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EXECUÇÃO
ENCARREGADO DA VENDA
REMUNERAÇÃO
ACORDO COM AGENTE DE EXECUÇÃO
INOPONIBILIDADE ÀS PARTES
Sumário
(Sumário elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil) 1. A existência de qualquer acordo estabelecido entre o agente de execução e o encarregado de venda, relativamente ao valor da remuneração deste, é inoponível, quer às partes no processo executivo, que dele não tiveram conhecimento, quer ao tribunal onde pende a execução. 2. Numa venda no âmbito de uma ação executiva, entre o encarregado de venda e a administração da justiça é realizado um contrato processual, atípico, bilateral, que se inclui na categoria genérica dos contratos de prestação de serviços, subordinado às regras supletivas do contrato de mandato, com uma finalidade específica e que tem regulamentação legal típica, vertida no CPC e noutros instrumentos legais que regulam a retribuição do serviço prestado. 3. Não se trata, no entanto, de uma relação contratual de mandato típico em que a entidade encarregada de venda apenas se obriga simplesmente a praticar ou desenvolver determinada atuação, comportamento ou diligência com vista à produção do resultado pretendido pelo credor. 4. Neste tipo contratual, de modo a permitir o recebimento da remuneração definida na lei, existe uma obrigação de resultado mitigado, que se traduz na concretização de uma venda (ou de ato de conteúdo análogo), a qual está subordinada a um conjunto de regras e procedimentos legalmente previstos. 5. Só no caso de a venda não se realizar por causa não imputável ao encarregado da venda é que poderá, excecionalmente, ser-lhe fixada pelo tribunal, uma remuneração, nos termos do art.º 17.º do RCP, pelas várias diligências realizadas com vista à concretização da venda do imóvel penhorado.
Texto Integral
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório:
Na ação executiva de que os presentes autos de recurso em separado constituem apenso, L, S.A., apresentou, no dia 29 de abril de 2024, um requerimento de cujo cabeçalho consta que «L, Encarregada de Venda nomeada e mandatada nos autos à margem referenciados, a 26 de janeiro de 2015, após verificação interna, levada a cabo pelos nossos serviços de contabilidade, e atenta às várias tentativas frustradas junto dos intervenientes do processo quanto ao ressarcimento dos valores dos seus honorários e despesas provenientes das várias diligências resultantes com a conclusão do processo, vem, junto do Ilustre Meritíssimo Sr. Dr. Juiz, expor e requerer o seguinte:», descrevendo, em seguida, diversas diligências que alega ter realizado
Alega, nesse requerimento, além do mais:
«25. Da apreciação processada, tratando-se de um processo de execução, em que a L está mandatada para as funções de Encarregada de Venda, resultaram os valores com despesas e honorários que agora se dão a conhecer nos termos aqui representados, nomeadamente, no que respeita aos valores a reclamar.
26. Para o efeito, consideram-se os seguintes:
27. Custos com viatura em deslocações ao local do bem penhorado para venda, a 05.02.2015, 15.04.2015 e 29.04.2015, no valor de € 796,30 com IVA à taxa legal em vigor (V. doc 3).
28. Honorários da Encarregada de Venda, devidamente mandatada junto dos autos do processo, pelos serviços prestados para o efeito, calculados sobre o valor da causa, ou seja, € 53.722,99 e decorrente da informação prestada pelo Sr. AE, que se cifra em € 3.303,96 com IVA à taxa legal em vigor (V. doc 4).
29. Perfazendo assim e dando cumprimento, pelos serviços prestados pela L, por inerência às condições contratuais e previstas nos termos do n.º 6 do Art.º 17º do Regulamento das Custas Processuais, leia-se: (...), o valor total de € 4.100,27 com IVA à taxa Legal em Vigor.
Deste modo,
30. A L ao ver frustradas todas as tentativas de boa cobrança quanto aos valores que lhe são devidos, ultrapassados que estão todos os prazos previstos para o efeito, e dos prejuízos dali resultantes, vê-se obrigada, junto do Ilustre Meritíssimo Sr. Dr. Juiz, expor e requerer pelo ressarcimento dos valores devidos.
