antes ou durante a sua utilização, por isso é que os arames se encontravam muito esmagados e partiram na zona de ruptura;
40) Todavia, da análise do cabo efetuado pelas três entidades (ISQ, E... e F...) em nenhuma delas foi verificado qualquer vestígio de que o cabo tenha sido “danificado antes ou durante a sua utilização”, referindo o ISQ expressamente que nas duas amostras revelaram que “Na camada externa, as superfícies dos cordões não apresentam defeitos relevantes apenas uma ligeira oxidação resultante do normal funcionamento do cabo”;
41) Neste relatório, como nos demais, não resultou a existência de qualquer dano externo, mormente que evidenciasse mau ou imprudente uso, pelo contrário.
42) Provou-se, ademais, em 46º e 47º dos factos provados que, o cabo foi fornecido no mês anterior ao sinistro e que tinha poucas horas de uso.
43) Ou seja, a conclusão de que teria sido danificado, resultou para o douto tribunal unicamente por este ter concluído que o cabo não tinha defeito, sem qualquer tipo de sustentação factual, porquanto, cuidamos de um cabo novo, com pouca horas de uso, que não apresentava quaisquer danos na sua camada externa! (…)
48) Face às declarações prestadas pela Engenheiras do INEGI, que se transcreveram, não se consegue perceber em que parte é que estas testemunhas não foram consistentes, sendo que referiram sempre a existência do defeito - os esmagamentos - e que estes são a causa da rutura, “por diminuição da secção dos fios”.
49) Erra a douta sentença quando refere que a que as engenheiras admitiram que a causa pode estar relacionada com o manuseamento do cabo e/ou da grua, porquanto o que referiram foi quando questionadas, foi que “O que nós vimos é que na parte externa do cabo, que era a parte visível, não detetamos danos que o pudessem indicar”.
50) Ou seja, o que referiram e explicaram estas testemunhas que nada aponta para a existência de um dano anterior do lado externo do cabo!!
51) Mais grave mostra-se, sempre com o devido e merecido respeito, é a conclusão tecnicamente errada a que chega a Meritíssima Juiz A Quo quando refere “No entanto, quando foi submetido a testes com forças superiores, aguentou a pressão. Ou seja, o problema não é do cabo, mas da forma como foi usado e manuseado durante os trabalhos de remoção da máquina”, porquanto, para chegar a esta conclusão parte do princípio errado que os esmagamentos, que nas palavras do INEGI chegam a atingir o raio do arame – eram uniformes, ou seja, que estavam presentes, com a mesma intensidade, em toda extensão do cabo.
52) Todavia, como explica do INEGI “Estas roturas podem não ter ocorrido simultaneamente, tendo a rotura final acontecido por perda de secção resistente dos fios que se mantiveram ligados. Isto é, a rotura de alguns fios durante o mês de utilização do cabo comprometeu a sua resistência em determinados locais onde depois ocorreu a rotura final por sobrecarga.”
53) Mais, quanto à parte em que a douta Sentença refere “O problema não é do cabo, mas da forma como foi usado e manuseado durante os trabalhos de remoção da máquina”, permitam-nos recordar o relatório do INEGI que refere (página 15): “Os danos encontrados nos cordões interiores do cabo surgem de forma repetida alinhados longitudinalmente e, em alguns casos, com alguma profundidade. Assim sendo o INEGI não os atribui à utilização do cabo, mas sim ao processo de fabrico. Assim sendo, e uma vez que estas indentações, debilitam a resistência dos arames, não devem ser consideradas normais uma vez que comprometem a resistência do cabo e existem cabos onde elas estão ausentes.”
54) Pelo que a conclusão a que chega o douta Sentença está, também nesta parte, errada!
55) Pelo exposto e sempre com o maior e sincero respeito: O facto 63º dado como provado na Douta Sentença deverá ser dado como NÃO PROVADO; O facto 64.º dos factos provados da Douta Sentença deverá ser corrigido, passando a dar-se como provado o seguinte: “Os “esmagamentos (“mossas”) na camada interna do cabo, que se encontram ao longo de toda a sua extensão, resultam do anormal processo de fabrico do cabo e constituem defeitos do cabo”; Os factos 66º, 67º e 68º dados como provados na Douta Sentença deverão ser dados como NÃO PROVADOS; O facto 69º dos factos provados da Douta Sentença deverá ser corrigido, passando a dar-se como provado o seguinte: “Esses esmagamentos debilitam severamente a resistência do cabo;”; O facto 71º dos factos provados da Douta Sentença deverá ser corrigido, passando a dar-se como provado o seguinte: Numa situação somente de sobrecarga apenas se iriam observar superfícies de fractura do tipo cone-taça com estricção. Tal não se verifica, observando-se várias superfícies de fractura a 45º. Efectivamente os esmagamentos (“mossas”) verificados nos fios acarretam uma diminuição da sua secção útil elevando as tensões a que estão sujeitos. Este desequilíbrio de forças induz esforços de corte sobre alguns fios que acabam por fracturar a 45º ficando os restantes em sobrecarga resultando na ruptura do cabo.”; O facto 72º dos factos provados da Douta Sentença deverá ser corrigido, passando a dar-se como provado o seguinte: “Os esmagamentos/mossas da parte interna dos cordões que constituem o cabo, contribuíram para a fraqueza do cabo, que não manteve todas as suas propriedades.”; Os factos 89º, 90º, 91º, 92º, 93º dados como provados na Douta Sentença deverão ser dados como NÃO PROVADOS, em consonância com as efetivas causa de rutura do cabo;
56) Deve, ainda, ser DADO COMO PROVADO e aditado à matéria de facto, o facto constante do artigo 74º da contestação da aqui recorrente, a saber: É, pois, mister que se conclua - face aos tipos de rutura - que aqueles defeitos (mossas) diminuíram a resistência dos cordões, pela diminuição da sua secção útil, que por essa razão fraturaram a 45º e acarretaram, consequentemente, a sobrecarga dos demais que acabaram por fraturar em cone-taça.
57) Deve, ainda, ser DADO COMO PROVADO e aditado à matéria de facto, o facto constante do artigo 65º da contestação da aqui recorrente, por referência aos relatórios do ISQ e do INEGI, a saber: Tais defeitos nunca seriam aparentes e percetíveis pela 1.ª Ré, porquanto na camada externa – a visível – as superfícies dos cordões não apresentavam defeitos relevantes, apenas uma ligeira oxidação resultante do normal funcionamento do cabo.
58) Deve, ainda, ser DADO COMO PROVADO e aditado à matéria de facto, o facto constante do artigo 53º da contestação da aqui recorrente: o cabo não tinha qualquer defeito aparente.
59) Quanto aos factos dados como Provados com os números 26º, 27º e 29º, relativos à questão “da reparação vs substituição do módulo sinistrado”, entende a recorrente apenas que existem pequenas, mas importantes, imprecisões na redação dos factos provados, mormente quando se refere a “reparação da máquina”.
60) De facto, ao longo do julgamento, percebeu-se que em momento algum a Autora equacionou proceder a qualquer reparação, mas antes, quanto muito, a substituição integral do módulo “grupo fecho” sinistrado.
61) Destas declarações prestadas por AA percebe-se, claramente, que nunca foi equacionado pela Autora qualquer reparação.
62) E, mais, que se cuida de uma máquina constituída por dois módulos/grupo, podendo um deles ser referido como o módulo/grupo de injeção, que já tinha sido descarregado, e outro como o módulo prensa (grupo fecho), que acabou por cair aquando da rutura do cabo.
63) Aquele orçamento, no valor de 148.000 Eur, ou mais precisamente 148.280 Eur (cfr. documento n.º 5 da Petição Inicial) corresponde à substituição integral do módulo sinistrado e não a reparação ou substituição parcial de peças do mesmo.
64) Com efeito, o facto provado 26º dos factos provados da Douta Sentença deverá ser corrigido, na parte que refere “reparação”, passando a dar-se como provado o seguinte: 26.º O custo das peças/componentes indicadas no orçamento de fls. 22, que constitui a substituição integral do módulo “grupo fecho” sinistrado, era, à data de11-06-2014 (…)”;
65) Ademais, tratando-se de uma substituição integral do módulo, salvo o devido respeito, não era necessário desmontar e montar peças como sucedia se tratássemos de uma reparação. Evidência disso mesmo é que, que aquando do sinistro, a Recorrente estava a descarregar os módulos completos já perfeitamente montados e completos, daí que o módulo sinistrado tenha caído completo… Doutra forma, teria caído uma das suas peças/componentes, que depois seriam montadas, e não o módulo completo!
66) Destarte, no facto 27º dos factos provados, não deveria ter sido levado em conta o custo com o serviço de desmontagem/montagem do material que, segundo orçamento, ascendia ao montante de 6.130€.
67) Portanto, o facto provado 27º dos factos provados da Douta Sentença deverá ser corrigido, passando a ter a seguinte redação: Na avaliação de fls. 22 e 23 foram também orçamentados custos do transporte do módulo de substituição, que ascendiam a 12.000€.
68) Já quanto ao facto 29º quando refere que “Na mesma avaliação foi atribuído o valor de 38.000,00€ ao salvado, integrando este não apenas o módulo que caiu, mas também o outro módulo que não sofreu qualquer dano” está manifestamente incorreto por duas razões: A primeira porque existe nos autos um documento que expressa claramente que os 38.000,00€ reportam unicamente às peças danificadas, que percebemos corresponde ao módulo integral “grupo fecho”, porquanto De facto, o documento n.º 6 junto com a petição inicial, precisamente um email do representante da marca, de 17 de junho de 2014, a referir que “O valor atribuído ao material danificado é de 38.000.00€”
69) E, repare-se, que este email seguido do email com o orçamento da reparação (que percebemos que é substituição do módulo) constante do mesmo documento n.º 6 da petição inicial, isto é no mesmo documento constam dois emails, um que envia o orçamento de reparação e outro, imediatamente seguinte, que refere o valor do salvado das peças danificadas.
70) Ou seja, se seria para reparar/substituir o módulo “grupo fecho”, não fazia sentido “salvar” o outro módulo (não sinistrado), que se manteria na posse, propriedade e em funcionamento pela Autora.
71) Por outro lado, fácil é de perceber que, tratando-se de uma máquina nova, em que o grupo de injeção anteriormente descarregado e que não sofreu qualquer sinistro tinha um valor comercial, como expressamente refere supra o representante da Marca, correspondente a metade do valor da máquina, isto é 300/2 = 150.000,00 Eur., pelo que não é, pois, possível que um módulo (de injunção), novo, intacto e sem qualquer utilização, no valor de 150.000 Eur, acrescido do módulo prensa, de igual valor mas sinistrado, pudessem, no seu conjunto, valer apenas 38.000 Eur.
72) Portanto, o facto provado 29º dos factos provados da Douta Sentença deverá ser corrigido, passando a ter a seguinte redação: Na mesma avaliação foi atribuído o valor de 38.000,00€ relativa e exclusivamente ao salvado do módulo que caiu.
73) Em relação aos factos dados como Provados com os números 96º, 97º, 98º, relativos aos do valor da reparação/substituição do módulo sinistrado, entende a recorrente que nunca poderia ter sido dado como provado o facto 96º quanto ao preço da máquina, com a “ressalva” dada como provada em 97º.
74) Ora, o que temos, com toda a clareza, é que a Autora terá pedido ao representante, ou este juntou por autoria própria um orçamento de uma máquina com equipamento acessório caríssimo, que a máquina sinistrada não dispunha, para fazer empolar o preço da mesma.
75) Assim, o orçamento a que se alude em 96º engloba um “ROBOT euromap 67 FO” que não integrava a compra realizada pela autora em 2014, conforme resulta expressamente em 97º dos factos provados.
76) E não obstante tratar-se de um acessório, em tal orçamento não se discrimina – quiçá por algo mais que mera e casual coincidência - o preço do dito acessório/robot.
77) Todavia, existe nos autos outro orçamento de uma máquina igual à daquele orçamento, com o mesmo exato modelo e referência de produto, senão vejamos: (1) A fls 549 a 554 – é junto o orçamento (o tal com Robot) com relatório pericial, de 21/03/2023, onde consta que a máquina cotada é uma NEGRI BOSSI VECTOR ST 800/7460 com a referência DTM0161005, com o preço 530.000,00 Eur.; (2) Com requerimento da recorrente, de 17/04/2023, refª citius 14446754 é junto um orçamento (sem Robot), de 7/05/2022, onde consta que a máquina cotada é uma NEGRI BOSSI VECTOR ST 800/7460 com a referência DTM0161005, com o preço de 333.500 Eur. (está máquina é a constante do facto 99º dos factos provados).
78) Ademais, ouvidos os senhores peritos, estes referiram que se trata da mesma máquina, com a mesma referência, com as mesmas exatas características;
79) Assim, percebemos, sem margem para quaisquer dúvidas, que a única diferença entre uma máquina que foi cotada por 530.000,00 Eur e outra que foi cotada por 333.5000,00 Eur é a existência, na primeira, de um robot, que a segunda não tem.
80) Robot que é um acessório que a máquina sinistrada, adquirida em 2014, não dispunha (facto provado n.º 97º)
81) E não se diga, como parece transparecer da douta sentença, que a diferença está na data em que foi cotada uma e outra, porquanto: Distam apenas 10 meses entre as duas cotações (maio 22 vs março 23); Tratamos de máquinas novas; Não é verosímil que uma máquina suba de preço, em apenas 10 meses, em 196,000,00 Eur, isto é 333 mil euros para 530 mil euros, o que correspondente 59%.
82) Ademais, veja-se que a máquina equivalente (em 2014) custou 300.000 Eur e, em 2022, o seu preço é de 333.500 Eur, ou seja, apenas teve uma atualização de 33.500 Eur, ou seja, cerca de 10% em 8 (oito) anos, o correspondente a 1.25/1.5% por ano, daí que, se em 8 (oito) anos o preço é atualizado em 10%, cerca de 1,5% ao ano, não é possível que em 10 (dez) meses, a mesma máquina tenha um aumento de preço de 59%.
83) E, também não se diga, que a diferença está no local onde se compra, bem assim se em Itália ou ao representante da marca em Portugal, porquanto, como decorre do testemunho do representante da Marca - AA, a Autora comprou a máquina sinistrada diretamente em Itália (minutos 03.36 – 03.45);
84) Por tudo isto, tratando-se da mesma exata máquina, a única diferença que influiu no preço foi a existência, no orçamento junto pelo representante, de um ROBOT euromap 67 FO.
85) Portanto, os facto 96º e 97º dos factos provados da Douta Sentença deverão ser corrigidos e unificados, passando a ter a seguinte redação: “O preço de venda de uma máquina nova, com funções semelhantes à adquirida pela autora em 2014, em Março de 2023, com um robot, denominado “interface robô euromap 67 FO” que não integrava a compra realizada pela autora em 2014, corresponde pelo menos ao valor de 530.000,00€, ao qual acrescerá o IVA à taxa legal, preço no qual está incluído o serviço de desmontagem e montagem de material, deslocação e estadia ao qual acrescerá o IVA à taxa legal, orçamento constante de fls. 626 e seguintes, conjugado com o orçamento, da mesma empresa, mas de 2022, onde estão descriminadas as despesas (fls. 549 a 554).
86) Sendo que o facto 99º dos factos provados da Douta Sentença deverá ser corrigido, passando a ter a seguinte redação: Por sua vez, o preço de uma máquina nova semelhante à adquirida pela autora em 2014 e com as mesmas funções, ficaria em Maio de 2022, pelo preço orçamentado de € 333.500,00 sem IVA, preço que inclui entrega e descarga, sem o robot (…).
90) Por outro lado, atendendo que se provou a possibilidade de aquisição da máquina – composta por dois módulos de valor semelhante – por 333.500,00 Eur. – mostra-se completamente inverosímil e irrazoável que apenas um dos módulos, em 2022, na mesma data (março de 2022), tivesse um custo de 244.628,00 Eur.
91) Ora, como vimos supra, o orçamento não reflete qualquer substituição de peças, mas antes o preço de substituição do módulo completo.
92) Com efeito, o orçamento a que se refere o facto provado 98º, que soma (244 628 Eur), padece do mesmo mal do orçamento a que se alude em 96º dos factos provados, está completamente empolado, tendo ambos sido ambos entregues pela mesma pessoa, a saber: O Sr. AA.
93) De facto, provou-se, que para a mesma máquina foram juntos orçamentos que diferem, gritantemente, em quase 200.000,00 Eur!! Pela mão, precisamente, daquele representante…
94) Se é possível adquirir a mesmíssima máquina por preço menos oneroso, é por referência ao respetivo orçamento que devemos chegar ao valor do módulo sinistrado e não através do orçamento prestado pela mesma pessoa (Sr AA) que apresentou um orçamento em que lhe fez acrescer 196.000,00 Eur (o valor de um bom apartamento) ao valor real da máquina.
