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CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
REGIME DE EXCLUSIVIDADE
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DA PROVA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Sumário
1 – Por força da regra da substituição do tribunal recorrido prevista no artigo 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é irrelevante, pelo que inútil, conhecer as nulidades decisórias suscitadas, sempre que tal conhecimento não afete o conhecimento do objeto do recurso. 2 - Nos termos do artigo 19.º, n.º 2, da Lei 15/2013, de 8/2, é sempre devida remuneração no âmbito de contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade que não se concretize por causa imputável ao cliente. 3 – Esta norma visa impedir o aproveitamento abusivo do trabalho, previsivelmente mais intenso, da mediadora, por parte do cliente, no contexto de exclusividade. 4 – Com vista a ver aplicado o regime do artigo 19.º, n.º 2, da Lei 15/2013, de 8/2, cabe à mediadora alegar e demonstrar que a razão pela qual a venda do imóvel não se concretizou se ficou a dever à conduta do cliente. 5 – Nada impede que a mediadora seja ressarcida pelos danos sofridos por uma demonstrada conduta culposa da ré na formação e vigência do contrato de mediação imobiliária, devendo, nesse caso, invocar tal causa de pedir na ação respetiva.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
1 A apelante, autora nos autos, demandou a apelada, ré, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 10.750,00 EUR (dez mil, setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento.
2 Alegou, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de mediação imobiliária, nos termos do qual foi acordado, como contrapartida da prestação de serviços, o pagamento à autora da quantia correspondente a 5% do valor pelo qual a venda do imóvel da ré fosse, efetivamente, realizada. Mais alegou que, apesar de ter encontrado uma pessoa interessada na compra pelo valor do contrato de angariação, a ré recusou a proposta, tendo apresentado contraproposta desinteressante com vista a que a potencial compradora desistisse do negócio e assim evitar o pagamento da comissão.
3 A ré contestou pedindo a improcedência da ação alegando que, efetivamente, celebrou o contrato de mediação imobiliária, mas o negócio de compra e venda não foi concretizado, porque a potencial compradora não aceitou as condições de sinal e prazo para realização da escritura, o que não lhe é imputável.
4 Realizado julgamento, o tribunal de primeira instância proferiu sentença julgando a ação improcedente.
5 A apelante, inconformada com a decisão do tribunal de primeira instância, recorreu. Concluiu as alegações, em suma, da seguinte forma:
CONCLUSÕES DA APELANTE
I. Deverá considerar-se como não provado o ponto de facto n.º 11.
II. A ré considerou a proposta apresentada como uma boa proposta não colocando em questão nem o preço nem o prazo para a escritura de compra e venda.
III. Tendo apenas referido que estava dependente de uma resposta quanto a uma proposta que havia feito para outro imóvel – cfr. ponto 13 dos factos provados.
IV. Pelo que não se logrou provar se a ré aceitou ou não a primeira proposta apresentada.
V. Tanto assim é, que no facto provado n.º 19 é referido que a segunda proposta de B. apenas foi apresentada para assegurar que o imóvel seria seu.
VI. Ora, se a primeira proposta tivesse sido liminarmente rejeitada a compradora não tinha apresentado a segunda proposta para assegurar que o imóvel seria seu, mas sim porque a sua primeira proposta havia sido rejeitada.
VII. A autora cumpriu a obrigação de encontrar um comprador para o imóvel, propriedade da ré, pelo preço de 215.000,00 euros.
VIII. A primeira reação da ré foi recusar a proposta que foi feita pela interessada que a Autora diligenciou por angariar.
IX. Após ser informada de que ao recusar a proposta da potencial compradora angariada pela Autora, teria de pagar a comissão à Autora, a ré disse que aceitaria o valor, mas que o prazo para escritura seria de um ano e meio depois da data da assinatura do contrato promessa de compra e venda.
X. A ré atuou com manifesta má-fé, que não foi apreciada pelo tribunal a quo, tendo sido suscitada pela Autora na sua petição inicial, ocorrendo omissão de pronúncia nos termos do art.º 615.º, d), n.º 1 do CPC, e consequentemente a nulidade da sentença.
XI. Acresce ainda que de acordo com os factos provados nos números 2), 3), 6), 7), 13), 14), 15), 17), 18), 19) 20), 21) e 22), não poderia resultar que «A. não concluiu as suas obrigações de modo a ser-lhe devida a remuneração peticionada.», como consta da sentença recorrida.
XII. Não é lógico, com o devido respeito, que a sentença recorrida tenha reconhecido que a Autora se obrigou a diligenciar por arranjar comprador interessado para comprar o imóvel por esse preço e que no fim conclua que a Autora não cumpriu as suas obrigações.
XIII. Estando os fundamentos de facto em oposição com a decisão nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
XIV. Originando a nulidade da sentença.
XV. O tribunal a quo deveria ter-se pronunciado quanto aos fundamentos do n.º 2 do art.º 19.º da Lei nº 15/2013 de 08-02-2013, nomeadamente sobre qual foi a causa pela qual o negócio não se realizou e se essa causa é imputável à ré.
XVI. Existindo omissão de pronúncia quanto a este ponto, nos termos e para os efeitos do art.º 615.º, d), n.º 1 do CPC, resultando na nulidade da sentença recorrida.
XVII. Atendendo aos factos provados, era imperativo que se aplicasse a norma constante no n.º 2 do art.º 19.º da Lei n.º 15/2013 de 08-02-2013.
XVIII. Ora, se a ré recebe, nas suas palavras, uma “boa” proposta de 210.000,00€ com prazo de escritura de 60 dias, com 50.000,00€ de sinal, não tendo, no nosso entender, ficado provado que se a aceitou ou não;
XIX. Recebeu uma proposta ainda melhor de seguida: 215.000,00€ com prazo para escritura que poderia até 5 meses, com 100.000,00€ de sinal.