Acresce que,
31. A L à presente data, não logrou pelo ressarcimento do valor em causa, nem tão pouco, uma resposta da parte quer do Sr. Agente de Execução ou Exequente, com vista ao contraditório que permitisse à L ver-se ressarcida do valor que lhe é devido pelos serviços prestados.
32. A L, enviou diversas comunicações, desde 30 de abril de 2015, a solicitar o pagamento dos serviços por si prestados, conforme previsto e aceite pelo Agente de Execução e pela Exequente.
Reclamando assim,
33. Pelos serviços prestados, conforme supra exposto, resultando no valor a reclamar com total justiça, o valor total de € 4.100,27 com IVA à taxa Legal em Vigor.
34. Aos quais acresce agora os juros de mora vencidos no valor de € 3.491,53.
35. Somando, à data, o valor global de € 7.591,80 (V. doc 5)».
Conclui desta forma:
«Face ao exposto, muito respeitosamente, requer;
Em exigível acrescento material a apreciação e determinação da liquidação dos Honorários da Encarregada de Venda respeitantes à sua remuneração e despesas, tendo em consideração o tempo decorrido e em conformidade com a indolência praticada pelo Sr. Agente de Execução e Exequente, acrescido agora, dos valores de juros pela falta de pagamento dentro do prazo previsto e minimamente aceitável e de acordo com o supra expresso. Omissão que compete suprir.
Assim, em final, e sempre com mui douto suprimento de V. Exa, se dando provimento ao requerido, e em consequência ser determinado o pagamento à Encarregada de Venda nos termos devidamente justificados e legais, conforme o vem requerido, no valor total de € 7.591,80 (sete mil quinhentos e noventa e um Euros e oitenta cêntimos)».
*
No dia 7 de maio de 2004, o senhor agente de execução pronunciou-se assim sobre tal requerimento:
«FF, Agente de Execução nomeado nos presentes autos, notificado do Requerimento da L, vem, muito respeitosamente, esclarecer a V. Exa. o seguinte:
O signatário veio substituir o anterior agente de execução Dr. LS.
Por requerimento das executadas e aceite pelo Exequente, foi o imóvel vendido por negociação particular, publicidade esta feita pelo signatário na Plataforma E-Leilões.
Neste processo de venda, que culminou com a efetiva venda do imóvel, não houve qualquer intervenção da L.
Todos os atos prévios à inserção do imóvel na Plataforma E-Leilões e posteriores, nomeadamente, outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel e entrega efetiva do imóvel ao Adquirente, foram praticados pelo signatário, não tendo havido intervenção da L.
Pelo que desconhece o signatário, nem tem como saber, a que título está a L a solicitar um pagamento que, salvo o devido respeito, para além de excessivo, parece ser inaplicável ao caso concreto.
É quanto cumpre esclarecer V. Exa.»
*
No dia 20 de maio de 2024, a L, S.A., apresentou requerimento de resposta, que concluiu assim:
«Termos nos quais e nos melhores de direito, reitera-se junto do Tribunal seja realizada pelo MMª. Juíz de Execução a exigível apreciação e fixação da remuneração que legitimamente e legalmente cabe à Encarregada de Venda, a título de honorários pela actividade desenvolvida no processo, os quais a serem fixados até ao máximo de 5%, tendo por referência o valor da causa ou dos bens vendidos, nos termos dos nºs 1 e 6 do Art.º 17º do Regulamento de Custas Processuais, acrescendo o previsto em Tabela IV do diploma legal referido quanto a deslocações efectuadas».
*
No dia 14 de junho de 2024, o senhor juiz a quo proferiu o seguinte despacho (Ref.ª 151590344):
«Requerimento de 20.05.2024 (comunicação de 24.05.2024):
Compulsados os autos, constata-se que no dia 08.05.2014 teve lugar a diligência de abertura de propostas em carta fechada do imóvel penhorado nos autos, a qual se frustrou por falta de propostas, tendo os autos prosseguido para venda por negociação particular e sido nomeado como encarregado da venda o Sr. Agente de Execução, Dr. LS, que, por sua vez, nomeou a sociedade “UMI – Mediação Imobiliária, Lda” e, em janeiro de 2015, sem ouvir previamente as executadas, nomeou, em substituição daquela, a sociedade “L, S.A.”, ora requerente.
