GREVE
SERVIÇOS MÍNIMOS
FUNCIONÁRIOS JUDICIAIS
ACTO URGENTE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário

Num quadro de greve activa decretada pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça para vigorar todos os dias desde 10.01.2023, por tempo indeterminado, pelo período entre as 13h30m e as 24h, sem serviços mínimos fixados, a greve decretada pelo mesmo Sindicato para vigorar às quartas e sextas-feiras, por tempo indeterminado, pelo período entre as 9h e as 12h30m, sem serviços mínimos fixados, põe em causa a garantia do cumprimento das 48horas para a realização de actos urgentes quando, nos dias imediatamente anteriores ou posteriores aos dias de greve se verifique a existência de um dia feriado ou de tolerância de ponto, pelo que, neste caso, se impõe a fixação de serviços mínimos em conformidade.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
Na sequência do aviso prévio de greve decretada pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça (SOJ), para todos os funcionários judiciais, com início a 28.06.2024 e por tempo indeterminado, a vigorar todas as manhãs de quartas e sextas-feiras, entre as 9horas e as 12h30m, em 24 de Junho de 2024 o Colégio Arbitral proferiu Acórdão decidindo, por unanimidade, não fixar serviços mínimos para a greve em causa.
Inconformada com a decisão, recorre a Direcção-Geral da Administração da Justiça, formulando as seguintes conclusões:
“1.ª A decisão do Colégio Arbitral, sob recurso, salvo o devido respeito, que é muito, é ilegal porquanto viola a norma do artigo n.º 398.º, n.º 7, da LTFP, que impõe que na determinação dos “serviços mínimos” sejam respeitados os princípios da “ necessidade”, da “adequação” e da “proporcionalidade”.
2ª A decisão arbitral sob escrutínio incorre em erro de julgamento, por erro nos pressupostos de facto e de direito, pois não reflete qualquer ponderação concreta da greve em causa, uma vez que coexiste com a greve convocada pelo mesmo sindicato para o período da tarde e com a greve ao trabalho suplementar, convocada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, que se encontra em vigor desde 08.01.2024 (Aviso prévio datado de 15-12-2023), nem avaliou o impacto que a ausência de serviços mínimos pode ter para a proteção de outros direitos fundamentais dos cidadãos merecedores de tutela, não ponderando à luz do princípio da proporcionalidade, como devia, os danos decorrentes do exercício do direito à greve no confronto com outros direitos fundamentais,
3ª Igualmente, a decisão arbitral é ilegal por estar ancorada numa leitura errada do princípio da filiação sindical, uma vez que o Colégio Arbitral não admite a possibilidade de adesão à greve de outros oficiais que não os que se encontram inscritos no sindicato promotor da paralisação.
3ª As razões constantes da decisão do Colégio Arbitral não justificam minimamente a ausência de fixação dos serviços mínimos e dos meios para os assegurar.
4ª A administração da justiça, como tem sido abundantemente reconhecido pela jurisprudência e pelo Conselho Consultivo da PGR, é um setor com relevância social suscetível de gerar necessidades (atenta a natureza dos direitos fundamentais dos cidadãos em causa) cuja satisfação imediata é impreterível e indispensável para a salvaguarda de direitos de detidos, de presos, de menores, direitos com a mesma dignidade constitucional que foi conferida pela CRP ao direito à greve, justifica-se o recurso à prestação de serviços mínimos e dos meios necessários e suficientes para os garantir, nos termos legalmente previstos.
5ª Ora, o Colégio Arbitral ao não fixar a prestação de serviços mínimos na greve decretada pelo SOJ para as manhãs de quartas-feiras e sextas-feiras, a vigorar por tempo indeterminado, além de violar a norma do art.398.º, n.º 7 da LTFP, por não respeitar os princípios da “necessidade”, da “adequação” e da “proporcionalidade”, incorre em erro na apreciação factual e jurídica da greve em causa ao limitar a avaliação da necessidade de serviços mínimos ao cumprimento de um prazo de 48H, tendo descurado completamente o contexto da greve, que se desenrola num contexto de greves que atingem a quase totalidade do período laboral e de trabalho suplementar, sem fixação de serviços mínimos, conduzindo à desproteção de outros direitos fundamentais dos cidadãos merecedores de tutela.
6ª Sendo a definição de serviços mínimos um conceito indeterminado que tem de ser densificado casuisticamente, e em que são as circunstâncias concretas de cada greve a ditar a necessidade e a adequação dos serviços mínimos a prestar para ocorrer à satisfação das necessidades sociais essenciais e impreteríveis, impunha-se a ponderação do contexto grevista, na sua globalidade, de molde a determinar a fixação dos serviços mínimos e dos meios suficientes para os prestar.
7ª A análise do Colégio Arbitral não podia ser indiferente à coexistência em simultâneo da greve convocada pelo SOJ, a vigorar a partir de 28.06.2024, por tempo indeterminado, às quartas-feiras e sextas-feiras, na parte da manhã, com início às 9:h e término às 12:30horas, sem definição de serviços mínimos, com a greve decretada pelo mesmo Sindicato (SOJ), em vigor desde 10.01.2023, por tempo indeterminado, todos os dias, no período compreendido entre 13H30 até às 24H00; bem como a greve ao trabalho suplementar, decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais – a qual não foi desconvocada na sequência do acordo alcançado entre este Sindicato e o Ministério da Justiça, contrariamente ao alegado na decisão recorrida- por conduzir a decisões erradas e ilegais em face da perturbação desproporcional e provocar danos irreversíveis nos direitos fundamentais dos cidadãos que, de igual forma, são constitucionalmente tutelados.
8ª Aliás, a possibilidade de ocorrência de danos irreversíveis nos direitos fundamentais dos cidadãos, designadamente nos direitos fundamentais à justiça e à segurança, à vida, à integridade física, à liberdade, decorrentes da não fixação de serviços mínimos, foi, recentemente, profusamente evidenciada, na comunicação social escrita e audiovisual.
9ª Pelo que é expectável que o mesmo tipo de ocorrências (ou mais graves) possam vir a verificar-se, realçando-se, a dimensão dos efeitos da greve, convocada por tempo indeterminado, para a ocorrência de grave de não realização de atos urgentes à semelhança da greve de abril, intoleravelmente nocivos para as necessidades sociais impreteríveis que cumpre assegurar, atentos, entre outros, os inúmeros feriados nacionais, municipais e regionais e ao caráter móvel de alguns deles, susceptíveis de colocar em perigo os prazos indicados.