XX. Pelo que a primeira reação da ré foi querer recusar a proposta, caso contrário, no ponto 19) dos factos provados, a colaboradora da A não teria de avisar a ré que a recusa em vender implicaria o pagamento da remuneração à mediadora.
XXI. Pelo que, depois disso, seguiu-se uma reunião em que ficou provado que a ré pediu que não fosse cobrada a comissão ponto 22).
XXII. Ora, dúvidas não restam que a súbita mudança de atitude por parte da ré, se tratou de um artifício para defraudar o que constava no contrato de mediação e no n.º 2 do art.º 19.º da Lei n.º 15/2013 de 08-02-2013.
XXIII. Sendo certo que estando avisada que não poderia recusar vender o imóvel sob pena de ter de pagar a remuneração à Autora;
XXIV. A ré arranjou forma de não ter de recusar, propondo uma condição absurda à compradora para que fosse esta última a desinteressar-se pelo negócio.
XXV. Sabendo perfeitamente que propondo um prazo absurdo para a celebração da escritura, faria com fosse a compradora a desistir do negócio, eximindo-se ao pagamento da comissão.
XXVI. Não sendo de todo lógico que a ré considere uma proposta com prazo de 60 dias seja diga que afinal precisa de um ano e meio, ou seja, 547 dias até que se faça a escritura da sua casa.
XXVII. Exigindo ainda que a compradora preste 100.000,00€ de sinal.
XXVIII. Assim, deveria o tribunal a quo ter aplicado o n.º 2, do art.º 19.º da Lei n.º 15/2013 de 08-02-2013, reconhecendo que a não realização do negócio se deveu apenas e tão só a causa imputável à ré.
XXIX. Mais deveria a sentença do tribunal a quo deveria ter julgada ilegítima a atitude da ré, por esta ter excedido manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, aplicando o art.º 334.º do Código Civil.
XXX. Considerando que a ré agiu em manifesto abuso do direito.
6 A apelada respondeu ao recurso, concluindo, em suma, pela manutenção da decisão recorrida.
OBJETO DO RECURSO
7 O objeto do recurso é delimitado pelo requerimento recursivo, podendo ser restringido, expressa ou tacitamente pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC). O tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC).
8 À luz do exposto, o objeto deste recurso é o seguinte:
- Nulidades decisórias;
- Impugnação da matéria de facto;
- Erro de julgamento quanto à aplicação do regime do artigo 19.º, n.º 2, da Lei 15/2013, de 8/2.
FUNDAMENTOS DE FACTO
9 Com interesse para a decisão importa considerar o que resulta descrito no relatório que antecede, a que acrescem os seguintes factos, conforme julgados pelo tribunal de primeira instância.
FACTOS JULGADOS PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO
1) A ré é proprietária e legítima possuidora da fração autónoma designada pela letra “D”, do prédio urbano destinado a habitação (…);
2) Por escrito, datado de 20.01.2021, denominado de “CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA”, pelo prazo de seis meses, renovando-se por iguais períodos, a A. “[...] obrig[ou]-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra [...], pelo preço de 215.000,00 € (duzentos e quinze mil euros), desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis;”, tendo como objeto material o imóvel identificado no número anterior (cfr. cláusula 2.a do escrito);
3) Consta do acordo que:
“1 — O Segundo Contratante [aqui ré] contrata a Mediadora [aqui A.] em regime de Exclusividade — Nos termos da legislação aplicável, sendo o contrato celebrado em regime de exclusividade:
Só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência, não podendo o(s) segundo(s) contraente(s), nesse período, celebrar outro Contrato de Mediação Imobiliária nem proceder, por si, à venda ou arrendamento do imóvel em causa.
Será devida à Mediadora a remuneração acordada na cláusula seguinte quando o negócio visado neste contrato não se venha a concretizar por causa imputável ao(s) segundo(s) contratante(s).
Sempre que o(s) segundo(s) contratante(s), durante a vigência do presente contrato, proceda(m) por si à venda ou arrendamento do referido imóvel, impedindo a concretização do negócio com a mediação da Mediadora, será sempre devida a remuneração contratualmente acordada.
Durante a vigência deste contrato, e no caso de a Mediadora conseguir o interessado em realizar o negócio nas condições acordadas no mesmo, o(s) segundo(s) contratante(s) fica(m) obrigado(s) a realizar o negócio. Se o(s) segundo(s) contratante(s) se recusar(em) a fazer a transação ou arrendamento, ou negociarem diretamente com o interessado angariado pela mediadora, será sempre devida à mediadora a remuneração contratualmente acordada, como se o negócio se tivesse concretizado. [...]” (cfr. cláusula 4.a do escrito);
4) Mais consta do acordo que:
“1 - A remuneração será devida à Mediadora, se esta ou se uma das sociedades de mediação que integram a Rede ERA em Portugal conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no art.º 19.º da Lei n. º 15/2013, de 08 de fevereiro.
2 - O(s) segundo(s) contratante(s) obriga(m)-se a pagar à Mediadora, a título de remuneração:
A quantia de 5 % (cinco por cento) calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, não sendo essa quantia inferior a 5.000 (cinco mil euros), acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
[...]
3 - O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições:
O total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa, desde que o sinal seja igual ou superior a 10% do valor de venda.