Por essa razão, na sequência de reclamação por estas apresentada, por despacho de 11.03.2015, foi determinada a notificação das executadas “para, em 10 dias, se pronunciarem quanto à nomeação do encarregado da venda, suprindo-se assim as omissões apontadas pelas mesmas.”
Na sequência da posição assumida por estas, foi proferido o despacho de 22.04.2015, aí se determinando “a substituição do encarregado da venda indicado pelo Sr. A.E. por entidade a indicar pela Secção, que se considera desde já nomeada.”
Constata-se, assim, que, para além da nomeação irregular da ora requerente como encarregada da venda, a mesma só manteve essa qualidade por cerca de 4 meses, tendo os autos prosseguido para a venda do imóvel sem qualquer intervenção da ora requerente, não obstante se verificar atividade, mínima, nos autos, nomeadamente a apresentação do “relatório da venda do imóvel”, junto com a comunicação de 13.02.2015.
Vejamos.
Dispõe o 17º do Regulamento das Custas Processuais o seguinte:
“1. As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento.
2. A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efectuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela iv, que faz parte integrante do presente Regulamento.
(…)
6. Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.
(…)”.
No caso em apreço, a encarregada da venda não procedeu à venda do bem penhorado, razão pela qual nunca poderia ser fixada qualquer remuneração por referência ao valor do bem vendido.
Porém, a encarregada da venda diligenciou por encontrar propostas de aquisição relativas ao imóvel penhorado, tanto mais que apresentou o dito “relatório da venda do imóvel”.
Isto para dizer que, apesar de a venda não se ter realizado, não pode afirmar-se que a encarregada da venda não teve despesas e não desenvolveu qualquer atividade. Tem, por conseguinte, que ser paga pelos serviços prestados.
Porém, tais honorários ou remuneração não poderão ser calculados numa lógica de “comissão” sobre a venda, desde logo porque não concretizou venda alguma.
Nesta conformidade, atendendo ao valor da execução (€53.722,99) e considerando a atividade mínima (até pelo tempo que se manteve nas funções, cerca de 4 meses) – apresentação de relatório –, fixo a respectiva remuneração em 0,5% do valor da execução, a saber: €268,61».
*
Inconformada com este despacho, dele veio a L, S.A., interpor o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«A. Na data de 26.01.2015, por decisão do Exmº. Sr. Agente de Execução, foi a Recorrente nomeada Encarregada de Venda no processo em apreço, tendo em vista a promoção da venda de um bem imóvel sito na freguesia e concelho de Mafra.
B. A partir da respectiva designação, e durante aproximadamente um período de 4 (quatro) meses, a Encarregada de Venda realizou em prol do processo um conjunto de diligências, as quais viriam a incluir três deslocações ao local do imóvel, nas datas de 05.02.2015, 15.04.2015 e 29.04.2015.
C. Por ocasião da última daquelas três deslocações, a Recorrente procedeu à recolha de elementos fotográficos e ao levantamento dos dados do imóvel, por forma a uma melhor e mais completa caracterização do mesmo no âmbito da sua promoção junto de potenciais interessados.
D. Na data de 14.04.2015, por decisão do MMº. Juíz do Tribunal a quo, a Recorrente foi substituída nas suas funções de Encarregada de Venda, tendo aquela decisão sido notificada ao Exmº. Sr. Dr. LS em 29.04.2015.
E. Em 29.04.2024, a Recorrente submeteu aos autos Requerimento Para Liquidação de Honorários e Despesas [Refª. 25536264], em anexo ao qual procedeu à junção de Nota de Honorários [‘NH 1111’] no valor de 3.303,96€ e de Nota de Despesas com deslocações [‘NH 1109’] no valor de 796,30€, no âmbito da qual são elencadas, descritas e contabilizadas três deslocações ao imóvel.
F. Através do despacho de que se recorre, em 14.06.2024, o MMª. Juíz do Tribunal a quo decidiu fixar a remuneração da Encarregada de Venda em 268,61€, correspondente a 0,5% do valor da execução, contudo não fazendo qualquer menção à atribuição de valor referente a despesas tidas com deslocações levadas a cabo pela Recorrente no âmbito do processo, nos termos da Tabela IV do RCP.
