ACIDENTE DE VIAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANO FUTURO
DANOS MORAIS
CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DOS MONTANTES
NECESSIDADE DE AJUDA DE TERCEIRA PESSOA
Sumário

1 – Na fixação de indemnização por défice funcional permanente de integridade físico-psíquica/dano biológico há que seguir um juízo equitativo, relevando, para além dos valores que a jurisprudência vem fixando para casos semelhantes, os factores atinentes à idade do lesado, aos períodos de incapacidades temporárias suportados, ao défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de que ficou a padecer, a que acrescem outros factores que relevam casuisticamente.
2 - É de atribuir a um lesado, com 49 anos de idade, que sofreu fractura da coluna, foi sujeito a intervenção cirúrgica, apresenta um quadro de tetraparésia espástica por traumatismo da coluna cervical, sofrendo de incontinência urinária e fecal que obriga ao uso de fraldas em permanência, tendo ficado a padecer de um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de 81 pontos, impeditivo do exercício da sua actividade profissional habitual, bem como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, com quadro de perturbação mista de depressão e ansiedade, um quantum doloris de grau 5, dano estético de grau 6, com repercussão na actividade sexual de grau 6 e nas actividades desportivas e de lazer de grau 6, numa escala crescente de 0 a 7, com dependência permanente de auxílio de terceira pessoa, uma indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico no valor de 350.000,00 €.
3 - Os critérios a atender para efeitos de fixação do quantum indemnizatório por ajuda de terceiros consistem, essencialmente, no tempo estimado da necessidade de ajuda diária e em número de anos; no valor horário da ajuda, mensal e acumulado em anos; no valor do salário mínimo nacional ou aproximado; no tempo médio de vida do lesado em função do sexo.
(Sumário elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade – cf. artigo 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil.)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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I – RELATÓRIO
AA intentou contra SEGURADORAS UNIDAS S.A. 1a presente acção declarativa de condenação, com processo comum formulando o pedido de condenação da ré no pagamento ao autor das seguintes quantias:
a) 2.004.918,60 €, a título de danos morais e patrimoniais, quantificados até à presente data, sem prejuízo dos pagamentos que forem efectuados pela ré a título provisório relativos a estes danos;
b) As despesas que se vierem a apurar para custear o internamento do autor no CMFR Rovisco Pais, em quantias ainda não apuradas;
c) As despesas com medicamentos, utensílios de higiene, transporte medicalizado, acompanhamento e todas as associadas ao internamento da alínea anterior e material de desgaste rápido, em quantias ainda não apuradas;
d) Atinentes a tratamentos, intervenções cirúrgicas, transporte medicalizado, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso de que o autor necessita e/ou venha a necessitar em consequência das lesões e/ou agravamento das sequelas, incluindo as despesas inerentes a essa assistência, designadamente, assistência, deslocações, a liquidar ulteriormente em incidente de liquidação dos danos;
e) Todas as despesas relacionadas com os cuidados continuados integrados da Santa Casa da Misericórdia de … e/ou outras instituições onde venha a ser internado, já assumidas e as futuras até ao momento em que abandone tais serviços, a liquidar ulteriormente em incidente de liquidação os danos;
f) Custo de aquisição de um veículo adaptado a cadeira de rodas, a liquidar em incidente próprio;
g) A liquidar em incidente próprio todos os danos morais e patrimoniais que se venham a apurar relativos ao acidente, que estejam alegados ou não, tais como intervenção de cirurgia plástica para eliminar as cicatrizes do autor; substituição de ajudas técnicas especializadas perecíveis, entre outras com elas relacionadas;
h) Todos os montantes acrescidos de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.
Alegou, para tanto, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 9694013):
• No dia 25 de Janeiro de 2019, na Rua ..., união das freguesias de ..., concelho de Lisboa ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo ligeiro, com a matrícula ..-QN-.., conduzido pelo autor; o veículo ligeiro matrícula ..-..-CG; conduzido por BB e o veículo ligeiro, com a matrícula ..-BO-.., conduzido por CC, tendo o primeiro sendo embatido pelo CG, sendo projectado para a hemi-faixa do sentido de rodagem contrário, capotando, vindo a embater no BO;
• Transportado ao hospital foram identificadas ao autor, entre o mais, parestesias dos quatro membros, contusão medular, tendo sido submetido a cirurgia e internamento, com complicações de infecção;
• Fez reabilitação para recuperação da função motora e foi transferido para o Centro de MFR de Alcoitão em 23-05-2019, onde se manteve até 24 de Julho de 2019;
• Após alta foi albergado em casa do irmão, em Castelo Branco, por não ter quem dele cuidasse, necessitando do auxílio permanente de terceira pessoa para se levantar, deitar, vestir, comer, higiene pessoal, para se lavar e limpar, tomar banho, para as necessidades fisiológicas;
• Foi transferido para a Unidade de Média Duração de Reabilitação da Santa Casa da Misericórdia de …, em Novembro de 2019, com um custo mensal de 1.600,00 €, pagando a parte não apoiada pela Segurança Social;
• O autor ficou com múltiplas sequelas para a vida, encontra-se numa cadeira de rodas; só consegue dar alguns passos com auxílio de “andarilho”; carece de mais sessões de fisioterapia no serviço de MFR da … (Rovisco Pais);
• Encontra-se em ITA (incapacidade temporária absoluta) desde a data do acidente e não poderá voltar a exercer a profissão que tinha, de repositor;
• Era alegre, gostava de viver e é muito estimado e querido de todos os familiares, amigos e vizinhos;
• Sofreu e ainda sente muitas dores;
• Perdeu os movimentos nos membros inferiores e está limitado na movimentação dos membros superiores, com perda de força à direita, parestesias dos quatro membros, assim como a sensibilidade do corpo, designadamente nos órgãos sexuais; não pode ter relações sexuais, vivendo em permanente em estado de amargura e angústia;
• Necessita de ajudas médicas e medicamentosas regulares e que a sua habitação seja adaptada às condições de deficiência de que ficou a padecer em consequência do acidente;
• A responsabilidade civil emergente dos riscos de circulação do veículo CG, cujo condutor teve a culpa exclusiva do acidente, estava, à data do acidente, transferida para a ré pela apólice de seguro n.º 00053....
A ré seguradora contestou aceitando que a culpa na produção do sinistro tem de ser imputada ao condutor do veículo de matrícula ..-..-CG, assumindo a responsabilidade decorrente do acidente de viação, assim como aceitou que o autor sofreu lesões em consequência do acidente, mas referiu desconhecer quais e sequelas de que ficou a padecer, por ainda não ter tido alta clínica, nem o grau de incapacidade parcial permanente de que ficou a padecer e se é impeditivo do exercício da sua profissão ou qualquer outra, não estando também demonstrada a necessidade de ajuda de terceira pessoa; mais disse já ter procedido ao pagamento dos valores peticionados a título de perdas salariais e despesas reclamadas, continuando a pagar, no âmbito do procedimento cautelar apenso, a quantia de 752,07 € a título de perda salarial, pugnando pela improcedência parcial da acção (cf. Ref. Elect. 10045661).
Em 30 de Janeiro de 2023 teve lugar a audiência prévia no âmbito da qual o autor apresentou articulado dando conta que necessitou de efectuar obras de adaptação na casa que arrendou para ficar perto dos familiares, entretanto falecidos, continuando a carecer do auxílio de terceira pessoa, que lhe é prestado por um sobrinho e, bem assim, de fisioterapia e consultas de psiquiatria e inerentes deslocações, carecendo de um veículo adaptado à cadeira de rodas eléctrica, pedindo o pagamento da quantia de 104.919,77 € a título de indemnização por danos patrimoniais e naquelas que se vierem a apurar em sede de liquidação e ampliou o pedido de pagamento de indemnização por danos morais para 400.000,00 €, tendo a seguradora impugnado os factos e referido que já procedeu ao pagamento das quantias peticionadas a título de rendas, obras, consultas e auxílio de terceira pessoa, conforme determinado no procedimento cautelar, tendo sido admitida a ampliação do pedido (cf. Ref. Elect. 155582193, 13322487, 13332328 e 155864082).
Foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
Em 20 de Setembro de 2023 o autor veio ampliar o pedido atinente à realização de obras na habitação em 105.000,00 €, cifrando-se em 180.000,00 €, assim como as rendas da casa de Castelo Branco, de Dezembro de 2020 a Junho de 2021; o valor de 160.000,00 € para custos com aquisição e renovação de material de ajuda técnica e reparação da cadeira eléctrica de exterior; 59.202,25 € para aquisição de veículo adaptado a cadeira de rodas; 1.200,00 € para material descartável e 24.960,00 € para medicação e a diferença entre o que pagou a terceira pessoa e aquilo que recebeu, a esse título, da ré, no valor de 3.117,06 € e ampliou o pedido atinente ao auxílio de terceira pessoa em 463.850,00 €, cifrando-se agora num total de 1.664.000,00 €, e relativo a dano biológico em 250.000,00 €, 17.640,00 € por lucros cessantes, 92.875,00 € por prejuízo patrimonial futuro, num total de 1.228.178,21 € (cf. Ref. Elect. 14231638).
A ré opôs-se à ampliação do pedido, designadamente quanto à indemnização por dano biológico, por assentar em factos de que o autor já tinha conhecimento à data da interposição da acção e noutros que são novos e nunca foram trazidos a juízo e que não são supervenientes (cf. Ref. Elect. 14255190).
Em 27 de Fevereiro de 2024 foi proferida decisão que admitiu a ampliação do pedido apenas na parte relativa ao valor das obras e adaptação da casa, rendas em falta, reparação da cadeira de rodas, diferença de valores pagos e recebidos refere ao auxílio de terceira pessoa e subsídio de férias (cf. Ref. Elect. 160032247).
No decurso da sessão da audiência de julgamento de 28 de Fevereiro de 2024 ficou consignado o seguinte em acta (cf. Ref. Elect. 160037407):
“[…] as partes dão por liquidadas todas as quantias requeridas nos articulados - as referidas nos art.ºs 63 da PI., 106 da PI., 107 da PI., 113 da PI.; todas as quantias referidas no requerimento de 03/02/2022, bem como as referidas no primeiro articulado superveniente de 30-01-2023 e as do segundo articulado de ampliação de pedido do 20/09/2023, referentes às rendas da casa de Castelo Branco, até dezembro de 2023 inclusive, a cadeira elétrica exterior e a reparação da cadeira, anteriormente adquirida por 2.800,00€, as despesas com auxilio de 3ª pessoa e ao subsidio de férias de 2023 -, ponderando também o requerimento executivo que deu origem ao processo n.º 4806/21.9T8LRS, pendente no Juízo de Execução de Loures – Juiz 1, mediante o pagamento, pela R., da quantia de 17.750,00€, no prazo máximo de 15 dias, mediante transferência bancária para conta do A., já conhecida por nela ter vindo a fazer todos os pagamentos acordados em sede de procedimento cautelar, declarando-se o A. ressarcido de todas as despesas advenientes do acidente de viação dos autos, até à data de 31-12-2023 e peticionadas nos autos.”
Em 23 de Maio de 2024 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. 160772295):
“[…] julga-se a acção que AA intentou parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a “Seguradoras Unidas, SA” – com actual designação de Generali Seguros, SA, no pagamento, ao autor:
► da quantia global de 830.000,00€ (oitocentos e trinta mil euros) - correspondente à soma das parcelas de 200.000,00€, 180.000,00€ e 450.000,00€, a título, respectivamente, de indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico, por dano não patrimonial, e pelo auxílio de terceira pessoa -, acrescida de juros de mora, desde a citação (14.07.2020) até integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano, com referência à Portaria nº 291/2003, de 08.04, ou outra que lhe sobrevenha;
► da quantia que se vier a apurar em posterior incidente de liquidação de sentença, tendo por limite o montante de responsabilidade assumido pela ré no âmbito do seguro de responsabilidade civil obrigatório automóvel, relativamente a:
- rendas da casa que o autor habita, sita em Castelo Banco;
- transportes adequados à condição física do autor, para consultas médicas, tratamentos e o mais associado às sequelas apuradas;
- consultas de psicologia/psiquiatria e outras que se imponham em função das sequelas de que ficou a padecer;
- anti-depressivos e ansiolíticos;
- tratamentos de fisioterapia e outros que se imponham em função das sequelas de que ficou a padecer; e
- ajudas técnicas (cadeira de rodas, andarilho e fraldas), do mais peticionado pelo autor se absolvendo a ré.