10ª Efetivamente, nas greves que vigoraram até 26 de abril de 2024, ocorreram graves perturbações na salvaguarda da prática de atos urgentes nos tribunais, que levaram, designadamente, à libertação de vários arguidos suspeitos de tráfico de droga internacional, detidos em flagrante delito (circunstância, amplamente, difundida pelos órgãos de informação nacional -cfr. a título de exemplo, notícia veiculada pela TVI Notícias, sob o título “Greve judicial está a libertar traficantes de droga”) e, bem assim, à libertação de arguidos detidos na sequência da execução de mandados de detenção (de acordo com a comunicação social, vários detidos no dia de hoje-24 de abril- foram colocados em liberdade por se ter esgotado o prazo para apresentação a interrogatório judicial) cuja restituição à liberdade, sem prévia realização do respetivo interrogatório judicial, comporta um sério risco de atentarem contra a vida e integridade física do ofendido e ou de colocarem em causa a aquisição de prova.
Também a RTP, no Telejornal do dia 2 de abril noticiou “Detidos Libertados”. Greve na Justiça sem serviços mínimos”, referindo que cerca de 10 detidos terão saído em liberdade na Área Metropolitana de Lisboa devido à greve dos oficiais de justiça. Entre estes estão suspeitos de homicídio, de violência doméstica e de tráfico de droga”.
E, já o âmbito da greve a que nos reportamos foi notícia no dia 28 de junho que “Entre uma a duas dezenas de detidos foram libertados nas últimas 24 horas sem serem ouvidos por um juiz devido à greve dos funcionários judiciais em curso.
Entre uma a duas dezenas de detidos foram libertados nas últimas 24 horas sem serem ouvidos por um juiz, devido à greve dos funcionários judiciais em curso, que impossibilita cumprir o prazo de 48 horas para primeiro interrogatório judicial.
De acordo com AA, presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça (SOJ), estrutura que convocou a paralisação, nas últimas 24 horas foram libertados vários cidadãos detidos em todo o país e adiadas diligências, como buscas, e operações policiais, “algumas de grande envergadura”, como “medida preventiva” para evitar que os detidos nessas operações acabassem por ser colocados em liberdade devido à greve em curso que não tem serviços mínimos decretados”(Nosso sublinhado).
“A greve foi convocada para todas as tardes de segunda-feira a sexta-feira e manhãs de quartas- feiras e sextas-feiras, o que em alguns dias da semana implica uma greve em contínuo ao longo de um dia e meio.”
“Três homens detidos em Alcobaça na quarta-feira por roubo, um deles com recurso a arma de fogo, foram libertados esta sexta-feira sem ser presentes a interrogatório judicial no tribunal de Leiria para aplicação de medidas de coação, tendo os suspeitos antecedentes criminais por resistência e coação, furto, roubo e homicídio na forma tentada”.
“Em Albufeira, no Algarve, a greve dos oficiais de justiça adiou a leitura do acórdão da jovem acusada de ter matado outra à porta de uma discoteca em Albufeira, em 2023.”
11ª A corroborar toda esta grave perturbação, refira-se ainda a comunicação recebida na DGAJ, proveniente do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu (cfr.doc.2), a dar conhecimento a respeito da greve decretada pelos Oficiais de Justiça, “não tendo sido decretados serviços mínimos e porque não existe turno decretado para o dia de amanhã (25 de Abril), o prazo de 48 horas esgotar-se-á sem que os arguidos possam ser presentes a interrogatório judicial. Além disso, os arguidos estão indiciados pela prática de crimes de ofensas à integridade física grave, p.p. pelo art.144º do C. Penal, roubo, p.p. pelo art.210.º n.º 1 do C. Penal e um crime de sequestro, p.p. pelo art.158.º n.º 1 e 2 al.b) do C Penal, e a sua libertação comportará um sério risco de atentarem contra a vida e integridade física do ofendido e/ou de colocarem em causa a aquisição da prova”.
12ª A este propósito, não se pode deixar de salientar a infeliz argumentação aduzida pelo Colégio Arbitral na decisão sob recurso quanto “à libertação de vários arguidos suspeitos de tráfico de droga internacional e outras também relatadas na imprensa, bem como uma outra verificada no tribunal judicial de Viseu, cremos que somente poderão ter ocorrido por não ter sido respeitado o prazo de 48 horas por parte dos intervenientes desses casos, nos termos e fundamentação que acima referimos, devendo os serviços públicos em causa terem tomado as providências disciplinares e/ou criminais daí resultantes, como se impunham deverem ser tomadas” (nosso sublinhado).
13ª Pois, os acontecimentos descritos devem-se à ausência de fixação de serviços mínimos nas greves referidas – como se impunha e a DGAJ pugnou para que tivessem sido fixados -, pelo que não foram realizados os atos urgentes necessários à salvaguarda de outros direitos fundamentais, tendo sido particularmente grave o nível de afetação dos direitos dos cidadãos e da sociedade em geral, pelo impacto no direito à segurança, no direito à vida, à integridade física, à liberdade, à luz dos quais deve ser ponderada a greve em causa, porquanto se está perante necessidades sociais impreteríveis, inadiáveis, que não podem ser asseguradas sem a fixação de serviços mínimos.
14ª Assim, arguir que o prazo de 48 horas salvaguarda a prática dos atos urgentes não se justificando a fixação de serviços mínimos-num setor em que é reconhecida a necessidade de satisfazer necessidades sociais impreteríveis- na greve em apreço (e greves em curso) é negar, sem qualquer responsabilização, a realidade e as evidências (do conhecimento de todos) dos graves prejuízos e dos riscos sociais e dos cidadãos, gerados pela ausência de prestação de serviços mínimos. É fazer uma interpretação alheada do Direito, logo, prejudicial à realização da justiça e dos direitos fundamentais dos cidadãos.
15ª Daí que, não podia o Colégio Arbitral ignorar as circunstâncias concretas de facto e de direito em que se desenrola a greve decretada pelo SOJ, para as manhãs de quartas-feiras e sextas-feiras, por tempo indeterminado, num contexto de greves a tempo inteiro que mesma se desenrola, suportada apenas num prazo legal de 48horas para prática de atos urgentes que, se até pode fazer algum sentido numa greve decretada por 24 h, não pode, todavia, tal argumento ser válido para todas as situações de greve, abstraindo-se do prazo de duração desta.
16ª Os serviços mínimos na greve em presença visam a satisfação de necessidades fundamentais da sociedade e a proteção de direitos fundamentais dos cidadãos e não do empregador público independentemente da forma como o serviço está organizado, sendo estabelecidos em defesa de necessidades sociais impreteríveis da comunidade, não de interesses específicos, relativos ao cumprimento de um prazo de 48h estabelecido na lei para a prática de atos urgentes em situação de normalidade, o qual, ademais, foi definido pelo legislador no sentido de prazo máximo limite.