95) Voltando às declaração do refere Sr. AA, prestada sob juramento, refere que o módulo sinistrado ascende, praticamente a 50% do valor da máquina, explicando que a mesma custou 300.000 Eur e aquele módulo foi orçamentado, em 2014, por 148.000,00 Eur., Efetivamente tratamos, de cerca de 50% do valor, o que nos indica que um módulo e outro terão, como explica o representante da marca, valor muito semelhantes, uma ligeira diferença para o módulo de injeção, que é ligeiramente mais dispendioso.
96) Por outro lado, temos que o único orçamento válido, real, sem truques ou “robots”, é o que ascende a 333.500,00 Eur. (facto provado 99º);
97) Assim, para se chegar ao valor atualizado do módulo novo “grupo fecho” deveremos dividir por dois, nos termos explicados pelos representantes da marca sob juramento, o valor da máquina completa.
98) Fazendo esta simples operação aritmética, temos que o módulo novo “grupo fecho” ascende a um valor nunca superior a 166.750,00 Eur. (valor que já contempla custos de entrega em Portugal).
99) Portanto, o facto 98º dos factos provados da Douta Sentença deverá ser corrigido, passando a ter a seguinte redação: O preço das peças/componentes, identificados no ponto 24º, em março de 2022, corresponde a um valor correspondente a 50% do preço orçamentado para a máquina nova, indicado no ponto 99º.
100) A Douta Sentença considerou existir culpa do lesado, neste caso da Autora, na medida em que esta, “desde o início que não quis a reconstrução natural e que passaria pela reparação do módulo danificado (reparação possível), mas exigiu sempre uma máquina nova, integrando na sua exigência, no valor a indemnizar, um dos componentes da máquina totalmente novo e sem qualquer dano (…)” concluindo, então, que “o nexo causal entre o evento lesivo e a impossibilidade de no momento actual não ser possível a substituição do módulo danificado não é imputável à ré” e, bem assim, que “a conduta da autora agravou os danos, porque impediu a substituição e reparação do módulo danificado e provocou que, no momento actual, essa substituição seja impraticável.”
101) Considera, também, a Douta Sentença Recorrida que a culpa da Recorrente foi (e é) presumida, em qualquer um dos enquadramentos ali efetuados – responsabilidade (pelo incumprimento) contratual, a que aplica, e responsabilidade extracontratual/objetiva que diz que poderia ser aplicável na falta daquela, o que, no entender da Recorrente, releva e deveria ter relevado para efeitos do previsto no artigo 570.º, n.º 2 do Código Civil.
102) No entanto, a Douta Sentença conclui – e disso se discorda, com o devido e merecido respeito - pela condenação da Recorrente no valor da reparação, tal como orçamentado em 2022 e não em 2014 (data do sinistro e da tomada de posição da Autora), valor esse de 2022 ao qual faz, depois, acrescer juros moratórios, calculados desde 2015 (citação).
103) Recordando-se que “[é] vedado ao lesado fazer exigências irrazoáveis que revelam a adopção de um comportamento abusivo que desvie as normas de tutela do seu objectivo principal que consiste no ressarcimento de danos efectivos e não no agravamento da posição do responsável”, em homenagem, até, ao vertido no artigo 762º, n.º 2, do Código Civil;
104) Que “a partir do momento em que o acto do lesado deixa ter conexação ou relação adequada com a lesão inicial, integrando uma decisão não provocada ou tornada necessária pelo facto do lesante (…) ou revestindo uma tonalidade de tal forma grosseira (a «unreasonable conduct» de que fala a literatura anglo-saxónica) que acaba por «absorver» a condição inicial é razoável deslocar esse maior dano para a esfera do próprio lesado, dado apresentar-se como efeito inadequado do facto responsabilizante.”
105) Que o denominado princípio valorativo de autorresponsabilidade (do lesado), incindivelmente ligado à autonomia privada dos sujeitos, donde se se extrai, a propósito da culpa do lesado, um “ónus jurídico de cuidarmos com prudência, zelo, e diligência dos nossos próprios interesses, salvaguardando-os contra potenciais eventos danoso”
106) E que a culpa do lesado “é uma expressão particular do princípio da boa fé, pretendendo estimular-se cada um a velar pela sua própria segurança e evitar-se que quem causa culposamente um dano a si mesmo venha exigir de outrem a sua indemnização, num claro venire contra factum proprium (…)”
107) A atual impossibilidade da reparação ou de substituição, ou no limite a inflação do custo associado a qualquer uma delas, é consequência daquela posição da Autora - que as impediu (de forma não negociável) quando ainda eram possíveis, exigindo algo a que não tinha direito – devendo, pois, ser a Autora a suportá-la, correndo por conta desta o “risco” de que tal impossibilidade se viesse a verificar mercê da sua conduta.
108) Entende-se que tal será o que resulta da conjugação desta culpa do lesado, com a presunção de culpa que recaiu sobre a Recorrente e o previsto no artigo 570.º, n.º 2 do C.C., entende-se que a responsabilidade desta deveria ter sido excluída: “há casos de presunção legal de culpa (…). Nestes casos, a presunção cede, nos termos do n.º 2, provando-se que houve culpa do lesado.”.
109) Estabelecendo-se um paralelismo à figura próxima da mora do credor teríamos que: a partir da mora, o devedor apenas responde, quanto ao objecto da prestação, pelo seu dolo (artigo 814.º, n.º 1, do C.C.); durante a mora, a dívida deixa de vencer juros, quer legais, quer convencionados (artigo 814.º, n.º 2, do C.C.); e ainda que a mora faz recair sobre o credor o risco da impossibilidade superveniente da prestação, que resulte de facto não imputável a dolo do devedor (artigo 815.º, n.º 1 do C.C.).
110) Se é assim nos casos de (mera) mora do credor (para a qual até se prescinde da verificação de um acto culposo do credor, ao invés do que sucede neste caso), por maioria de razão, nos casos em que se conclua que há culpa do lesado, deveremos extrair a consequência de que o risco da impossibilidade superveniente da prestação – logicamente, a reparação do dano – corria por conta desta mesma Autora.
111) Verificada que é a impossibilidade superveniente da prestação, ocorrida durante o decurso dos autos, não deveria a Recorrente ter sido condenada, tout court, precisamente porque foi a Autora quem “arriscou” querer mais do que lhe era devido e, necessariamente, terá de ser ela a “arcar” com o risco de tal ousadia!
112) In extremis, teria a indemnização da Recorrente de se limitar ao valor que a reparação custaria em 2014. No mínimo, a posterior inflação de tal custo corresponde a um agravamento do dano a que deu causa a Autora e que se deverá repercutir na esfera desta.
113) O mesmo vale, diga-se, relativamente aos juros. Data venia, parece-nos não ter sentido ou arrimo legal, condenar-se a Recorrente a pagar juros desde 2015, quando a posição da Autora exclui a possibilidade de cumprimento/reparação. E, mais, condenar-se a pagar juros contados de 2015 para um valor apurado/atualizado em 2022, ou seja em que o valor do capital é atualizado ao valor de 2022, mas os juros retroagem (por referência a esse valor) cerca de oito anos, remontando a 2015 em que o custo real era muito inferior.
114) Seria, salvo o devido e muito respeito, penalizar três vezes a Ré: por um lado, a suportar o agravamento do dano a que a Autora deu causa; por outro, a suportar também a atualização dos preços; e, por fim, a suportar juros calculados tomando como referência o valor atualizado, mas contados desde momento muito anterior.
115) Sem prescindir, lê-se na Douta Sentença que “tratando-se de quantias pecuniárias, aos montantes referidos acrescem juros de mora, calculados à taxa de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento – artigos 805º, n.º 3 e 806º do CPC e Portaria n.º 291/2003, de 8-4”.
116) Mais se lê – e de novo se cita pela pertinência – naquela sentença que “a primeira ré responde perante a autora em termos de responsabilidade civil contratual (e é a que se aplica) (…)”
117) Ora, salvo o devido e merecido respeito, ao responsabilizar-se a Recorrente por semelhante via, fica arredada a aplicação ao caso sub judice do vertido no artigo 805.º, n.º 3 e no artigo 806.º, ambos do C.C.
118) A este propósito, socorremo-nos da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: “não são devidos juros desde a citação, uma vez que tal responsabilidade, sendo contratual, está fora do âmbito da previsão do n. 3 do artigo 805, do C.Civil, pelo que os juros moratórios só são devidos a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória.”
119) Ou ainda a Jurisprudência daquele Tribunal, vertida noutro seu Douto Acórdão, que: “estamos no domínio da responsabilidade contratual. Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor - art. 805, nº3, 1ª parte, do C.C. Para que haja mora, consideram os autores necessário que a prestação seja ou se tenha tornado certa, líquida e exigível. Diz-se ilíquida a obrigação cuja existência é certa, mas cujo montante não está ainda fixado. Se "a obrigação é ilíquida (por não estar ainda apurado o montante da prestação), também a mora não se verifica, por não haver culpa do devedor no atraso do cumprimento" (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 5ª ed., pág. 114/115). É o que se verifica no caso dos autos, em que os réus foram condenados em montante inferior ao valor do pedido formulado. Equitativo, em tais situações, é que os juros moratórios só se contem após a decisão que defina o valor da prestação a satisfazer, pois até então desconhece-se a importância exacta da dívida. O simples facto de o credor pedir o pagamento de um determinado montante não significa que a dívida se torne líquida com a petição, pois ela só se tornará líquida com a decisão. Para haver mora, não basta que o devedor seja interpelado. É preciso haver culpa do devedor. Líquido ou específico será apenas o pedido formulado, mas não a obrigação (Ac. S.T.J. de 21-285, Bol. 344-427). Consequentemente, os juros moratórios são devidos apenas desde a data da sentença da 1ª instância que fixou o valor da obrigação.”
120) Donde resulta que, por força da culpa do lesado, deverá a Douta Decisão ser revista, excluindo-se totalmente a condenação da Recorrente, ou, in extremis, limitando-a à quantia correspondente ao somatório dos valores constantes do artigo 24.º a 27.º dos factos provados.
121) Cujos juros apenas devem ser calculados a partir da data do trânsito em julgado da decisão final ou, no limite, da data em que foi proferida a Douta Sentença Recorrida.
122) Sendo que o valor da reparação/substituição do módulo, atualizado à data mais recente, nunca poderia corresponder ao empolado do orçamento de que se socorre a douta Sentença, porquanto mostrou-se, até pela testemunha arrolada pela Autora – representante da marca – que o valor corresponde a 50% da máquina nova, sendo que, por referência ao único orçamento isento, prestado pela própria marca (cada mãe), ascende a 166,750,00 Eur, já com entrega em Portugal.
123) Concluindo-se, por fim, que a Douta Sentença violou, entre o mais, os artigos 570.º, 483.º, 487.º, 493.º, 762º, 798.º e 799.º e 805º, todos do Código Civil.
Finalizou pedindo que, sendo revogada a mui douta sentença, se decida pela absolvição da ré da totalidade dos pedidos ou, in extremis, pela redução da condenação da Recorrente nos termos expostos.
A 2.ª ré ofereceu resposta, mediante requerimento que culminou com as seguintes conclusões:
I. No entender da ora Alegante, a douta Sentença Recorrida fez uma ponderada e correcta apreciação dos factos, da documentação junta aos autos e dos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas em sede de audiência julgamento, com a consequente aplicação do Direito, não merecendo qualquer censura.
II. A ora Contra-Alegante E..., foi absolvida do pedido, no entanto, a 1ª R. B..., nas suas Alegações, pretende ver alterada a matéria de facto dada como provada e não provada, situação que, a ocorrer, o que se aduz por mera cautela de patrocínio, colocaria em causa a sentença proferida e eventualmente a absolvição da ora Alegante E....
III. De facto, a 1ª R. B... pretende alterar a matéria de facto dada como provada relativamente aos temas a) - Da classe de resistência do cabo de aço e b) - Das causas de ruptura do cabo de aço, para depois tentar extrair daí consequências no sentido de imputar responsabilidades à aqui Alegante pelo acidente dos autos. Não tem razão.
IV. A douta Sentença Recorrida foi proferida depois de devidamente ponderados os diversos relatórios juntos aos autos pelas partes, a saber: a) Relatório do ISQ – Instituto de Soldadura e Qualidade, que a 1ª R. B... facultou à A. e que esta juntou aos autos, a fls. 98 e sgts; b) Relatório emitido pelo Departamento de Qualidade da 2ª R. E... junto a fls. 134 e sgts; c) Relatório elaborado pelos peritos nomeados pela 3ª R. D... que investigaram o sinistro participado – F... – Consultores em Engenharia e Gestão, junto a fls. 266; acresce que os subscritores dos relatórios foram ouvidos, em sede de audiência de julgamento, confrontados com o conteúdo do seu relatório e com os elementos constantes dos outros relatórios juntos aos autos.
V. Perante toda a documentação junta aos autos não faz qualquer sentido vir agora a 1ª R., em sede de Alegações de recurso, juntar mais um relatório, tanto mais que em 2014, logo a seguir ao acidente solicitou a elaboração de um relatório por parte do ISQ – Instituto de Soldadura e Qualidade (junto aos autos a fls. 98).
VI. Note-se que o Relatório/Parecer agora junto com as Alegações da 1ª R. B..., foi elaborado em Junho de 2024, quando já decorreram 10 (dez) anos sobre a ocorrência dos factos, sem que os subscritores tenham analisado o cabo em questão, limitando-se estes a fazer a análise dos relatórios juntos aos autos, os quais foram já devidamente escrutinados pelas partes, e pelo douto Tribunal, conforme consta da douta Sentença proferida.
VII. Nada acrescenta, pois, o Relatório/Parecer agora junto em sede de Alegações de recurso à análise da situação que foi feita, no processo em sede de audiência de julgamento, pelas partes e pelo Meritíssimo Juiz a quo, bem pelo contrário, apresenta uma visão parcelar e que não tem em conta toda a prova produzida.
VIII. O cabo fornecido pela 2ª R. E... à 1ª R. B..., sempre correspondeu ao tipo de cabo solicitado pela 1ªR. B..., constante da encomenda e factura emitidas, a saber, cabo anti-giratório de 13mm com classe de resistência 1960 N/mm2, apenas o certificado de inspecção emitido e que acompanhava o cabo tinha um erro na identificação da classe de resistência do cabo, mas tal erro (lapso de escrita) foi prontamente corrigido quando detectado.
IX. Todas as demais menções do certificado emitido pela 2ª R., incluindo a referência à carga mínima de ruptura de 109 kN estavam correctas e correspondiam às especificações que constam da Norma EN 12385-4 aplicável e que justificou a emissão do certificado.
X. Nunca houve qualquer dúvida sobre a classe de resistência do cabo fornecido e, por isso, os resultados dos testes obtidos pelo ISQ e pela 2ª R. respeitam exactamente os parâmetros da Norma EN 12385-4 para um cabo de classe de resistência 1960 N/mm2.
XI. A afirmação constante do Facto 50º dos Factos Provados resulta, apenas e só, da análise dos documentos juntos aos autos, por parte do Meritíssimo juiz a quo, conforme consta da fundamentação da douta Sentença Recorrida.
XII. Nada há a alterar neste facto dado como provado, pois o que está aqui em causa é, factualmente, as menções que constam do certificado de inspecção emitido inicialmente pela 2ª R. E..., e depois prontamente corrigido, quando o lapso foi detectado,
XIII. As considerações da 1ª R. B... nas suas doutas Alegações sobre alegada informação disponível no catálogo da 2ª R. e características do cabo - em data não identificada, tendo em conta que o Relatório/Parecer está a ser elaborado 10 (dez) anos após o acidente - não se encontra alegada nos autos nem constitui matéria dada como provada, pelo que não são relevantes.
XIV. O Facto 56º dos Factos provados decorre da documentação junta aos autos – pedido de cotação, orçamento, factura e certificado de inspecção; o cabo fornecido correspondia exactamente ao solicitado, orçamentado, fornecido e facturado – um cabo de 13 mm, com a classe de resistência de 1960 N/mm2 e características associadas constantes da Norma EN 12385-4, sendo que a força de ruptura do cabo, de acordo com os testes efectuados, quer pelo ISQ, quer pela 2ª R., é superior ao indicado no certificado emitido.