Custas por autor e ré, na proporção de 61% e de 39%, respectivamente (art.º 527º, nºs 1 e 2, do Cód. de Proc. Civil), quanto à parte liquidada reflectida no valor atribuído à acção, sendo as custas relativas à parte não liquidada suportadas provisoriamente pelo autor e pela ré em partes iguais, vindo o seu rateio definitivo a efectuar-se em conformidade com o grau de sucumbência revelado pela liquidação posterior, tudo sem prejuízo da protecção jurídica de que beneficia o autor.”
Inconformado com esta sentença, o autor veio interpor o presente recurso, cuja motivação conclui do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 15432171):
1 Nos presentes autos aquando da prolação do despacho saneador, foi fixado à presente demanda o valor de € 2.259.838,37. Impondo-se, todavia, neste momento a sua alteração para o valor de € 2.887.890,62, conforme ampliação efetuada pelo Autor e admitida pelo Tribunal, nomeadamente, quanto aos valores reclamados/ampliados referentes a obras de adaptação da habitação sita na ..., ajuda de 3ª pessoa e veículo adaptado, cujo valor ascende à quantia de € 628.052,25, nos termos do disposto nos artigos 296º/ e 306º/1 e 3 do Código do Processo Civil.
2. Ora, o recorrente discorda, em absoluto, dos valores fixados na sentença recorrida, na medida em que, pensamos, com todo o respeito, serem as quantias arbitradas, quanto ao dano patrimonial futuro/dano biológico, quanto ao dano moral e quanto à ajuda de terceira pessoa, manifestamente insuficientes, e nada condizentes, quer com a situação físico-psíquica do autor em resultado do sinistro dos autos, quer com toda a prova produzida no seu conjunto quanto a essa matéria. Traduzindo-se, assim, as mesmas, com todo o respeito, numa afronta, à dignidade humana, dada a sua exiguidade, para este caso em concreto.
3. Também no que respeita a toda a prova produzida (documental, testemunhal, pericial e respetivos esclarecimentos), impunha-se decisão diversa quanto à matéria de facto dada como provada. Nomeadamente no que concerne aos pontos 40, 45 e 54, considerados como provados, mas cuja alteração da sua redacção se impõe, de acordo com os depoimentos testemunhais, do Senhor Prof. DD e EE e dos esclarecimentos da Senhora perita FF, oportunamente transcritos, que foram prestados, todos eles em 19/12/2023 e gravados no sistema H@bilus:
14:46:1215:26:16,Ficheiro:20231219144612_5991956_287120600:00:00 (Senhora Eng. FF);
15:26:1715:45:45,Ficheiro:20231219152617_5991956_2871206 - 00:00:00 – 00:19:26 (Senhor Prof. DD) e,
16:06:0917:06:35,Ficheiro:20231219160609_5991956_2871206-00:00:00–01:00:24 (EE), respetivamente.
E ainda, dos documentos juntos aos autos (Relatórios Periciais – INML e Eng. FF, Relatório de Neuropsicologia do Prof. DD e Parecer da Associação Portuguesa de Deficientes), que justificarão, com toda a certeza, uma condenação da Ré, diversa daquela que foi fixada pelo tribunal recorrido, nomeadamente quanto ao dano não patrimonial, quanto à ajuda de terceira pessoa e quanto ao pagamento das obras de adaptação da habitação, propriedade do Autor, bem como do veículo adaptado.
4. Por fim, no que se refere à matéria de facto dada como não provada na alínea c), entendemos que a mesma deveria, ao invés, passar a constar dos factos provados, não só face à prova documental junta aos autos, mas também à testemunhal produzida nos mesmo e que acima transcrevemos, a esse propósito (Vide depoimento da testemunha EE do dia 19.12.2023|16:06:09–17:06:35- Ficheiro:20231219160609_5991956_2871206-00:00:00–01:00:24. Devendo consequentemente a Ré/Apelada ser condenada no pagamento do valor reclamado a título de veículo adaptado, suas manutenções anuais e eventuais substituições;
5. No modesto entendimento do Autor, a devida apreciação de toda a prova produzida e demais elementos carreados para os autos, bem como a correta aplicação do direito conduzirá por certo a uma decisão distinta daquela que foi proferida, que se traduzirá na condenação da ré em valor muito superior ao arbitrado pelo Tribunal “a quo”, já que a douta sentença proferida padece de erro de julgamento da matéria de facto provada e não provada com insanáveis contradições entre factos provados, prova e decisão que se passam a evidenciar em sede recursiva e cuja reapreciação se suscita.
6. Impugnando-se, assim, esses concretos “pontos de facto” por força dos meios probatórios que com os mesmos se relacionam, designadamente, na prova produzida em sede de audiência discussão e julgamento pelas testemunhas arroladas pelo Autor, bem como prova inequívoca resultante dos documentos carreados para os autos pelo mesmo, como sendo, o caso dos docs. 1, 20 e 28 juntos com o articulado superveniente apresentado nos autos em 20/09/2023, com Refª:46560564 (Parecer nº 8/2023 da Associação Portuguesa de Deficientes, Relatório de Neuropsicologia do Prof. Dr. DD e ainda o orçamento de uma empresa certificada da Volkswagen).
7. A Ré/recorrida em devido tempo assumiu a responsabilidade pela produção do acidente, e por isso a dinâmica do mesmo não está aqui em causa.
8. A indemnização que veio a ser arbitrada e aqui objeto do presente recurso, balizou-se em valores mínimos de razoabilidade quando se impunha valor global diferente, por força de toda a prova carreada para os presentes autos e por força das gravíssimas sequelas que resultaram deste acidente para o autor/recorrente.
9. O Autor ficou a padecer de um quadro sequelar de tetraparésia espástica, sofrendo de espasticidade muscular com perda de sensibilidade do corpo e dos órgãos sexuais, tendo sido fixado ao mesmo um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 81 pontos, cujas sequelas são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual bem como de qualquer outra.
10. No que concerne ao ponto 40. dos factos provados, entendemos, salvo o devido respeito que o mesmo deveria constar da matéria de facto dada como não provada, por referência Relatório de Neuropsicologia da autoria do Sr. Prof. Dr. DD, que inclusivamente foi ouvido em audiência discussão e julgamento, e que de forma veemente contrariou e demonstrou que o recorrente AA não apresentava esse diagnóstico, pois não apresentava o Autor nenhum défice cognitivo, nem mesmo ligeiro.
11. Nas palavras dessa mesma testemunha (ao contrário do relatório pericial do INML) o autor apresenta um quadro de stress pós-traumático extremamente incapacitante, irreversível e incurável, porquanto, o mesmo resiste a todas as formas de terapia a que está sujeito. Apresenta um acentuado quadro de instabilidade mental pós-traumática de natureza ango-depressiva que o afeta de modo irreversível e permanente em todas as suas capacidades motoras, afetando-o na sua condição física e psíquica com gravíssimo impacto ao nível pessoal e das interações sociais, estando impedido de ter uma vida autónoma sob o ponto de vista pessoal, profissional, lúdico e social, bem como impossibilitado de manter relação do foro íntimo e sexual.
12. Devendo, nesse ponto 40. dos factos provados constar que “o autor ficou a padecer de após o acidente um quadro de instabilidade mental pós-traumática de natureza ango-depressiva que o afeta de modo irreversível e permanente em todas as suas capacidades motoras, afetando-o na sua condição física e psíquica com gravíssimo impacto ao nível de todas as suas atividades quotidianas, sendo possível estabelecer um nexo de causalidade entre as sequelas do acidente e essa sintomatologia apresentada pelo autor, que afetarão a eficiência pessoal e profissional do mesmo, que deve vir a beneficiar de um regular acompanhamento psiquiátrico.” - alteração que se requer tendo em consideração o depoimento da testemunha Senhor Prof. Dr. DD no dia 19-12-2023| 15:26:17 – 15:45:45 - Ficheiro:20231219152617_5991956_2871206 - 00:00:00 – 00:19:26.
13. No que concerne ao ponto 45. dos factos provados, na perspetiva do autor/recorrente a decisão proferida quanto a esta ponto da matéria de facto não reproduz com exatidão a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, impondo-se a sua alteração, uma vez que o Autor não apresenta, qualquer possibilidade de realizar marcha com andarilho, o qual apenas serve para apoio do autor nas transferências da cama para a cadeira de rodas e vice-versa, como evidenciou a testemunha EE, sobrinho e cuidador do autor.
14. Deste depoimento, claro, preciso, escorreito e coerente, retira-se efetivamente, entre o mais, que o Autor/recorrente em consequência do acidente deixou de ser uma pessoa autónoma, e que por isso, ficou dependente da ajuda e vigilância de 3ª pessoa, 24horas/dia, 365 dias/ano, sem a qual não consegue sobreviver, para todas as tarefas diárias por mais simples e básicas que sejam.
15. Pelo que, a redação daquele ponto 45. dos factos provados deverá ser corrigida, de forma que, daquele ponto, passe a constar o seguinte: “Trata-se de um indivíduo que apesar de não permanentemente acamado, desloca-se apenas em cadeira de rodas, estando o mesmo, desde o dia do acidente de que foi vítima dependente da ajuda e vigilância de 3ª pessoa, 24horas/dia, 365 dias/ano, para todas as tarefas diárias por mais simples e básicas que sejam”. – Alteração que se requer tendo em consideração o depoimento da testemunha EE, cujo depoimento está gravado no sistema H@bilus e foi pelo mesmo prestado na audiência de julgamento de 19.12.2023| 16:06:0917:06:35 Ficheiro:20231219160609_5991956_2871206 - 00:00:0001:00:24.
16. No que ao ponto 54. dos factos provados, diz respeito não podemos deixar de notar que aí é referido que “A casa do autor, no estado em que se encontra, não permite a acessibilidade, nem a utilização autónoma de um utilizador de cadeira de rodas…”, como se pode até aferir pelas fotografias que acompanham o Relatório Pericial e o Parecer da Associação de Deficientes junto aos autos.
17. Pelo que, para além da instalação de um elevador, que permita o acesso de nível à via pública, com dimensão adequada a cadeira de rodas; é também necessária a construção de uma rampa viária a partir da rua principal, para permitir o acesso de um veículo ligeiro à cota do pátio de entrada da moradia, rampa, essa, que está, também ela preconizada no relatório pericial de fls., elaborado pela Senhora Engª. FF, o qual vai de encontro, inclusivamente ao Parecer da Associação de Deficientes de 09/08/23 junto aos autos pelo Autor, em 20/09/2023 e, nessa medida, deveria tal rampa viária ter sido atendida e valorada pelo Tribunal recorrido, o que não fez.
18. Tanto mais, que essa solução (instalação de elevador e construção de rampa viária), foi corroborada, inclusivamente nos esclarecimentos que a Senhora perita prestou na sessão de julgamento de 19.12.2023|14:46:12–15:26:16 Ficheiro:20231219144612_5991956_2871206-00:00:00–00:40:03.
19. O mesmo se diga, em relação à necessidade de dotar a habitação do autor, não só com as dimensões adequadas à sua mobilidade de acordo com as normas técnicas de acessibilidade; de louças sanitárias para utilização autónoma enquanto utilizador de cadeira de rodas e ainda, da necessidade de dotar a habitação com equipamentos, móveis e bancadas apropriadas, bem como da necessidade de se proceder ao rebaixamento de interruptores e à elevação de tomadas.
20. Devendo, assim, a redação daquele ponto 54. dos factos provados acrescentar a necessária da construção de uma rampa viária a partir da rua principal, para permitir o acesso de um veículo ligeiro à cota do pátio de entrada da moradia, tudo conforme resulta dos referidos esclarecimentos prestados em audiência.
21. Requerendo-se, assim, a alteração da decisão proferida quanto a esta matéria de facto, nos precisos termos que acabamos de indicar, de acordo com toda a prova produzida, quanto a este facto (documental e esclarecimentos em audiência) passando assim, da redação desse ponto 54. dos factos assentes a constar que:
“A casa do autor, no estado em que se encontra, não permite a acessibilidade, nem a utilização autónoma de um utilizador de cadeira de rodas, sendo para o efeito necessário:
- Eliminar os desníveis de 0,30m e de 0,50m, respetivamente, entre a via pública e a cota do patim de entrada na propriedade e entre o logradouro (pátio) e a entrada principal no interior da moradia;
- Alargar as aberturas existentes para a largura útil de 0,87m, medida entre a face da folha da porta quando aberta e o batente ou guarnição do lado oposto;
- Instalar um elevador que permita o acesso de nível à via pública, com dimensão adequada a cadeira de rodas;
- Construir uma rampa viária a partir da rua principal, para permitir o acesso de um veículo ligeiro à cota do pátio de entrada da moradia,
- Ampliar/construir nova casa-de-banho com dimensões adequadas a mobilidade condicionada, dotando-a de louças sanitárias para utilizador de cadeira de rodas, bem como de equipamentos, móveis e bancadas apropriadas procedendo-se, ainda, ao rebaixamento de interruptores e à elevação de tomadas.”