[…]
4 - Caso a venda ou arrendamento do imóvel se venha a concretizar durante o período de vigência, ou até 6 meses após cessação deste contrato, e a entidade compradora tenha sido formal ou materialmente apresentada pela Mediadora durante o mesmo, ser-lhe-á sempre devida a remuneração contratualmente acordada” (cfr. cláusula 5.a do escrito);
5) Os atos praticados pela A., para atingir o acordado, consistiram em:
- Publicitar o imóvel através de diversas plataformas online, panfletos;
- Preparar, agendar e realizar visitas ao imóvel;
- Informar a ré acerca de todo o processo de venda, desde que o imóvel entra no mercado até à outorga da escritura de compra e venda;
- Prestar o acompanhamento aos potenciais clientes, antes e após visitas;
6) No âmbito do acordo celebrado, a A. realizou diversas visitas ao imóvel, mostrando-o a potenciais compradores, sempre na presença da ré, uma vez que esta aí residia, e era a única a ter acesso ao imóvel, ou seja, nunca foi dada nenhuma chave de qualquer porta à A.;
7) Na sequência de uma dessas visitas, com data de 12.11.2021, uma pessoa interessada subscreveu uma “FICHA DE RESERVA - ACORDO DE RESERVA DE IMÓVEL, ENTREGA DE PRÉ-SINAL E PRINCÍPIO DE PAGAMENTO DO PREÇO”, onde consta:
· cliente pretende ficar com os quadros e as cadeiras da cozinha (azul) recebi 400 € em numerário [•••]
ERA Torres Vedras Várzea Mérito Cúbico Mediação Imobiliária Unip. Lda, com sede na Rua …, Torres Vedras (São Pedro, Santiago, Santa Maria do Castelo e São Miguel) e Matacães, vem, para os devidos efeitos declarar que, como fiel depositário, recebeu de B., o valor de 400 euros mediante numerário como reserva e princípio de pagamento do preço da fração do piso 0, sito na Estrada Nacional 247, …, de que é proprietária a ré.
O valor da compra é de EUR € 210.000.
1ª Numerária serve de pré-sinal e princípio de pagamento do preço da compra do imóvel acima identificado, só sendo descontado após a assinatura do Contrato Promessa de Compra e Venda ou da escritura, caso não haja lugar a CPCV, e a sua entrega justifica-se pelo facto do comprador pretender recorrer a financiamento bancário para a aquisição, não tendo, nesta data, garantida a obtenção desse financiamento.
2ª O CPCV, de acordo com ambas as partes, será celebrado até ao dia 17/11, com entrega de um sinal no valor de 50.000 €, 'mediante a emissão de um cheque traçado, em nome do proprietário do imóvel supra referido.
3ª a Caso não haja lugar a CPCV, a Escritura de compra e venda será celebrada no prazo máximo de 60 dias a contar da presente data.
(…)
5ª A presente reserva fica dependente da aceitação por parte do proprietário na venda pelo valor supra mencionado.
6ª O potencial Promitente Comprador, após a entrega do valor supra referido a título de reserva e princípio de pagamento do preço do imóvel, não poderá desistir da celebração do negócio sem motivo justificativo e válido à luz das regras da boa fé, com excepção do previsto na cláusula 4. a.
7ª No caso de desistência injustificada por decisão do Promitente Comprador, fica este obrigado a pagar ao Promitente Vendedor, a título de indemnização, o valor correspondente aquele que se encontra titulado pelo cheque em apreço.
8ª A desistência por decisão do Promitente Vendedor implica o pagamento por este ao Promitente Comprador do dobro do montante recebido a título de reserva prestado.
8) O indicado escrito mostra-se assinado pela ré, pela A. e pela pessoa interessada na compra;
9) Em 12.11.2021, a colaboradora da autora, contactou a ré a informar que a visita tinha gerado uma proposta, e que precisava de falar com a ré com urgência;
10) A ré informou-a que podia enviar por e-mail, mas esta retorquiu que preferia pessoalmente, tendo a ré concordado em reunir na sua casa pelas 18:00 horas;
11) A colaboradora da A. informou que foi apresentada uma proposta de 210.000,00 EUR, tendo a ré informado que não a aceitaria;
12) Em conversa com a angariadora imobiliária, a ré referiu que andava a realizar visitas a outros imóveis, para comprar;
13) Em 13.11.2021, a colaboradora da A e a ré trocaram as seguintes mensagens, via Whatsapp:
“Olá. Mais uma vez e como lhe disse a proposta apresenta é boa. Estou dependente de uma resposta do que lhe falei este fim de semana o que fui ver. Só consigo responder na próxima semana. Esperemos irmos a tempo. Obrigada.
*
Olá. Assim que souber algo diga me. Obrigada e bom fim de semana. De qualquer forma vou tentar aguentar no max 3 dias porque mais que isso tenho medo que os clientes desistam.
*
Ok obrigado”
14) Em 18.11.2021, a colaboradora da ré e a A. trocaram as seguintes mensagens, via Whatsapp:
(Colaboradora da A, dirigindo-se à ré):
Será que me podia enviar uma mensagem com a sua resposta só para ficar registado sffv . Obrigada.
*
Que quer que lhe diga?
Então se Aceita ou não a proposta e qual a razão.
*
Ok.
15) Em 19.11.2021, porque a interessada pretendia assegurar que o imóvel seria seu, subscreveu nova “FICHA DE RESERVA - ACORDO DE RESERVA DE IMÓVEL, ENTREGA DE PRÉ-SINAL E PRINCÍPIO DE PAGAMENTO DO PREÇO;
16) Da indicada ficha de reserva consta:
· cliente pretende ficar com os quadros e as cadeiras da cozinha (azul) recebi 400 € em numerário [...]
ERA Torres Vedras Várzea Mérito Cúbico Mediação Imobiliária Unip. Lda, com sede na Rua …, Torres Vedras (São Pedro, Santiago, Santa Maria do Castelo e São Miguel) e Matacães, vem, para os devidos efeitos declarar que, como fiel depositário, recebeu de C., o valor de 400 euros mediante numerário como reserva e princípio de pagamento do preço da fracção do piso 0, sito (…).
O valor da compra é de EUR € 215.000.