G. Para a fixação daquele valor remuneratório a título de honorários, o MMº. Juíz do Tribunal a quo atendeu ao facto de os autos terem prosseguido para a venda do imóvel sem a intervenção da Recorrente e que a actividade desta no processo foi mínima, circunscrita à apresentação de um relatório em 13.02.2015.
H. Com o devido respeito, na tomada de tal decisão o MMº. Juíz do Tribunal a quo desconsiderou os actos iniciais e preparatórios subsequentes a qualquer nomeação em processo na qualidade de Encarregada de Venda, como, principalmente, as diligências realizadas pela Recorrente aquando das três deslocações ao imóvel, que culminaram na recolha de elementos fotográficos e dados descritivos daquele, instrumentais à sua caracterização e promoção da sua venda.
I. Mais, na posse de elementos comprovativos bastantes, designadamente as supra referidas Notas de Honorários e de Despesas com deslocações, juntas aos autos em anexo ao Requerimento Para Liquidação de Honorários e Despesas [Refª. 25536264], mostra-se injustificado que o MMº. Juíz do Tribunal a quo nada tenha decidido sobre o valor a atribuir à Recorrente adveniente de custos com deslocações.
J. Tais comprovativos incluem as datas, horas e portagens das vias de circulação utilizadas e custos associados às supra referidas deslocações, permitindo assim confirmar a sua efectiva realização.
K. Mediante a desconsideração de tais elementos documentais, que lhe permitiam a contabilização correcta do número de deslocações efectivamente realizadas pela Recorrente, bem como a natureza das diligências a elas subjacentes, acabou o MMº Juíz do Tribunal a quo por determinar um valor aquém do justo e adequado a título de remuneração e não fixar qualquer valor a título de ressarcimento de despesas com deslocações.
L. Ao longo do período de cerca de 4 (quatro) meses em que aquelas deslocações se verificaram, a actividade da Recorrente, tendente à promoção e venda do bem, implicou custos com serviços técnico-administrativos, encargos logísticos e tratamento processual, bem como alocação de tempo, meios e recursos, em expressa utilidade pública afecta ao processo judicial.
M. Ao não contabilizar as deslocações que a Recorrente fez ao local do imóvel, e por essa via o propósito ínsito a cada uma, o Tribunal a quo acaba por não valorizar o trabalho efectivamente desenvolvido por aquela.
N. Embora o MMº. Juíz do Tribunal a quo tenha correctamente entendido que, independentemente do resultado negativo das diligências, a Recorrente teria sempre direito a ser remunerada, veio a fixar um quantitativo manifestamente diminuto, não só fundando a sua ponderação no facto de a Recorrente não ter participado na posterior venda, ainda que tal facto não tenha advindo de incúria, negligência ou ausência de esforços da mesma; mas também desconsiderando as três deslocações da Recorrente ao imóvel, adstritas às quais foram levadas a cabo diligências que, assim, acabaram por não ser devidamente valorizadas.
O. Omissão essa, na contabilização do número total de deslocações da Recorrente ao imóvel, que acaba por afectar igualmente o cálculo por parte do Tribunal a quo do valor referente às mesmas, de acordo com a Tabela IV anexa ao RCP, não atribuindo 1/255 UC’s por quilómetro, por referência a três deslocações entre Aveiro e o local do imóvel (ida e volta).
P. Espera assim mui respeitosamente, em respeito e dignificação da actividade profissional da Encarregada de Venda - e exigível moralização, na medida em que em diversos autos é desejado perpassar a execução de actos tendencialmente desagradáveis (como seja lidar com imóveis sujos ou com escassas condições de salubridade, devedores, a remoção de pessoas e bens, e/ou zonas inseguras) e respectivos custos a terceiros, tentando posteriormente não os suportar – o deferimento equitativo quanto a Notas de Honorários e Despesas com deslocações.
Q. Dado tudo o exposto e em conclusão, é legalmente exigível e devida apreciação e fixação de remuneração fixa, a que acrescem despesas com um total de três deslocações, nos termos e para efeitos do nº 6 do Art.º 17º do RCP e Tabela IV do mesmo diploma, pelo Tribunal a quo e sob alçada de competência de magistratura, em acordo com o supra expresso e apresentado a juízo e ora em rectificação de decisão proferida».