22. No que toca ao ponto c) dos factos não provados, onde se pode ler que “O autor não dispõe de condições económicas para proceder à aquisição imediata de veículo adaptado ao seu transporte e de contratar um tripulante, o que entristece, enerva, revolta, por se sentir inválido, incómodo e dependente.”, pensamos que o mesmo, deveria ao invés transitar para os factos provados.
23. O Autor, não tem condições económicas que lhe permitam fazer face às suas necessidades atuais decorrentes do acidente dos autos, na medida em que passou a ter despesas que naturalmente, não teria que, suportar não fosse o acidente de que foi vítima. E uma delas é sem dúvida a necessidade de um veículo adaptado que lhe permita continuar a fazer as suas deslocações normais e diárias como antes sucedia.
24. Não dispõe o Autor do valor necessário para aquisição desse veículo e respetivas manutenções, por falta de capacidade financeira, considerando o valor em causa (vide doc. 20 junto com o articulado superveniente apresentado nos autos pelo autor em 20/09/2023), não podendo o julgador desconsiderar o sentido de prova documental como aqui fez.
25. Devendo, assim, este facto não provado (al. c)) transitar para a matéria assente, passando, o mesmo a constar dos factos provados, considerando, essa prova documental junta aos autos o que, desde já, se requer e, em consequência a Ré ser condenada a pagar o valor correspondente ao veículo adaptado, bem como as manutenções necessárias e eventual substituição, uma vez que esse é o único meio que permitirá ao Autor efetuar as suas deslocações e sair de casa.
26. A indemnização por danos causados por factos ilícitos tem como objetivo reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que determinou a reparação (vide art.º 562º do Código Civil), compreendendo o dever de indemnizar, “não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”, atendendo, ainda “aos danos futuros desde que sejam previsíveis”, tudo conforme melhor resulta do estipulado pelo art.º 564º, nºs 1 e 2 do Código Civil.
27. Em relação à indemnização da perda da capacidade de ganho da vítima há que procurar, através de um juízo de equidade, quando não seja possível fixar o valor exato dos danos (artigo 566º/3 do Código Civil), para se poder alcançar a “justiça do caso concreto”.
28. O Autor/recorrente ficou com sequelas gravíssimas para o resto da vida, que se encontram reproduzidas nos relatórios periciais juntos aos autos, bem como no relatório de Neuropsicologia elaborado pelo Senhor Prof. Dr. DD, e sustentados pelos depoimentos dessa mesma testemunha e do sobrinho do autor, seu cuidador, e que com ele convive diária e permanentemente, EE, e que acima já aludimos e transcrevemos.
29. […]2
30. Na presente demanda, o Autor/recorrente reclamou a quantia de € 400.000,00 para ressarcimento dos danos morais por si sofridos em consequência do acidente aqui em discussão, onde se inclui o perigo que resultou do acidente para a vida do Autor, as dores, a natureza das lesões, os longos períodos de internamento e tratamento, o dano estético, o dano da perda de autonomia, o dano da perda da alegria de viver, o dano da afirmação pessoal (que altera a forma como a pessoa se insere no mundo e se sente perante os outros),o dano da incapacidade laboral, o dano da perda de esperança de vida, o dano da impotência sexual, bem como todos os demais padecimentos resultantes do acidente vertido nos autos.
31. As lesões sofridas pelo Autor/recorrente para além de muitíssimo graves e incapacitantes, são também elas, irreversíveis e incuráveis.
32. O Autor/recorrente sofreu inúmeras lesões, com incidência ao nível da coluna, sofreu dores no momento do acidente, na cirurgia, nos longos períodos de internamento, bem como nos tratamentos complexos e prolongados a que tem estado sujeito, desde o dia do acidente, até hoje e que terão continuidade para o resto da sua se vida, sofreu desvalorização pessoal, estética, funcional e da função sexual.
33. Necessitando desde a data do acidente e até ao fim dos seus dias de ajuda de 3ª pessoa, diária, permanente e vitalícia.
34. Manifestamente, os danos não patrimoniais sofridos pelo AA, decorrentes das lesões e sofrimento de que padeceu e padece e das sequelas que lhe advieram, comprometem por um lado irremediavelmente o seu futuro e por outro o seu sofrimento será cada vez mais atroz e penoso com o passar dos anos que ainda lhe restam.
35. Devendo esses danos ser objeto de compensação justa, ponderada e adequada a fixar com recurso à equidade e tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como aos padrões de indemnização, normalmente adotados pela nossa jurisprudência.
36. Sendo certo, porém, que nenhuma compensação poderá apagar tudo o que já vivenciou em consequência do acidente, nem trará de volta a vitalidade e energia físicas perdidas.
37. […]
38. No âmbito de toda a factualidade apurada, no caso sub judice, não só a que resultou da prova documental, mas também da prova testemunhal, é inquestionável, a gravidade das lesões e do sofrimento do autor.
39. […]
41. O AA sofreu e continuará a sofrer até aos últimos dias da sua vida de um relevantíssimo dano de cariz moral, que deve ser valorado pelo Tribunal, condenando a ré/recorrida no por si peticionado e não no valor que veio a ser fixado na douta decisão recorrida.
42. Tendo assim, o recorrente, razões para divergir do montante fixado pela sentença recorrida na parte que diz respeito à compensação dos danos não patrimoniais sofridos, naquele montante de € 180.000,00, o qual se tem por desadequado, impondo-se a sua alteração para valor peticionado nos autos de € 400.000,00, de forma equitativa e de modo a responder ao comando do artigo 496º, do Código Civil de forma atual e de acordo com a verdade material trazida aos autos, o que aqui se requer e espera.
43. No presente pleito, peticionou o Autor a quantia de € 357.211,62 pela incapacidade total e permanente para todos os tipos de trabalho e, ainda, pela total diminuição da capacidade para o uso do seu corpo para os normais afazeres do quotidiano, tendo em conta o montante do vencimento mensal auferido à data do acidente de € 862,58 e os 24 anos de esperança média de vida.
44. Acontece, porém, que na sentença que ora se recorre nem sequer aquele valor inicial, mínimo e não atualizado, foi atendido, tendo a Mma. Juiz condenado a Ré a pagar ao Autor, como compensação pelo dano patrimonial futuro e dano biológico, pasme-se, a miserável quantia de € 200.000,00.
45. Quantia, essa, que, ressalvado sempre o máximo e devido respeito, se mostra manifestamente insuficiente e miserabilista, quer para fazer face ao prejuízo patrimonial sofrido quer para compensar o dano biológico gravíssimo com que ficou afetado, daí, também, por esse motivo a interposição do presente recurso.
46. Aliás, se bem atentarmos, no valor arbitrado, ainda que só considerássemos o dano patrimonial futuro e apenas os 24 anos de esperança de vida, tal valor corresponde a uma mensalidade de € 595,00 por mês!! – uma verdadeira pensão de pobreza ou sobrevivência, que se, já hoje é absurda, constituirá um autêntico ultraje nos longos e penosos anos que restam de vida ao AA.
47. Não vislumbramos com o Autor irá sobreviver com tal valor, tendo em conta a galopante subida do nível de vida, pelo que o valor arbitrado na sentença recorrida a título de danos patrimoniais, é tudo menos justo e equitativo, constituindo uma verdadeira denegação da Justiça, que envergonha os nossos tribunais.
48. Tanto mais que, à data do acidente, o Autor era operador de hipermercado na Auchan, onde auferia € 862,58, vencimento muito superior ao valor do salário mínimo mensal praticado, à data, em Portugal, que como nos recordamos era de € 600,00!
49. A incapacidade permanente de 81 pontos que adveio para o autor/recorrente, embora sendo um défice permanente funcional da integridade físico-psíquica, releva e deve ser qualificada como um dano patrimonial futuro, indemnizável nos termos do disposto no art.º 564º/2 do Código Civil. Sendo as sequelas por si sofridas, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, impeditivas do exercício dessa atividade profissional habitual, bem como de qualquer outra, retirando-lhe, assim, irremediavelmente a possibilidade de prover ao seu sustento, em termos permanentes e definitivos.
50. […]
52. Pelo que, ao valor reclamado pelo autor de € 357.211,62, ou àquele a que este Venerável Tribunal vier a fixar, deverá, sem qualquer dúvida ou embaraço, ser aplicada uma taxa de atualização salarial, de progressão na carreira e de previsão de inflação, não inferiores a 1% ao ano.
53. E neste caso, em concreto, tendo em conta todo o circunstancialismo exposto com a devida ponderação, nomeadamente, lesões sofridas; sequelas que lhe advieram (permanentes, irreversíveis e incuráveis); a idade (49 anos); o facto de ser pessoa saudável, sem qualquer patologia; o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 81 pontos, com sequelas impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual como de qualquer outra, pensamos, salvo o devido respeito, que é muito, que este Colendo Tribunal deveria, no mínimo, ter considerado o valor reclamado a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, com uma taxa de atualização de 1% ao ano, e condenado a Ré a pagar ao Autor, no mínimo, a quantia de € 442.942,00.
54. Pelo que, entende o recorrente, com todo o respeito que este Respeitável Tribunal da Relação deverá, com a devida vénia alterar esse valor arbitrando ao autor/recorrente, para efeitos de ressarcimento do dano patrimonial futuro/dano biológico, ao valor de € 442.942,00, ao invés dos € 200.000,00 contemplados na decisão proferida, como se requer e espera.
55. Em consequência do acidente de que o Autor foi vítima, ficou o mesmo desprovido de qualquer rendimento ou até mesmo de qualquer reforma, o que aqui não podemos, nem devemos desconsiderar!
56. A antecipação de uma só vez do montante indemnizatório não determina a redução de qualquer percentagem desse mesmo capital, por duas razões óbvias: a primeira reside no facto de que, ao contrário de tempos idos, atualmente a taxa de juro em prática é de tal modo reduzido que o investimento financeiro não tem qualquer impacto ou relevância; enquanto, que a segunda tem a ver com o facto de se estar a indemnizar o lesado com base numa estimativa previsível de vida de acordo com estudos, médias e estatísticas, mas não são raros os casos em que as pessoas ultrapassam de longe tal previsão, ficando então completamente desprovidas de qualquer rendimento ou reforma.
57. Acresce que, o Tribunal “a quo” afastou-se da recente jurisprudência quanto à fixação dos valores de indemnização quer para os danos patrimoniais, quer para os não patrimoniais, bastando para o efeito, verificar situações bem menos graves do que as do Autor.
58. […]
61. Em todos esses casos, e por comparação com aquele de que nos ocupamos verificamos que em todos eles o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é sempre inferior ao que foi fixado ao AA e as sequelas que do acidente que advieram para cada um desses autores, também elas não são tão graves como as do nosso Autor AA.
61. Por força do disposto no art.º 8º/3 do Código Civil, o julgador não deve deixar de atender aos montantes que vêm sendo fixados pelos Tribunais, e mormente, por razões de hierarquia dos Tribunais, para casos análogos ou mesmo semelhantes.
62. Assim, pensamos que no caso dos autos será justo e equilibrado, temperar o valor encontrado e atribuir ao recorrente, como compensação pela IPG de 81 pontos, e inerente dano patrimonial futuro uma indemnização de € 442.942,00, com base no valor reclamado pelo autor de € 357.211,62, ao qual deverá ser aplicada uma taxa de atualização salarial, de progressão na carreira e de previsão de inflação, não inferiores a 1% ao ano.
63. O Autor, peticionou, ainda, a quantia de € 1.200.150,00, referente à ajuda de 3ª pessoa. Pedido, esse, que veio a ser ampliado em 20/09/2023 no articulado superveniente que apresentou em juízo com refª: 46560564, nos termos do qual, àquele pedido inicial acresceu, para efeitos de ajuda de 3ª pessoa a quantia de € 463.850,00, perfazendo, assim, o valor total desse pedido a quantia de € 1.664.000,00, por se entender que o valor inicialmente peticionado não se mostrava adequando, em face das reais necessidades do autor.
64. O Autor, ficou a padecer de um quadro sequelar de tetraparésia espástica não controlando as funções e movimentos dos membros superiores e inferiores, com incontinência urinária e fecal que o obriga ao uso de fraldas em permanência (vide pág. 3 do RINML), pelo que necessita de apoio de 3ª pessoa para todos os atos da vida diária (Cfr. pág. 2 dos Esclarecimentos ao RINML) como vestir-se, lavar-se …)
65. De acordo com a prova testemunhal produzida nos autos, o autor não consegue levantar-se e deitar-se, calçar-se e descalçar-se, confecionar refeições e administrar os alimentos, bebidas e medicamentos, mudar fraldas várias vezes ao dia e de noite, mudar de posição durante a noite, para o vigiar/auxiliar quer quando está acordado quer enquanto em descanso, vigiar a dor, vigiar o comportamento, promover conforto, controlar a espasticidade, deslocar-se dentro e fora de casa, tratar da roupa, da louça, da casa e tudo o mais, também são tarefas para as quais o AA está totalmente incapaz, em consequência do embate de que foi vítima.