1ª a Este cheque serve de pré-sinal e princípio de pagamento do preço da compra do imóvel acima identificado, só sendo descontado após a assinatura do Contrato Promessa de Compra e Venda ou da escritura, caso não haja lugar a CPCV, e a sua entrega justifica-se pelo facto do comprador pretender recorrer a financiamento bancário para a aquisição, não tendo, nesta data, garantida a obtenção desse financiamento.
2ª O CPCV, de acordo com ambas as partes, será celebrado até ao dia 24-11-2021, com entrega de um sinal no valor de € 50.000, mediante a emissão de um cheque traçado, em nome do proprietário do imóvel supra referido.
3ª Caso não haja lugar a CPCV, a Escritura de compra e venda será celebrada no prazo máximo de 90 + 30 dias (se necessário) a contar da presente data.
[...]
5ª A presente reserva fica dependente da aceitação por parte do proprietário na venda pelo valor supra mencionado.
6ª O potencial Promitente Comprador, após a entrega do valor supra referido a título de reserva e princípio de pagamento do preço do imóvel, não poderá desistir da celebração do negócio sem motivo justificativo e válido à luz das regras da boa fé, com exceção do previsto na cláusula 4.ª.
7ª No caso de desistência injustificada por decisão do Promitente Comprador, fica este obrigado a pagar ao Promitente Vendedor, a título de indemnização, o valor correspondente aquele que se encontra titulado pelo cheque em apreço.
8ª A desistência por decisão do Promitente Vendedor implica o pagamento por este ao Promitente Comprador do dobro do montante recebido a título de reserva prestado
17) O escrito mostra-se assinado pela interessada;
18) No dia 19.11.2021, a A. informou a ré, através de e-mail, do seguinte:
“Boa noite
A cliente que fez a oferta de 210.000 euros, para o seu apartamento, está de facto decidida a comprar o mesmo, e acabou de avançar com uma oferta pelo valor que colocou à venda - 215.000 euros!
Estamos muito felizes com esta reserva, pelo valor:
CPCV imediato, com sinal de no mínimo 50.000 euros (podendo ser aumentado até 100.000 euros se for mais conveniente para si, e ajudar a reservar já o apartamento que gostaria de adquirir).
Flexibilidade para a realização da escritura, dando naturalmente tempo a que encontre a sua nova casa, sendo a proposta 60 dias, mas seria tranquilo até 90 dias.
Como lhe foi dito anteriormente ela gostaria de ficar com as cadeiras, mas esse é um tema que teríamos de ver depois, tal como disse que gostaria que lhe oferecesse um quadro, porque adorou as suas obras!
Creio que com este reforço de valor - venda pelo valor total - estamos em condição de partir para o processo de qualificação financeira para a ajudar já a conseguir o seu financiamento! Recomendo que agendemos uma reunião com a nossa Diretora Financeira, HH porque estou certa que conseguirá uma excelente condição para si.
Entretanto ligaremos para si, para lhe dizer todos os dados que precisamos e passos seguintes.
Obrigada!
Cumprimentos,
ERA Torres Vedras Várzea”:
19) Em 22.11.2021, através de chamada telefónica, a diretora comercial da A. informou a ré que a recusa em vender o imóvel implicaria a cobrança da remuneração prevista no contrato de mediação imobiliária;
20) Em 23.11.2021, na sede da A., reuniram a diretora comercial e a consultora da A, com a ré, a fim de poderem resolver toda a situação;
21) No seguimento da mencionada reunião, a ré declarou não pretender assinar a proposta, porque estava com dúvidas se pretendia vender o imóvel e se iria encontrar outro imóvel, pretendendo refletir;
22) Na mesma reunião, pediu a ré que “não seja cobrada a comissão”, porquanto “não tem como pagar”;
23) Dada a postura da ré, foi esta informada de que este lhe seria remetido por e-mail para posteriormente o devolver assinado;
24) Em 23.11.2021, a A. comunicou à ré, através de e-mail, o seguinte:
“Olá de novo
Como combinado presencialmente reenvio o mail de dia 19 de novembro, com a informação da proposta dos 215.000 euros bem como a ficha de oferta de 215.000 euros assinada peia potencial compradora.
Nessa ficha, e que resume as condições do negócio / reserva, como falado presencialmente, necessito que assine onde diz “vendedor”. e coloque a sua decisão, em qualquer espaço que entender.
Pode enviar digitalizado.
Obrigada
Cumprimentos,
ERA Torres Vedras Várzea’’;
25) Em 25.11.2021, a ré remeteu à A. o seguinte e-mail:
“Boa Dia,
Recebi o seu email com a proposta da eventual cliente e estive a ponderar.
Como vocês sabem, trata-se da venda da minha habitação própria e permanente não tendo outro sítio para poder assentar até encontrar uma nova casa de família. Pedi-vos inclusivamente que tivessem em conta esta particularidade e ajuda na pesquisa mas que se verifica difícil por estes dias.
Depois de ponderar com a minha família, não posso aceitar as condições propostas pela cliente. Por isso, contraproponho:
Valor de Venda: 215.000.00
Sinal: 100.000,00 euros com assinatura CPCV pois o mercado está caro e vou precisar de dar um sinal na próxima casa, escritura a 1 ano e meio da data CPCV, sendo eu a ficar encarregue de agendar a escritura definitiva.
Obrigada”;
26) Na mesma data, a A. informou a ré, através de e-mail, do seguinte:
“Boa tarde,
Acusamos a receção do seu email e reiteramos que a ficha de reserva deverá ser assinada, apesar da sua presença na loja, em 23/11/2021, e resposta pelo mail recebido hoje, uma vez que, como explicado presencialmente, os nossos procedimentos internos assim o determinam.