Remata assim:
«Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V/Exas., deverá ser dado provimento ao recurso e revogada / rectificada a decisão recorrida, e, em consequência, a final, ser apreciado e determinado o quanto a fixação conforme o previsto no nº 6 do Art.º 17º do RCP e Tabela IV do mesmo diploma.
ASSIM SE FAZENDO A SÃ, MATERIAL, EQUITATIVA E DESEJADA JUSTIÇA».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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II – ÂMBITO DO RECURSO:
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, perante as conclusões apresentadas, a única questão que se coloca neste recurso consiste em determinar a retribuição da apelante com referência ao período em que exerceu funções de encarregada da venda na ação executiva de que os presentes autos de recurso constituem apenso.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
A factualidade relevante é a que decorre do relatório que antecede.
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3.2 – Fundamentação de direito:
Dispõe o n.º 6 do art.º 17.º do Regulamento das Custas Processuais[1] que «os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal».
Na referida tabela iv estabelece-se o seguinte:
Impõe-se começar por esclarecer que a afirmação da L, S.A., de que «não obstante, a nomeação da Encarregada de Venda estar sujeita às condições previstas, seja do CPC ou o próprio Regulamento das Custas Judiciais dos serviços prestados, a L, de forma regular, enviou as condições e respetiva tabela de valores por esta praticados» e que «no caso, foram enviadas, para o Sr. Agente de Execução Dr. LS, nas datas compreendidas 21-11-2013, 19-03-2014 e 10-07-2015 respetivamente, sendo a de 10-07-2015 a última atualização enviada e cujo teor desde já se dá transcreve; (V. Doc. 2)», de nada vale.
Na verdade, tal como esclarecidamente se afirma no Ac. desta Relação e Secção, Proc. n.º 902/14.7TBCSC-B.L1-7 (Carlos Oliveira), in www.dgsi.pt, «qualquer eventual acordo havido entre o Agente de Execução e o Encarregado de Venda, relativamente ao valor devido por essa remuneração, é inoponível às partes no processo executivo, que delas não tiveram conhecimento (cfr. Art.º 406.º n.º 2 do C.C.), ou ao tribunal onde pende a execução».
Resulta da articulação entre o n.º 6 do art.º 17.º do RCP e a tabela iv a ele anexa, que a remuneração da entidade encarregada da venda extrajudicial deverá ser fixada até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior.
No tocante aos honorários da L, S.A., o tribunal a quo afirma expressamente que esta entidade «não procedeu à venda do bem penhorado, razão pela qual nunca poderia ser fixada qualquer remuneração por referência ao valor do bem vendido».
Numa venda no âmbito de uma ação executiva, entre o encarregado de venda e a administração da justiça é realizado um contrato processual, atípico, bilateral, que se inclui na categoria genérica dos contratos de prestação de serviços, subordinado às regras supletivas do contrato de mandato, com uma finalidade específica e tem regulamentação legal típica depositada no Código de Processo Civil e noutros instrumentos legais que regulam a retribuição do serviço prestado.
Porém, não se trata aqui de uma relação contratual de mandato típico em que a entidade encarregada de venda apenas se obriga simplesmente a praticar ou desenvolver determinada atuação, comportamento ou diligência com vista à produção do resultado pretendido pelo credor.
Com efeito, tal como resulta do enunciado normativo, em ordem a permitir o recebimento da remuneração definida por lei, em regra, neste tipo contratual existe uma obrigação de resultado mitigado, que se traduz na concretização de uma venda (ou de ato de conteúdo análogo), a qual está subordinada a um conjunto de regras e procedimentos precipitados na sobredita legislação.
Apenas se este resultado negativo não for imputável à encarregada de venda, é que poderá, excecionalmente, ser fixada uma remuneração.
A verificar-se este cenário, a encarregada da venda tem direito à remuneração a fixar pelo Tribunal, nos termos do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, pelas várias diligências realizadas com vista à concretização da venda do imóvel penhorado, ainda que esta não se tenha realizado por facto que não lhe é imputável[2].