66. O Autor encontra-se total e absolutamente dependente da ajuda de 3ª pessoa, durante 24 horas por dia, conforme, aliás, já foi dado como assente no acórdão proferido nos autos de providência cautelar, que condenou a ré a pagar ao autor 3 salários mínimos, atualizável anualmente, a título de ajuda de terceira pessoa.
67. Trabalho, esses, que não poderá ser realizado por qualquer pessoa e muito menos pelo valor do salário mínimo nacional, como é bom de ver, pelas exigências que do mesmo decorrem, necessitando o mesmo dessa ajuda desde que se levanta, até que se deita e mesmo durante toda a noite.
68. Contrariamente ao decidido no âmbito do procedimento cautelar nº 1884/20.1T8LRS, que constituiu o apenso A, o Tribunal “a quo” decidiu sem qualquer razoabilidade, ponderação, justificação ou fundamento, pela necessidade de apenas 2 pessoas ao invés das 3 que já estavam determinadas naquele procedimento e cuja decisão já tinha há muito transitado em julgado.
69. O AA, com o valor pago pela Ré para essa ajuda permanente de 3ª pessoa não consegue fazer face ao número de pessoas que necessita, nem sequer àquelas que o Tribunal fixou no procedimento cautelar, mostrando-se esse valor manifestamente insuficiente para o efeito.
70. Traduzindo-se, essa situação em evidente prejuízo para o Autor, e manifesto desgaste e esforço físico e mental para quem cuida do AA, situação, essa, que tem sido provisória, mas que não se pode arrastar por muito mais tempo, porque o desgaste físico e psíquico é inegável, conforme depoimento cabal e esclarecedor, já acima transcrito, do EE, depoimento esse, que foi, com todo o respeito, nitidamente deturpado pelo Tribunal recorrido para só assim, chegar à redução do número de pessoas que havia sido determinado no apenso A, e cuja decisão há muito transitou em julgado, para a necessidade de ajuda de 3ª pessoa!!
71. Na realidade, parece, que o tribunal de primeira instância, não percebeu, ou não quis perceber, a gravidade da situação em que o AA se encontra desde o dia do acidente e para a qual em nada contribuiu! Ficando o mesmo, desde esse fatídico dia, com a sua vida irremediavelmente devastada!
72. A ajuda de 3ª pessoa ao AA terá, forçosamente, que ser assegurada através da contratação de 4 funcionários a tempo inteiro, só dessa forma sendo possível assegurar a permanência dia e noite, a sequência dos turnos, o direito ao descanso semanal de cada um dos funcionários, bem como o direito ao respetivo período de férias obrigatório.
73. E se as 3 pessoas fixadas naquele apenso A, já eram insuficientes, impensável se torna que, para todo este trabalho, o Tribunal recorrido apenas tenha determinado a necessidade de 2 pessoas, para essa ajuda de 3ª pessoa.
74. Os cuidados a prestar ao AA exigem obrigatoriamente uma vigilância redobrada. Se o AA estiver sozinho e sofrer uma queda, ele ficará no sítio onde a mesma ocorrer, já que o Autor não tem sequer capacidade para se levantar, devido às sequelas de que padece por causa do acidente.
75. A condição física do AA, infelizmente, não teve nem terá qualquer melhoria (bem pelo contrário) que pudesse justificar tal redução do número de pessoas, daí a nossa estupefação e incredulidade em relação à decisão proferida, no que a esta matéria diz respeito!!
76. O Autor necessita e continuará a necessitar forçosamente dessa ajuda vitalícia de 3ª pessoa 24 horas dia/365-366 dias/ano, em permanência e para todas as tarefas, por mais simples e básicas que sejam. Qualquer movimento, por mais simples que seja é de extrema dificuldade, senão impossível para o AA.
77. Nos dias de hoje é impensável conseguir contratar alguém, apenas pelo salário mínimo, com a disponibilidade mental e física que este tipo de assistência implica, bem como com carta de condução, com força e resistência para transferências, e para levantar e lavar o Autor.
78. Entende, assim, o Autor/recorrente que esse vencimento mensal necessário para cada um dos 4 funcionários que o AA necessita terá de ser evidentemente superior a € 1.000,00 mensais, ao qual deverão acrescer, naturalmente os subsídios de férias e Natal correspondentes, os descontos para a segurança social, os impostos legais, os seguros obrigatórios e retribuições em dias de feriados.
79. Tendo por base esse valor mensal de € 1.000,00/mês para cada funcionário, o seu custo anual com esses 4 funcionários, pedidos pelo Autor, para a ajuda de 3ª pessoa, por serem manifestamente necessários, importará para o Autor uma despesa (anual) seguramente na ordem dos € 64.000,00.
80. O que, nos 24 anos de estimativa de esperança de vida do Autor, ascenderá tal verba à quantia € 1.664.000,00, que se encontra reclamada nos autos, mas que o Tribunal recorrido, ignorou e desprezou por completo.
81. A tal valor não poderá ser deduzida qualquer percentagem por antecipação do capital, pelo facto de não estar a ser reclamada qualquer atualização correspondente à taxa de inflação e correspondentes aumentos salariais previsíveis para os próximos anos.
82. Deverá, assim, o Tribunal da Relação fixar para ajuda de 3ª pessoa, total, permanente e vitalícia um valor nunca inferior ao reclamado pelo Autor de € 1.664.000,00.
83. O Autor, reclamou nos autos a quantia de € 180.000,00 para realização das obras de adaptação da sua casa, onde residia na ..., no seguimento da perícia que oportunamente requereu e que foi admitida.
84. Como se apurou nos autos, através do relatório pericial junto aos mesmos, a habitação onde o AA vivia antes do acidente, “no estado em que se encontra, não permite a acessibilidade, nem a utilização autónoma de um utilizador de cadeira de rodas, sendo necessária a realização de obras para eliminação de desníveis, alargamento de aberturas, aumentos da dimensão da casa-de-banho” e dizemos nós de outras divisões, nomeadamente, cozinha, quarto e sala, para que o autor, nelas se possa movimentar em cadeira de rodas, o que de outra forma ficará confinado à utilização apenas da cama, que tem que ser medicalizada, com colchão anti escaras e almofadas anatómicas.
85. Dotando-a a mesma de divisões adequadas à mobilidade do autor, de acordo com as normas técnicas de acessibilidade, com equipamentos, louças, móveis e bancadas apropriadas, procedendo-se, ainda ao rebaixamento de interruptores e à elevação de tomadas.
86. A dimensão das escadas existentes, não permitem a colocação de uma plataforma elevatória para conduzir o autor à sua habitação.
87. Os acessos atuais são feitos por escadas, de pequena dimensão através de um acesso lateral com grande inclinação de terreno que impossibilita a utilização/circulação de um qualquer indivíduo utilizador de cadeira de rodas. O que se traduz também em elevada dificuldade na entrada e saída de passageiros com mobilidade reduzida em viatura, por força da inclinação da inclinação do acesso existente.
88. Sendo neste caso, imperiosa a absolutamente necessária a construção da rampa e do elevador preconizados na solução A do aludido relatório pericial, corroborado, aliás, por pelo Parecer da Associação de Deficientes, sendo, esta, a única solução viável para o caso do AA.
89. A viatura que transportar o Autor terá forçosamente, que parar sem condicionalismos, junto à habitação para garantir a sua entrada e saída em perfeita segurança, já que essa é, para além do mais, uma operação demorada.
90. Tudo isto de forma a permitir que o Autor, não obstante as lesões, total e irreversivelmente incapacitantes decorrentes do acidente pudesse viver condignamente, entrando e saindo da sua habitação sempre que for necessário ou lhe apetecer e, deslocando-se no interior da mesma, sem ter necessidade de ser carregado em ombros e sem ter de ficar perpetuamente confinado como se de uma cela presidiária se tratasse!!
91. Concluindo a Senhora perita, no seu relatório pericial, que os custos da resolução dos problemas e das adaptações referidas de a) a e) ascendem ao valor de € 180.000,00, com preços de referência a abril de 2023. Valor, esse, no qual a Ré terá, que ser condenada, por se entender que o mesmo se encontra liquidado.
92. O Autor, não pode assim aceitar a decisão proferida no que a esta necessidade diz respeito!!
93. Na deslocação que o Autor fez ao Tribunal no dia 03/10/2023, data em que era suposto ter iniciado a produção de prova, a Mma Juiz, desde logo, teve oportunidade de aferir in loco a condição física e psíquica do Autor, resultante do acidente, já que por sua iniciativa o chamou à sala de audiências e o questionou livremente sobre essa pretensão. Tendo o mesmo, manifestado, prontamente essa sua vontade de regressar à casa de sua propriedade na ..., sem qualquer reserva ou dúvida!!
94. Por isso, dúvidas não podem subsistir quanto à real pretensão e vontade do AA em regressar à sua habitação de sempre por ser aí que se sente bem e de onde nunca pretendeu sair, não fosse a condição em que ficou, sem nunca a ter escolhido!!
95. E se a Mma. Juiz do Tribunal “a quo” tinha dúvidas quanto a tal pretensão, então, nunca deveria ter insistido na dispensabilidade do seu depoimento, por “já o ter ouvido anteriormente” e nessa altura teria tido oportunidade, se assim fosse, de esclarecer alguma dúvida, que ainda pudesse porventura subsistir. Mas a verdade, é que não o fez, porque em bom rigor já estava devidamente esclarecida quanto a essa vontade, e não só. Daí, que não visse o Tribunal necessidade de ouvir o AA, nem em declarações de parte nem sequer em depoimento de parte. Razão pela qual foi a sua presença dispensada!
96. Não podendo agora, o Tribunal obrigar o AA a permanecer na casa arrendada de Castelo Branco, que foi adaptada a título provisório, para fazer face a uma situação premente, mas na qual o AA não quer ficar a título definitivo. Nem nessa casa, nem em Castelo Branco!
97. Decisão, essa, na qual o AA não se revê, com a qual não se conforma, nem, tão pouco, quer para o resto da sua vida, por isso, impor esta penosa situação ao AA, não é mais do que lhe roubar mais uma parte da sua vida!!!
98. Devendo, assim, a Ré/recorrida ser condenada a pagar ao Autor/recorrente, o valor por si reclamado, e devidamente provado, para adaptação da sua habitação, na quantia, de pelo menos € 180.000,00.
99. Até que essa habitação do Autor na ... esteja pronta e devidamente em condições para o receber, deverá a Ré/recorrida continuar a suportar todas as despesas com renda da casa que atualmente habita, ou de outra que seja necessária por alguma circunstância a que o Autor seja alheio e que não seja da responsabilidade, bem como das respetivas atualizações legais.
100. À data do acidente, como resulta dos autos, o Autor/recorrente conduzia veículo e mota. O que depois do acidente deixou de poder fazer em consequência das lesões sofridas e das sequelas que para o mesmo daí resultaram.
101. Para as suas deslocações diárias que não se cingem apenas a transportes para consultas médicas e tratamentos (conforme indevidamente contemplado na douta sentença recorrida), necessita o AA de um veículo adaptado a cadeira de rodas, conduzido por terceira pessoa, uma vez que o mesmo não se segura de pé e não controla o movimento de braços e pernas, conforme, aliás resulta do relatório pericial dos autos.
102. Constituindo tal veículo o único meio de deslocação do autor, atendendo a que permite entrar de cadeiras de rodas na sua habitação e ser transportado, por terceiros, desse modo, para qualquer lugar.
103. Para além dessas deslocações a tratamentos e consultas e à farmácia para aquisição, da diversa medicação que toma diariamente, continua, ainda hoje, o AA com necessidade de ir ao supermercado, ao banco, aos C.T.T., a fazer deslocações de lazer aos fins de semana e em férias, necessitado o mesmo desse veículo adaptado para o efeito.
104. O custo desse veículo adaptado terá, que ser suportado pela ré, responsável pelo estado clínico do Autor/recorrente que, anteriormente ao acidente, podia conduzir qualquer veículo, dispunha, aliás, de carro e motociclo que usava constantemente, para todas as suas deslocações diárias, bem como em momentos de lazer, passeios e férias.