17ª Tão pouco se vislumbram outros meios menos onerosos que possam obviar à prestação de serviços mínimos na greve dos oficiais de justiça, que põe em causa a administração da justiça – como obviar à libertação de presos, ao risco de vida, aos menores em perigo? Acaso a justiça tem outros sucedâneos quando a justiça é chamada a intervir?
18ª Pese embora a intensidade da proteção do direito à greve, o legislador constitucional não o configurou como um direito absoluto, ilimitado, podendo sofrer restrições nos casos em que exista a possibilidade de haver colisão entre o direito de greve e outros direitos fundamentais constitucionalmente protegidos, dispondo o art.º 18.º, n.º 2 da CRP, que tais restrições limitar-se “ao necessário” para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
19ª Pelo que, a greve, não sendo um direito absoluto, tem de reduzir-se a limites socialmente toleráveis e aceitáveis, sendo um dever do Sindicato (vd.art.396.º, n.º 2, da LTFP) apresentar a proposta dos serviços mínimos e os meios para os assegurar que satisfaçam os requisitos da necessidade, de adequação e de proporcionalidade capazes de satisfazer as necessidades sociais impreteríveis.
20ª Com efeito, refere o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 572/2008 (Processo n.º 944/2007) que “Decorre do n.º 3 do artigo 57º da CRP que a ideia de “satisfação de necessidades sociais impreteríveis” é a ideia chave, subordinante do conceito de “definição de serviços mínimos”; “(…) Como já se viu, o “telos” da disposição constitucional pode ser resumido da seguinte maneira: se há serviços mínimos que devem ser assegurados durante a greve, nos termos a definir por lei ( o que consubstancia a autorização constitucional para a restrição legal do direito), tal sucede porque há interesses comunitários impostergáveis, que tornam absolutamente necessária a realização de tais serviços” (nosso sublinhado).
21ªAssim, a interpretação do art.397.º, n.º 1 da LTFP de que, nos tribunais, apesar de serem órgãos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, os trabalhadores aderentes não têm de assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis àquelas necessidades, feita pelo Colégio Arbitral na decisão recorrida é inconstitucional à luz do disposto no art.57.º n.º 3, e no art.º 18.º da CRP, porque se verifica uma situação grave e lesiva dos direitos de terceiros prejudicados e da comunidade com a greve em apreço, que não podem deixar de ser defendidos por estarem em causa “ necessidades sociais impreteríveis”.
22ª A DGAJ vem reiteradamente assumindo sempre que é decretada uma greve, a necessidade de haver lugar à definição de serviços mínimos e dos meios necessários de os garantir, atento o facto de os tribunais garantirem/assegurarem a prestação de necessidades sociais impreteríveis e a natureza dos direitos em causa, não pretendendo com isso neutralizar o direito de greve, ou reduzir substancialmente a sua eficácia, mas, evitar prejuízos extremos e injustificados dela decorrentes, como os que têm vindo a verificar-se como é do conhecimento de todos pelo destaque que alcançam na comunicação social.
23ª Assim, uma ponderação equilibrada e proporcional dos interesses em colisão deveria ter conduzido o Colégio Arbitral ao reconhecimento da necessidade de evitar o perigo dos danos decorrentes do exercício do direito à greve em presença, salvaguardando os direitos dos cidadãos, não acolhendo propostas violadoras dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade no que respeita à fixação dos serviços mínimos.
24ª Com efeito, o Colégio Arbitral, não pode, sob pena de violação, abstrair-se dos concretos direitos afetados pela greve e a posição central desses direitos no direito constitucional. Trata-se de situações de conflito de direitos que devem ser resolvidas em cada greve, não podendo o direito dos trabalhadores grevistas prevalecer em abstrato contra outros direitos constitucionalmente protegidos, de primordial importância, como seja a segurança, o direito à vida, à integridade física, à liberdade, à proteção de menores em risco.
25ª As circunstâncias concretas das greves convocadas têm sido sucessivamente desvalorizadas quer pelo Colégio Arbitral quer pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pois as mencionadas circunstâncias não têm sido objeto de ponderação nas respetivas decisões. Até ao momento presente nenhuma decisão ponderou na sua globalidade os efeitos das greves em curso, o que se traduz em decisões erradas, uma vez que a ausência de serviços mínimos tem tido um grave impacto no direito à segurança, no direito à vida, à integridade física, à liberdade, dos cidadãos, por se estar perante necessidades sociais impreteríveis, inadiáveis, que não podem ser asseguradas sem a fixação e o cumprimento desses serviços mínimos.
26ª Os Sindicatos têm vindo a desdobrar as greves que convocam em vários períodos temporais simultâneos, abrangendo todo o período de laboração, o que representa um artifício, pois o desmembramento da greve obsta à apreciação global do seu impacto e, consequentemente, dos serviços mínimos necessários a assegurar os direitos fundamentais dos cidadãos, configurando um uso abusivo do direito à greve.
27ª A decisão arbitral sob recurso apoia-se num argumento que é incompatível com o princípio da liberdade sindical, consagrado no art.55.º e art.º 13.º da CRP, por discriminar os trabalhadores que no seu direito à greve por razões de filiação sindical, e é ilegal por violação do art.º540.º do Código do Trabalho.
28ª A greve é um direito dos trabalhadores enquanto tais, independentemente da sua filiação sindical. A titularidade desse direito pertence ao trabalhador individualmente considerado, inserindo-se tal direito na esfera jurídica de cada um dos trabalhadores.
29ª O direito à greve não é um direito das associações sindicais, mas dos trabalhadores que a ela podem aderir, uma vez decretada, independentemente da sua filiação no sindicato que emitiu o aviso prévio, uma vez que o princípio da liberdade sindical não admite qualquer discriminação positiva ou negativa em razão da filiação ou não filiação sindical.
30ª Salienta-se, que o direito de adesão à greve é de total liberdade, dependendo apenas da vontade do próprio trabalhador, não podendo ser discriminado por optar aderir ou não aderir (art.540.º n.º 1 do CT), nem está limitado por se tratar de uma greve decretada por uma associação sindical na qual não está filiado, nem pode ser imposta qualquer obrigação de aderir por ser filiado na associação sindical que decretou a greve.