Quanto à sua resposta às condições negociais:
- a compradora tem disponibilidade para CPCV imediato e escritura a 30/60/ou 90 dias, como foi informada desde o início, e com o sinal que, como já a tínhamos informado, poderia ir até 100.000 euros;
- adicionalmente, a compradora, e para lhe facilitar o tempo mais do que necessário a preparar a entrega do imóvel em venda, aceitou 90 + 30 ou até 90 + 60 dias, como máximo, tal como lhe foi transmitido por diversos meios;
- a colocação de um imóvel à venda, e titulado por um contrato de mediação imobiliária, é um ato de responsabilidade, e de boa fé negocial, que não encontra reflexo na sua proposta de escritura a um ano meio;
- ao anunciar a venda da sua casa, assume a responsabilidade, perante a ERA, e perante os potenciais compradores, de venda da mesma, em prazo útil, exequível, e pelo valor acordado ou anunciado;
- no caso concreto estamos perante uma venda pelo valor anunciado.
- a aceitação da venda, nestes termos, é uma decisão sua, naturalmente, mas como foi anteriormente informada, nos termos previstos na cláusula 4a, nº 2, al. d), do Contrato de Mediação n.º 1246, celebrado em 20.01.2021, em vigor até 20.01.2022, quando a mediadora, durante a vigência do contrato, consegue interessado em realizar o negócio nas condições acordadas no mesmo, fica obrigada a realizar o negócio, e caso se recuse será sempre devida à mediadora a remuneração contratualmente acordada, como se o negócio se tivesse concretizado vide, neste sentido, o art.º 19º da Lei 15/2013 de 8 de fevereiro.
- Estou certa de que compreenderá que, perante os fatos, não nos resta alternativa se não exigir a remuneração devida — comissão de venda de 5% acrescida de IVA à taxa legal em vigor -, a qual nos deverá ser paga com efeitos imediatos, reservando-se a gerência no direito de recurso a cobrança coerciva, com recurso à via judicial, caso o pagamento não se efetive no prazo máximo de 3 dias úteis.
- Não obstante, trata-se de um excelente negócio, com inegável rentabilidade para si. O valor de mercado da sua habitação, não cresceu 50% em 2 anos. E, como já lhe expliquei, tudo indica que os valores de mercado vão descer nos próximos meses. Acreditamos que o bom senso, e a boa fé negocial, imperarão neste caso concreto, pelo que a nossa expetativa é que nos indique que podemos agendar o CPCV, com efeitos imediatos, com o sinal de 100.000 euros, e com marcação da escritura a cargo da compradora, no prazo máximo de 90 dias, prorrogável por mais 30, em caso de necessidade, tal como vertido na proposta pelo valor, de 19/11/2021, da qual lhe foi dado imediato conhecimento.
Cumprimentos,
Direção Comercial
ERA Torres Vedras Várzea”
27) Em resposta a tal e-mail, em 26.11.2021, por e-mail, a ré transmitiu à autora:
“Boa tarde,
Acuso a receção do vosso email.
Quanto ao teor do mesmo, sempre vos informei que ao vender a minha casa, teria que adquirir outra, para casa de morada de família.
Como sabem e têm acompanhado, a procura de nova casa de morada de família tem sido muito difícil face às atuais condições de mercado, bem como às novas condições relacionadas com o COVID.
Assim sendo, solicito que tentem obter a concordância do potencial comprador para as condições de venda que vos transmiti.
28) Na mesma data, a autora, transmitiu, por e-mail à ré:
“Boa noite
No meu email de ontem, no que respeita às condições negociais, já tinha a resposta ao tema do prazo, que transcrevo:
“ - a compradora tem disponibilidade para CPCV imediato e escritura a 30/60/ou 90 dias, como foi informada desde o início, e com o sinal que, como já a tínhamos informado, poderia ir até 100.000 euros;
- adicionalmente, a compradora, e para lhe facilitar o tempo mais do que necessário a preparar a entrega do imóvel em venda, aceitou 90 + 30 ou até 90 + 60 dias, como máximo, tal como lhe foi transmitido por diversos meios”
Assim sendo, aguardamos a sua resposta definitiva, para que possamos encetar os passos seguintes, ou a marcação do CPCV com o prazo máximo de 150 dias, ou então o pagamento da comissão se decidir não vender.
Obrigada
Cumprimentos,
Direção Comercial
ERA Torres Vedras Várzea
29) Em 29.11.2021, a ré, por e-mail, comunicou à autora:
“Boa Tarde
Como sempre falei com a vossa imobiliária, inclusive pedi a vossa ajuda para encontrar casa, preciso de encontrar nova casa de família. Têm alguma para propor? Solicito que tentem obter a concordância do potencial comprador para as condições de venda que vos transmiti, e que reproduzo:
Valor de Venda: 215.000,00
Sinal: 100.000,00 euros com assinatura CPCV pois o mercado está caro e vou precisar de dar um sinal na próxima casa escritura até 1 ano e meio da data CPCV, sendo eu a ficar encarregue de agendar a escritura definitiva.
Atenciosamente
30) Em 30.11.2021, a autora, por e-mail, comunicou à ré:
“Bom dia
Como sabe sempre lhe enviamos sugestões, apesar de até à data da oferta nos termos indicado um valor totalmente diferente daquele que nos informou quando veio receber a oferta presencialmente. Existem no mercado várias alternativas, nossas e de outras marcas.
No que respeita à oferta, remetemos para os mails anteriores e nada mais podemos acrescentar, pelo que o processo está entregue desde já ao nosso Gabinete Jurídico, para cobrança da comissão devida.