105. Se antes do acidente o AA dispunha de veículo automóvel e motociclo para se deslocar com grande facilidade não é legítimo ou sequer equacionável que só pelo facto de ter ficado limitado com as gravíssimas sequelas e incapacidade de que o mesmo é portador, não possa dispor de um veículo que lhe facilite a sua mobilidade, ao invés de ficar reduzido à cadeira de rodas.
106. O automóvel, deixou de ser um bem de luxo ou sequer de utilização esporádica, não aceitando, por isso o Autor que a sua utilização se reduza para si a meras deslocações a consultas e tratamentos, como aqui o Insigne Tribunal recorrido decidiu!
107. O custo com a aquisição de uma viatura adaptada para o fim em questão ascende à quantia a € 59.202,25 e cujo valor está reclamado e comprovado nos autos, como decorre do orçamento de uma empresa certificada da Volkswagen (Vide Doc. nº 20 junto com o articulado superveniente do autor de 20/09/2023), documento que, aliás, não foi sequer impugnado pela Ré.
108. Tais veículos têm uma duração máxima de utilização de cerca de 10 anos, o que implicará a sua substituição dentro desse prazo, bem como tem necessidade de manutenção ao longo de cada ano.
109. Pelo que, deverá Ré/recorrida ser condenada ao pagamento daquele valor de € 59.202,25 para a aquisição desse veículo, relegando-se, no entanto, para liquidação futura custos de manutenção anual e substituição do mesmo.
110. O Tribunal, com a decisão proferida, violou o disposto no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa, onde está consagrado Princípio da igualdade, nos termos do qual, estabelece o seu nº 1” Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”
111. Devendo, a Ré continuar a suportar todas as despesas de transporte e deslocação do Autor, até, que o valor acima referido esteja pago pela Ré/apelada.
112. Existem ainda outras ajudas das quais o AA não poderá abrir mão, por força da sua condição física e mental decorrente do acidente discutido nos autos, mas que, não estando ainda concretizadas nem o seu valor determinado, deverão as mesmas ser relegadas para oportuna liquidação de sentença.
113. O Autor/recorrente necessitará de diversas ajudas médicas para todo o sempre, no entanto, desconhecemos ao pormenor, como se impõe neste caso, quais, bem como a periodicidade das mesmas e os custos de cada uma.
114. Não será prudente nem da parte do Tribunal nem da nossa parte, indicar neste momento, a esse título apenas consultas de psicologia/psiquiatria e fisioterapia, já que acreditamos que o autor necessite de outras especialidades, como sendo, por exemplo, urologia, neuropsicologia, cirurgia plástica, terapia ocupacional, e dentro da medicina física e de reabilitação, naturalmente a indicada fisioterapia e porventura outros.
115. Assim, como irá necessitar, certamente, para além dessas consultas médicas e tratamentos, de realizar exames radiológicos e/ou outros, bem como se terá eventualmente necessidade de ser submetido a cirurgias e ou/internamentos, para tratamento das lesões decorrentes do acidente. Sendo todos esses custos da responsabilidade única e exclusiva da ré/recorrida, mas uma vez, que neste momento é desconhecido o seu valor deverá o mesmo ser relegado para ulterior liquidação de sentença.
116. O mesmo sucedendo, em relação às ajudas medicamentosas de que o autor depende e continuará a depender em toda a sua vida.
117. Neste momento, apenas sabemos que, o Autor, toma uma panóplia de medicação (antiespasmódicos, antidepressivos, ansiolíticos e analgésicos) da qual não consegue abdicar, e continuará a precisar no futuro, bem como de outra, eventualmente. Não necessitando apenas o autor de antidepressivos e ansiolíticos, como resulta da sentença recorrida.
118. Sendo o custo dessas ajudas medicamentosas ao longo da vida do Autor também da responsabilidade da ré, e não sabendo o autor em concreto qual o custo que as mesmas importarão, também se relega o mesmo para liquidação de execução de sentença.
119. Resultou ainda das perícias efetuadas que o Autor necessita permanente e vitaliciamente de material adequado à sua incapacidade, designadamente cama articulada, colchão anti escaras, almofadas anatómicas, cadeira de duche, mesa adaptada, sofá adaptado, duche, lavatório e sanita adaptada, bem como cadeira de rodas e cadeira de banho. Não se podendo, mais uma vez, apenas considerar as que constam da sentença recorrida.
120. Tais equipamentos têm uma duração limitada no tempo e precisarão de ser substituídos ao longo da vida do autor, considerando a sua idade, necessidades e esperança média de vida. Pelo que, os custos de aquisição e respetiva manutenção e substituição, por desconhecimento, neste momento terão que, ser relegados, de igual modo, para ulterior liquidação.
121. Bem como, também se relega para liquidação futura o custo necessário para aquisição das ajudas descartáveis, como sendo, fraldas, resguardos e toalhitas, dos quais não poderá prescindir ao longo da sua vida. E ainda o uso de sabonetes e cremes específicos para utilizador diário e permanente de fralda, como é o caso do autor/recorrente, para evitar doenças de pele, devendo, todos esses pagamentos serem assegurados pela ré, conforme está reclamado nos autos.
122. Ajudas essas, todas elas imprescindíveis para o Autor, sem as quais o mesmo não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais, e nas diversas situações da vida diária, em face das graves lesões e sequelas de que o mesmo ficou a padecer, por ordem do acidente de que foi vítima.
123. Salvaguardado o máximo respeito, o entendimento perfilhado pelo Tribunal “a quo” constituiria uma total denegação do princípio da equidade, do bom senso, da proporcionalidade, da razoabilidade e da justiça.
124. Não se encontrando, em face de tudo quanto se disse neste recurso, qualquer fundamento para a decisão recorrida, nos diversos pontos que salientamos, atendendo, a toda a prova produzida em sede de audiência discussão e julgamento e demais elementos carreados para os autos.
125. Entende, assim, o recorrente que não se mostra corretamente fixado o quantum indemnizatório que lhe é devido, na parte questionada no presente recurso, tendo em conta a factualidade provada acima elencada e os critérios legais previstos para a reparação dos danos sofridos, bem como a jurisprudência existente nesta matéria.
126. Sendo, assim, de alterar substancialmente os montantes fixados pelo Tribunal “a quo” a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, pelo dano patrimonial futuro/dano biológico e ajuda de 3ª pessoa, o valor global de € 2.506.942,00, ao invés dos € 830.000,00 que constam da sentença proferida.
127. Em relação à adaptação da habitação do Autor que se localiza na ... e ao veículo adaptado que reclamou nos autos, entendemos que o Tribunal está em condições de condenar, desde já a ré/recorrida nos valores reclamados nos autos, respetivamente, € 180.000,00 e € 59.202,25, no total de € 239.202,25, conforme acima melhor explanamos.
128. Com efeito, tudo visto e ponderado, tendo presente que só o uso da equidade permite alcançar o montante que, mais justa e equilibradamente, compensar o Autor, entendemos que se deve alterar a tão propalada indemnização que veio a ser fixada ao autor.
129. A decisão recorrida violou o art.º 13º/1 da Constituição da República Portuguesa, art.º 8º/3 do Código Civil e os artigos 496º, 562º, 563º, 564º e 566º do Código Civil, preceitos que assim, por errada interpretação e aplicação, se encontram violados pela douta sentença recorrida, e os mais que V. Exas, doutamente, vierem a considerar.
130. Em consequência não restará outra alternativa senão alterar a decisão recorrida no que concerne ao valor da indemnização arbitrado.
Termina pedindo o provimento do recurso e revogação da decisão recorrida.
A ré contra-alegou pugnando pela sua manutenção (cf. Ref. Elect. 15681637).
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil3, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135.
Na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art.º 635º, n.º 3, do CPC), contudo o respectivo objecto, assim delimitado, pode ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (cf. n.º 4 do mencionado art.º 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, ou seja, a pronúncia do tribunal ad quem apenas poderá incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo ser confrontado com questões novas - cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 139.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5º, n.º 3 do CPC) – de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art.º 608º, nº 2 do CPC, ex vi art.º 663º, n.º 2, do mesmo diploma).
Assim, perante as conclusões das alegações do autor/apelante há que apreciar as seguintes questões:
a. Questão prévia – valor da causa;
b. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
c. Do quantum indemnizatório pelo dano biológico/dano patrimonial futuro sofrido pelo autor;
d. Do quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor;
e. Do valor arbitrado por referência a ajuda permanente de terceira pessoa;
f. Do valor necessário para a adaptação da casa do autor às suas condições físicas actuais;
g. Da atribuição de valor para aquisição de veículo adaptado;
h. Das ajudas médicas e medicamentosas, técnicas, equipamentos e descartáveis.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
1. No dia 25.01.2019, cerca das 23h45m, na Rua ..., junto à cervejaria “Pastor …”, união das freguesias de ..., concelho de Lisboa, ocorreu o embate entre o veículo ligeiro, conduzido pelo autor, da sua propriedade, marca Microcar 82, matrícula ..-QN-.., o veículo ligeiro conduzido por BB, propriedade de GG, marca Honda, modelo Civic 1.6 VTI, matrícula ..-..-CG, e o veículo ligeiro, conduzido por CC, da sua propriedade, marca Seat, modelo Leon, matrícula ..-BO-...
2. O local onde se deu o embate trata-se de uma estrada com a configuração de uma recta, em declive, desenhando-se em descida para quem circula no sentido Poente - Nascente, apresenta pavimento asfaltado, em bom estado de conservação, com seis metros de largura, ladeada com uma valeta e muro no lado norte e com um passeio pedonal do lado sul.
3. E dispõe de duas hemi-faixas de rodagem, com dois sentidos de marcha, delimitados por um traço contínuo ao eixo da via, sendo o limite de velocidade do local de 40 km/h.
4. Estava bom tempo, era de noite, o piso estava seco e limpo.
5. O veículo do autor circulava no sentido Poente/Nascente, descendo a Rua ....
6. O veículo segurado na ré, de matrícula ..-..-CG, seguia no mesmo sentido de trânsito.
7. O veículo ..-BO-.. seguia no sentido ascendente de Nascente/Poente.
8. O autor dirigia-se para a sua casa, sita em Rua ..., 09, ....
9. O veículo conduzido pelo autor seguia à frente do veículo ..-..-CG, a distância não apurada.
10. Por altura da ocorrência do embate, o veículo do autor foi ultrapassado por um veículo não identificado, tendo o veículo ..-BO-.. de reduzir a velocidade para permitir a conclusão da ultrapassagem.
11. O veículo ..-..-CG, apercebendo-se do veículo do autor, iniciou uma travagem junto a uma passagem pedonal existente a montante do local onde se deu o embate.
12. A travagem ficou marcada no pavimento com dois rastos, um com 19 metros e outro com 40 metros de comprimento.
13. Contudo, o veículo de matrícula ..-..-CG não conseguiu evitar de embater na traseira do veículo conduzido pelo autor.
14. Embate esse que ocorreu frente a um acesso particular existente do lado direito da via, no sentido de marcha do autor, na hemi-faixa do sentido de rodagem do mesmo, a cerca de dois metros do passeio e a 17,30 m do poste eléctrico situado a NW do outro lado da via.
15. Na sequência do embate, o veículo do autor foi projectado para a hemi-faixa do sentido de rodagem contrário, capotando, vindo a embater no veículo de matrícula ..-BO-.. e a imobilizar-se capotado, a cerca de 3,50 metros do poste eléctrico situado a NE, com uma parte do veículo na valeta.
16. O veículo de matrícula ..-..-CG, que seguia atrás do autor, não evitou o embate neste projectando-o com violência para o talude.
17. O condutor do veículo de matrícula ..-..-CG não o conseguiu imobilizar, em segurança, nem desviou a sua trajectória, embatendo frontalmente na traseira do veículo conduzido pelo autor.
18. Na sequência do embate, o autor foi transportado ao serviço de urgência do Hospital Beatriz Ângelo, onde deu entrada já no dia 26.01.2019, com registo de parestesias dos quatro membros, sem verificação de lesões traumáticas agudas, tendo alta – doc. 3 junto com a p.i..
19. O autor regressou ao Hospital Beatriz Ângelo em 29.01.2019, por manter parestesias e diminuição de força dos membros a dta, ficando internado para descompressão cirúrgica da meduladoc. 3 junto com a p.i..