31ªA ilegalidade da decisão arbitral sub judice, revela-se ainda no argumento aduzido em resposta ao pedido da DGAJ de fixação de serviços mínimos nas situações em que no dia imediatamente anterior ou posterior aos dias de greve se verifique a existência de um dia feriado ou de tolerância de ponto, pelo total desrespeito dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade previstos no art.º 398.º, n.º 7, da LTFP, pois, uma vez mais não foi avaliado o impacto da greve e foi totalmente menosprezada a dimensão dos efeitos da greve em causa, convocada por tempo indeterminado, em que se perspetiva a possibilidade de ocorrerem graves perturbações, à semelhança de outras greves, intoleravelmente nocivos para as necessidades sociais impreteríveis que cumpre assegurar, havendo assim que atender à existência de feriados nacionais, regionais e municipais, particularmente os que ocorram às quintas-feiras em que os tribunais estão encerrados, sendo que nas manhãs de quarta e sexta-feira a greve decretada não tem serviços mínimos tal como não tem serviços mínimos a greve decretada para o período da tarde (atente-se nos feriados que a seguir se elencam que irão interferir com as greves decretadas: 4, 11, 25 de julho (quinta-feira), feriado municipal em Coimbra, Ovar, Cantanhede, Celorico Basto, Santo Tirso, Santiago do Cacém, Arcos de Valdevez; 15 de agosto (quinta-feira)feriado nacional, seguindo-se, o feriado municipal (sexta-feira), em Roque do Pico, Vila Viçosa e Peso da Régua; dia 22 de agosto (quinta-feira) feriado municipal em Bragança; dia 25 de dezembro (quarta-feira, feriado nacional) e dia 26 de dezembro feriado na Região Autónoma da Madeira.
32ª Assim como, a probabilidade de um maior impacto quando o dia feriado coincida com as terças-feiras, tal como se verifica no dia 2 de Julho (terça-feira), feriado municipal em Albufeira, Alcobaça, Viana do Castelo; dia 3 e dia 19 de setembro (terça-feira), feriado municipal em Silves, Moita e Ponte de Lima; dia 1, 15 e 22 de outubro (terça-feira) feriado municipal em Vila Nova de Cerveira, Mogadouro e Grândola.
33ª Note-se que todas as greves em vigor foram decretadas por tempo indeterminado, sem serviços mínimos fixados, não sendo possível/exigível antever todas as concretas situações que se vão gerar durante o tempo de duração das mesmas, suscetíveis de colocar em perigo os prazos legais e os atos urgentes.
34ª Há que encontrar um ponto de equilíbrio entre os direitos e os interesses que se contrapõem e a necessidade de fixar os serviços mínimos, devendo estes ser razoáveis, proporcionais, pragmáticos e adequados às circunstâncias e condições práticas em que a greve decorre, bem como às necessidades sociais impreteríveis a satisfazer e aos meios disponíveis.
35ª Pois, a obrigação de prestação de serviços mínimos persiste diariamente para assegurar as diligências/atos de libertação de detidos ou arguidos presos e de todos os atos/diligências urgentes que tenham igualmente de ser asseguradas nesse mesmo dia, particularmente se a adesão dos trabalhadores à greve for muito elevada-o que “in casu” se perspectiva, atendendo ao período temporal da “greve”.
36ª Os serviços mínimos – in casu , a ausência de fixação de serviços mínimos- não podem ser objecto de uma delimitação precisa que valha para todas as situações de greve, contrariamente ao entendimento defendido pelo SFJ e pelo TRL, com o argumento de que o prazo de 48H para a prática de atos é suficiente e “não colide com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”.
37ª Ademais os Acórdãos proferidos pelo TRL não fazem caso julgado; não impedem a reapreciação da situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada, porquanto são as circunstâncias concretas de cada greve a ditar a adequação e a medida dos serviços mínimos a prestar para ocorrer à satisfação das necessidades sociais essenciais e impreteríveis, os serviços mínimos têm de ser densificados casuisticamente e não há similitude entre as apreciações/decisões do Tribunal da Relação e o presente caso concreto, pelo que não pode tomar-se como exemplo ou precedente as referidas decisões do Tribunal da Relação, que não têm comparação com o caso presente, inexistindo qualquer possibilidade de tratamento igual uma vez que a situação é completamente diversa.
38ª Donde, o Colégio Arbitral deveria ter atendido às circunstâncias concretas da greve decretada , considerando que se encontram vigentes outras greves abrangendo o mesmo universo (oficiais de justiça), de modo a que não serem restringidos, injustificadamente, os direitos fundamentais de terceiros, que colidam com o direito à greve, pela ausência de prestação de serviços mínimos indispensáveis, observando os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
39ª Mais uma vez se sublinha que esta greve não pode ser apreciada de forma parcelar das demais, mas tendo em consideração as já vigentes e em curso, pelo que, a inexistência de serviços mínimos poderá levar, no seu limite, à denegação total de justiça e à ocorrência de danos irreversíveis nos direitos, liberdades e garantias.
40ª Reitera-se que a decisão do Colégio Arbitral, ao não ter fixado serviços mínimos desrespeitou as regras da greve e dos princípios jurídicos, facto que causará uma perturbação e um impacto desproporcional na salvaguarda dos atos urgentes, sendo certo, que a noção de serviços mínimos não tem a maleabilidade/elasticidade para ser aplicado “ dia sim, dia não”, em greves que abrangem todo o serviço, dentro e fora do período normal de trabalho diário e decretadas para vigorar por tempo indeterminado.
41ª Pelo que, não andou bem o Colégio Arbitral ao decidir como decidiu, pois não ponderou como se impunha a necessidade de prestação de serviços mínimos para assegurar as necessidades sociais impreteríveis.
42ª Ao decidir como decidiu, fica patente que a decisão recorrida do Colégio Arbitral faz uma errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito, violando a lei e os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, porque acaba por restringir injustificadamente os direitos fundamentais de terceiros que colidem com o direito à greve, pela ausência de prestação de serviços mínimos indispensáveis aos interesses coletivos essenciais e impreteríveis.
Termos em que, com o douto suprimento de V.Exªs, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, por provado e, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida do Colégio Arbitral, ou, caso assim não se entenda, seja a mesma parcialmente revogada, determinando-se a fixação de serviços mínimos nas situações em que no dia imediatamente anterior ou posterior aos dias de greve se verifica a existência de um dia feriado ou de tolerância de ponto.
Assim se fazendo
JUSTIÇA”
Não consta dos autos que o Sindicato dos Oficiais de Justiça tenha apresentado contra-alegações.
Foi proferido despacho que admitiu o recurso.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que, considerando os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, a decisão recorrida deve ser parcialmente revogada e substituída por outra que fixe serviços mínimos nas situações em que, no dia imediatamente anterior ou posterior aos dias de greve, se verifique existência de um dia feriado ou dia de tolerância de ponto.
O Sindicato dos Oficiais de Justiça respondeu ao Parecer.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC).
Assim, foi submetida à apreciação deste Tribunal a questão de saber se o Acórdão Arbitral é ilegal por não ter fixado serviços mínimos na greve decretada pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça, com início a 28.06.2024 e por tempo indeterminado, a vigorar todas as manhãs de quartas e sextas-feiras, entre as 9h00 e as 12h30, para todos os funcionários judiciais.