Cumprimentos,
Direção Comercial
ERA Torres Vedras Várzea"
FACTOS JULGADOS NÃO PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO
A) Os atos praticados pela autora, para atingir o acordado, referido em 5), consistiram em:
- Fotografar o imóvel, tendo em vista a divulgação do mesmo;
- Recolher toda a informação relativa ao imóvel;
- Publicitar o imóvel através de placas publicitárias, etc.;
- Efetuar deslocações de cerca de 40 km por cada visita, uma vez que o imóvel dista cerca de 20 km da sede da autora, em Torres Vedras;
- Prestar o devido acompanhamento aos potenciais clientes, antes e após visitas;
- Estar disponível para todos os demais esclarecimentos necessários;
B) A ficha de reserva de imóvel, referida em 7), corresponde a um acordo de reserva de imóvel celebrado entre a interessada e a ré;
C) Na reunião referida em 10) e 11), a colaboradora da A. informou que iria ver com a senhora que, alegadamente, apresentou a proposta se esta estaria disposta a subir o valor;
D) Tendo pedido para a ré assinar a ficha de reserva referida em 7), com a informação que seria necessário assinar para demonstrar que lhe foi dado conhecimento da proposta;
E) Tendo a ré referido que nunca aceitaria uma proposta abaixo do valor fixado;
F) No constante em 12), a ré referiu que andava a realizar visitas a outros imóveis, para comprar, com vista à aceitação da proposta, nunca tendo recusado o valor proposto, o sinal ou prazo para outorga de escritura pública ou celebração de contrato de compra e venda por documento particular autenticado;
G) O constante em 15) sucedeu porque a interessada pretendia minorar eventuais ansiedades da ré na decisão de venda;
H) Na chamada telefónica referida em 19), a diretora comercial da A. reiterou a informação que já tinha sido remetida por e-mail para a ré acerca da nova proposta;
I) Na sequência desse telefonema a ré recusou a proposta, alegando em suma que a considerara excelente, mas que teria medo de aceitar e de não encontrar uma nova casa para si e para o seu filho, referindo também que a nova casa teria de corresponder ao nível de vida que o filho tem atualmente;
J) Na reunião mencionada em 20), a ré nunca referiu qualquer prazo para a outorga da escritura pública de aquisição ou o valor do sinal;
K) Na indicada reunião, a ré recusou-se a assinar o acordo de reserva que havia sido assinado pela cliente B., em 19.11.2021;
L) E referiu que não podia aceitar a oferta e que não podia vender o imóvel;
M) A ré foi informada que B. não aceitava a proposta de prazo para a realização da escritura.
CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO Enquadramento legal
10 O enquadramento legal relevante a considerar na análise e solução deste caso é o seguinte: Artigo 130.º do Código de Processo Civil
Não é lícito realizar no processo atos inúteis Artigo 640.º, do Código de Processo Civil
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Artigo 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil
Ainda que declare nula a decisão que põe termos ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação. Artigo 2º, n º 1 da Lei 15/2013, de 8/2
A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte de empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis. Artigo 16 da Lei 15/2013, de 8/2
1- O contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito.
2 - Do contrato constam, obrigatoriamente, os seguintes elementos:
a) A identificação das características do bem imóvel que constitui objeto material do contrato, com especificação de todos os ónus e encargos que sobre ele recaiam;
b) A identificação do negócio visado pelo exercício de mediação;
c) As condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável;
d) A identificação do seguro de responsabilidade civil ou da garantia financeira ou instrumento equivalente previsto no artigo 7.º, com indicação da apólice e entidade seguradora ou, quando aplicável, do capital garantido;
e) A identificação do angariador imobiliário que, eventualmente, tenha colaborado na preparação do contrato;
f) A identificação discriminada de eventuais serviços acessórios a prestar pela empresa;
g) A referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente.
3 - Quando o contrato for omisso quanto ao respetivo prazo de duração, considera-se celebrado por um período de seis meses.
4 - Os modelos de contratos com cláusulas contratuais gerais só podem ser utilizados pela empresa após validação dos respetivos projetos pela Direção-Geral do Consumidor.
5 - O incumprimento do disposto nos n.ºs 1, 2 e 4 do presente artigo determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação.
6 - O disposto nos números anteriores aplica-se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa.
Artigo 19.º n.ºs 1 e 2, da Lei 15/2013, de 8/2
1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
* Artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil
A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
*
11 Na análise das questões objeto de recurso, todas as referências jurisprudenciais respeitam a acórdãos publicados em www.dgsi.pt, exceto quando expressamente mencionada publicação diferente. 1. Nulidades
12 Em regra, quando arguida a nulidade da decisão final, ainda que a julgue verificada, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação – artigo 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – trata-se da regra da substituição do tribunal recorrido.
13 A interpretação desta norma leva à conclusão de que é inútil conhecer da nulidade, na medida em que tal conhecimento não afete o conhecimento do objeto do recurso.
14 É o que também decorre do Ac. TRC, de 27.6.2023, Pr. 2808/22, segundo o qual “[n]a apelação, a regra é da irrelevância da nulidade, uma vez que ainda que julgue procedente a arguição e declare nula a sentença, a Relação deve conhecer do objeto do recurso (artigos 665.º, nº 1, do Código de Processo Civil).
15 Só assim não será, quando a nulidade verificada inviabilizar o conhecimento do objeto do processo, razão pela qual é evidente que uma tal opção importa sempre a necessidade de, previamente, ainda que implicitamente, ajuizar do prejuízo para o conhecimento do objeto do processo. O que se impõe seja feito à luz do caso concreto.
16 A este propósito, ainda que por outras palavras, diz o Ac. TRL, de 3/12/2024, Pr. 2844/20.8T8ALM-E.L1: “De todo o modo, sempre se dirá que, logicamente, terão de ser casos em que possa ser afirmada a utilidade das duas pronúncias (em simultâneo), isto é, em que possam conviver com utilidade – o que significa que terão de ser casos em que o conhecimento “do objeto da apelação” não é possível relativamente a todo o objeto da decisão impugnada (tertium non datur)”.