XV. Não se vislumbra por que razão o Facto 87º dos Factos Provados deveria ter sido considerado como não provado, pois o que consta do texto deste facto é exactamente o relato do que aconteceu, constante da averiguação levada a cabo pelos peritos independentes nomeados pela 3ª R. D..., a F..., correspondendo igualmente ao que foi referido em sede de audiência de julgamento.
XVI. O Facto 88º dos Factos Provados continua transcrevendo o conteúdo do Relatório do F..., o que permite evidenciar a importância destes Factos dados como provados para se entender o tipo de cabo fornecido e justificar que está em causa apenas um lapso de escrita na emissão do primeiro certificado de inspecção, que em nada afecta as características reais do cabo fornecido.
XVII. Não existe, pois, qualquer razão para se alterar os factos dados como Provados sob nºs 50º, 56º, 86º e 87º.
XVIII. Quanto ao Artigo 68º da Contestação da 1ª R. dado como não provado, o que a 1ª R. pretende é extrapolar conclusões teóricas a partir de um certificado que foi posteriormente corrigido; as características do cabo fornecido sempre corresponderam ao que era expectável e era do conhecimento da 1ª R. atento, aliás, o relacionamento existente entre ambas, há muitos anos, conforme consta do Facto Provado nº 48º.
XIX. Nada há a acrescentar à matéria de Facto dada como provada relativamente a este tema.
XX. Relativamente ao tema das causas de ruptura do cabo de aço, convém ter presente que está em causa um cabo anti-giratório que é composto por uma madre, no centro e 18 cordões com 7 fios cada um à volta, dispostos em duas camadas sobrepostas, uma com 6 cordões e outra com 12 cordões (Facto Provado 65), sendo que as figuras 16 e 17 constantes do Relatório do ISQ, a fls. 98 e seguintes permitem uma melhor percepção do cabo e respectivas características.
XXI. Os esmagamentos (“mossas”) ao longo de todo o cabo, precisamente porque existem ao longo de todo o cabo, resultam do processo contínuo de produção e do entrelaçar dos diversos cabos que compõem o cabo anti-giratório. Em cabos de cordões não compactados e com camadas cruzadas, como é o caso do presente cabo, estes esmagamentos são perfeitamente normais.
XXII. O responsável da qualidade da 2ª R., ouvido como testemunha – BB (gravação dia 21/4/2022, 14.55–15.54), descreveu de forma pormenorizada e isenta (“coerente e convincente” na opinião do Meritíssimo Juiz a quo) o processo de fabrico do cabo, permitindo ao Tribunal esclarecer todas as dúvidas que foram surgindo ao longo da inquirição dos diversos técnicos.
XXIII. Releva particularmente a fundamentação dos Factos Provados nºs 63º a 69º, 71º e 72º, onde o Meritissimo Juiz a quo compara os depoimentos prestados pelos diferentes técnicos e evidencia a fundamentação da sua convicção.
XXIV. O cabo fornecido não tinha defeito, e o facto de se ter partido apenas pode resultar da utilização que do mesmo foi feita pela 1ª R..
XXV. Em apoio desta afirmação, refira-se o facto de que, quer o ISQ, quer a 2ª R., terem feito diversos testes de carga de ruptura, tendo obtido, sempre, valores de carga de ruptura superiores ao que consta do certificado – carga de ruptura de 109,0 Kn (cfr. Relatórios de fls. 98 e 134 e seguintes).
XXVI. Se o cabo tivesse algum defeito, consubstanciado nas “mossas” esmagamentos, ao longo de todo o seu comprimentos, como a 1ª R. pretende, o cabo não teria cumprido os critérios mínimos de ruptura obtidos pelo ISQ e pela 2ª R..
XXVII. Bem andou, pois, o Meritíssimo Juiz a quo ao considerar provados os Factos nºs 62º, 63º a 69º, 71º e 72º, 89 a 93º dos Factos Provados.
XXVIII. Os factos que a 1ª R. pretende sejam dados como provados constantes dos artigos 53º, 65º e 74º da sua Contestação não foram sequer considerados relevantes pela douta Sentença proferida, não constando dos Factos Não Provados. De qualquer modo,
XXIX. Não se apurou que o cabo tivesse qualquer defeito, pelo que a referência a defeitos aparentes não tem cabimento; do mesmo modo, as “mossas” ao longo do cabo resultam do processo de fabrico, não pondo em causa a resistência do cabo, conforme resulta dos diversos testes efectuados, quer pelo ISQ, quer pela 2ª R., pelo que não se justifica o aditamento de qualquer um dos factos indicados pela 1ª R. nas suas alegações.
XXX. Bem andou o Meritíssimo Juiz a quo absolvendo a aqui 2ª R. E... do pedido, tudo com todas as demais consequências legais, não merecendo a douta Decisão Recorrida qualquer reparo.
XXXI. No entanto, caso assim se não entenda, o que se aduz apenas por mera cautela de patrocínio, a ora Contra-alegante sempre faz suas as alegações da 1ª R. relativamente aos pontos: Da reparação vs substituição do módulo sinistrado; - Do valor da reparação /substituição do módulo sinistrado; - Do pressuposto do dever de indemnizar; - Da culpa do lesado e dos juros moratórios; - Do valor dos danos.
Finalizou com a indicação de que deve ser negado provimento ao recurso.
Por último, a autora apresentou as suas contra-alegações, sem conclusões, referindo, em síntese, que tem urgência em ver esta situação concluída. Por esta razão, isto é, por uma razão de ordem prática, a A. aceita a sentença recorrida, embora não concorde com aquilo que foi decidido em relação à alegada conculpabilidade da A., uma vez que em nada contribuiu para o surgimento dos danos e/ou para o seu agravamento, sendo certo que a questão da concausalidade só surge, tal como é referido na sentença, em alegações finais, e que para a R., a única questão era, e ainda é, a determinação da entidade responsável pelo ressarcimento dos danos sofridos pela A..
Nesse conspecto, defendeu que os danos sofridos pela máquina não tiveram qualquer agravamento, são os mesmo desde o momento da queda, aquilo que foi aumentando, e continuará naturalmente a aumentar, são os custos de reparação desses danos, em resultado do aumento dos preços, decorrente da passagem do tempo e que não pode ser imputado à A., acrescentando que se é verdade que o processo tem-se arrastado devido à atitude irresponsável e relapsa da R., também é igualmente verdade que se verifica um atraso inaceitável da atuação do Tribunal.
Mais, ao contrário daquilo que sustenta a R., não devem ser considerados os valores indicados diretamente pela marca italiana porque a máquina não pode ser consertada em Itália; existindo um concessionário da marca em Portugal, que estabelece os preços em território português, são os preços apresentados pela empresa concessionária que devem ser tidos em consideração.
Por fim, pugnou pela não admissão dos documentos apresentados com o recurso da R., porque poderiam ter sido apresentados antes do encerramento da audiência de julgamento e só não o foram porque a R. não diligenciou nesse sentido.
Nada obsta ao conhecimento do recurso, o qual foi admitido na forma e com os efeitos legalmente previstos.
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OBJECTO DO RECURSO.
Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões, as quais, assim, definem e delimitam o objeto do recurso (arts. 635º/4 e 639º/1 do CPC).
Assim sendo, importa em especial apreciar:
a) se foi validamente deduzida, é justificada e procede a impugnação da matéria de facto, quanto aos pontos 50, 56, 86 e 87 dos factos provados e ao facto dado como não provado do artigo 68º da contestação da recorrente, referentes à classe de resistência do cabo fornecido pela 2.ª à 1.ª ré, de modo a que a primeiro seja alterado, os quatro seguintes sejam julgados não provados e o último passe a ter a resposta proposta no recurso ou aquela que resultar da análise dos meios probatórios (conclusões 1 a 3, 5 a 18);
b) se foi validamente deduzida, é justificada e procede a impugnação da matéria de facto, quanto aos pontos 62, 63, 64, 66, 67, 68, 69, 71, 72, 89, 90, 91, 92, 93 e aos factos dados como não provados dos artigos 53º, 65º e 74º da contestação da recorrente, em especial, quanto a não ter sido julgado provado que o cabo tinha um defeito de fabrico e que ele deu causa exclusiva à respetiva rutura e quanto a ter sido julgado provado que o cabo partiu porque foi danificado antes ou durante a sua utilização (conclusões 1 a 3, 19 a 58);
c) se foi validamente deduzida, é justificada e procede a impugnação da matéria de facto, quanto aos pontos 26, 27 e 29 da matéria provada, relativos à questão da “reparação vs substituição do módulo sinistrado”, e aos pontos 96, 97, 98 e 99, relativos ao tema “valor da reparação/substituição do módulo sinistrado”, de modo a que sejam alterados no sentido proposto pela recorrente ou que resultar da análise da prova (conclusões 1 a 3, 59 a 99);
d) se a responsabilidade civil (contratual e/ou aquilina) da recorrente deve ser excluída, mercê de culpa da autora no agravamento dos autos, e na negativa se a sua quantificação na sentença é errada ou excessiva, incluindo na questão dos juros de mora, fixando-se neste caso a sua medida (conclusões 1, 4, 100 e seguintes).
Para além do exposto, importa determinar se o parecer técnico junto pela recorrente com as alegações do recurso deve ser considerado na análise da impugnação da matéria de facto.
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MATÉRIA DE FACTO.
Em sede de factos julgados provados em primeira instância, vários foram colocados em crise no recurso, na impugnação da matéria de facto, cuja apreciação deverá fazer-se mais adiante.
Assim, sem prejuízo da subsequente consideração dessa impugnação, estão provados os seguintes factos, de acordo com a decisão recorrida: 1) A A. é uma empresa de fabricação de moldes de aço de grande dimensão para injecção de termoplásticos (certidão comercial de fls. 536 a 540 verso). 2) A A. tem as suas instalações fabris situadas no .... 3) A 1.ª R. é uma empresa de prestação de serviços e aluguer de auto gruas telescópicas todo terreno, especializada em meios de elevação. 4) Em Maio de 2014, a A. adquiriu à firma italiana G..., S.C., através do representante da marca em Portugal, pelo preço de 300.000€, uma máquina de injecção da marca Negri Bossi, modelo Cambio V800/8000 H – 6700 FUSO 90mm, com os seguintes equipamentos opcionais:
- Antivibradores
- 2 extratores pneumáticos PM
- 2 extratores pneumáticos PF
- 1 martineto pneumático PM
- 1 martineto pneumático PF
- 1 Inteface Robot Euromap 67
- 12 vinte e quatro vias fluxómetros
- 8 zonas termorregulação molde 16ª
- 1fuso barreira L/D=22 Negri Bossi
- 8 injecção sequencial pneumática
- 3 martineto hidráulico PM
- 3 Martineto hidráulico PF; 5) A máquina é constituída por dois módulos fisicamente separáveis entre si, um, designado pelos Sr.s Peritos como: um o “grupo de fecho” e o outro, o “grupo de injecção”; 6) Para conseguir comprar a máquina a A. teve de obter um financiamento bancário, junto do banco Banco 1..., no valor de 300.000€, à taxa de juro de 4,555%, a ser pago em prestações mensais de 7.727,67€, com inicio em 29.04.2014 e termo em 29.04.2018, o que implica um encargo total de 370.928,16€. (fls. 467 a 475). 7) Como garantia da quantia mutuada foi constituído em favor da entidade mutuante um penhor mercantil sobre a máquina adquirida: “Prensa para Injecção de Matérias Plásticas” identificada no anexo I do contrato (cláusula 10º do contrato de fls. 467 a 475 e - Sobre a mesma máquina incide um penhor mercantil de que é beneficiária a Banco 1... (fls. 328). 8) A autora quando adquiriu a máquina de injeção, outorgou com a Companhia de Seguros H... um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...06, constante de fls. 316- 318 e condições gerais de fls. 318 a 321 e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, contrato com início em 20-06-2014, seguro tendo por objecto a máquina “Prensa Injecção de Plásticos Negri Bossi M161 2013 pelo valor de €300.000,00; 9) De acordo com as condições particulares da apólice estavam excluídos:
“Danos resultantes da continuação em uso do bem seguro, depois do mesmo ter sofrido danos, sem que tenha sido feita a sua reparação definitiva e garantido o seu normal funcionamento. Danos pelos quais os fornecedores ou fabricantes sejam legalmente responsáveis.”. 10) Foi acordado entre autora e vendedor que a máquina seria transportada por este para a instalações da A., situadas no Rua ..., ..., ..., ficando a A. com a obrigação de a descarregar do camião e colocá-la no interior do seu pavilhão fabril. 11) Como não dispunha, nem dispõe, de equipamento adequado para efectuar a descarga da referida máquina, a A. decidiu contratar os serviços da 1ª R. para efectuar esse serviço e que envolvia a utilização de uma das gruas da 1ª ré, manobrada por um funcionário da mesma; 12) Dando execução a tal decisão, no dia 20.05.2014, a A. entrou em contacto com a 1ª R. explicou que pretendia contratar os serviços desta para descarregar a referida máquina do cimo de um camião e colocá-la no interior das suas instalações. Explicou à R. as características e peso da referida máquina, bem como as demais informações que lhe foram solicitadas por esta; 13) A 1ª R. deslocou-se às instalações fabris da A., a fim de avaliar o espaço e de decidir qual o equipamento mais adequado à execução da tarefa pretendida pela A.; 14) Depois disso, no dia 21.05.2014, as partes acordaram que a 1ªR. efectuaria o serviço de descarga da referida máquina do camião para as instalações da A., utilizando a grua que entendeu ser mais adequada, conduzida e manobrada pelo seu operador, cabendo-lhe a execução de todas as operações de descarga da máquina do camião e colocação da mesma no interior das instalações fabris da A.; 15) As partes calcularam que seriam necessárias 4 horas para execução do referido serviço de descarga e acordaram um preço mínimo no valor de 450€ (quatrocentos e cinquenta euros) para a realização de tal serviço, ao que acresceria 55€ por cada hora que ultrapassasse o período de 04 horas ajustado. 16) Foi ainda acordado pelas partes que o serviço seria prestado pela 1ªR. durante o dia 22 de Maio de 2014, nas instalações da A., a partir das 14h00. 17) No dia 22 de Maio de 2014, pelas 15h00, dando execução ao acordado, a 1ª R. colocou a sua grua junto ao camião onde estava a máquina e o operador da grua (funcionário da 1ª R.) iniciou as operações adequadas à descarga da máquina, designadamente a amarração e a fixação da máquina com os cabos da grua. 18) No entanto, depois de a máquina ter sido erguida pela grua, pelo operador da 1ª R., a cerca de dois metros de altura, o cabo da grua partiu-se e a referida máquina caiu ao chão, com grande estrondo, e o gancho da grua ainda lhe caiu em cima; 19) Perante a quebra do cabo da grua, a 1ªR. decidiu ir buscar uma outra grua para poder colocar a máquina no interior das instalações fabris da A. 20) Passado pouco tempo, a 1ª R. disponibilizou uma outra grua e levantou a máquina do sítio onde ela se encontrava, após o cabo da 1ª grua ter partido, e colocou-a no interior das instalações fabris da A. 21) A A. pagou o preço do serviço que contratou à 1ª R. 22) A testemunha AA, representante da marca em Portugal, perante o sucedido, entrou de imediato em contacto com a empresa fornecedora italiana acerca do sinistro. 23) Autora e 1ª ré fizeram uma análise ao módulo da máquina que caiu –módulo de fecho -, tendo a autora solicitado ao representante da marca – AA – uma avaliação dos danos e a 1ª ré uma análise às causas do sinistro; 24) Segundo a avaliação a pedido da autora, considerou-se que, como consequência da queda sofrida, a módulo que caiu ficou danificado, com empenas e deformações nas seguintes peças/componentes, nas seguintes peças e componentes:
- nas protecções do grupo de fecho /abertura molde e controlo B&R2007.