Fundamentação de facto
O Colégio Arbitral considerou assente a seguinte factualidade:
1-O Sindicato dos Oficiais de Justiça (doravante também designado por SOJ) dirigiu às entidades competentes um aviso prévio de greve, com início a 28 de Junho de 2024, e por tempo indeterminado, a vigorar em todas as manhãs de quartas e sextas-feiras, entre as 9h00 e as 12h30, conforme aviso datado de 12-06.2024, que abrange todos os oficiais de justiça, não definindo serviços mínimos para a greve em questão por considerar que”(…)não estando em crise os prazos estabelecidos por lei para garantir Direitos, Liberdades e Garantias, inexistem serviços mínimos, tal como decorre da jurisprudência sobre a matéria.”
2-Em face do aviso prévio, a Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGSJ), solicitou a intervenção da DGAEP ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 398.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, invocando que o aviso prévio foi apresentado “sem proposta de serviços mínimos”.
3-Em obediência ao previsto no n.º 2 do artigo 398.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada em anexo à Lei 35/2014, de 20 de Junho, foi convocada para o dia 18 de Junho de 2024, na DGAEP, uma reunião com vista à negociação de um acordo quanto à definição dos serviços mínimos e dos meios necessários para os assegurar, conforme disposto no n.º 2 do artigo 398.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho.
4- No entanto, as partes não lograram chegar a acordo e, consequentemente, nesse mesmo dia, cumprindo o n.º 4 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de Setembro, aplicável por força do artigo 405.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), pelas 11h 40m, foi promovido o sorteio de Árbitros a que alude o artigo 400.º da LTFP, com vista à constituição desse Colégio Arbitral, conforme emerge da respectiva acta, vindo o colégio arbitral a ser constituído com a seguinte composição:
Árbitro Presidente -Dr. BB;
Árbitro Representante dos Trabalhadores -Dr. CC;
Árbitro Representante dos Empregadores Públicos - Dra. DD.
5- Por ofício (via comunicação electrónica), em 18.06.2024, foram as partes notificadas, em nome do Presidente do Colégio Arbitral, para a audição prevista no nº 2 do artigo 402.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP aprovada pela Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho.
6-As partes pronunciaram-se, em tempo, sobre os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar, nos termos que constam no processo, para as quais nos remetemos, dando-se aqui por reproduzidos.
7. Relativamente à pronúncia apresentada pela DGAJ lê-se nas suas conclusões:
“(…) A) De todo o exposto, resulta que, em face dos direitos e interesses que se pretendem ver tutelados, devem ser fixados, pelo Colégio Arbitral, os serviços mínimos necessários e os meios indispensáveis a assegurar a sua prestação para a greve decretada das manhãs de quartas-feiras e sextas-feiras, a partir do dia 28 de junho de 2024, e por tempo indeterminado, entre as 9:00horas e as 12:30 horas, para todos os oficiais de justiça, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 397.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pois, só assim se garante que o próprio exercício do direito à greve seja constitucionalmente adequado e equilibrado à proteção dos direitos constitucionalmente protegidos.
B) Nesta conformidade, a Direção-Geral da Administração da Justiça propugna pela fixação de serviços mínimos, às quartas-feiras e sextas-feiras, e quanto aos meios para assegurar os referidos serviços mínimos, deverão ser designados oficiais de justiça nos seguintes termos:
1.1(um) oficial de justiça em cada tribunal ou juízo materialmente competente e 1 (um) oficial de justiça para cada serviço do Ministério Público; e
2.2(dois) oficiais de justiça em cada tribunal ou juízo materialmente competente e 1 (um) oficial de justiça do Ministério Público para o Tribunal Central de Instrução Criminal.
C)Caso assim não se entenda, a Direção-Geral da Administração da Justiça propugna pela fixação de serviços mínimos nas situações em que, no dia imediatamente anterior ou posterior aos dias de greve se verifica a existência de um dia feriado ou de tolerância de ponto.”
8. O SOJ, por seu turno propugna pela aplicação à presente greve da jurisprudência arbitral contida nos acórdãos dos processos n.º 39/2023/DRCT-ASM e n.º 4/2024/DRCT-ASM, que juntou, que se mostra sufragada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, reiterando o que já constava do pré-aviso de greve, bem como da ata de promoção do acordo, e que é a não apresentação de qualquer proposta por não estarem em crise os prazos estabelecidos por lei para garantir direitos, liberdades e garantias, mais adiantando não competir aos oficiais de justiça garantir a segurança, manutenção das instalações e equipamentos.
Fundamentação de direito
Apreciemos, então, se o Acórdão Arbitral é ilegal por não ter fixado serviços mínimos na greve decretada pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça, com início a 28.06.2024 e por tempo indeterminado, a vigorar todas as manhãs de quartas e sextas-feiras, entre as 9h00 e as 12h30, para todos os Funcionários Judiciais.
O Acórdão Arbitral fundamentou a sua decisão, essencialmente, no seguinte:
- Seguindo jurisprudência anterior, não devem ser fixados serviços mínimos para a greve em causa, que não recai em segunda-feira, nem em dia seguinte a feriado, mesmo tendo em conta que respeita a duas manhãs, por semana, por ter para ela a mesma fundamentação- o estar acautelado o prazo das 48horas permitido para a privação da liberdade das pessoas;
- Todas a greves decretadas pelo SOJ foram desconvocadas conforme comunicação recebida na DGAEP;
- A greve decretada pelo SOJ apenas se circunscreve aos funcionários judiciais seus filiados e não aos restantes, nomeadamente aos filiados no SFJ e vice-versa, como decorre do princípio da filiação previsto no artigo 496.º do CT e 370.º da Lei n.º 35/2014, donde os tribunais nunca ficarão sem funcionários num prazo que excede as 48horas, sendo que a greve do SFJ às horas suplementares nunca colidiriam com o prazo de 48 horas;
- Não se revela necessário fixar serviços mínimos para as situações em que no dia imediatamente anterior ou posterior aos dias de greve se verifique a existência de um feriado ou tolerância de ponto, posto que, nos dias de greve em apreciação sempre estarão ao serviço, pelo menos, os funcionários judiciais filiados no SFJ; e
- As situações que terão determinado a libertação de arguidos só podem ter ocorrido por não ter sido respeitado o prazo de 48 horas devendo os serviços públicos tomar as providências disciplinares e/criminais que se impunham dever ser tomadas.