17 Ou seja, o juízo a fazer em cada caso impõe que se responda (ainda que de forma implícita) à questão de saber se a nulidade suscitada afeta o conhecimento do objeto do recurso na sua totalidade. Se a resposta for afirmativa, deve ser conhecida a nulidade, ficando prejudicado o conhecimento do objeto. Se for negativa, o conhecimento expresso da nulidade no processo é irrelevante.
18 Ainda como decorre do Ac. do TRP de 25-03-2021, pr. 59/21.7T8VCD.P1, “[p]or força da regra da substituição ao tribunal recorrido (artigo 665.º do Cód. Proc. Civil), quando a nulidade da sentença recorrida é apenas um dos vários fundamentos de impugnação dessa decisão, a arguição da nulidade é um ato inútil e não necessita sequer de ser apreciada pela Relação se a sentença puder ser confirmada ou revogada por outras razões”.
19 À luz do exposto, e aplicando o princípio interpretativo enunciado, neste caso, afigura-se desnecessário o conhecimento das alegadas nulidades da decisão recorrida, por constituir uma pronúncia inútil já que, à luz do artigo 665.º, n.º 1., do Código de Processo Civil, o conhecimento do objeto do recurso não se mostra prejudicado, ainda que fossem julgadas verificadas as nulidades suscitadas. 2. Impugnação da matéria de facto
20 A Recorrente entende que deverá considerar-se como não provado o concreto ponto de facto n.º 11, do qual resulta que «a colaboradora da A informou que foi apresentada uma proposta de 210 000,00 EUR, tendo a R. informado que não a aceitaria.”
21 Sem prejuízo de notar-se que a apelante não aduziu os concretos meios de prova que levariam à decisão pretendida, consideramos que, em tese, a impugnação da matéria de facto apenas deve ser reapreciada na medida da sua relevância jurídica para a decisão final, dado o caráter instrumental que assume em relação ao mérito do litígio.
22 Nas demais situações, a matéria de facto não deve ser reapreciada sob pena de violação dos princípios da utilidade (artigo 130.º, do Código de Processo Civil), economia e celeridade processuais (artigos 2.º, n.ºs 1 e 6.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) – neste sentido cf. entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 17.05.2017, Pr. nº 4111/13.4TBBRG; TRC de 27.5.2014, Pr. nº. 104/12.0T2AVR.C1; TRL de 24/9/2023, Pr. 17639/20.0T8PRT.L1, de que a signatária foi adjunta; e Carlota Spínola em O segundo grau de jurisdição em matéria de facto no processo civil português, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pp. 44-45.
23 No presente caso, conforme se verá, a questão de facto suscitada pela apelante em sede de impugnação da matéria de facto é irrelevante para a decisão da causa e do recurso, isto é, não assume relevância jurídica ou influência na decisão do caso, qualquer que seja a solução de direito que se equacione, ainda que fosse decidida a contento e de acordo com o pretendido pela apelante.
24 A apelante pretende que se considere não provado que a apelada não aceitou a primeira proposta apresentada pela pessoa interessada na aquisição. Porém, tal facto não releva, dado que existiu uma segunda proposta (o que, aliás, sugere que a primeira não terá sido aceite) correspondente ao valor constante do contrato de mediação, e é quanto a essa proposta que a apelante considera que a apelada incumpriu. É assim irrelevante a impugnação quanto ao facto respeitante à primeira proposta, acrescida, aliás, pela circunstância de que a ser deferida a pretensão impugnatória, tal matéria desapareceria dos factos provados, por passar a ter-se por não provada, o que, no presente caso, nada contribuiria para a pretensão da apelante (notamos que factos não provados não equivale a prova do contrário – ver sobre factos não provados, a título de exemplo, Ac. TRC, de 12/12/2017, Pr. 320/15.0T8MRG.C1
25 Em conclusão, e pelos fundamentos expostos, decide este tribunal não conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. 3. Erro de julgamento
26 Com fundamento em erro de julgamento, a apelante entende que o tribunal deveria ter condenado a apelada a pagar o valor da comissão acordada contratualmente, em conformidade com o artigo 19.º n.º 2, da Lei 15/2013, de 8/2.
27 O diploma em causa regula o regime jurídico a que fica sujeito o acesso e o exercício da atividade de mediação imobiliária e a norma do artigo 19.º, a remuneração das empresas ou pessoas que exercem a atividade de mediação.
28 O contrato de mediação imobiliária tem ínsito um acordo de procura de interessados, por parte de uma empresa especializada, para a realização de negócios com o seu cliente com vista à constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis – cf. artigo 2.º da Lei 15/93.
29 A atividade é remunerada, sendo a remuneração e suas condições, elementos que devem constar obrigatoriamente do contrato escrito, sob pena de nulidade do mesmo - artigo 16.º n.ºs 2., al. c), e 5, da Lei.
30 É genericamente aceite a regra de que a remuneração é devida apenas com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, obrigando pois a uma relação causal entre a celebração do negócio e a atividade do mediador, nos termos acordados - neste sentido, vejam-se, entre outros, os seguintes acórdãos: STJ de 22/01/2009, Pr. 976/08; STJ de 23/04/2009, Pr. 204/07.5TVPRT.S1; STJ de 03/04/2008, Pr. 4498/07; STJ de 29/09/2011, Pr. 6067/07.3TCLRS.L1.S1; TRC, de 10/07/2007, Pr. 3631/05.9TBAVR.C1; TRL de 12/07/2012, Pr. 1187/11.2TBPDL.L1-7; e TRL de 08/03/2012, Pr. 1724/09.2T2AMD.L1-2.
31 Este regime remuneratório sofre um desvio nas situações em que o contrato é celebrado em regime de exclusividade e o negócio não se concretiza por causa imputável ao cliente (vendedor). Nessas situações, a mediadora tem o direito de receber a comissão acordada.