- no armário eléctrico da zona traseira
- no grupo bancada, grupo fecho/abertura molde
- no grupo molde joelheiras e pratos/colunas 25) Os danos sofridos provocaram um desequilíbrio estrutural na máquina, que impede o seu correto funcionamento, impossibilitando que a mesma máquina trabalhe de forma contínua, assinalando, uma vez ligada, vários erros de funcionamento, que interferem com a precisão que a máquina deveria ter; 26) O custo das peças/componentes indicadas no orçamento de fls. 22 e que devido aos danos deveriam ser substituídas para a reparação do módulo, era, à data de 11-06-2014, o seguinte:
- protecções do grupo de fecho /abertura molde e controlo B&R2007 … 12.400€;
- armário eléctrico da zona traseira … 4.950€;
- grupo bancada, grupo fecho/abertura molde … 13.900€;
- grupo molde joelheiras e pratos/colunas … 110.900€; 27) Na avaliação de fls. 22 e 23 foram também orçamentados custos com o serviço de desmontagem/montagem do material e que na mesma data ascendiam ao montante de 6.130€, e custos do transporte do material de substituição, que ascendiam a 12.000€. 28.º Aos valores indicados, acresceria o IVA à taxa legal; 29) Na mesma avaliação foi atribuído o valor de 38.000,00€ ao salvado, integrando este não apenas o módulo que caiu, mas também o outro módulo que não sofreu qualquer dano; 30) Sem a substituição das peças do módulo de fecho (o que caiu) a fornecedora italiana da máquina e da marca Negri Bossi, não aceitaria conceder qualquer garantia, tendo, por comunicação enviada para autora através do seu representante em Portugal, em 16 de Junho de 2014, informado o seguinte (doc. de fls. 24-25 e tradução de fls. 425-427):
“(…) Assunto: Prensa V 800 matrc. 161-152 (…) Comunicamos-vos que a garantia contratual de 12 meses seguintes à data da entrega está caducada. Esta garantia deixou de ser válida para todos os componentes concebidos pela Negri Bossi e para as peças sobresselentes do comércio. As novas condições de garantia relativamente a essas componentes poderão ser redefinidas de acordo com as condições contratuais mencionadas na nossa confirmação da encomenda de peças sobresselentes só para os componentes que aceitarem substituir (6 meses a partir da montagem real). (…) As operações de substituição das peças, a recolocação em função e o teste da prensa apenas podem ser efectuados por nosso técnico autorizado. (…) Agradecemos uma resposta (…)” 31) No dia 11.06.2014, a A. deu a conhecer à 1ªR. os resultados da peritagem que fez à máquina, isto é, a enumeração das peças que tinham ficado danificadas, a necessidade da sua substituição e os respetivos custos de substituição, que lhe foram indicados e reclamou-lhe o respetivo pagamento. 32) No dia 17.06.2014, a A. deu a conhecer à 1ªR. os custos de transporte das peças que tinham de ser substituídas, que lhe foram indicados e reclamou da R. o respetivo pagamento. 33) A 1ª ré respondeu e referiu à autora que a 2ªR. lhe tinha vendido o cabo da grua com um defeito e que isso é que tinha causado a rutura do mesmo. 34) E que estava a tentar que a 2ªR. participasse no ressarcimento dos prejuízos sofridos, referindo que o ressarcimento dos danos resultantes da ruptura do cabo estaria coberto por um contrato de seguro de responsabilidade civil que a 2ªR. teria outorgado com a seguradora D..., com a apólice nº ...59, solicitando que a autora também reclamasse os prejuízos sofridos à essa companhia de seguros, para agilização da resolução do problema. 35) Com esse contexto a autora enviou à Companhia de Seguros D... S. A., em 19-06-2014, a carta constante de fls. 26, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicando os valores da substituição das peças danificadas, do transporte dos materiais e em alternativa o valor de uma máquina nova. Mais referiu que não aceitariam a reparação da máquina, mas apenas uma máquina nova no valor de € 315.000,00, acrescida de uma indemnização diária de € 800,00 pela paralisação, alegando que tinha encomendas para a laboração da máquina em causa, assim como os custos financeiros resultantes do recurso ao crédito bancário; 36) Também no dia 19.06.2014, a A. enviou uma carta à 1ªR., por esta recebida no dia seguinte, com teor igual à carta enviada à interveniente principal (fls. 46) 37) A Companhia de Seguros não assumiu o ressarcimento dos danos sofridos pela A. 38) Entretanto, a 1ªR. comunicou à A. que tinha submetido o cabo danificado a uma peritagem e entregou à A. o relatório, constante de fls. 98 a 116, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido; 39) Do relatório referido no artigo anterior e no seu resumo, consta:
“Apresentam-se os resultados da análise das causas de fratura de cabo de aço, que apontam para a existência de esmagamentos (“mossas”) nos fios da camada interna do cabo, como causa da ruptura individual dos fios e consequentemente a ruptura extemporânea do cabo.” 40) Na parte relativa aos comentários e conclusões, consta (fls. 102): COMENTÁRIOS Da análise dos resultados obtidos foi possível concluir o seguinte:
· De acordo com os ensaios realizados, o troço de cabo de aço analisado encontra--se de acordo com a especificação.
· A análise visual ao cabo revelou a presença de esmagamentos (“mossas”) e fios fracturados nos cordões da camada interna do cabo.
· As superfícies de fractura apresentam modos de fractura típicos de esforços de tracção nomeadamente em forma de cone-taça com estricção e a 45º.
· A análise através de microscopia electrónica de varrimento realizada às superfícies de factura dos fios revelou a presença de dimples, característicos de uma ruptura dúctil.
· O esforço de tracção a que os fios estão submetidos induz tensões de tracção e corte tal como os verificados. Numa situação somente de sobrecarga apenas se iriam observar superfícies de fractura do tipo cone-taça com estricção. Tal não se verifica, observando-se várias superfícies de fractura a 45º. Efectivamente, os esmagamentos (“mossas”) verificados nos fios acarretam uma diminuição da sua secção útil elevando as tensões a que estão sujeitos. Este desequilíbrio de forças induz esforços de corte sobre alguns fios que acabam por fracturar a 45º ficando os restantes em sobrecarga resultando na ruptura do cabo. 41) Juntamente com o orçamento a 1ª ré enviou à autora as condições gerais com o conteúdo constante de fls. 71-72;
42.º Dessas condições gerais consta, no ponto 3.6 o seguinte, impresso em letra muito pequena e compacta: “Responsabilidade do 2º Outorgante (Aluguer com e/ou sem operador da B...) A B... não assume qualquer responsabilidade pelos danos directos e ou consequenciais ocasionados pela actividade do equipamento (…), causado por avarias provocadas por erro de indicação de manobra ou por o local de trabalho não ter condições de operacionalidade. (…) 43) E do Ponto 3.7, relativo a: Perdas e Danos:
“(…) A B... não se responsabiliza por danos causados nas cargas movimentadas e/ou transportadas.” 44) Na resposta ao orçamento enviado e referindo-se a autora apenas ao orçamento, refere: “Confirmado. CC aponte para as 15h de amanhã.” (fls. 73). 45) A máquina movimentada pela auto-grua da ré e pelo seu funcionário, logo após a sua elevação, a cerca de 1,20m/1,5m de altura, caiu por se ter fracturado o cabo de aço anti giratório que a suportava. 46) O cabo de aço foi fornecido pela 2ª ré à 1ª ré no mês anterior à execução dos trabalhos em causa, concretamente no dia 4 de Abril de 2014; 47) Tinha poucas horas de uso. 48) A 2ª ré é fornecedora de cabos de aço anti giratórios à 1ª ré há muitos anos. 49) A 1ª ré solicitou por email enviado à 2ª ré em 3-4-2014 preços para: 170mts Cabo aço anti giratório diam. 16mm e 165 mts Cabo aço anti giratório diam. 13mm (fls. 75); 50) A 2ª ré forneceu um cabo de 13mm com uma classe de resistência do cordão superior à que consta do respectivo certificado (aceite e fls. 74 e 76) 51) A grua escolhida pela 1ª ré para o serviço contratado pela autora era a indicada para o efeito; 52) Cada queda de cabo na grua faz multiplicar a carga máxima admissível a que o cabo pode ser sujeito; 53) Após a queda do módulo de fecho a autora utilizou a máquina de forma ocasional. A máquina foi projectada para trabalhar 24 h por dia num processo de aproveitamento e rentabilidade e até à data da realização da prova pericial, em Março de 2023, tinha laborado 3200 horas; 54) À data do sinistro o módulo que caiu era reparável pela substituição das peças danificadas; 55) Com o prolongar da situação e o decurso do tempo, à data em que foi realizada a prova pericial, em Março de 2023, a reparação do módulo não é viável. O modelo da máquina em causa é outro (com as mesmas funções) e algumas peças necessárias para a reparação foram descontinuadas. Não é possível a substituição de apenas o módulo afectado, por inexistência de garantias de que o novo modelo funcionaria com o módulo não afectado, constituindo os dois módulos, apesar de separáveis, duas peças de uma única máquina; 56) A 2ª R. fornece os cabos que lhe são solicitados pelos seus clientes, com as especificações técnicas por estes requeridas, acompanhados do respectivo certificado de inspecção, de acordo com a Norma EN 10204:2004, o que ocorreu no caso em apreço (fls. 74, 76 e fls. 133) 57) A 2ª R. desconhece qual a utilização que será feita pelo cliente, do cabo fornecido, ou seja, em que máquinas será utilizado, de que modo, durante quanto tempo ou quais as condições em que permanecerá armazenado; 58) A 2ª R. desconhece em que equipamentos a 1ª R. pretendia utilizar o cabo comprado, não tendo recebido qualquer informação sobre a capacidade máxima de elevação da grua onde o cabo seria usado; 59) Após a ocorrência do sinistro, a 2ª R. procedeu, através do seu serviço de controlo de qualidade, à análise do cabo em causa, tendo elaborado o Relatório de Investigação Laboratorial constante de fls. 134 a 138, com data de 27-08-2014; 60) Do relatório referido no ponto anterior consta, de entre outras menções que: “(…) o cabo apresenta uma carga de rotura real média de 112,9 kN a qual é 3,58% superior à carga de rotura mínima de 109,0 kN (especificada na norma EN 12385-4:2002 tabela 14 classe 18x7)” (página 4 do relatório) 61) O relatório do ISQ, junto pela 1ª ré, obtém valores de força de ruptura até superiores aos obtidos pela 2ª R, ou seja 117,65 e 114, 89 kN, (página 6 do relatório junto de fls. 98 e seguintes) 62) Do relatório da 2ª ré constam as seguintes conclusões:
“4. Discussão e Conclusão:
(…) Da inspecção visual, metalúrgica e mecânica do cabo podemos tirar as seguintes conclusões: a) Não foram detectados quaisquer defeitos de fabrico na amostra recebida do cliente. O cabo apresenta uma carga de rotura real média de 112,9 kN a qual é 3,58 % superior á carga de rotura mínima de 109,0 kN (especificada na Norma EN 12385-4:2002 tabela 14 classe 18x7). O diâmetro real do cabo respeita também as tolerâncias especificadas na mesma norma; b) Da análise das fracturas dos arames podemos concluir que elas são do tipo “cup and cone” e que o cabo partiu em tracção. As fracturas dos arames ocorreram de um modo geral em zonas de deformação plástica (i.e., zonas em que os arames estão demasiado marcados e deslocados das suas posições originais, devido a pressões laterais) o que indicia a ocorrência de um incidente (provavelmente esmagamento), durante a utilização do cabo, que o tenha danificado na e junto da zona de rotura. É evidente a existência de arames danificados mecanicamente na zona de rotura (tal como pode ser visto na Fotografia nº 4); c) Tendo o cabo uma carga de rotura mínima (MBL) de 109 kN (11115 kgf) e tendo sido o cabo utilizado numa grua com um factor de segurança de 5 para 1 isto significa que a carga útil de trabalho (SWL) é de 21,8 kN (2223 kgf). Tendo sido elevada uma carga de 23 toneladas (226,0 kN) e tendo sido usado um cadernal com 7 quedas de cabo, isto significa que a carga a que o cabo foi sujeito foi de 32,3 kN (3294 kgf) que é muito superior á carga útil de trabalho do cabo (SWL). Durante a utilização do cabo nas condições acima descritas, o mesmo esteve sujeito a um factor de segurança de 1 para 3,4. Sendo o SWL do cabo igual a 21,8 kN (2223 kgf) e tendo sido usado um cadernal com 7 quedas, a carga máxima admissível a que o cabo deveria ter sido sujeito é de 15,54 toneladas, o que significa que 23 toneladas ultrapassa largamente este valor; d) O facto do cabo ter sido danificado durante a sua utilização contribuiu ainda mais para que este tivesse ainda menos capacidade de resistência às forças de tracção a que foi sujeito.” 63) O cabo partiu porque foi danificado antes ou durante a sua utilização, por isso é que os arames se encontravam muito esmagados e partiram na zona de ruptura; 64) Os “esmagamentos (“mossas”) na camada interna do cabo, que se encontram ao longo de toda a sua extensão, resultam do processo de fabrico do cabo e não constituem defeitos do cabo. 65) O cabo é composto por uma madre, no centro e 18 cordões com 7 fios cada um à volta, dispostos em duas camadas sobrepostas, uma com 6 cordões e outra com 12 cordões; 66) Durante o processo de fabrico de um cabo de aço e durante a operação de cocha (fecho do cabo), ocorrem alguns pontos de deformação plástica ou permanente nas zonas de contacto entre arames de cordões exteriores adjacentes e entre cordões exteriores e os cordões da alma ou madre. 67) Estas deformações devem-se à pressão exercida pelos cordões exteriores sobre a alma durante a sua passagem pelo tubo de bitola, pelos rolos de aperto e pelos pós-formadores. 68) A camada exterior do cabo e a alma não têm o mesmo sentido de torção nem têm passos iguais, portanto estes pontos de contacto existem; 69) Esses esmagamentos não diminuem a capacidade do cabo; 70) No Relatório do ISQ pode ler-se que “as superfícies de fractura de diferentes fios foram analisadas tendo-se observado essencialmente fracturas a 45º e fracturas do tipo cone com estricção evidente” (página 4/19 do relatório de fls. 98 e seguintes). 71) As fracturas por corte a 45º são características e frequentemente observadas em casos de mera sobrecarga do cabo resultando de combinações de cargas axiais elevadas com a compressão perpendicular dos cordões que surge quando o cabo diminui de diâmetro ao ser esticado devido à sobrecarga axial. 72) Os esmagamentos/mossas da parte interna dos cordões que constituem o cabo, não contribui para a fraqueza do cabo, que manteve todas as suas propriedades. 73) Com data de 26/06/2012, a Interveniente D... celebrou com a B..., Lda., 1ª Ré, o contrato de seguro titulado pela apólice nº ...27 e destinado a cobrir o risco decorrente da actividade de aluguer de equipamento de construção e demolição com operador/condutor para trabalhos ou obras de construção civil, garantindo a responsabilidade civil extracontratual por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais que sejam causados a terceiros, pelos legítimos representantes ou pessoas ao serviço e pelas quais o Segurado seja civilmente responsável de harmonia com o Capitulo I e II das Condições Particulares e com as Condições Gerais, durante a laboração, montagem ou desmontagem das máquinas identificadas na Parte I das Condições Particulares da Apólice, ou seja, dos equipamentos de construção civil (contrato de fls. 215 a 238) 74) Consta da cláusula 1ª das condições especiais, sob a epígrafe: “Âmbito de Cobertura que: 1. A seguradora garante as indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais que sejam causados a terceiros e a clientes, pelos legítimos representantes ou pessoas ao serviço e pelas quais o Segurado seja civilmente responsável de harmonia com o Capitulo I e II das Condições Particulares e com as Condições Gerais. Este contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade extracontratual que ao abrigo da lei civil seja imputável ao Segurado durante a laboração, montagem ou desmontagem das máquinas identificadas na Parte I das Condições Particulares da Apólice” (fls. 220) 75) De acordo com o Capitulo I das condições particulares o risco seguro consista na: “Actividade: Aluguer de maquinaria com pessoal. Declara-se que a alínea c) da cláusula 2 Exclusões, fica derrogada e sem nenhuma aplicação na presente apólice” (fls. 217): RISCO SEGURO Actividade: Aluguer de maquinaria com pessoal Declara-se que a alínea c) do nº7, da Cláusula 2EXCLUSÕES fica derrogada e sem nenhuma aplicabilidade na presente apólice 76) A cláusula 2 das exclusões, n.º 7, al. c) tem o seguinte conteúdo:
“Não se encontram abrangidos pelas coberturas deste contrato os danos: Causados a trabalhos e bens de Empreiteiros e/ou Subempreiteiros que se encontrem a trabalhar no mesmo local e para o mesmo Dono de Obra.” 77) “Características sobre o risco”:
“Actividade da empresa: empresa de aluguer de equipamentos de construção e demolição com operador/condutor; efectuam trabalhos em obras de construção civil, obras públicas e privadas.” (fls. 218) 78) Franquia: 10% por sinistro com um mínimo de € 500,00 (fls. 218). 79) Nos termos da Cláusula 2ª das Condições Especiais do contrato de seguro outorgado com a 1ª ré, estão excluídos das garantias (da cobertura do contrato), entre outros:
“Cláusula 2.ª Exclusões 1. Ficam absolutamente excluídos das garantias deste contrato os danos: a) Decorrentes de actos ou omissões dolosas do Segurado ou de pessoas por quem este seja civilmente responsável ou das pessoas cuja responsabilidade seja garantida por estaApólice, bem como os actos ou omissões que constituem violação dolosa de normas ou regulamentos e quaisquer multas ou coimas. Entende- se por acto doloso, todo o acto intencional praticado com o intuito de produzir dano ou com representação da possibilidade desse resultado; b) Decorrentes de acidentes provocados por veículos que, nos termos da legislação em vigor, sejam obrigados a seguro; (…) 2. Ficam excluídos das garantias deste contrato os danos: (…) h) Decorrentes de reclamações baseadas em perdas financeiras, nomeadamente, lucros cessantes, impossibilidade do exercício normal da actividade, suspensão e/ou interrupção, não cumprimento de prazos estabelecidos, redução do volume de vendas, perdas de imagem e/ou quotas de mercado de terceiros; (…) j) Decorrentes do não cumprimento de normas legais ou regulamentares, ou dos usos próprios da actividade bem como da não adopção das medidas de segurança aconselháveis; (…) l) Perdas financeiras puras entendendo-se como tal as perdas económicas ou financeiras sem concorrência de danos materiais e/ou corporais, nomeadamente paralisação total ou parcial da actividade, causados a terceiros; (…) n) Que sejam imputáveis a entidades alheias ao Segurado. (…) t) Resultantes de defeitos ou ineficácia de produtos utilizados pelo Segurado no exercício da sua actividade. (…) 7. Não se encontram abrangidos pelas coberturas deste contrato os danos: a) Causados a quaisquer bens ou objectos de terceiros que estejam confiados ao Segurado para guarda, utilização, trabalho ou outro fim; (…) 15. Não se garante neste contrato os danos resultantes de Responsabilidade Civil Profissional” (fls. 221 a 225) 80) Em 22 de Maio de 2014, o contrato encontrava-se em vigor; 81) Em 30/06/2013, a Interveniente D... celebrou com a 2ª ré um contrato de seguro de responsabilidade civil titulado pela apólice nº ...59, destinado a cobrir o risco decorrente da actividade de fabricação de cordoaria, tendo por objecto a garantia da responsabilidade extracontratual que ao abrigo da lei civil seja imputável ao Segurado em consequência da actividade de fabrico, identificada na Parte I das Condições Particulares da Apólice, garantindo, assim, as indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais que sejam causados a terceiros e a clientes, pelos legítimos representantes ou pessoas ao serviço e pelas quais o Segurado seja civilmente responsável de harmonia com o Capitulo I e II das Condições Particulares e com as Condições Gerais constantes do contrato junto aos autos de fls. 244 a 262 82) Em 22 de Maio de 2014, o contrato encontrava-se em vigor; 83) Nos termos da Cláusula 1ª do Capítulo II – Condições Especiais -, o contrato de seguro titulado pela apólice nº ...59, outorgado com a 2ª ré, tem por objecto a responsabilidade civil do SEGURADO, também tomador do seguro, com garantias de exploração e de produtos, decorrente de “fabricação de cordoaria” (fls. 244 a 263) 84) De acordo com o disposto na Cláusula 2ª das condições Especiais da Apólice, “(…) 2. Ficam excluídos das garantias deste contrato os danos: a) Causados pelas obras, trabalhos, prestação de serviços, produtos e suas embalagens produzidos e/ou armazenados e/ou fornecidos pelo Segurado, se as reclamações forem motivadas por erro, omissão ou vício oculto que se revelem somente após a recepção expressa ou tácita dos referidos bens, produtos ou serviços; (…) h) Decorrentes do não cumprimento de normas legais ou regulamentares, ou dos usos próprios da actividade bem como da não adopção das medidas de segurança aconselháveis; (…) j) Perdas financeiras puras entendendo-se como tal as perdas económicas ou financeiras sem concorrência de danos materiais e/ou corporais, nomeadamente paralisação total ou parcial da actividade, causados a terceiros; (…) q) Resultantes de defeitos ou ineficácia de produtos utilizados pelo Segurado no exercício da sua actividade; (…) 11. Ficam excluídos os custos ocasionados a terceiros e clientes pela substituição de produtos defeituosos do Segurado incorporados ou montados em outros bens.” (fls. 250 a 252) 85) Nos termos da Cláusula 6ª das Condições Especiais da apólice, exclusões específicas da cobertura de responsabilidade civil produtos, em que:
“Não ficam garantidos, em caso algum, mesmo que se tenha verificado a ocorrência de qualquer risco coberto pelo presente contrato, os prejuízos que derivem directa ou indirectamente de: a) Os produtos não se adequarem à função ou ao propósito enunciado pelo Segurado. b) Inobservância das instruções de consumo ou utilização dos produtos; (…) f) Causados por produtos cujo defeito não era possível detectar quando da sua colocação em circulação, atendendo ao estado dos conhecimentos científicos e técnicos nesse momento;” (fls. 253) 86) Após a participação do sinistro pela 2.ª Ré, a Interveniente solicitou a uma entidade terceira - “F... – Consultores de Engenharia e Gestão” – a averiguação das causas do sinistro relatado nos autos e dos danos invocados, tendo-lhe sido entregue o relatório constante autos de fls. 266 a 290, com data de Junho de 2024, empresa que na sua análise, teve acesso aos dois relatórios elaborados pelas 2ª e 3ª rés; 87) De acordo com o referido relatório e no ponto 5.1.1 com a identificação de “Antecedentes” (páginas 274 e 275), é mencionado:
“(…) Em 03/04/2014 o SEGURADO recebeu do seu cliente B... uma consulta por email (…) com pedido de preço para os seguintes dois tipos de cabos sem mais qualquer especificação: - 170 m de cabo antigiratório de aço diâmetro 16 mm - 165 m de cabo antigiratório de aço diâmetro 13 mm O SEGURADO respondeu nesse mesmo dia e forneceu preço para os ditos cabos seleccionando os do tipo 18x7-CWS em aço galvanizado da classe/resistência 1960 N/mm² por, segundo informou a F..., ser o que fornece com maior frequência (…) A nota de confirmação de venda refere: 170m de cabo antigiratório em aço galvanizado (GB) de 16,0 mm de diâmetro nominal, 18x7 CWS, da classe de resistência 1960 N/mm², ao preço de 474,30€ + IVA 165m de cabo antigiratório em aço galvanizado (GB) de 13,0 mm de diâmetro nominal, 18x7 CWS, da classe de resistência 1960 N/mm², ao preço de 460,35€ + IVA (…) a B... aceitou e enviou ao SEGURADO uma nota de encomenda com as mesmas especificações que indicara inicialmente mas acrescentando o preço e a referência interna (referência B...) da grua a que cada cabo se destinava: 170 m de cabo antigiratório de aço diâmetro 16 mm – grua 17, ao preço de 474,30€ + IVA 165 m de cabo antigiratório de aço diâmetro 13 mm – grua 21, ao preço de 460,35€ + IVA (…) O fornecimento aconteceu no dia seguinte 04/04/2014 e foi facturado na mesma altura pelo SEGURADO com a factura a referir as mesmas especificações que a nota de confirmação de venda anteriormente enviada. De salientar contudo que o certificado de inspecção do cabo de 13,0 mm de diâmetro fornecido inicialmente pelo SEGURADO (…) e por lapso deste, não correspondia à qualidade do aço do cabo fornecido já que referia a classe de resistência 1770 N/mm² ao invés de 1960 N/mm² conforme tinha sido proposto e facturado (esta situação foi detectada aquando da análise do cabo realizada posteriormente pelo ISQ após o incidente). O SEGURADO veio a corrigir posteriormente essa situação emitindo outro certificado onde a classe de resistência era 1960 N/mm² (posteriormente comprovou-se que esta era de facto a classe de resistência do cabo, designadamente aquando dos testes de rotura a amostras desse cabo realizados pelo ISQ após o incidente) 88) Do mesmo relatório e após ter procedido a uma análise dos dois relatórios efectuados a pedido das duas rés, e no segmento com o título “Conclusões da F...” (páginas 284 e seguintes), consta, de entre outras menções, que:
“(…) O SEGURADO vendeu à B... cabo de aço 18x7 CWS, sZ, GB, 13 mm de diâmetro, da classe de resistência 1960 (…) apesar de inicialmente ter enviado um certificado de inspecção do cabo que o dava erradamente como sendo da classe 1770. Esta situação foi detectada pelo ISQ aquando da investigação que realizou. O SEGURADO substituiu o certificado fornecido inicialmente alterando apenas a classe de 1770 para 1960. Os diversos ensaios de rotura à tracção realizados pelo ISQ sobre amostras desse cabo, assim como os ensaios semelhantes realizados pela 2ª Ré sobre as amostras da bobine original de onde o cabo foi retirado (bobine também com certificado da classe 1960), vieram a comprovar que a carga de ruptura do cabo fornecido à 1ª Ré estava (…) de acordo com o especificado para a classe 1960. (…) • A inspecção das diversas amostras do cabo, quer as realizadas pelo ISQ, quer as realizadas pela 2ª Ré, com o intuito de verificar a sua composição, geometria e dimensões, deram como resultado que o mesmo cabo estava de acordo com o especificado na norma aplicável EN12385 e em conformidade com o certificado fornecido pela 2ª Ré; • (…) todos os ensaios de rotura à tracção que foram realizados, quer aqueles levados a cabo pelo ISQ sobre amostras retiradas do cabo fornecido à B..., quer aqueles levados a cabo pelo SEGURADO sobre amostras retiradas da bobine proveniente do fabricante onde foi cortado o cabo fornecido à B..., deram que a carga de rotura do cabo à tracção estava conforme o especificado para a classe 1960 de acordo com a norma aplicável EN12385 ou seja, e no caso deste cabo em concreto com 13 mm de diâmetro, que a carga de rotura mínima (MBL) obtida foi sempre superior a 112kN e portanto superior ao mínimo que a norma dita de 109kN.“ 89) Mais consta: “(…) o cabo em questão é constituído por 18 cordões distribuídos por duas camadas, uma exterior com 12 cordões e outra interior com 6 cordões e ainda por um cordão adicional a servir de alma no centro do cabo. (…) cada cordão da camada exterior e da interior é por sua vez constituído por 7 arames. (…) para efeito de mera estimativa da avaliação do referido impacto das mossas/esmagamentos considere-se por mera hipótese e por excesso que 25% dos 7 arames de cada um dos 6 cordões da camada interna tinham essas mossas/esmagamentos e que cada mossa/esmagamento não reduzia, mas anulava por completo a resistência do respectivo fio como se este estivesse já cortado. Desprezando a contribuição da alma, restava um cabo com cerca de 115 arames intactos ao invés dos 126 originais. Sendo todos os arames idênticos, admite-se para efeito desta estimativa que a hipótese acima acarretaria uma redução de cerca de 9% na força mínima de rotura do cabo que nessa condição danificado passaria dos cerca de 112kN para cerca de 102kN (…) Ora, e sem contar com o obrigatório factor de segurança de 5 na utilização do cabo, estando a grua a operar com 7 quedas no cabo, a capacidade de carga proporcionada pelo cabo à grua mesmo com o cabo na condição danificado seria ainda de cerca de 70 toneladas (ao invés das cerca de 77 toneladas na condição de não danificado) muito superior à capacidade da própria grua (40 toneladas) e ao peso da carga que estava a ser movimentada de cerca de 24 toneladas. Deste modo não se considera que a causa na origem do sucedido tenham sido as ditas mossas/esmagamentos, tendo necessariamente de ter havido outros factores a causar o sucedido os quais são certamente externos ao cabo tal como este foi fornecido pelo SEGURADO à B.... A estimativa ou simulação acima não retira contudo a necessidade de na utilização de auto grua com cabos para movimentar cargas se ter em devida conta os factores de segurança de acordocom a legislação (…) Para o caso em análise e relativamente à carga de rotura (MBL) do cabo que é 109kN é especificado um factor de segurança de 5 ou seja a carga útil de trabalho (SWL) desse cabo e portanto a força máxima a que deve ser sujeito durante a utilização é de 21,8kN. Relativamente a esta situação, à qual o relatório do ISQ é omisso, confirma-se o descrito pelo SEGURADO de que tendo sido usado pela B... um cadernal com 7 quedas de cabo a carga útil de trabalho e portanto o máximo a que em condições de segurança o cabo deveria ter sido sujeito era de 15,54 toneladas o que significa que ao movimentar uma carga com 23,7 toneladas estava a exceder em cerca de 52% aquele limite de segurança. (…)embora não seja este incumprimento das normas de segurança pela B... que explique cabalmente o motivo pelo qual o cabo rompeu (…) é pertinente concluir que a probabilidade do cabo romper era inferior se o factor de segurança preconizado tivesse sido assegurado até porque o objectivo da utilização deste tipo de factores de segurança é precisamente lidar com a incerteza e o risco associados a este tipo de trabalho.“ 90) Conclui-se no relatório que as mossas/esmagamentos na parte que originalmente estivessem presentes quando o cabo foi fornecido, não correspondem a defeitos ou pelo menos a situações com impacto na segurança do produto final, acrescentando que tal conclusão é atestado pelos resultados dos ensaios realizados de acordo com as normas aplicáveis, e já mesmo os realizados após o incidente, que atestam por completo a conformidade desse produto em matéria de resistência. 91) As fracturas do cabo não resultam do seu processo de fabrico e/ou a uma alegada falta de qualidade do cabo, mas resultaram das condições em que o mesmo foi utilizado e do que ocorreu durante a sua utilização (relatório de fls. 266 e seguintes) 92) Na sequência dos ensaios e seus resultados, refere-se no relatório que: “pelos resultados dos ensaios de rotura do cabo à tracção que acompanham o mesmo quando este é fornecido na condição de novo (e que forneceram valores idênticos aos dos ensaios realizados já após o incidente), as (…)mossas/esmagamentos na parte que originalmente pudesse logo estar presente quando o cabo foi fornecido não podem ser consideradas defeitos nem situações com impacto na segurança do produto tal como fornecido/vendido pois são os próprios resultados dos ensaios realizados de acordo com as normas aplicáveis, e já mesmo os realizados após o incidente, que atestam por completo a conformidade desse produto em matéria de resistência. Por todos os motivos acima, é-se também do mesmo parecer que o SEGURADO quanto às patologias observadas no cabo precisamente na zona onde este rompeu e mais precisamente às deformações plásticas mais pronunciadas incluindo fracturas, ou seja, de que nada indica que estas estejam associadas ao processo de fabrico e/ou a uma alegada falta de qualidade do cabo mas sim, pelo contrário, a situações resultantes das condições em que foi utilizado e do que possa ter acontecido durante essa utilização e relativamente às quais não se dispõe de informação para conseguir precisar a não ser a já conhecida e referida utilização que estava a ser feita no momento do incidente onde não estava a ser respeitado o factor de segurança para limitação da carga útil de trabalho, situação que em qualquer dos casos não é suficiente para explicar a rotura do cabo porque mesmo nessas condições a força a que esta estaria sujeito sem se terem registado quaisquer outros imprevistos era inferior à necessária para romper o cabo. 93) Para concluir e no ponto 5.22 (Segmento: Responsabilidades):
“(…) relativas às causas do sucedido (…) não está demonstrado (…) que a ruptura do cabo se deveu a uma alegada falta de qualidade do mesmo (…) 94) Em relação a contrato de seguro outorgado pela autora e a Companhia de Seguros H..., não foi participado qualquer sinistro ao abrigo do referido contrato (fls. 479 a 489); 95) O contrato de mútuo outorgado entre a autora e a Banco 1... foi integralmente cumprido pela autora (informação do banco de fls. 497 a 506); 96) O preço de venda de uma máquina nova, com funções semelhantes à adquirida pela autora em 2014, em Março de 2023, se for adquirida ao representante da marca em Portugal, corresponde pelo menos ao valor de 530.000,00€, ao qual acrescerá o IVA à taxa legal, preço no qual está incluído o serviço de desmontagem e montagem de material, deslocação e estadia ao qual acrescerá o IVA à taxa legal, orçamento constante de fls. 626 e seguintes, conjugado com o orçamento, da mesma empresa, mas de 2022, onde estão descriminadas as despesas (fls. 549 a 554) 97) No preço mencionado no ponto anterior está incluída a venda de um robot, denominado “interface robô euromap 67 FO”, que não integrava a compra realizada pela autora em 2014; 98) O preço de venda das peças/componentes, identificada no ponto 24º, em Março de 2022, corresponderia a um valor de pelo menos:
- protecções do grupo de fecho /abertura molde e controlo B&R2007, 21.169€, ao qual acrescerá o IVA à taxa legal;
- armário eléctrico da zona traseira, 11.925€, ao qual acrescerá o IVA à taxa legal;
- grupo bancada, grupo fecho/abertura molde, 21.324€, ao qual acrescerá o IVA à taxa legal;
- grupo molde joelheiras e pratos/colunas, 177.100€, ao qual acrescerá o IVA à taxa legal;
- serviço de estadia, desmontagem e montagem e deslocações, € 13.110,00 (fls. 594) 99) Por sua vez, o preço de uma máquina nova semelhante à adquirida pela autora em 2014 e com as mesmas funções, mas fornecida directamente pelo fabricante em Itália, ficaria, em 2022, pelo preço orçamentado de € 333.500,00 sem IVA, preço que inclui entrega e descarga, sem o robot; 100) Para além dos danos já mencionados, como consequência da queda do módulo e fecho, este ficou com os seguintes danos:
(relatório pericial de fls. 588 e seguintes) 101) Em 2023 não é possível a reparação desse módulo na medida em que:
(relatório pericial de fls. 588 e seguintes) 102) Após a queda em 2014 foram efecuados pequenos arranjos e substituídas pequenas peças para permitir um funcionamento residual (depoimento das testemunhas AA e DD); 103) No entanto, devido aos vários problemas que apresenta não garante a precisão que lhe era exigida nem é fiável;
(relatório de fls. 588 e seguintes) 104) Apesar dessas pequenas reparações, a máquina apresenta um mau funcionamento, não fiável e sem precisão na medida em que:
(relatório de fls. 588 e seguintes) 105) O uso da máquina, ainda que residual, não agravou os danos:
(relatório de fls. 588 e seguintes)
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Por outro lado, a primeira instância julgou não provados os seguintes factos:
Da Petição Inicial
34º
36º: provado apenas que consta do documento de fls. 23.