A Recorrente invoca, em suma, que o Colégio Arbitral assenta a decisão numa leitura errada do princípio da filiação sindical, numa errada apreciação das circunstâncias em que decorre a greve decretada que coexiste com a greve decretada pelo mesmo sindicato para o período da tarde e com a greve ao trabalho suplementar decretada pelo SFJ e que a decisão violou os princípios da proporcionalidade e da adequação na satisfação das necessidades impreteríveis.
Apreciando.
Sobre as greves que abrangem o período da manhã de quartas e sextas feiras, estas decretadas pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, pronunciaram-se os Acórdãos deste Tribunal da Relação proferidos nos processos n.ºs 295/24.4YRLSB, de 08.05.2024 e 1928/24.8YRLSB, de 6 de Novembro de 2024, relatados pela ora relatora e nos quais se concluiu que não viola os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade a não fixação de serviços mínimos para uma greve decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, para o período da manhã (das 9h às 12h30m), em dois dias da semana, interpolados (quartas e sextas-feiras), sendo que uma das situações abrangia um período determinado e outra um período indeterminado.
Passamos a transcrever a fundamentação que consta deste último aresto:
“O Acórdão de 08.05.2024, proferido no Proc. n.º 295/24.4YRLSB, relatado pela ora relatora, apreciou questão semelhante à destes autos ( legalidade da não fixação de serviços mínimos para a greve decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais para as quartas e sextas-feiras, no período das 9h00 às 12h30m, de 20 de Dezembro de 2023 a 26 de Abril de 2024).
Em tal aresto afirma-se o seguinte:
“O n.º 1 do artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) inserido no Capítulo III “Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores” estatui que “É garantido o direito à greve.”
De acordo com o n.º2 da mesma norma, é aos trabalhadores que compete definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito.
E nos termos do n.º 3, cabe à lei definir as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
Por respeitar aos direitos, liberdades e garantias, este preceito é directamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas (art.18.º n.º 1 da CRP).
Em anotação ao artigo 57º da CRP escrevem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, 4ª Edição revista, pag. 51: “ Como meio de «acção directa» dos trabalhadores constitucionalmente reconhecido, a greve traduz-se num incumprimento lícito da obrigação de prestação de trabalho, com os prejuízos inerentes para as entidades empregadoras (interrupção da produção, risco de incumprimento de encomendas). Porém, a greve constitui também um sacrifício para os trabalhadores, que perdem o direito à remuneração pelo trabalho não prestado durante a greve, sem nenhuma garantia no sucesso da mesma.”
E na pag.753 da citada obra referem os mesmos autores: “Dois elementos fundamentais exige a noção constitucional de greve: a) uma acção colectiva e concertada de trabalhadores; b) a paralisação do trabalho (com ou sem abandono dos locais de trabalho) ou qualquer outra forma típica de incumprimento da prestação de trabalho.”
Mas como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.05.2011, Proc. 88/11.7YRLSB.L1, consultável em www.dgsi.pt, “Embora a greve constitua um dos direitos fundamentais dos trabalhadores, a mesma não é um direito absoluto, pelo que existindo a possibilidade de confronto ou colisão entre o direito de greve e outros direitos fundamentais, também previstos na Constituição, esse direito pode sofrer alguma sorte de restrição nas situações definidas pela lei e com observância de determinados limites.”
Integrando o direito à greve o núcleo dos direitos, liberdades e garantias, a restrição àquele direito só será admitida nos termos previstos no artigo 18.º n.º 2 da CRP que determina que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
A propósito do artigo 18.º da CRP escrevem os mencionados autores nas páginas 392 e 393 da citada obra: O primeiro pressuposto material de legitimidade das restrições de direitos, liberdades e garantias (cfr, supra nota VI) consiste na exigência de previsão constitucional expressa da respectiva retrição.
(…)
O segundo pressuposto material para a restrição legítima de «direitos, liberdades e garantias» (cfr. nota VI) consiste em que ela só pode se justificar para salvaguardar um outro direito e interesse constitucionalmente protegido.
O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias (vide supra nota VI) consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade.
(…)
O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos”
E justificando-se a restrição ao direito à greve esta faz-se mediante a fixação de serviços mínimos.
O n.º 1 do artigo 537.º do Código do Trabalho consagra a obrigação de prestação de serviços mínimos durante a greve quando esteja em causa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis, elencando o seu n.º 2, a título exemplificativo, os serviços que integram tais necessidades, prevendo a al.g) do preceito os “Serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado;” onde, naturalmente, se incluem os Tribunais.
Nos termos do artigo 538.º n.º 1 do CT “Os serviços previstos nos n.ºs 1 e 3 do artigo anterior e os meios necessários para os assegurar devem ser definidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo entre os representantes dos trabalhadores e os empregadores abrangidos pelo aviso prévio ou a respectiva associação de empregadores.”
E de acordo com o n.º 5 do artigo 538.º do CT “a definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.”
Sobre os serviços mínimos, escreve-se na pag.757 da obra citada: “ No caso dos serviços mínimos deve ter-se em conta que há uma relação indissociável entre serviços mínimos e necessidades impreteríveis. Ambos os conceitos carecem de densificação abstracta e concreta: a primeira a efectuar por lei (cfr.Cód.Trab., art.598º), por convenção colectiva, ou por acordo com os representantes; a segunda pressupõe a execução caso a caso das disposições legais ou convencionais (cfr.Cód.Trab., art. 599º) referente à definição de serviços mínimos. Em qualquer caso as medidas definidoras de serviços mínimos e dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, na medida em que consubstanciam medidas restritivas do direito de greve, devem pautar-se pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. Esta limitação constitucional do direito à greve revela que os direitos dos trabalhadores carecem, como os outros direitos, de tarefas metódicas de concordância prática e de juízos de ponderação e de razoabilidade, não prevalecendo em abstracto contra certos bens constitucionais colectivos, designadamente os que têm a ver com serviços de primacial importância social, como os serviços de saúde, de segurança, de protecção civil, serviços prisionais, de recolha de resíduos urbanos, de abastecimento de água, e de outros serviços de interesse económico geral» de natureza afim, em que a continuidade é um valor em si mesmos (princípio da continuidade dos serviços públicos), além de ser uma dimensão organizatória e processual da garantia e realização de direitos, desde direitos, liberdades e garantias como o direito à vida, à integridade física, à liberdade e à segurança até ao direito à saúde e bens essenciais.”
E como também se afirma no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.06.2013, proc. 454/13.5YRLSB, consultável em dgsi.pt,” I - Na medida em que o direito de greve pode colidir com outros direitos com igual dignidade constitucional, a tutela destes impõe que aquele sofra restrições que, todavia, terão de ser as mínimas para permitir a concordância prática dos direitos em colisão e por conseguinte, que não implique a aniquilação de um dos direitos em detrimento do outro.
II - Por isso a definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
(…).”