20. Na admissão/internamento de 29.01.2019, realizou RM cervical que revelou «extenso edema medular compressivo, que tem expressão desde o plano médio-somático de C2 ao plano vertebral superior de C7. Os segmentos onde a compressão e deformação do parenquima medular é mais evidente são em C3-C4, C5-C6, e C6-C7. Nestes segmentos, C3-C4, C5-C6 e C6-C7, visualizam-se volumosas protusões disco-osteofibróticas posteriores de base larga que obliteram o espaço de liquor pre-medular e comprimem a medula adjacente. Ao nível do plano segmentar C3-C4 admite-se coexistência de foco de mielomalácia e acrescem acentuadas estenoses foraminais bilaterais a justificar compressão das raízes C4. Em C5-C6 a volumosa protusão discal encontra-se lateralizada a direita, condicionando marcada estenose do espaço sub-articular e foraminal ipsilateral, com sinais de compromisso da raiz C6 ipsilateral. Em C6-C7 nota-se ainda redução marcada do calibre sub-articular e foraminal bilateral, justificando patologia compressiva sobre os radicelos e raízes C7» – docs. 3 e 4 juntos com a p.i..
21. Foi operado, no dia 05.02.2019, sem intercorrências, no período pós-operatório desenvolvendo o agravamento da paresia espástica com predomínio dos membros a dtadoc. 3 junto com a p.i..
22. Durante o internamento teve dois episódios de infecção nosocomial, ITU e pneumonia – doc. 3 junto com a p.i..
23. Teve alta clínica em 21.03.2019 e alta hospitalar em 23.05.2019, sendo transferido para o Centro de medicina física e reabilitação de Alcoitão - docs. 3 e 5 juntos com a p.i..
24. A partir de 23.05.2019, passou a realizar reabilitação física nos serviços de medicina física e reabilitação de Alcoitão, tendo em vista recuperar a função motora, até 24.07.2019 – doc. anexo ao Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, de 16.12.2021.
25. Após a alta do Centro de Alcoitão, o autor foi albergado em casa do irmão, em Castelo Branco, onde recebeu tratamento de fisioterapia ao domicílio e cuidados permanentes de terceira pessoa para se levantar, deitar, vestir, comer, higiene pessoal, necessidades fisiológicas - docs. 20, 21, 22, 23, 24 e 25 juntos com a p.i. e doc. anexo ao Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, de 16.12.2021.
26. Nessa data, aguardava transferência para a Unidade de Média Duração de Reabilitação da Santa Casa da Misericórdia de … - doc. anexo ao Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, de 16.12.2021.
27. O que veio a ocorrer em Novembro de 2019, pelo preço mensal de 1.600€, excluídos medicamentos, tratamentos e outros cuidados – docs. 18, 19 e 27 juntos com a p.i..
28. Em Dezembro de 2019, regressou a casa do irmão, em Castelo Branco, para passar as festas.
29. E regressou à Unidade de Média Duração de Reabilitação da Santa Casa da Misericórdia de …, com admissão em 09-01-2020, onde permaneceu, pelo menos, até Junho de 2020, com apoio da Segurança Social – docs. 6, 29, 30, 31 e 32 juntos com a p.i..
30. Foi internado, em 06-07-2020, no Hospital Rovisco Pais, na …, onde esteve em tratamento até 19-09-2020 - doc. anexo ao Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, de 16.12.2021.
31. Durante o período anterior à alta clínica do Hospital Beatriz Ângelo e após esta, o autor efectuou e continuou a efectuar tratamentos de fisioterapia para a sua recuperação, tendo em vista a sua recuperação funcional, estimulação sensório motora, prevenção da síndrome de imobilidade, exploração de potencial motor, aumento de resistência muscular – docs. 3, 5, 20, 21, 22, 23, 24 e 25 juntos com a p.i., doc. anexo ao Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, de 16.12.2021, e docs. 2 juntos com o articulado superveniente de 30.01.2023.
32. O autor auferia, à data do embate, 645,00 € de retribuição base, acrescido de 109,58 €, de subsídio de domingo, e 108,00 € de subsídio de refeição, mais subsídio de férias e de Natal, com incidência de 11% para a Segurança Social e de 5,70% de IRS, no montante total líquido de 752,07 € - doc. 7 junto com a p.i..
33. O autor nasceu em 10-10-1969 - doc. 8 junto com a p.i. e doc. junto com o requerimento de 30.06.2020.
34. É solteiro, residia, à data do embate, em casa própria e, com ele, a sua mãe, de quem tomava conta.
35. E não apresentava problemas de saúde ou qualquer deficiência física, era considerado pessoa alegre e com boa disposição, praticava desporto, convivia com amigos, sendo por estes e por familiares estimado, projectando um dia constituir família.
36. O autor sofreu dores no momento do embate, dos tratamentos médicos a que foi sujeito e durante o período de recuperação.
37. No momento do embate, sofreu enorme susto, passando por momentos de aflição, tendo estado com a vida em perigo.
38. Sentiu e sente angústia, revivendo o embate.
39. Em consequência do embate, o autor sofreu fractura da coluna e apresenta um quadro de tetraparésia espástica por traumatismo da coluna cervical, sofrendo de incontinência urinária e fecal obrigando ao uso de fraldas em permanência - Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível de 16.12.2021.
40. Era portador de um diagnóstico de défice cognitivo ligeiro, a que se associa após o acidente um quadro de perturbação mista de depressão e ansiedade, sendo possível estabelecer um nexo de causalidade entre as eventuais sequelas do acidente e a sintomatologia depressiva e ansiosa representada pelo autor, que afetarão a eficiência pessoal e profissional do mesmo, que deve vir a beneficiar de um regular acompanhamento psiquiátricoRelatório da Perícia Médico-Legal de Psiquiatria de 02.12.2021.
41. O autor viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, correspondendo os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto a 603 dias (Défice Funcional Temporário Total) - Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, de 16.12.2021.
42. E a sua autonomia na realização dos atos inerentes à sua atividade profissional habitual, entre 26.01.2019 e 19.09.2020, num período total de 603 dias (Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total) - Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, de 16.12.2021.
43. Mais:
- a data da consolidação médico-legal das lesões do autor é fixável em 19.09.2020;
- entre a data do embate e o dia 19-09-2020 o quantum doloris sofrido pelo autor foi de grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
- em consequência do embate dos autos, o autor apresenta um Défice Funcional Permanente da sua Integridade Físico-Psíquica - com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das actividades profissionais - de 81 pontos percentuais, tendo em conta o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas são causa de limitações funcionais importantes com repercussões na independência e autonomia do autor, tornando-o totalmente dependente de ajuda de terceira pessoa;
- as sequelas sofridas pelo autor, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional;
- a repercussão permanente sofrida pelo autor, sempre em consequência do embate, em termos de Dano Estético Permanente, é fixável no grau 6, numa escala de 7 de gravidade crescente, tendo em conta a utilização de ajudas técnicas e impossibilidade de marcha;
- a Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 6, numa escala de 7 de gravidade crescente, tendo em conta que o autor deixou de correr, de ir ao café, deixou de ir à caça e à pesca, deixou de conduzir carro e moto, deixou de nadar e de ir à praia, deixou de conviver ter jantares e almoços com amigos;
- a Repercussão Permanente na Actividade Sexual é fixável no grau 6, numa escala de 7 de gravidade crescente, tendo em conta que o autor deixou de ter vida sexual - Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, de 16.12.2021.
44. O autor tem necessidade permanente de recurso a medicação regular de antidepressivos e ansiolíticos, de provável acompanhamento psiquiátrico e de tratamento de fisioterapia, de cadeira de rodas, andarilho e fraldas, de ajuda de terceira pessoa nas actividades da vida diária, como vestir-se, lavar-se e tarefas que exijam esforço físico e muita mobilidade e o seu domicílio deverá ser adaptado à sua condição clínica, bem como de veículo adaptado - Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível de 16.12.2021 e respectivo complemento de 05.08.2022.
45. Trata-se de um indivíduo não permanentemente acamado, com marcha só possível com apoio de andarilho ou cadeira de rodas, permitindo-lhe tarefas muito básicas e pouco exigentes, sendo as sequelas de que é portador irreversíveis e com tendência a se manterem inalteradas - complemento de 05.08.2022 ao Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível de 16.12.2021.
46. O autor é seguido em consultas de psicologia, estando medicado com antidepressivos e ansiolíticos - Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível de 16.12.2021.
47. O veículo do autor, em consequência do embate, ficou destruído, tendo a ré liquidado a quantia de 8 556,00 € – doc. 9 junto com a p.i..
48. A casa onde o autor residia, à data do embate, sita na Rua ..., ..., trata-se de uma moradia unifamiliar de r/c com logradouro, que se encontra implantada numa cota superior ao terreno envolvente de cerca de cinco metros de altura.
49. Para aceder, é necessário subir um degrau dando acesso ao portão do logradouro.
50. Para aceder ao interior da casa é necessário transpor uma escadaria que desemboca num patamar que dá acesso à porta principal da casa de habitação, tendo de subir dois degraus.
51. A porta de entrada na moradia tem uma largura de 81 cm e as portas interiores têm cerca de 70 cm de largura útil, não permitindo a passagem de uma cadeira de rodas.
52. A casa de banho carece de ser adaptada a um utilizador em cadeira de rodas.
53. O autor dorme numa cama medicalizada com colchão anti-escaras, almofada anatómica e com uma altura que permite a transferência para uma cadeira de rodas.
54. A casa do autor, no estado em que se encontra, não permite a acessibilidade, nem a utilização autónoma de um utilizador de cadeira de rodas, sendo para o efeito necessário:
- eliminar os desníveis de 0,30 m e de 0,50 m, respectivamente, entre a via pública e a cota do patim de entrada na propriedade e entre o logradouro (pátio) e a entrada principal no interior da moradia;
- alargar as aberturas existentes para a largura útil de 0,87 m, medida entre a face da folha da porta quando aberta e o batente ou guarnição do lado oposto;
-instalar um elevador, que permita o acesso de nível à via pública, com dimensão adequada a cadeira de rodas;
- ampliar/construir nova casa-de-banho com dimensões adequadas a mobilidade condicionada;
- dotar a mesma de loiças sanitárias para utilização autónoma por parte de utilizador de cadeira de rodas (duche, lavatório, sanita).
55. A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação do veículo de matrícula ..-..-CG, à data do embate, estava transferida para a ré através da apólice de seguro n.º 00053..., válida e eficaz – doc. 1 junto com a contestação.
56. O condutor do veículo segurado na ré, de matrícula ..-..-CG, tinha conhecimento das regras de circulação rodoviária e não procedeu como lhe era exigido, não conseguindo imobilizar o veículo em segurança e embatendo no veículo conduzido pelo autor, circulando sem adaptar a velocidade à via.
57. O autor, em Dezembro de 2020, arrendou, para si, um apartamento sito na Urbanização ..., em Castelo Branco, por forma a estar mais perto do irmão, que lhe prestava a si e à mãe de ambos apoio e cuidado, pelo montante mensal de 450,00 €, actualizado para 500,00 €, desde Março de 2023, tendo tido de realizar obras de adaptação - doc. 1 junto com o articulado superveniente de 30.01.2023 e doc. 9 junto com o articulado superveniente de 20.09.2023.
58. O irmão do autor, HH, faleceu em 20.02.2021 e a sua mãe em 23.10.2022 - docs. 5 e 6 juntos com o articulado superveniente de 30.01.2023.
59. Neste momento, resta-lhe o sobrinho, EE, que lhe tem prestado apoio e cuidados, fazendo-lhe companhia e auxiliando na realização das tarefas diárias.
60. O autor, nas suas deslocações aos tratamentos, consultas e fisioterapia, carece de ser transportado, sendo, actualmente, o sobrinho quem tem assegurado tais funções.
61. No âmbito do procedimento cautelar nº 1884/20.1T8LRS, que constitui o Apenso A, autor e ré fixaram, por acordo homologado de 25.05.2020, uma renda mensal provisória, a favor do primeiro, de 752,07 €, líquidos, acrescida dos subsídios de férias e de Natal.
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O Tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos:
a) O autor ainda sente muitas dores qualificadas de muito importantes;
b) O autor carece de cuidados permanentes de terceira pessoa com conhecimentos de enfermagem;
c) O autor não dispõe de condições económicas para proceder à aquisição imediata de veículo adaptado ao seu transporte e de contratar um tripulante, o que o entristece, enerva, revolta, por se sentir inválido, incómodo e dependente;
d) São necessárias, no mínimo, três pessoas, em turnos diários de 8h, para prestar cuidados permanentes de terceira pessoa ao autor;
e) O autor paga, na actualidade, o salário mínimo nacional a cada uma das pessoas que lhe prestam auxílio, em turnos de 8 horas, com descanso semanal respectivo de dois dias, nestes e nas férias tendo de contratar quem as substitua;
f) O autor comprometeu-se a pagar ao sobrinho, EE, a quantia mensal de 720,00 € para o transportar nas suas deslocações aos tratamentos, consultas, fisioterapia, a passear, almoçar/jantar fora, compras, entre outras.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. Questão prévia – valor da causa
O autor/recorrente inicia as suas alegações visando obter a alteração do valor da causa fixado no despacho saneador, no montante de 2.259.838,37 €, para o montante de 2.887.890,62 €, tendo em conta a ampliação do pedido por si deduzida e admitida pelo tribunal recorrido, quanto aos valores reclamados a título de indemnização para obras de adaptação da habitação sita na ..., ajuda de terceira pessoa e veículo adaptado.