No caso sub judice, escreve-se no despacho recorrido que «compulsados os autos, constata-se que no dia 08.05.2014 teve lugar a diligência de abertura de propostas em carta fechada do imóvel penhorado nos autos, a qual se frustrou por falta de propostas, tendo os autos prosseguido para venda por negociação particular e sido nomeado como encarregado da venda o Sr. Agente de Execução, Dr. LS, que, por sua vez, nomeou a sociedade “UMI – Mediação Imobiliária, Lda” e, em janeiro de 2015, sem ouvir previamente as executadas, nomeou, em substituição daquela, a sociedade “L, S.A.”, ora requerente.
Por essa razão, na sequência de reclamação por estas apresentada, por despacho de 11.03.2015, foi determinada a notificação das executadas “para, em 10 dias, se pronunciarem quanto à nomeação do encarregado da venda, suprindo-se assim as omissões apontadas pelas mesmas.”
Na sequência da posição assumida por estas, foi proferido o despacho de 22.04.2015, aí se determinando “a substituição do encarregado da venda indicado pelo Sr. A.E. por entidade a indicar pela Secção, que se considera desde já nomeada.”
Constata-se, assim, que, para além da nomeação irregular da ora requerente como encarregada da venda, a mesma só manteve essa qualidade por cerca de 4 meses, tendo os autos prosseguido para a venda do imóvel sem qualquer intervenção da ora requerente, não obstante se verificar atividade, mínima, nos autos, nomeadamente a apresentação do “relatório da venda do imóvel”, junto com a comunicação de 13.02.2015».
Afigura-se-nos, assim, que à L, S.A., não assiste o direito a qualquer percentagem do valor da causa ou do bem vendido.
No entanto, lê-se no próprio despacho recorrido que «a encarregada da venda diligenciou por encontrar propostas de aquisição relativas ao imóvel penhorado, tanto mais que apresentou o dito “relatório da venda do imóvel”.
Isto para dizer que, apesar de a venda não se ter realizado, não pode afirmar-se que a encarregada da venda não teve despesas e não desenvolveu qualquer atividade. Tem, por conseguinte, que ser paga pelos serviços prestados». acrescentando, coerentemente, que «(...) tais honorários ou remuneração não poderão ser calculados numa lógica de “comissão” sobre a venda, desde logo porque não concretizou venda alguma».
Com o requerimento que apresentou no dia 29 de abril de 2024, a L, S.A., alega que realizou «custos com viatura em deslocações ao local do bem penhorado para venda, a 05.02.2015, 15.04.2015 e 29.04.2015, no valor de € 796,30 com IVA à taxa legal em vigor (V. doc 3).
Com tal requerimento juntou um documento (n.º 3), consistente num extrato de portagens, comprovativo das deslocações ao imóvel em causa.
Por conseguinte, apesar de não ter efetuado a venda, não se mostra justo e equitativo que seja repercutido no património da L, S.A., um determinado empobrecimento que surge associado a diligências e iniciativas encetadas e que não seriam realizadas se não tivesse sido nomeada encarregada da venda, ainda que irregularmente, por quem então exercia funções de senhor agente de execução.
Assim, considerando:
- a distância entre a sede da L, S.A. (Aveiro) e o imóvel em causa (Mafra)[3];
- que foram efetuadas três deslocações ao imóvel;
- a elaboração do relatório referido no despacho recorrido,
afigura-se justo, proporcionado e adequado, determinar que à L, S.A. seja paga a quantia de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros).
***
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação parcialmente procedente, em consequência do que alteram a decisão recorrida, fixando em € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), o montante a receber pela apelante a título de custos pela atividade que desenvolveu durante o período em que exerceu funções de encarregada da venda do imóvel penhorado nos autos principais.
As custas do recurso são a cargo da apelante na proporção do respetivo decaimento (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 662.º, n.º 3).
Lisboa, 7 de janeiro de 2025
José Capacete
Paulo Ramos de Faria
Cristina Silva Maximiano
_______________________________________________________ [1] Doravante referido apena por “RCP”. [2] Cfr., no sentido do texto, o Ac. da R.E. de 15.062023, Proc. n.º 833/10.0TBBJA.E1 (Tomé de Carvalho), in www.dgsi.pt. [3] Segundo consulta do Google Maps, é de 238 Kms a distância entre Aveiro e Mafra.