No caso, uma vez que estamos perante trabalhadores com vínculo de emprego público, como são os Funcionários Judiciais, há que apelar ainda ao regime consagrado na Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).
Dispõe o n.º 1 do artigo 394.º da LGTFP que “A greve constitui um direito dos trabalhadores com vínculo de emprego público.”
Refere o n.º 2 do artigo 396.º da LGTFP que “O aviso prévio deve conter uma proposta de definição dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, bem como, sempre que a greve se realize em órgão ou serviço que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, uma proposta de definição de serviços mínimos.”
Sobre a obrigação de prestação de serviços mínimos estatui o n.º 1 do artigo 397.º da LGTFP que “Nos órgãos ou serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a associação que declare a greve, ou a comissão de greve, e os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades.”
Por seu turno, o n.º 2 da mesma norma elenca, de modo exemplificativo, os órgãos ou serviços que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, aludindo a al.i) aos “ serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado”, onde se integram os Tribunais.
Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “As associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações”, estatuindo o n.º 4 que “Os trabalhadores que prestem, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações e os afetos à prestação de serviços mínimos mantêm-se, na estrita medida necessária à prestação desses serviços, sob a autoridade e direção do empregador público, tendo direito, nomeadamente, à remuneração.”
Relativamente à definição dos serviços a prestar durante a greve rege o artigo 398.º da LGTFP nos termos seguintes:
“1 - Os serviços previstos nos n.ºs 1 e 3 do artigo anterior e os meios necessários para os assegurar devem ser definidos por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou por acordo com os representantes dos trabalhadores.
2 - Na ausência de previsão em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou de acordo sobre a definição dos serviços mínimos previstos no n.º 1 do artigo anterior, o membro do Governo responsável pela área da Administração Pública convoca os representantes dos trabalhadores e os representantes das entidades empregadoras públicas interessadas, tendo em vista a negociação de um acordo quanto aos serviços mínimos e quanto aos meios necessários para os assegurar.
3 - Na falta de um acordo até ao termo do terceiro dia posterior ao aviso prévio de greve, a definição dos serviços e dos meios referidos no número anterior compete a um colégio arbitral, composto por três árbitros constantes das listas de árbitros previstas no artigo 384.º
4 - O empregador público deve comunicar à DGAEP, nas 24 horas subsequentes à receção do pré-aviso de greve, a necessidade de negociação do acordo previsto no n.º 2.
5 - A decisão do colégio arbitral produz efeitos imediatamente após a sua notificação aos representantes referidos no n.º 2 e deve ser afixada nas instalações do órgão ou serviço, nos locais habitualmente destinados à informação dos trabalhadores.
6 - Os representantes dos trabalhadores devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços referidos no artigo anterior, até 24 horas antes do início do período de greve, e, se não o fizerem, deve o empregador público proceder a essa designação.
7 - A definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.”
Assim, no que respeita à fixação de serviços mínimos, como elucida o sumário do recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.02.2024, Processo n.º 3537/23.0YRLSB, consultável em www.dgsi.pt, “I.–A definição dos serviços mínimos a assegurar durante a greve deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, em ordem à conciliação entre o exercício do direito à greve e necessidades sociais impreteríveis.”
Em jeito de conclusão, podemos afirmar que, não sendo o direito à greve um direito absoluto poderá o mesmo ser restringido mediante a fixação de serviços mínimos, nos casos em que se imponha assegurar a realização de necessidades sociais impreteríveis; e essa fixação tem de mover-se no quadro dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, sob pena de ser ilegal.
Regressando ao caso.
Da simultaneidade de greves:
A greve que aqui se discute respeita às manhãs (das 9h às 12h30m) de quartas e sextas feiras de 20 de Dezembro de 2023 a 26 de Abril de 2024. Trata-se, pois, como refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, de uma greve em dias interpolados, a que acresce o facto de se cingir a uma parte do dia (manhã).
Por isso, também entendemos que a sua coexistência com a greve decretada pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça e com a greve decretada pelo SFJ às horas extraordinárias não põe em causa a realização de actos e diligências dentro do prazo de 48 horas a que alude o artigo 28 n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e demais actos de natureza urgente que a lei visou acautelar com a criação de turnos (cfr. artigo 36.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, Lei da Organização Judiciária). Ou seja, uma vez que aqueles actos podem ser praticados na parte da tarde das quartas e sextas feiras, sem prejuízo de serem praticados nos restantes dias da semana para os quais estão fixados serviços mínimos, é de concluir que ficam assegurados os direitos fundamentais que devam ser tramitados de modo urgente na acepção legal.
No que respeita à afirmação da Recorrente de que se impõe a fixação de serviços mínimos na greve decretada para quartas e sextas feiras (manhãs) atenta a realização das eleições marcadas para o dia 4 de Fevereiro de 2024, para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores e para o dia 10 de Março de 2024, para a Assembleia da República, que coincidem com as várias greves, por aquelas envolverem a realização de operações materiais que são urgentes e inadiáveis, que têm de ser praticadas, obrigatoriamente, sob pena de porem em causa o direito fundamental à participação na vida pública e o direito fundamental de acesso ao exercício de cargos públicos, há que referir o seguinte:
Não se ignora a urgência da tramitação dos processos eleitorais e de decisões a proferir no prazo de 24 e 48 horas. Porém, a resposta não diverge da anterior, pois nada existe na Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de Agosto) e na Lei Eleitoral da Assembleia da República (Lei n.º 14/79, de 16 de Maio), que impeça que os actos relativos ao processo eleitoral possam ser praticados da parte da tarde, no caso, da parte da tarde das quartas e sextas feiras. E como refere o Recorrido, no recurso não foram indicados quais os actos que têm de ser praticados por oficial de justiça, impreterivelmente, nas manhãs de quartas e sextas feiras e que não podem ser praticados da parte da tarde desses dias.
Ora, é certo que tendo sido decretadas greves também para as segundas, terças e quintas feiras, estas com fixação de serviços mínimos, somando a estas a greve decretada para as manhãs de quartas e sextas feiras, naturalmente que, no seu conjunto, estas greves causam impacto e perturbação no desenvolvimento normal do serviço com os consequentes atrasos na realização da Justiça. Sucede, porém, que uma das consequências do exercício do direito à greve é a de que os serviços deixam de funcionar com a normalidade habitual, e não como se não houvesse greve.
E uma vez que, pelas razões apontadas, a greve decretada para as manhãs de quartas e sextas feiras não põe em causa os prazos para a realização de actos e diligências urgentes, não vislumbramos, como não vislumbrou o Colégio Arbitral, que, no caso, seja de afastar a Jurisprudência deste Tribunal (cfr. Acórdão deste Tribunal de 10.04.2019) no sentido de que para greves de um dia que não recaiam às 2.ªs feiras ou em dia seguinte a feriado, não podem ser decretados serviços mínimos por não estar em causa o prazo legal para a prática dos actos urgentes.