32 Pese embora o atual regime, decorrente da Lei 15/2013, não estabeleça a noção de exclusividade, ela há de entender-se como um acordo estabelecido entre as partes de que apenas aquela mediadora promova o negócio, sendo no mais conformado pelas cláusulas concretamente definidas e aceites pelas partes.
33 Pode ser uma exclusividade simples – se o cliente se obrigar a não contratar outra mediadora para o mesmo negócio -, ou reforçada – se, além disso, se obrigar a não promover por si mesmo o negócio – cf. TRL de 6/1/2022, Pr. 237/19.9T8MFR.L1-6.
34 Sobre o regime da exclusividade, Higina Castelo em artigo intitulado “Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade” publicado na Revista de Direito Comercial refere que “[a]pesar de a lei não fazer qualquer referência ou distinção a propósito da prestação da mediadora nos contratos de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, devemos entender que, quando a mediadora tem o benefício da exclusividade, ela está sempre obrigada à prestação, ou seja, está obrigada a desenvolver a atividade no sentido de obter interessado no contrato e/ou de levaras negociações a bom porto”.
35 Compreende-se a especialidade do regime decorrente do artigo 19.º, n.º 2, da Lei 15/2013, na medida em que visa impedir o aproveitamento abusivo do trabalho, previsivelmente mais intenso, da mediadora, por parte do cliente, no referido contexto de exclusividade. Não fora esta norma, as expectativas do promotor e investimento em relação ao resultado sairiam frustradas se o negócio por si promovido não se realizasse, por exemplo, porque o cliente decidiu vender por meio de entidade diversa da contratada, ou recusou realizar a venda nas condições acordadas.
36 Diz ainda Higina Castelo na obra citada que, nos casos de exclusividade “a remuneração da mediadora não depende do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente. A remuneração da mediadora depende aqui quase unicamente do cumprimento da sua obrigação (diligenciar no sentido de encontrar interessado) e do sucesso desta (apresentação de interessado). De enfatizar que a aplicação da norma contida no n.º 2 do art.º 19 implica a prova da efetiva obtenção de alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação. Provando a mediadora que efetuou com sucesso a sua prestação, o cliente poderá eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável”.
37 Fora do contexto da exclusividade, mantém-se a regra ínsita no artigo 19.º, n.º 1 - só com a conclusão do negócio pode o mediador ver a sua remuneração paga.
38 De resto, é à luz do concretamente acordado entre as partes, e em conformidade com as respetivas declarações negociais, que se hão de retirar os efeitos que o negócio visa produzir.
39 Ora, neste caso, como acertadamente refere o tribunal de primeira instância (ênfase aditada): Nos termos acordados, a A. (mediadora) vinculou-se para com a R. (a comitente ou solicitante), em troca de uma remuneração correspondente a uma percentagem de 5%, e no mínimo de 5 000 EUR, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, sobre o valor da venda efectivamente realizada, a encontrar interessado na compra, pelo preço acordado com a R., desenvolvendo para o efeito acções de promoção e recolha de informações sobre o negócio pretendido e características do imóvel. Da matéria de facto provada, resulta que a A. encontrou pessoa interessada na aquisição do imóvel pelo preço de 215 000,00 EUR. Todavia, não resultou provado que a R., em alguma ocasião e previamente à obtenção de interessado na compra do imóvel pela A., se tenha vinculado quanto às condições de pagamento do preço ou prazo para a realização do negócio definitivo (cfr. arts. 224.º, 228.º e 230.º, todos do Código Civil), as quais, aliás, são acordadas entre as partes interessadas no negócio principal, não resultando, por isso, que a R. tenha violado quaisquer obrigações que, eventualmente, tenha assumido”.
40 A argumentação da apelante de que a conduta da apelada foi a de criar condições que inviabilizassem o negócio não ficou demonstrada, tanto mais que não é totalmente descabida a preocupação da apelada quanto à busca de uma solução de habitação para si e a consequente necessidade de necessitar de prazo alargado para tal desiderato, considerando, ademais, a instabilidade do mercado imobiliário reconhecida particularmente nos últimos anos.
41 Ainda que se admita que o prazo requerido foi acima do que é habitualmente considerado para a realização de escritura, não pode daqui extrapolar-se, sem outros elementos, que com a fixação desse prazo, a ré inviabilizou propositadamente o negócio.
42 Considerando a apelante que a questão do prazo para a celebração do negócio definitivo era elemento relevante para a contratação, podê-lo-iam/devê-lo-iam as partes ter considerado. Não o fizeram.
43 Em conclusão, não se mostra demonstrado que a razão pela qual a venda do imóvel não se concretizou se ficou a dever à conduta da apelada, não se evidenciado nessa medida erro de julgamento da primeira instância.
44 De acordo com o que ficou exposto, ficam igualmente afastados a má-fé e o abuso de direito que a apelante imputa à apelada.
45 Numa última nota, dir-se-á que nada impediria que a apelante fosse ressarcida, nos termos gerais, pelos danos sofridos por uma demonstrada conduta culposa da ré na formação e vigência do contrato de mediação imobiliária. No entanto, tal causa de pedir não foi invocada nesta ação, que se limitou à pretensão e fundamento respetivo do invocado direito à contraprestação por parte da apelada pelos serviços convencionados e prestados – Cf. Ac TRE, de 19/12/2019, Pr. 24618/18.6YIPRT.E1. 4. Custas
46 Nos termos do artigo 527.º, do Código de Processo Civil, a apelante deverá suportar as custas (na modalidade de custas de parte), porque vencida, face à decisão proferida na presente apelação.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente recurso, confirmando a decisão impugnada.
Custas pela apelante.
O presente acórdão mostra-se assinado e certificado eletronicamente.
Lisboa, 7 de janeiro de 2025
Rute Sabino Lopes
Paulo Ramos de Faria
Diogo Ravara