Nas suas contra-alegações a ré/recorrida nada disse quanto a esta matéria.
Independentemente da questão de se saber se a ampliação do pedido, enquanto desenvolvimento do pedido inicialmente deduzido, tem ou não reflexos no valor processual da causa4, importa ter em atenção que esta questão não foi suscitada pelo recorrente em 1ª instância, nem sobre ela o tribunal recorrido se pronunciou, tratando-se de questão inovatoriamente introduzida nos autos em sede de alegações de recurso.
Conforme refere o recorrente, o valor da causa foi fixado no momento próprio, ou seja, no despacho saneador, conforme se afere da acta da audiência prévia realizada em 30 de Janeiro de 20235, em cumprimento do estatuído no art.º 306º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
O valor fixado foi o do 2.259.838,37 €, decisão que, na falta de impugnação tempestiva, constitui caso julgado formal (cf. art.º 620º, n.º 1 do CPC). Com efeito, tratando-se de decisão proferida, legítima e tempestivamente no arco de aplicação do art.º 306º do CPC, sendo susceptível de recurso (cf. art.º 644º, 1, a) do CPC, para “incidente autónomo”), torna-se definitiva, só admitindo alteração a título excepcional (cf. art.º 299º, n.º 4 do CPC), para o que imporia, se fosse esse o caso, a prolação de despacho judicial autónomo de acertamento do valor da causa, a proferir em sede de 1ª instância – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2022, processo n.º 4332/21.6T8CBR-B.C1.S16.
Como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os art.ºs 627.º, n.º 1, 631, n.º 1 e 639.º, do CPC) – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-07-2016, relator Gonçalves Rocha, processo n.º 156/12.0TTCSC.L1.S1 – “[…] não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, podendo ver-se neste sentido os acórdãos do S.T.J. de 1.12.1998, in BMJ n.º 482/150; 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág. 156; e os acórdãos de 24/2/2015, processo nº 1866/11.4TTPRT.P1.S1, e de 14/5/2015, 2428/09.1TTLSB.L1.S1”.
Na verdade, no direito português, os recursos ordinários, como é o caso, são de reponderação, ou seja, visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados.
Por essa razão, não pode este Tribunal modificar, nesta sede, o valor fixado à causa, pelo que improcede o requerido nesse âmbito.
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3.2.2. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Estabelece o art.º 662º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Ao assim dispor, pretendeu o legislador que a Relação fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-12-2016, processo n.º 437/11.0TBBGC.G1.S1.
Dispõe o art.º 640º, n.º 1 do CPC:
“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
À luz do normativo transcrito afere-se que, em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escrito – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que se exige no contexto do ónus de alegação, de modo a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
De notar que a exigência de síntese final exerce a função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 201, nota 345.
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2016, processo n. 1393/08.7YXLSB.L1-7 refere-se:
“É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum.”
O recorrente convoca para reapreciação os factos vertidos nos pontos 40., 45. e 54. dos factos provados e alínea c) dos factos não provados, indicando a prova em que assenta a sua convicção de que tais factos devem ser objecto de redacção diferente ou ser dado como provado, pelo que se passa à apreciação da matéria de facto impugnada.
Ponto 40. dos Factos Provados
A 1ª instância deu como provado o seguinte:
40. Era portador de um diagnóstico de défice cognitivo ligeiro, a que se associa após o acidente um quadro de perturbação mista de depressão e ansiedade, sendo possível estabelecer um nexo de causalidade entre as eventuais sequelas do acidente e a sintomatologia depressiva e ansiosa representada pelo autor, que afetarão a eficiência pessoal e profissional do mesmo, que deve vir a beneficiar de um regular acompanhamento psiquiátrico.
O que fundamentou nos seguintes termos:
“O tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos provados e não provados, ponderando a matéria aceite pelas partes, tanto por acordo expresso, como por ausência de impugnação, e em atenção à prova produzida em audiência de julgamento, traduzida nos esclarecimentos prestados pela senhora perita FF e nos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo autor, DD, II e EE, em conjugação com a prova documental e pericial dos autos, […]
Melhor especificando: […]
- o levado aos pontos 39 a 46 resulta do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil de 16.12.2021 e documentação anexa, e esclarecimentos de 05.08.2022, e da perícia médico-legal da especialidade de psiquiatria, de 02.12.2021; […]
Uma última palavra para os depoimentos das testemunhas DD – subscritor do relatório, com data de 26.04.2023, junto com o articulado superveniente de 20.09.2023 – e II, consultor de avaliação técnica de produtos de ortopedia, que não se tomaram de utilidade para o apuramento dos factos.
O primeiro teve uma única consulta com o autor que deu azo à elaboração do relatório que subscreveu, sustentando diferente majoração das sequelas de psicologia, não se aferindo qualquer razão para fazer prevalecer a sua pronúncia sobre a avaliação dos peritos médicos do INML. A segunda testemunha mencionada conhecimento algum directo dos factos demonstrou ter, recaindo o seu depoimento sobre equipamentos e respectiva durabilidade a propósito do último articulado superveniente apresentado pelo autor, em larga medida não admitido.”
O apelante insurge-se quanto ao decidido neste ponto, para o que convoca o relatório de neuropsicologia subscrito pelo Prof. Dr. DD, ouvido em audiência de julgamento e que contrariou e demonstrou que o autor não apresentava esse diagnóstico, não lhe tendo sido detectado qualquer défice cognitivo, ainda que ligeiro, apresentando antes um quadro de stress pós-traumático incapacitante, irreversível e incurável e quadro de instabilidade mental pós-traumática ango-depressiva, conforme depoimento da mencionada testemunha entre os minutos 00.00 a 00.19.26, que contraria o resultado do relatório pericial, pelo que entende que o ponto 40. deve ter a seguinte redacção: “O autor ficou a padecer de após o acidente um quadro de instabilidade mental pós-traumática de natureza ango-depressiva que o afeta de modo irreversível e permanente em todas as suas capacidades motoras, afetando-o na sua condição física e psíquica com gravíssimo impacto ao nível de todas as suas atividades quotidianas, sendo possível estabelecer um nexo de causalidade entre as sequelas do acidente e essa sintomatologia apresentada pelo autor, que afetarão a eficiência pessoal e profissional do mesmo, que deve vir a beneficiar de um regular acompanhamento psiquiátrico.”
Importa notar, desde logo, que o Tribunal recorrido louvou-se, expressamente, no vertido no relatório da perícia médico-legal da especialidade de psiquiatria, que data de 2 de Dezembro de 2021 e onde se descreveu o seguinte7:
“Dos autos constam as relevantes peças processuais. Destas, destaca-se a nota de alta do Serviço de Reabilitação de Lesionados Medulares do hospital Rovisco Pais, onde o examinando esteve internado de 06/07/2020 a 19/09/2020 e onde se lê: "antecedentes pessoais: descrito défice cognitivo ligeiro - dificuldades na leitura e escrita (...) medicação pré-morbida (seguntdo registos do PCE): amissulprida 50mg, venlafaxina 150mg (...) problemas identificados: síndrome ansioso/depressivo - períodos de labilidade emocional, controlados com ajuste da medicação ansiolítica e apoio psicológico” […]
Relata a existência de dificuldades de aprendizagem, estudou até à quarta classe, no ensino especial "era um pouco mandrião". Terminou a escola com cerca de 16 anos, começou a ter trabalhos esporádicos até que em 2004 começou a trabalhar no Jumbo. Tem carta de condução, apesar de ter reprovado algumas vezes. Não cumpriu o serviço militar obrigatório, "fui à inspeção, fiz os testes todos e no fim disseram eu estava inapto, não percebo nada disso"
Na sequência do acidente, começou a ter acompanhamento psiquiátrico e de Psicologia. Relata que antes de ter o acidente era uma pessoa alegre, extrovertida, que gostava de sair. Após o acidente, isola-se, quer ficar em casa, não tem interesse "vejo um bocado de uma coisa e páro, agarro noutra coisa, sou mais inconstante. Sinto-me angustiado, triste, por não conseguir fazer as minhas tarefas. Nem consigo vestir-me nem calçar, tenho de pedir ajuda ao meu sobrinho, fico angustiado, enraivecido por me sentir triste por causa disto, não estava à espera disto, a minha maneira de viver é muito diferente". Refere que anteriormente era muito falador, divertido, atualmente isola-se, "fico no meu canto, encolho-me, fico triste". Relata um grande sofrimento por não conseguir ter ereção nem prazer sexual.
Ao exame do estado mental apresenta uma idade real coincidente com a idade aparente, discurso fluente. Discurso coerente, embora pobre no conteúdo, sendo notório algum compromisso cognitivo. Está orientado em todas as dimensões, apresentando humor depressivo, níveis elevados de ansiedade, descrevendo sentir uma grande revolta interior e frustração por não conseguir fazer o que anteriormente lhe dava prazer. Afirma que dome mal, sonha muito, tem muitos pesadelos. Apetite conservado. Níveis de ansiedade adequados à situação. […]
[…] podemos afirmar que o examinando era portador de um diagnóstico de défice cognitivo ligeiro, a que se associa após o acidente um quadro de perturbação mista de depressão e ansiedade, (correspondentes respetivamente aos códigos F70 e F41.2 da Interrzational Classification of Diseases and Related Health Problems, Tenth Revision - ICD-10).
Mesmo atendendo aos antecedentes que o examinando possuía, pode-se imputar a atual psicopatologia às sequelas do acidente de viação, sendo a psicopatologia que vivencia na atualidade claramente marcada pelo evento traumático, com níveis de ativação ansiosos. É, pois, possível estabelecer um nexo de causalidade entre as sequelas do acidente e a sintomatologia apresentada. De facto, o acidente de que foi vítima causa ainda hoje ativação neurovegetativa no examinando com arousal e limitações no quotidiano.
Tais queixas afetarão a eficiência pessoal e profissional do examinando, sendo por isso englobáveis na rúbrica Nb0903 Tabela Nacional de Incapacidades (Dec-Lei 352/2007 de 23 de Outubro - Anexo II). Tendo este grau de incapacidade um intervalo de desvalorização que varia entre 4 e 10 pontos, à situação presente corresponderá uma desvalorização de 6 pontos. […]
IV. Conclusões
1. O examinando era portador de um diagnóstico de défice cognitivo ligeiro, a que se associa após o acidente um quadro de perturbação mista de depressão e ansiedade (códigos F70 e F41.2 da CID - 10).
2. Perante o continuum temporal e as queixas apresentadas é possível estabelecer um nexo de causalidade entre as eventuais sequelas do acidente e a sintomatologia depressiva e ansiosa apresentada pelo examinando.
3. Tais queixas afetarão a eficiência pessoal e profissional do examinando, sendo por isso englobáveis na rúbrica Nb0903 Tabela Nacional de Incapacidades, previstas no Dec-Lei 352/2007
4. Tendo este grau de incapacidade um intervalo de desvalorização que varia entre 4 e 10 pontos, à situação presente corresponderá uma desvalorização de 6 pontos.
5. Deve vir a beneficiar de um regular acompanhamento psiquiátrico.”
Com efeito, aquilo que resultou demonstrado no ponto 40. corresponde precisamente ao que se mostra descrito nas Conclusões do relatório pericial em psiquiatria e que são concludentes com as premissas anteriormente descritas na avaliação clínica efectuada, tendo o senhor perito enquadrado a sequela identificada na rubrica Nb0903 da Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil, que constitui o Anexo II do DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, que, dentro do Capítulo I - Sistema nervoso e psiquiatria, na Parte I – Sistema nervoso, B) Psiquiatria, identifica o campo de:
“9 — Perturbações persistentes do humor: No caso de lesões físicas pós-traumáticas geradoras de sequelas graves e necessitando de tratamento complexo e de longa duração, pode subsistir um estado psíquico permanente doloroso caracterizado por perturbações persistentes do humor (superior a dois anos), com repercussão a nível do funcionamento social, laboral ou de outras áreas importantes da actividade do indivíduo.”
O senhor perito enquadrou a situação do autor no código Nb0903, que corresponde a: “Com ligeira repercussão na autonomia pessoal, social e profissional”
O recorrente contrapõe a este elemento probatório pericial, o relatório elaborado pelo Professor Doutor DD, que, conforme declarou, é neuropsicólogo, sendo aquele relatório elaborado nesse âmbito e, bem assim, as declarações por este prestadas em audiência de julgamento.