Sendo assim, como entendemos ser, não se pode afirmar, como faz a Recorrente, que estamos perante um artifício ou uso abusivo do direito à greve, na medida em que a greve em causa, atento os termos em que está decretada não põe em causa a satisfação de necessidades impreteríveis dos cidadãos que recorrem à Justiça pois os actos urgentes podem ser praticados dentro dos prazos legais, donde não se impor a fixação de serviços mínimos.
E como refere o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu douto Parecer, “Debruçando-nos sobre o caso concreto objeto dos autos, não se enxerga como uma greve, marcada para duas manhãs fixas, interpoladas e não seguidas, durante a semana, ainda que num conjunto de semanas seguido, pode afetar direitos liberdades e garantias dos cidadãos, de forma irreversível e inadmissível.”
Resta concluir que o Acórdão Arbitral não merece censura e que improcede a apelação.”
Mantemos o entendimento plasmado no citado Acórdão e acrescenta-se que as notícias veiculadas pelos órgãos de comunicação social não constituem prova dos factos alegados pela Recorrente, a quem incumbia essa prova. Por outro lado, a comunicação do Sr. Administrador Judiciário do Tribunal de Viseu também não prova que, por força da greve decretada, ocorreu a libertação dos detidos para interrogatório judicial.
Conclui-se, pois, que a greve decretada para as manhãs de quartas e sextas feiras, não obstante por tempo indeterminado, não põe em causa os prazos para a realização de actos e diligências urgentes, acautelados pela lei civil e penal, pelo que não merece reparo a Decisão Arbitral, improcedendo a apelação.”
Revertendo ao caso em análise.
Antes de mais importa sublinhar que não é certo afirmar, como faz a decisão arbitral, que a greve decretada pelo SOJ apenas se circunscreve aos funcionários judiciais seus filiados e não aos restantes, nomeadamente aos filiados no SFJ e vice-versa, como decorre do princípio da filiação previsto no artigo 496.º do CT e 370.º da Lei n.º 35/2014.
Com efeito, como refere o Parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, “Efetivamente, não é exato - (por não ter aqui aplicação o princípio da filiação) - que, à greve decretada pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça apenas possam aderir os oficiais de justiça que sejam filiados nesse sindicato, nem tampouco que nos dias de greve, estejam sempre ao serviço os funcionários judiciais filiados no SFJ, considerando que, como decorrência do princípios da liberdade sindical (artigo 55.º da Constituição da República Portuguesa) e do direito à greve (artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa):
1- Os oficiais de justiça filiados no SFJ não estão impedidos de aderir à greve decretada pelo SOJ;
2- Os oficiais de justiça não filiados em qualquer sindicato também podem aderir à greve.”
Consequentemente também não podemos concluir que, por essa razão, os tribunais nunca ficarão sem funcionários num prazo que excede as 48horas.
Mas acompanhamos a decisão arbitral quando refere que a greve decretada pelo SFJ às horas suplementares nunca colidiria com o prazo de 48 horas, tanto mais que os tribunas têm um horário de funcionamento estabelecido por lei.
Sucede, porém, que, no caso, o Sindicato dos Oficiais de Justiça, contrariamente ao que resulta da decisão arbitral, tem activa uma greve decretada para vigorar todos os dias, desde 10 de Janeiro de 2023, no período entre as 13h30m e as 24h, por tempo indeterminado e sem que estejam fixados serviços mínimos.
Com efeito, o Acórdão desta Secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.09.2023, proferido no Processo n.º 1440/23.2YRLSB, considerou precludido o direito do Ministério da Justiça a requerer o procedimento para a fixação de serviços mínimos na greve dos Oficiais de Justiça convocada pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça, a vigorar desde 10.01.2023, para o período entre as 13h30m e as 24h, todos os dias, por tempo indeterminado.
Tal significa que, relativamente à greve decretada para vigorar todas as quartas e sextas feiras, por tempo indeterminado, das 9h às 12h30m, sem a fixação de serviços mínimos, não é possível afirmar que o serviço urgente que não foi executado nas manhãs de quartas e de sextas-feiras poderá sê-lo da parte da tarde desses mesmos dias, na medida em que não estão fixados serviços mínimos para a greve a decorrer no período da tarde, também às quartas e sextas feiras.
Assim, a greve decretada para vigorar todas as quartas e sextas feiras no quadro da greve activa decretada pelo SOJ para vigorar todos os dias, desde 10.01.2023, por tempo indeterminado, para o período entre as 13h e as 24 horas, sem serviços mínimos e à qual podem aderir todos os funcionários judiciais, põe em causa a garantia do cumprimento das 48horas para a realização de actos urgentes quando, como refere a Recorrente e o Parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, nos dias imediatamente anteriores ou posteriores aos dias de greve se verifique a existência de um dia feriado ou de tolerância de ponto.
Atente-se, a título de exemplo, a existência de um feriado ou tolerância de ponto à terça-feira e em que tenham sido detidos cidadãos no final da tarde de segunda-feira e que não foram apresentados a interrogatório nesse mesmo dia. Não vislumbramos como cumprir o prazo de 48h nesta situação, donde, daí resultará a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos. (cfr. artigo 28.º n.º 1 da CRP).
Acresce que, salvo o devido respeito, não colhe o argumento constante da decisão arbitral de que não se justifica a fixação de serviços mínimos para estas situações posto que, nos dias de greve em apreciação sempre estarão ao serviço, pelo menos, os funcionários judiciais filiados no SFJ, dado que, como já vimos, estes também podem aderir àquela greve.
Assim, no caso, é de concluir que se impõe a fixação de serviços mínimos.
E ao não ter ponderado estas circunstâncias, o Acórdão do Colégio Arbitral viola os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade devendo, pois, ser parcialmente revogado e substituído por outro que fixe serviços mínimos para a greve em causa nas situações em que no dia imediatamente anterior ou posterior aos dias de greve se verifique existência de um dia feriado ou de tolerância de ponto.

Decisão
Face ao exposto, acordam os Juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em:
- Julgar o recurso procedente e revogar parcialmente o Acórdão Arbitral recorrido.
- Determinar a devolução dos autos ao Colégio Arbitral para que profira nova decisão nos termos supra mencionados.
- Manter, no mais, o Acórdão Arbitral recorrido.
Sem custas, por delas estar isento o Recorrido (artigo 4.º n.º 1, al. f) do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 19 de Dezembro de 2024
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
António José Alves Duarte
Eugénia Maria Guerra