Da contestação da 1ª ré B...
5.º
14º
74º:
37º
49.º Não provado que: a auto grua foi manobrada pelo funcionário da 1ª ré sob orientação efectiva da autora.
56.º e 57º
63º
68.º De acordo com o certificado de fls. 76 o cabo deveria aguentar, em condições normais a 11,11 toneladas por cada queda de cabo (carga de ruptura mínima)
83.º
84:
86º
Da contestação da 2ª ré, E..., S. A.
7. A máquina em causa nestes autos foi objecto de reparação, sob a supervisão do fornecedor;
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FUNDAMENTAÇÃO. 1) Sobre a apreciação do parecer técnico apresentado com o recurso.
Juntamente com o recurso, veio a recorrente proceder à junção de parecer técnico, que designou como parecer INEGI, elaborado pelo Professor Doutor EE e pelo Engenheiro FF, invocando o disposto no art. 426.º do CPC.
Nas respostas, pugnou-se pela desconsideração de tal documento.
Na primeira instância, foi decidida a admissão do documento.
A este Tribunal da Relação do Porto cumpre, muito naturalmente, decidir sobre se tal documento deve ou não ser apreciado em sede de impugnação.
Nos termos daquele preceito legal, os pareceres de advogados, professores ou técnicos podem ser juntos, nos tribunais de 1.ª instância, em qualquer estado do processo.
Todavia, como salienta a doutrina, a referida junção de pareceres em qualquer estado do processo e em primeira instância “tem como limite a prolação da sentença, a não ser, quanto aos pareceres de jurisconsultos, que seja interposto recurso, caso em que a junção pode ser feita dentro do limite fixado no art. 651.º, nº2” (cfr. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e L. Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, p. 502).
De modo que, quando se refere à possibilidade de junção em qualquer estado do processo, a referida norma legal pretende referir-se ao pressuposto essencial de não ter sido concluída ainda a discussão da causa em primeira instância.
Na verdade, a questão da atendibilidade dos pareceres juntos com o recurso é regida, não pela regra do art. 426.º do CPC, mas pela disposição especial prevista para a fase recursiva no art. 651.º daquele diploma.
E que, a título excepcional, apenas admite os documentos cuja apresentação não tenha sido possível em momento anterior (primeira parte do art. 651.º/1), ou cuja junção se tenha tornado necessária por força do julgamento (segunda parte do art. 651.º/1), ou quando se trate de pareceres de jurisconsultos (art. 651.º/2).
Ora, nenhuma dessas circunstâncias está presente ou foi sequer alegada pela recorrente no que toca ao parecer técnico em questão.
Acresce, no mesmo sentido, que o tribunal de segunda instância não é a sede própria para a apresentação pela primeira vez de meios de prova.
Com efeito, como resulta lapidar do disposto no art. 410.º e segs. do Código de Processo Civil, é na primeira instância que a fase da instrução do processo, com a inerente produção de prova, tem lugar. À Relação, como emerge das disposições conjugadas dos arts. 640.º e 662.º do mesmo diploma, compete apenas, se for caso disso, reapreciar e modificar a decisão de facto.
As expressões relativas à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, à alteração dessa decisão ou à renovação da prova são empregues, nos citados preceitos legais, com o sentido comum e pressupõem, como parece evidente, que o local próprio para a produção de prova é a primeira instância.
Não basta, por isso, como sucede no caso dos autos, que o documento tenha sido elaborado depois do encerramento da discussão em primeira instância; é necessário que a sua elaboração não tenha sido possível em momento anterior.
O que, no caso dos autos, está claramente inviabilizado, já que durante a instrução do processo prévia à sentença recorrida foram produzidos três pareceres técnicos relativos à causa da quebra do cabo, pelo que, para além de a questão ter sido amplamente debatida em primeira instância, não faltaram oportunidades para que a 1.ª ré ali tivesse diligenciado pela elaboração de tal parecer.
Como não o fez, impediu que na fase própria da instrução e julgamento da matéria de facto, o documento agora apresentado fosse objecto de análise, discussão e contradição com outros meios de prova.
Da mesma forma, em face da intensa discussão em primeira instância sobre a origem da ruptura do cabo, tem de recusar-se ao parecer o epíteto de documento cuja necessidade se revelou “em função da sentença proferida, o que pode justificar-se pela imprevisibilidade do resultado (v. g. quando a sentença se baseia em meio probatório não oferecido pelas partes ou quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam)” (cfr. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e L. Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Ob. loc. cit.).
Não ocorreu, pois, qualquer resultado surpreendente na decisão do pleito.
E porque, em último lugar, não está em causa um parecer de jurisconsulto, deve concluir-se pela falta de verificação de qualquer das hipóteses que, previstas no art. 651.º/1 e 2 do CPC, poderiam legitimar a apreciação do documento em segunda instância.
Donde resulta que o parecer em causa terá de ser desconsiderado nesta fase, o que se decide.
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2) Sobre os requisitos da impugnação da matéria de facto.
Como se sabe, a admissibilidade do recurso em matéria de facto depende do cumprimento de alguns ónus.
De acordo com o disposto no artigo 640.º/1 do Código de Processo Civil, é imposto ao recorrente que especifique:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas
Enquanto o número 2 prevê que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Por outro lado, nos termos do art. 663.º/2 do CPC, o acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º.
Ao passo que, segundo o disposto no art. 607.º do mesmo diploma legal, deve o juiz discriminar os factos que considera provados (nº3), toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito,compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (nº4), de acordo com o princípio geral de que aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sem prejuízo dos casos em que a lei submete a prova dos factos a exigências especiais e dos factos que estão já assentes(nº5).
Finalmente, dispõe o art. 662º/1 que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Relativamente às exigências previstas no art. 640.º do Código de Processo Civil, para a admissibilidade da impugnação factual, a análise do recurso evidencia, segundo entendemos, face às conclusões e demais alegações, que a recorrente cumpriu satisfatoriamente o regime legal.
Desde logo, descreveu os concretos pontos de facto que, a seu ver, foram incorretamente julgados provados e não provados, acima identificados nas alíneas a), b) e c) do objecto do recurso.
Para além disso, a recorrente indicou suficientemente os concretos meios probatórios que, na sua óptica, justificam outra decisão para a factualidade cuja resposta censurou: os relatórios técnicos que apresentou (com a contestação e com o recurso), em oposição aos pareceres oferecidos pela 2.ª ré (E... e pela interveniente (Companhia de Seguros D...), os depoimentos das testemunhas do ISQ (GG e HH), as declarações prestadas por AA e o documento n.º 6 da petição inicial.
Aos quais cumpre aditar, em atenção à resposta ao recurso da 2.ª ré, a inquirição de BB e, face à estreita conexão com parte dos factos questionados e com os meios probatórios indicados, o relatório e os esclarecimentos periciais prestados na última sessão do julgamento.
Acresce a demais prova documental referida nas conclusões do recurso (o orçamento com relatório pericial, de 21/03/2023, onde consta que a máquina cotada é uma NEGRI BOSSI VECTOR ST 800/7460 com a referência DTM0161005, com o preço 530.000,00 Eur, e, com requerimento da recorrente, de 17/04/2023, refª citius 14446754, o orçamento de 7/05/2022, onde consta que a máquina cotada é uma NEGRI BOSSI VECTOR ST 800/7460 com a referência DTM0161005, com o preço de 333.500 Eur.), bem assim, as máximas de experiência comum.
Por fim, a recorrente mencionou a resposta que considera adequada, em face da forma como analisou a prova, para aquela factualidade.
É certo que a impugnação incidiu em bloco sobre quatro conjuntos de pontos de facto, relativos a: i) classe de resistência do cabo fornecido pela 2.ª à 1.ª ré; ii) defeito de fabrico como causa da rutura do cabo; iii) reparação vs substituição do módulo sinistrado e iv) valor da reparação/substituição do módulo sinistrado.
Todavia, não obstante a impugnação conjunta, a verdade é que a matéria impugnada está indissociavelmente ligada entre si e a sua apreciação global tem respaldo nos mesmos meios de prova, o que satisfaz à exigência legal para a admissibilidade da impugnação factual deduzida.
Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça que “tendo em conta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos no conceito de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), nada obsta a que a impugnação da matéria de facto seja efetuada por “blocos de factos”, quando os pontos integrantes de cada um desses blocos apresentem entre si evidente conexão e, para além disso - tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, o número de factos impugnados e a extensão e conexão dos meios de prova - o conteúdo da impugnação seja perfeitamente compreensível pela parte contrária e pelo tribunal” (cfr. Acórdão de 1/6/2022, relatado por Mário Belo Morgado, no processo nº1104/18.9T8LMG, e disponível na base de dados da Dgsi em linha).
Deve concluir-se, assim, que foi validamente deduzida, em conformidade com o disposto no art. 640.º do CPC, a impugnação à matéria de facto.
Como refere a melhor doutrina, importa apreciar os requisitos formais da impugnação da matéria de facto, de modo a passar à apreciação do respectivo mérito, de acordo com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, tendo presente “a atribuição à Relação de efetivos poderes de sindicância da decisão da matéria de facto, como instrumento de realização da justiça” e a circunstância de constituir “um Tribunal de 2.ª instância, a quem incumbe a reapreciação da decisão da matéria de facto proferida pela instância hierarquicamente inferior” (A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., pp. 202-3).
Devendo ainda destacar-se que a exigência da especificação dos pontos de facto concretos impugnados tem por função delimitar o objecto do recurso, em conformidade com o princípio do dispositivo e como garantia de cumprimento do contraditório, para o qual contribui ainda a indicação dos meios probatórios convocados, nesta incluindo as passagens de gravação dos depoimentos.
Ao mesmo tempo, esta menção serve ainda para definir inicialmente a amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre todos os meios probatórios disponíveis e que possa julgar relevantes para o efeito.
Estão em causa, paralelamente, exigências que constituem manifestação da ideia de que a impugnação traduz um pedido de reapreciação dos factos que deve transmitir de imediato algum nível de viabilidade, suficiente para justificar uma análise de mérito em segunda instância e que, como se disse, pode inclusivamente abranger toda a prova.
De maneira que o cumprimento das exigências impostas pelo legislador a este respeito tem como propósito o de esclarecer devidamente, ao tribunal e à contraparte, o âmbito da impugnação, não a dificultando excessivamente, por um lado e, por outro, escapar a um juízo de indeferimento liminar.
Segundo entendemos, tais requisitos formais mostram-se preenchidos no presente recurso, do mesmo modo que as conclusões da recorrente, conjugadas com as restantes alegações, cumpriram as exigências indispensáveis para, em observância do dispositivo e do contraditório, delimitar claramente o objecto do recurso e esclarecer bem, ao juiz e à contraparte, os motivos da discordância face à decisão proferida em primeira instância.
Em consequência, passa a recair sobre este Tribunal da Relação o dever de, na apreciação dos factos, analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais, bem assim, compatibilizar toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (nº4 do art. 607.º do CPC).
Subordinando a sua actuação ao princípio da livre apreciação da prova segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sem prejuízo dos casos em que a lei submete a prova dos factos a exigências especiais e dos factos que estão já assentes(nº5 do art. 607.º do CPC).
No dizer da doutrina, observados os referidos ónus, como no caso foram, do art. 662.º do Código do Processo Civil, através dos nº1 e 2, als. a) e b), “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” (A. Abrantes Geraldes, Ob. cit., p. 334).
Ou, de acordo com a jurisprudência, “o reforço dos poderes conferidos ao Tribunal da Relação na reapreciação da decisão sobre a matéria de facto pelo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, tem a virtualidade de colocar os juízes desembargadores num plano decisório que, tanto quanto possível e pese embora a falta de imediação, é equivalente ao do juiz da 1ª instância”.
Desse modo, “em sede de reapreciação da prova, tratando-se de meios de prova sujeitos à livre apreciação, o que importa é que a Relação forme a sua própria convicção com base nos indicados pelas partes ou oficiosamente investigados (art. 640º, nº 1, al. b) e nº 2, al. b) do CPC), devendo fundamentar a decisão tomada” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/9/2019, tirado no processo 1555/17.6T8LSB.L1.S1, relatado por Ribeiro Cardoso e disponível na base de dados da Dgsi em linha).
No mesmo sentido, tem decidido este Tribunal da Relação do Porto que “ambas as instâncias estão sujeitas às mesmas normas e regras atinentes à valoração da prova que, exceptuados os casos previstos na lei, se rege pelo princípio da livre apreciação” (cfr. Acórdão de 6/5/2024, relatado por Jorge Martins Ribeiro, no âmbito do processo 6227/21.4T8VNG.P1 e acessível no mesmo sítio).
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3) Sobre as regras mais relevantes na apreciação da prova.
A apreciação da questão do fundo da impugnação factual implica que, previamente, se convoquem algumas regras e princípios com importância para o efeito.
Em primeiro lugar, relativamente ao nível da exigência necessária à decisão sobre se um facto deve ser julgado provado ou não provado, para destacar que também aqui é imposto um critério de razoabilidade.
Como refere a doutrina tradicional, a demonstração da realidade dos factos “não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, sob pena de o Direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social”, assentando, diversamente, “na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida” (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pp. 435-6).
No mesmo sentido, salienta a jurisprudência que “a prova não visa a certeza absoluta, a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente, mas tão só, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto, sendo a certeza a que conduz a prova suficiente, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/3/2021, tirado no processo 231/19.0T8CNF, da autoria de António Carvalho Martins e disponível na citada base de dados).
Em segundo lugar, a regra, acima já aflorada, de que, na ausência de factos que careçam de exigências probatórias especiais, o tribunal, seja em primeira, seja em segunda instância (arts. 607.º/5 e 663.º/2 do CPC), aprecia livremente os meios de prova segundo a sua prudente convicção.
No caso dos autos, é evidente que para a demonstração dos factos relevantes não são exigíveis especiais requisitos probatórios.
Por outro lado, estão em causa elementos de prova que, constituídos por depoimentos de testemunhas, pareceres técnicos, documentos particulares e relatórios periciais, estão submetidos, mercê do disposto nos arts. 607.º/5 do CPC, 376.º, 389.º e 396.º do CC, à livre apreciação e convicção do julgador.
Todavia, cumpre ter presente que a prevalência da livre convicção tem como reverso ou contrapartida, para além do aumento das exigências quanto à fundamentação da decisão de facto, a maior necessidade de recurso a regras de experiência e a critérios lógicos ou objectivos na apreciação da prova.
Como refere a jurisprudência, o que está na base do princípio da livre apreciação “é a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal sem que entretanto se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra a prova”, de modo que “o sistema da prova livre não exclui, antes pressupõe a observância das regras de experiência e critérios da lógica” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/3/2010, referente ao processo 949/05.4TBOVR-A.L1-8, relatado por Bruto da Costa, e disponível na já mencionada base de dados em linha).
No mesmo sentido, depõe a falibilidade que tem de ser apontada aos referidos meios probatórios, sobretudo nos depoimentos das testemunhas, mas também verificável na prova documental particular, desde logo porque “há que contar com o perigo de erro na percepção e do desgaste na memória da testemunha”.
Acrescendo que “mesmo em relação às testemunhas presenciais de um facto, muitas vezes ocorre, especialmente quanto aos aspectos secundários da ocorrência, que cada pessoa viu a coisa a seu modo, com versões diferentes da mesma realidade” (cfr. Antunes Varela e Outros, Ob. cit., pp. 614-5).
Em qualquer caso, porém, estes motivos, a par da circunstância de os documentos particulares servirem, as mais das vezes, para a transmissão de ideias, pensamentos ou factos que o seu autor elaborou de modo unilateral, levam a concluir pela enorme importância que, na apreciação da prova, deve ser reconhecida à análise crítica da prova feita de acordo com as regras da experiência e da lógica.
Na verdade, trata-se, desde logo, de um critério legalmente imposto na avaliação dos factos relevantes, na decisão sobre a sua demonstração ou não e, igualmente, na valoração de todos os meios probatórios, segundo o nº4 do art. 607.º do CPC.
Para além disso, como refere a doutrina, na “conformidade com as regras de experiência e a normalidade do acontecer está em causa a verosimilhança ou congruência da versão apresentada ou que resulta de determinado meio de prova” (cfr. Helena Cabrita, A Fundamentação de Facto e de Direito na Decisão Cível, Coimbra Editora, p. 191).
Ou, nas palavras da jurisprudência, que as regras de experiência traduzem “raciocínios, juízos hipotéticos do conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além do caso a que respeitem, adquiridas, em parte, mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, e, noutra parte, mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria, permitindo fundar as presunções naturais, mas sem abdicar da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios”.
De modo que “o uso, pelas instâncias, em processo civil, de regras de experiência comum é um critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, não na interpretação e aplicação de normas legais, que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica, que, consequentemente, não pode ser sindicado pelo STJ” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/7/2011, relatado por Hélder Roque, no processo nº 3612/07.6TBLRA e disponível na citada base de dados em linha).
Algo que também este Tribunal da Relação do Porto já destacou, sentenciando que é à “valoração da prova” que cumpre recorrer “de acordo com as regras da ciência, da experiência e da interacção social visando obter um juízo de certeza provável, seguro e racionalmente demonstrável” (Acórdão de 24/9/2020, da autoria de Paulo Duarte Teixeira, tirado no processo 2188/14.4TBVNG.1.P1 e acessível em dgsi.pt).
Em último lugar, impõe-se tomar em consideração que, não obstante a autonomia decisória da Relação na apreciação da matéria de facto e a exigência de criação da própria convicção sobre a factualidade relevante, a sua intervenção neste domínio, tal como sucede em geral nos recursos, visa sobretudo a correcção de erros no julgamento realizado pela instância recorrida.
Trata-se, desde logo, de uma regra que encontra consagração legal expressa no art. 640.º/1, al. b), do CPC, quando exige a existência e indicação de concretos meios probatórios que imponham – e não apenas permitam – decisão diversa da recorrida.
Para além disso, nos poderes de reapreciação da decisão da matéria de facto confiados à Relação está implícita a devida consideração dos juízos, presunções e harmonizações dos factos que, fundamentadamente e ao abrigo do art. 607.º/4 do CPC, tenham sido realizadas em primeira instância.
Reconhecendo e respeitando, por isso, a validade de alguma margem de liberdade de apreciação da prova em primeira instância, desde que devidamente fundamentada, sobretudo em domínios onde as máximas de experiência comum não intervenham de modo significativo e que dependam em maior medida do contacto imediato que apenas aquela tem com os meios probatórios.
Está em causa, pois, a importância e o respeito aos princípios da imediação e da oralidade vigentes na primeira instância e menos intensamente na segunda.
Como refere a doutrina, a propósito da possibilidade da alteração da matéria de facto, ela “deve ser efectuada com segurança e rodeada das necessárias precauções, centrando-se nas desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência – após efectiva audição dos respectivos depoimentos – e os fundamentos indicados pelo julgador da 1.ª instância”.
Razões pelas quais, “em caso de dúvida”, nomeadamente “face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida em 1.ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nessa parte” (cfr. Ana Luísa Geraldes, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, p. 609).
Identicamente, a jurisprudência salienta que “mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados”
Em consequência, “a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/6/2021, proferido no processo 2479/18.5T8VLG.P1, da autoria de Pedro Damião e Cunha e disponível no já identificado sítio em linha).
Muito sinteticamente, pode dizer-se, pois, que a terceira regra a que importa especialmente dar relevo neste campo determina que, “não resultando da reapreciação da prova no Tribunal da Relação qualquer erro de julgamento pelo tribunal a quo, nem sendo criada uma convicção diferente após a reapreciação de toda a prova, não há lugar à alteração da decisão da matéria de facto dada como provada e como não provada” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6/5/2024, acima citado).
É à luz destas orientações, pois, que cumpre decidir a impugnação factual que o presente recurso coloca à atenção deste Tribunal da Relação do Porto.
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4) Sobre a procedência da impugnação.
Para formar a nossa convicção sobre a referida matéria de facto, procedemos à audição, através do sistema media-studio, da seguinte prova pessoal produzida em audiência de julgamento:
· Depoimento prestado na sessão de 31/3/2022 por AA, indicado pela autora, a quem vende máquinas e presta assistência técnica há mais de dez anos;
· Audição, na sessão de 21/4/2022, da testemunha GG, arrolada pela 1.ª ré e que, sendo engenheira de materiais, presta funções como técnica de laboratório no Instituto de Soldadura e Qualidade e que, nesse âmbito, participou na elaboração do parecer técnico que acompanhou a petição inicial;
· Depoimento prestado na mesma sessão da audiência pela testemunha HH, também oferecida pela ré, que igualmente presta funções como técnica de laboratório no Instituto de Soldadura e Qualidade e a quem incumbiu a aprovação do referido parecer técnico;
· Audição da testemunha BB, que depôs na mesma sessão e que, tendo sido indicado pela 2.ª ré, para esta trabalha como responsável pelo departamento de qualidade e que participou na elaboração do relatório técnico que aquela ré juntou na sua contestação;
· Esclarecimentos periciais prestados por II, JJ e KK na sessão de 8/9/2023.
Para além disso, atendeu-se à prova documental apresentada com os articulados ou em requerimentos posteriores, destacando-se a seguinte:
· O orçamento nº...001/2014, de 11/6/2014, relativo à substituição de componentes danificados da máquina de injecção a que se referem os autos, a que atribuiu o custo de € 148.200,00, acrescido de IVA, junto como documento nº5 da petição inicial e elaborado pela sociedade de que é responsável a identificada testemunha AA;
· A comunicação a que se refere o documento nº6 junto com esse articulado e que, entre o mais, inclui a informação de que o valor do transporte é de cerca de € 12.000 + IVA e que o valor atribuído ao material danificado é de € 38.000,00;
· O parecer técnico que constitui o documento nº9 da petição inicial, elaborado pelo ISQ mediante solicitação da 1.ª ré, referente às causas da fractura do cabo de aço em causa nos autos, elaborado por GG e aprovado por HH, testemunhas acima identificadas;
· O certificado de inspecção tipo 3.1, relativo ao cabo fornecido pela 2.ª ré à 1.ª e que esta juntou como documento nº5 da sua contestação;
· O designado relatório de investigação laboratorial oferecido pela 2.ª ré como documento nº4 da respectiva contestação, por ela elaborado, através do seu serviço de controlo de qualidade com a participação da testemunha BB;
· O relatório de peritagem elaborado por F... Lda. para a interveniente (Companhia de Seguros D...) e que esta juntou por requerimento de 23/11/2015, em simultâneo com a sua contestação;
· O orçamento actualizado, datado de 31/3/2022, relativo ao custo da substituição dos componentes danificados da máquina de injecção a que se referem os autos, agora com o valor de € 244.628,00 + IVA, junto mediante requerimento de 21/4/2022;
Finalmente, tomou-se em consideração o relatório pericial junto aos autos mediante requerimento de 31/3/2023 e os documentos que o acompanharam.
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Importando analisar os meios de prova referidos tendo em vista as pretensões da recorrente relativas à factualidade provada, verifica-se que estas incidem sobre quatro pontos essenciais:
1) A primeira respeita à designada classe de resistência do cabo fornecido pela 2.ª à 1.ª ré, pretendendo esta que se julgue provado que a 2.ª ré lhe entregou um cabo que não correspondia ao produto que foi vendido, que não tinha as especificações por si anunciadas e garantidas; em consequência, o facto dado como provado 50º deve ser alterado, passando a constar que a 2ª ré forneceu um cabo de 13mm com uma classe de resistência do cordão inferior ao contratado com a 1ªR e ao constante na fatura que lhe emitiu.
2) A segunda questão factual incluída no objecto do recurso é a atinente à alegada existência de um defeito de fabrico no referido cabo e que tenha constituído a causa da sua ruptura, sendo a pretensão da recorrente, no essencial, no sentido de se julgar demonstrado que, embora não aparentes, “os esmagamentos ou mossas, na camada interna do cabo, que se encontram ao longo de toda a sua extensão, resultam do anormal processo de fabrico do cabo”, debilitando-o severamente, não mantendo todas as suas propriedades e que os cordões, “por essa razão, fraturaram a 45º e acarretaram, consequentemente, a sobrecarga dos demais que acabaram por fraturar em cone-taça”.
3) A terceira pretensão factual em análise está relacionada com a designada pela recorrente questão da “reparação vs substituição do módulo sinistrado”, destinando-se a corrigir os pontos 26, 27 e 29 da matéria provada, por entender aquela, em suma, que as peças/componentes indicadas no orçamento de fls. 22 constituem a substituição integral do módulo “grupo fecho” sinistrado, que não é de considerar o custo com o serviço de desmontagem/montagem, por não ser necessário desmontar e montar peças, como sucederia se tratássemos de uma reparação e que o valor de 38.000,00€, atribuído na sentença a todo o salvado, diz respeito, na verdade, apenas ao “grupo fecho” danificado no acidente.
4) Por fim, a quarta parte da impugnação factual recai sobre o tema do valor da reparação/substituição do módulo sinistrado”, dirigindo-se aos pontos 96 a 99 da matéria provada, pretendendo a recorrente que se julgue demonstrado que o preço de 530.000,00€, ao qual acrescerá o IVA à taxa legal, corresponde à venda de uma máquina nova dotada de um robot que não integrava a compra realizada pela autora em 2014, que o preço de uma máquina nova semelhante à adquirida pela autora em 2014 seria, em Maio de 2022, de € 333.500,00 sem IVA (sem o robot) e que o módulo novo “grupo fecho” ascende a valor nunca superior a € 166.750,00, em março de 2022, correspondente a cerca de 50% do preço orçamentado para a máquina nova.
Relativamente à primeira questão, constatou-se que todos os elementos probatórios produzidos nos autos e acima mencionados referem, exactamente nos termos consignados na sentença recorrida, que o certificado primitivamenteemitido pela 2.ª ré não era o correcto, não correspondia ao cabo efectivamente fornecido, resultando do relatório da ré e da interveniente que o certificado foi posteriormente substituído e desse erro inicial não resultou qualquer interferência quanto às causas do sinistro.
Neste sentido, mesmo as testemunhas indicadas pela 1.ª ré, GG e HH, acima devidamente identificadas, foram claras e explícitas em afirmar que o cabo fornecido, que analisaram, cumpria os requisitos de especificação técnica, evidenciando inclusivamente resistência superior à exigida para qualquer uma das variantes solicitadas pela recorrente, e não manifestaram qualquer dúvida sobre eventuais divergências entre o que havia sido encomendado e o material fornecido pela 2.ª ré.
A primeira das referidas testemunhas foi até expressamente questionada a este respeito, tendo declarado que, nos testes de resistência realizados ao cabo, após o acidente, a carga máxima por ele suportada em condições normais era superior, quer à indicada no certificado emitido inicialmente, quer na sua versão posterior e considerada correspondente ao cabo fornecido.
Da mesma forma, não existiu qualquer meio de prova susceptível de lograr o convencimento de que o sinistro poderia ter resultado do fornecimento de um cabo com uma classe de resistência inferior àquela que a recorrente solicitou à outra demandada e que optou por utilizar no serviço a que se reportam os autos.
Finalmente, também a testemunha BB explicou com detalhe e convincentemente as características do cabo, resistência e carga de rotura real máxima de 112,9 kN, superior à especificação a que respeita o pedido da 1.ª ré (109 kN), sem que qualquer reparo ou objecção tivesse sido suscitado com pertinência perante tal depoimento.
Quanto à segunda questão, da maior importância na economia do litígio e referente sobretudo à causa da quebra do cabo de aço utilizado pela 1.ª ré nas operações de levantamento e colocação da máquina sinistrada, também não se vislumbram motivos válidos para divergir da decisão recorrida.
Nesta sede, a recorrente sustenta a sua impugnação, essencialmente, no parecer técnico que constitui o documento nº9 da petição inicial, emanado do ISQ mediante solicitação da 1.ª ré, e nos depoimentos de GG e HH, responsáveis, respectivamente, pela autoria e aprovação de tal parecer.
E é certo que, numa primeira análise, daquele documento, para além da descrição da existência de esmagamentos ou mossas nos cordões que integravam a camada interna cabo em questão, resulta uma associação entre eles e a ruptura do cabo, pois os esmagamentos ou "mossas" nos fios acarretam uma diminuição da sua secção útil elevando as tensões a que estão sujeitos. Este desequilíbrio de forças induz esforços de corte sobre alguns fios que acabam por fracturar a 45° ficando os restantes em sobrecarga resultando na ruptura do cabo.
A verdade, porém, é que em ponto algum do referido parecer técnico é dito que foram os referidos esmagamentos ou mossas que causaram a quebra do cabo, para além de que, ouvido o depoimento prestado por GG, é manifesta a conclusão de que a autora do documento não consegue, como expressamente declarou, identificar a causa das referidas mossas, ficando por esclarecer, se se tiver apenas em conta esses meios de prova, se foram as mossas que causaram a quebra ou se foi esta que determinou as mossas, tanto mais que, segundo observou aquela testemunha, os esmagamentos estão associados à zona de ruptura do cabo.
Acresce ainda que, directamente questionada a esse respeito, GG referiu que as mossas não constituíam defeito de fabrico do cabo, embora depois tenha declarado que não sabia responder a tal questão.
Ainda mais importante, para além do exposto, é que os meios probatórios indicados, caso fossem interpretados no sentido preconizado pela recorrente, não teriam a virtude de explicar o motivo pelo qual o cabo em questão, evidenciando as ditas mossas em toda a sua extensão, tivesse apesar disso suportado todos os testes de resistência a que foi submetido.
Em nossa convicção, tal explicação apenas é passível de ser localizada no relatório de investigação laboratorial oferecido pela 2.ª ré como documento nº4 da respectiva contestação, elaborado através do seu serviço de controlo de qualidade e com a participação BB, em conjugação com o depoimento que ele, como testemunha, prestou em audiência.
Com efeito, tal relatório evidencia completude e coerência na análise das origens da quebra do cabo, concluindo que as fracturas dos arames ocorreram de um modo geral em zonas de deformação plástica (i.e., zonas em que os arames estão demasiado marcados e deslocados das suas posições originais, devido a pressões laterais) o que indicia a ocorrência de um incidente (provavelmente esmagamento), durante a utilização do cabo, que o tenha danificado na e junto da zona de rotura.
E nenhum meio de prova, aqui incluindo os depoimentos de GG e HH, mostrou-se susceptível de desmentir ou sequer suscitar a dúvida fundada sobre a veracidade de tal explicação.
Ao invés, a exactidão do relatório e a sua conformidade com as exigências técnicas aplicáveis na sua elaboração foram coerente e convictamente defendidas em audiência pela testemunha BB, que salientou a presença de um técnico da 1.ª ré na análise feita e na produção do documento e que concluiu, muito simplesmente, no sentido de o cabo mercê da forma como era usado ter ficado estrangulado quando segurava a máquina danificada.
E que, quanto às marcas ou mossas na camada interior, explicou de modo detalhado e credível constituírem resultado natural do processo de produção de qualquer cabo, não se confundindo com os esmagamentos de muito maior dimensão verificados na zona onde ocorreu a ruptura.
No mesmo sentido, e com marcada relevância, apontou ainda o relatório de peritagem elaborado por F... Lda. para a interveniente, Companhia de Seguros D..., junto com a sua contestação, e no qual foi realizada uma apreciação particularmente exaustiva e de intocável coerência sobre todas as circunstâncias relevantes do cabo de aço em apreço, desde a consulta prévia à encomenda que, a 3/4/2014, a 1.ª ré procedeu junto da 2.ª, para obtenção de preços para dois tipos de cabo, até às conclusões gerais sobre a causa do acidente ocorrido no carregamento da máquina sinistrada no dia 22/5/2014.
Destacando-se desse relatório, por um lado, a asserção de que “os diversos ensaios de rotura à tracção realizados pelo ISQ sobre amostras desse cabo, assim como os ensaios semelhantes realizados pelo SEGURADO em amostras da bobine original de onde o cabo foi retirado (bobine também com certificado da classe 1960), vieram a comprovar que a carga de rotura do cabo fornecido à B... estava de facto de acordo com o especificado para a classe 1960”.
Por outro lado, a ideia, que a análise de toda a prova conduz-nos também a subscrever, que “as patologias observadas no cabo precisamente na zona onde este rompeu e mais precisamente às deformações plásticas mais pronunciadas incluindo fracturas, ou seja de que nada indica que estas estejam associadas ao processo de fabrico e/ou a uma alegada falta de qualidade do cabo mas sim, pelo contrário, a situações resultantes das condições em que foi utilizado e do que possa ter acontecido durante essa utilização e relativamente às quais não se dispõe de informação para conseguir precisar a não ser a já conhecida e referida utilização que estava a ser feita no momento do incidente onde não estava a ser respeitado o factor de segurança para limitação da carga útil de trabalho”.
Concordamos, pois, com a sentença recorrida quando refere que o relatório apresentado pela segunda ré e o relatório junto pela interveniente a fls. 266 e seguintes, sendo este o relatório que apresenta uma análise mais profunda, mais abrangente e mais completa das causas, procedendo a uma analise crítica e rigorosa dos relatórios apresentados pelas duas rés, sendo esse relatório consistente com as explicações, que igualmente nos mereceram credibilidade, dadas pela testemunha arrolada pela ré, BB, do departamento de qualidade, que foi igualmente coerente e convincente, depoimento que também explicou o processo de fabrico e a composição dos cabos anti-giratórios, que são os que estão em causa nestes autos.
Em relação à terceira questão factual suscitada pela recorrente, relativa aos pontos 26, 27 e 29 da matéria provada, não vislumbramos qualquer respaldo nos meios de prova escrutinados e acima identificados para a sua pretensão.
Com efeito, a audição do depoimento da testemunha AA vem desmentir claramente que as peças indicadas no orçamento de fls. 22 constituam a substituição integral do módulo “grupo fecho” sinistrado, que não seja necessário desmontar e montar peças e que o valor de € 38.000,00, atribuído na sentença a todo o salvado, diga apenas respeito ao “grupo fecho” danificado no acidente.
Este ponto, aliás, é sintomático no sentido de evidenciar que, através da impugnação da matéria de facto, a recorrente pretende, afinal, que o tribunal de recurso apresente uma resposta diametralmente contrária ao teor daquele depoimento, no qual se destacou, por mais que uma vez, que o valor de € 38.000,00 foi calculado para o salvado de toda a máquina, com os seus dois módulos, e não apenas para o designado “grupo fecho”.
O que, aliás, bem se compreende face à circunstância, salientada desde logo no relatório pericial, de a produtora italiana da máquina em causa não admitir o fornecimento autónomo de cada um dos seus dois módulos.
De modo que, embora o teor do documento nº6 junto com a petição inicial fosse susceptível de suscitar alguma dúvida a esse respeito, o referido depoimento evidenciou-se totalmente esclarecedor no sentido oposto ao defendido no recurso sobre o alcance da expressão “material danificado” que ali foi usada.
No que tange à última questão factual questionada no recurso, relativa ao tema do valor da reparação/substituição do módulo sinistrado” e dirigida aos pontos 96 a 99 da matéria provada, pensamos que as precisões e especificações pretendidas pela recorrente já resultam suficientemente clarificadas na sentença, numa parte, e são injustificadas, na outra.
Assim, a demonstração de que o preço de 530.000,00€, ao qual acrescerá o IVA à taxa legal, corresponde à venda de uma máquina nova dotada de um robot que não integrava a compra realizada pela autora em 2014, é questão factual que já foi respondida, no sentido preconizado no recurso, no ponto 97 da matéria julgada demonstrada em primeira instância.
Identicamente, o facto de o preço de uma máquina nova semelhante à adquirida pela autora em 2014 corresponder, em Maio de 2022, a € 333.500,00 sem IVA (e sem o robot), também já decorre, com a clareza bastante, do facto provado nº99, segundo o qual, textualmente, o preço de uma máquina nova semelhante à adquirida pela autora em 2014 e com as mesmas funções, mas fornecida directamente pelo fabricante em Itália, ficaria, em 2022, pelo preço orçamentado de € 333.500,00 sem IVA, preço que inclui entrega e descarga, sem o robot.
De modo que, no confronto com a redacção proposta pela recorrente, a única diferença que se detecta, residindo no fornecimento directo pela fabricante italiana, é manifestamente irrelevante para o mérito da acção, certo que, como resulta dos demais factos provados, e é salientado nas próprias conclusões do recurso, a autora comprou a máquina sinistrada diretamente em Itália.
Já na parte restante deste ponto, porém, atinente ao facto de o módulo novo “grupo fecho” ascender a valor não superior a € 166.750,00, em Março de 2022, a pretensão da recorrente, se bem pensamos, não tem arrimo em qualquer meio de prova, resultando, salvo o devido respeito, de uma operação simplista de divisão do preço da máquina por dois que desconsidera sem fundamento a ligação umbilical que, como vimos, existe entre as suas duas partes integrantes.
Em suma, não se vislumbra qualquer erro na apreciação dos factos em primeira instância que justifique correcção ou alteração da parte deste tribunal.
O que, de acordo com o princípio acima abordado, adoptado na doutrina e na jurisprudência, que manda dar prevalência, na ausência de elementos seguros que alicercem convicção distinta, à decisão factual da primeira instância, determina a integral manutenção dos factos apurados.
Improcede, pois, quanto ao seu mérito, a impugnação à matéria de facto deduzida pela recorrente.
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5) Sobre a existência e a medida do dever de indemnizar e dos juros.
A respeito da obrigação de indemnização, dispõe o art. 562.º do Código Civil que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Trata-se do princípio geral da reconstituição natural, que visa colocar o lesado em posição idêntica àquela em que estaria sem o facto danoso, e que apenas cede perante a indemnização em dinheiro, nos termos do art. 566.º/1 daquele diploma, quando a reconstituição em espécie “não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.
Por outro lado, segundo prescreve o art. 570.º daquele código, “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída” (nº1); todavia, “se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar” (nº2).
Para além disso, ainda a propósito da obrigação de indemnizar, determina o art. 804.º/1 do CC que “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”, sendo certo que “na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora” (art. 806.º/1 do CC).
E, completando esse quadro normativo, prevê o art. 805.º/3 do CC que “se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.
Neste enquadramento, procurando afastar ou atenuar o dever de indemnizar, defende a recorrente, em primeiro lugar, que em face da culpa do lesado, reconhecida na sentença de primeira instância, no agravamento dos danos, mercê da sua pretensão infundada de obter uma máquina nova após o sinistro, e da mera presunção de culpa atribuída à autora da lesão, deve resultar, nos termos do art. 570.º/2 do CC, a exclusão da indemnização.
Se bem pensamos, todavia, este preceito legal tem por objecto a culpa do lesado na produção dos danos, e não apenas no seu agravamento, pois não faria sentido excluir na totalidade o dever de indemnizar quando o lesado fosse alheio à produção dos danos e apenas tivesse contribuído para o seu aumento.
Em sentido próximo, salienta a doutrina “que a responsabilidade apenas se deve considerar inteiramente afastada quando o presumível lesante prove que o lesado foi o único responsável, não restando, assim, qualquer margem de incerteza sobre a origem da imputação danosa” (cfr. Rui Mascarenhas Ataíde, Direito da Responsabilidade Civil, 2023, p. 543).
Por outro lado, e decisivamente, não vislumbramos nos factos provados qualquer vestígio de culpa da autora, seja na produção, seja no agravamento dos danos, certo que isso não pode ser assacado ao facto de ter reclamado, como aliás fez desde o início da acção, encontrando-se tal reflectido na sua petição inicial, nos termos acima descritos no relatório, a condenação das demandadas na entrega, em prazo certo, de uma máquina nova.
Com efeito, a pretensão de entrega de uma máquina nova, à face do princípio geral quanto ao dever de indemnizar, por reconstituição natural, constituiria sem dúvida uma forma legalmente admissível, e inclusivamente preferível, nos termos do art. 562.º do CC, para reparar o dano sofrido pela autora.
Embora se reconheça que apenas um dos módulos foi danificado no acidente apreciado nos autos, sendo eles fisicamente separáveis entre si, a verdade é que ambos constituem parte integrante de uma só e mesma máquina, e assim se explica que, sem a integridade de um dos módulos, a fornecedora italiana considere caducada a garantia de toda a máquina, para além de, como foi referido consensualmente pelos peritos, não comercializar os módulos de forma autónoma.
Não se verificando, pois, na referida pretensão da autora, que está espelhada inclusivamente na petição inicial, uma conduta ilícita ou culposa e muito menos causadora do surgimento ou do incremento dos danos.
Acresce que para afirmar a existência de culpa da autora no agravamento dos prejuízos seria imprescindível, a nosso ver, que a lesante estivesse disposta a indemnizá-la por uma das formas legalmente consentida, manifestando-o à lesada e que esta, injustificadamente, tivesse rejeitado.
Algo que os factos provados estão longe de demonstrar, uma vez que não evidenciam qualquer acção empreendida pela recorrente (nem pela 2.ª ré) no sentido de, efectivamente, poder compensar a autora pelos danos sofridos com a quebra da máquina.
Na realidade, a esse respeito, ficou apenas demonstrado que, em Junho de 2014, a A. deu a conhecer à 1.ª ré a enumeração das peças danificadas, a necessidade de substituição e os seus custos, reclamando o respetivo pagamento (facto 31), tal como fez em relação aos custos de transporte das peças que tinham de ser substituídas (facto 32).
E que, na sequência, a recorrente respondeu e referiu à autora que a 2ªR. lhe tinha vendido o cabo da grua com um defeito e que isso é que tinha causado a rutura do mesmo (facto 33), encontrando-se a diligenciar para que a 2ªR. participasse no ressarcimento dos prejuízos sofridos (facto 34).
Nenhum facto existe, assim, susceptível de justificar o argumento que no recurso se procura estabelecer por paralelismo com a mora do credor, o que se torna manifesto, a nosso ver, atenta a completa ausência de uma acção do devedor tendente ao ressarcimento do dano.
É certo que, a dado passo da sua fundamentação, a sentença recorrida reporta-se à “culpa que a autora tem, devido à exigência que fez, por aplicação do disposto no artigo 570º do C. Civil, assistindo razão às rés nas alegações finais que fizeram em apelar ao normativo em causa”, apontando para tanto “a intransigência da autora manifestada nas cartas que enviou à primeira ré e interveniente, logo no início do litígio, em exigir a substituição integral de uma máquina composta por um módulo novo e sem qualquer dano, agravou os danos que o arrastar na obtenção de uma solução provocou”.
Todavia, dessa circunstância, a decisão de primeira instância não extraiu particulares consequências, apenas com a ressalva da “exclusão do dever da ré em indemnizar a autora pela substituição integral da máquina composta pelos dois módulos”.
Semelhante exclusão, porém, ali também foi imputada às regras gerais do dever de indemnizar, na medida em que “a reconstrução natural (…) passaria pela reparação do módulo danificado (reparação possível)”, sendo certo que foi o custo desta reparação que, afinal, serviu precisamente para fixar o valor indemnizatório.
Tratou-se, pois, de uma referência da sentença sem respaldo na factualidade provada e que para a decisão final teve como única repercussão a recusa de uma substituição integral que, em rigor, já resultaria de mera aplicação das regras gerais da indemnização, designadamente, da preferência concedida à reparação do bem danificado, desde que suficiente para compensar o dano e em coerência com a regra da limitação possível da onerosidade do encargo a impor ao lesante.
Acontece, porém, que na fixação da indemnização por referência à reparação do módulo danificado, a sentença recorrida não atentou na circunstância de, como nela própria se destacou e resulta dos factos provados, neste momento e volvidos todos estes anos, já não ser possível reparar o módulo danificado, mercê desde logo da descontinuidade das peças.
Acresce que também não é possível garantir uma substituição de um módulo apenas ou assegurar o seu funcionamento com um módulo de outra marca.
O que significa, se bem pensamos, que a fixação do valor indemnizatório com base no custo de reparação do módulo afectado, para além de desajustada à actual realidade dos factos, não serve para compensar devidamente o prejuízo sofrido pela autora mercê da danificação da máquina e em função da qual ela deixou de ter o funcionamento adequado para o fim a que se destinava.
A reconstituição natural a que os arts. 562.º e 566.º do Código Civil dão preferência, em sede de remoção do dano, exigiria, pois, que a indemnização fosse fixada por referência ao custo da substituição integral da máquina.
Deve salientar-se, a este respeito, que o pagamento em valor monetário do custo da substituição do bem danificado constitui ainda uma modalidade admissível da reparação natural e que não se confunde com a indemnização em dinheiro prevista no art. 566.º do CC.
Como refere a doutrina, por força da “incompatibilidade da duração de um processo judicial com a urgência das medidas de reposição da situação” e da “falta de confiança do lesado na reparação do dano efetuada pela ação do devedor”, “nada obsta a que a intervenção do lesante seja substituída pela antecipação ou o reembolso das despesas necessárias à restauração”, considerando, assim, nas “variantes da restauração em espécie”, entre outras e por exemplo, “a condenação do lesante à antecipação ou ao reembolso das despesas com a aquisição de um veículo equivalente ao automóvel danificado” (cfr. Henrique Sousa Antunes, Um Ensaio Sobre a Reconstituição Natural, 2022, pp. 117-121).
Deste modo, para colocar a autora na situação que existiria sem o facto danoso, exclusivamente imputável à 1.ª ré, e tendo em conta que ao lesado não pode ser imposta a intervenção do lesante na própria reparação, necessário seria, face às referidas circunstâncias, colocar à sua disposição o valor monetário que servisse para a aquisição de uma máquina nova.
Ou seja, a reconstituição em espécie ou reposição da situação anterior, na reparação do dano sofrido pela autoria, implicaria a condenação da 1.ª ré no pagamento da quantia de € 333.500,00, se tivéssemos em conta as características da máquina à data do sinistro e o facto provado 99, ou de € 530.000,00, caso se considerassem as circunstâncias actuais de mercado e o facto provado 96.
Sendo certo que, na primeira das referidas opções, que nos parece a mais curial, na medida em que a reposição ou reconstituição natural deve ser feita em conformidade com a factualidade existente à data do facto danoso, ao montante da indemnização devem acrescer juros moratórios desde a data da citação, em conformidade com o disposto na segunda parte do art. 805.º/3 do CC.
Com efeito, embora no âmbito da responsabilidade contratual os juros sejam contados após a liquidação do valor devido (salvo se a iliquidez for imputável ao devedor), nos termos da primeira parte daquele preceito legal, já em sede de responsabilidade extra-contratual ou pelo risco, que os autos também versam, como a recorrente reconhece, a referida norma impõe que o devedor fica constituído em mora após a citação.
O que, aliás, constitui corolário do princípio de que “o lesante tem o dever de indemnizar imediatamente o dano causado ao lesado” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4.ª ed., p. 64).
Considerando-se justificada, por outro lado, a orientação que no concurso de várias formas de responsabilidade entende que “deve ser permitido ao lesado/credor optar, num único pleito, entre as regras mais favoráveis da responsabilidade obrigacional e extra-obrigacional” (cfr. Rui Ataíde, Ob. cit., p. 18).
Em qualquer caso, pois, a condenação inerente à reparação natural do dano sofrido é superior ao valor indemnizatório fixado em primeira instância.
Como a autora, todavia, conformou-se com essa decisão, da qual não interpôs recurso, impõe-se a manutenção do montante da condenação.
Improcedem também, assim sendo, as conclusões jurídicas do recurso.
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DECISÃO: Com os fundamentos expostos, decide-se julgar improcedente a apelação e confirma-se integralmente a decisão recorrida.
Custas do recurso pela 1.ª ré, atento o seu decaimento (art. 527.º do CPC).
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SUMÁRIO
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(o texto desta decisão não segue o Novo Acordo Ortográfico)
Porto, d. s. (13/01/2025)
Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
Ana Paula Amorim
Teresa Pinto da Silva