O relatório em causa constitui o documento n.º 28 junto com o requerimento apresentado pelo autor em 20 de Setembro de 20238, onde consta o seguinte:
“Da observação directa (iniciada logo após o primeiro contacto, informal, com o paciente), anamnese e exploração clínica destacamos, como mais relevantes, os seguintes dados:
O Sr. AA apresentou-se na nossa consulta, de forma cuidada, sintónico e colaborante, embora tenhamos verificado várias flutuações da eutimia. Por outro lado, o paciente revelou-se orientado no tempo, espaço e auto-psiquicamente, expressando-se de forma fluente sem alterações da articulação ou manifestações de parafasias. Em termos qualitativos o discurso, espontâneo e "provocado", revelou-se pobre em conteúdo, bastante repetitivo (incidindo, particularmente nos factos centrados no acidente e suas consequências) e pleno de segmentos de prejuízo. A análise extemporânea e posteriormente detalhada do referido discurso denunciou, igualmente, um elevado grau de ansiedade, bem como um "colorido" depressivo muito acentuado e, absolutamente, reactivo a tudo o que tinha relação com os danos adquiridos, constantemente recordados de forma persistente e, portanto, invasiva com consequências, evidentemente, limitativas e perturbadoras ao nível de grande parte da sua dinâmica bio-psico-social. perturbadoras. Por outro lado, recolhemos dados da máxima importância relativamente à desagregação do padrão de sono, que antes da data do sinistro era absolutamente normal. Outros
dados clínicos de relevo reportam-se à existência de um fraco poder de resiliência e acentuada baixa de auto-estima.
De referir, pela sua elevada importância, que o Sr. AA era uma pessoa estável e perfeitamente inserida no seu nicho familiar e sócio-profissional, o que a partir da altura do acidente e até à data se revela impossível. Conclui-se, assim, que o sinistrado apresenta um acentuado quadro de instabilidade mental pós-traumática, de natureza ango-depressiva, acompanhado de perturbações psicofisiológicas (sistema nervoso autónomo, simpático), que estabelece um inequívoco nexo causal com o acidente, havendo (tal como atrás foi referido) um evidente e gravíssimo impacto ao nível de todas as suas actividades quotidianas.
De realçar que no Centro de reabilitação que frequentou lhe foi diagnosticado um Défice Cognitivo Ligeiro (CID-10/F06.7). sem que o paciente tenha sido sujeito a qualquer exame (neuropsicológico) para que esse diagnóstico fosse fundamentado. Realizámos um despiste recorrendo à escala MIDOI-R que nada revelou. Portanto, o paciente não apresenta tal quadro clínico que resulta de uma disfunção cerebral que não existe. Por outro lado, efetuámos um rastreio psicopatológico (SCL-90R) que confirmou abundantes sinais e sintomas de ansiedade generalizada e depressão major que uma vez interpretados conduziram a um diagnóstico de Stress Pós-Traumático (F43.1) acentuado, de perfil crónico e resistente a todas as formas de terapia a que está sujeito.
Por outro lado, e dado que não pode deixar de ser referido pelo facto de constituir matéria significativamente grave, informe-se que o paciente apenas tem sessões trimestrais de Psicoterapia o que é manifestamente insuficiente dado que deveriam se, nesta fase e nas anteriores, semanais. Por outro lado, é surpreendente e profundamente errado o facto de não estar a ser submetido a sessões de Terapia Ocupacional, abordagem fundamental para que se possa almejar uma melhoria objectiva das alterações funcionais e, consequentemente, do satus psíquico.
Face ao que foi exposto e à existência do já referido síndroma pós-traumático (CID-10/F43.1), havendo um inequívoco nexo causal entre esta entidade psicopatológica e o acidente de 26 de janeiro de 2029, não temos qualquer dúvida em atribuir uma cotação de NB0901 – 25 Pontos (com grave repercussão na autonomia pessoal, social e profissional), de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades Permanentes/Direito Civil.”
Para além de a identificação do prévio défice cognitivo estar já referenciada anteriormente e ter sido confirmada pelo senhor perito Dr. António Carvalho, subscritor da perícia médico-legal em psiquiatria, sendo, aliás, compatível com a própria afirmação do sinistrado, que descreveu dificuldades de aprendizagem e frequência do ensino especial, cumpre notar que nada autoriza nos autos a conferir a essa análise efectuada em neuropsicologia uma preponderância superior em relação à avaliação efectuada por especialista em Medicina Legal e Ciências Forenses e sub-especialista em psiquiatria forense, sobremaneira quando o próprio Dr. DD, que depôs como testemunha e não como perito, afirmou que assistiu o apelante numa única consulta, o que, ao que se depreende, lhe terá permitido efectuar os exames necessários para obter a conclusão de que aquele não padece do défice cognitivo que lhe foi anteriormente diagnosticado. Ora, esta foi uma conclusão que a testemunha se limitou a verter no seu relatório, com base apenas num “despiste” recorrendo à “escala MD01-R”, sem que tenha sido explicado em que se traduz esse “despiste” ou exame ou os resultados alcançados.
Acresce que, o Dr. DD enquadrou a situação do autor no código NB0901, ou seja, precisamente o mesmo tipo de sequela identificada na perícia médico-legal, embora identificando uma grave repercussão na autonomia pessoal, social e profissional, atribuindo-lhe a pontuação máxima de desvalorização, ou seja, os 25 pontos.
No entanto, no decurso do seu depoimento, a testemunha tentou comprovar a existência de um quadro de stress pós-traumático definitivamente incapacitante, que nenhuma psicoterapia poderia reverter, para concluir ter cometido uma “gafe” no enquadramento efectuado, que deve antes corresponder ao código Nb1001, ou seja, Perturbação de stresse pós-traumático, que corresponde a “manifestações psíquicas, mediadas pela ansiedade e provocadas pela ocorrência súbita e imprevisível, de um evento traumático que excede os mecanismos de defesa do indivíduo. O factor de stresse deve ser intenso e ou prolongado. A sintomatologia inclui condutas de evitamento (de situações ou pensamentos que evoquem o trauma), reexperiência penosa do acontecimento traumático, sintomas de hiperactivação fisiológica e alterações do padrão de comportamento. A sua valorização pericial só deve ter lugar após, pelo menos, dois anos de evolução”, tendo a testemunha enquadrado no parâmetro “com grave repercussão na autonomia pessoal, social e profissional” – cf. minutos 7.45 e seguintes e 12.15 e seguintes do seu depoimento.
Ora, este engano ou “gafe”, como o identificou a testemunha, não foi cabalmente explicado, nem houve um esclarecimento sobre as razões pelas quais as sequelas apresentadas pelo autor extravasam a qualificação de “perturbações persistentes do humor”, tal como identificado pelo senhor perito médico-legal, para deverem, pelo contrário, ser integradas no campo do stress pós-traumático, não tendo sido explanadas as diferenças que justificam essa diversa classificação, pelo que não se vislumbram razões para modificar o juízo probatório efectuado pela 1ª instância, tanto mais que se está perante a contraposição de uma testemunha, que apenas consultou o paciente uma única vez face a um relatório pericial, tal como notou o tribunal recorrido.
Acresce que, conforme dispõe o art.º 388º do Código Civil, “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
A prova pericial, no caso exame médico-legal, visa a percepção indiciária de factos por inspecção de pessoas, a ter lugar por intermédio do perito, enquanto pessoa idónea a alcançar a plena apreensão da prova face aos seus conhecimentos especializados.
O perito carreia para os autos não apenas a perspectiva de factos, mas também a apreciação ou a sua valoração dos factos, pois que é uma pessoa qualificada que exerce a sua actividade sobre dados técnicos, sobre matéria de natureza especial, pelo que com os seus específicos conhecimentos faculta ao juiz critérios de valoração ou apreciação dos factos, juízo de valor, que assenta na sua cultura especial e na sua experiência técnica.
Assim, como refere Luís Filipe Pires de Sousa9, o “traço definidor da prova pericial é, de facto, o de se chamar ao processo alguém que tem conhecimentos especializados em determinados aspectos de uma ciência ou arte para auxiliar o julgador, facultando-lhe informações sobre máximas de experiência técnica que o julgador não possui e que são relevantes para a percepção e apreciação dos factos controvertidos. Em regra, além de facultar ao julgador o conhecimento dessas máximas de experiência técnica, o perito veicula a ilação concreta que se justifica no processo, construída partir de tais máximas da experiência”.
O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se, à partida, subtraído à livre apreciação do julgador.
O julgador está cingido ao juízo pericial e sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.
A perícia tem como finalidade auxiliar o julgador na percepção ou apreciação dos factos a que há-de ser aplicado o direito, sempre que sejam exigidos conhecimentos especiais que só os peritos possuem. Embora o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não possui, é este que tem o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito. Em termos valorativos, os exames periciais configuram elementos meramente informativos, de modo que, do ponto de vista da juridicidade, cabe sempre ao julgador a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas.
Significa isto que as respostas dos peritos podem ser decisivas para o pleito, mas delas não resulta prova vinculada, posto que o juiz aprecia livremente o que delas resulta – cf. António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, I – Parte geral, CIDP 2020, pág. 1070; José Lebre de Freitas, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição Revista e Atualizada, Ana Prata (Coord.), pág. 510; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-03-2010, processo n.º 949/05.4TBOVR-A.L1-8.
No caso em apreço, no confronto com os elementos documentais convocados e depoimento testemunhal em referência nenhuma razão se detecta para retirar a valia probatória à perícia realizada, que não foi minimamente colocada em crise pelos elementos probatórios identificados pelo recorrente.
Improcede, assim, nesta parte, a impugnação da matéria de facto, devendo manter-se inalterada a redacção do ponto 40. dos factos provados.
Ponto 45. dos Factos Provados
O tribunal recorrido deu como provado o seguinte:
45. Trata-se de um indivíduo não permanentemente acamado, com marcha só possível com apoio de andarilho ou cadeira de rodas, permitindo-lhe tarefas muito básicas e pouco exigentes, sendo as sequelas de que é portador irreversíveis e com tendência a se manterem inalteradas.
O Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão, também quanto a este facto, no relatório pericial junto aos autos, nos termos já acima transcritos.
O apelante discorda do assim decidido por entender que não reproduz com exactidão a prova produzida, decorrendo do texto que o autor não apresenta as limitações que de facto tem, sendo que não pode realizar marcha com andarilho, que apenas serve para apoio nas transferências da cama para a cadeira de rodas e vice-versa, louvando-se no depoimento da testemunha EE, que o acompanha diariamente e que referiu que o autor carece da ajuda de terceira pessoa 24 horas por dia, 365 dias por ano, para todas as tarefas diárias, por mais básicas que sejam. Entende, assim, que a redacção do ponto 45. deve ser a seguinte redacção: “Trata-se de um indivíduo que apesar de não permanentemente acamado, desloca-se apenas em cadeira de rodas, estando o mesmo, desde o dia do acidente de que foi vítima dependente da ajuda e vigilância de 3ª pessoa, 24 horas/dia, 365 dias/ano, para todas as tarefas diárias por mais simples e básicas que sejam”.
A situação actual do recorrente descrita no ponto 45. baseou-se no conteúdo do relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito cível, que data de 16 de Dezembro de 202110, complementado pelos esclarecimentos prestados pelo senhor perito, em 5 de Agosto de 2022, sendo que no relatório inicial se consignou o seguinte:
“A. História do Evento
[…]
Durante o internamento em Rovisco Pais apresentou algumas melhoras e em termos funcionais teve alta: "alimenta-se de forma autónoma (incluindo cortar carne , com a mão direita), lava a cara, dentes, pentear (mão esquerda; veste metade superior do tronco (utilizando essencialmente o MSE); necessita de ajuda moderada a imp no vestir da metade inf (puxar cuecas/calções, calçar meias e sapatos); banho em cadeira de banho, necessitando de ajuda para lavar região perineal e membros inferiores (abaixo do joelhos). Faz marcha com andarilho para pequenas distâncias, tendencialmente com flexão do tronco. Sobe e desce escadas, com apoio de corrimão bilateral. Deambula em CR manual, que auto-propulsiona para curtas-médias distâncias. Incapaz de auto-propulsionar a mesma em terrenos mais irregulares, subir/ descer rampas. Alta com o Diagnóstico de quadro neuromotor de Tetraplegia AIS D NN C5 […]
Estado Actual
A. Queixas
Nesta data, o(a) examinando(a) refere as queixas que a seguir se descrevem […]
- Postura, deslocamentos e transferências: quadro tetraparésia espástica;
- Manipulação e preensão: só consegue fazer alguma preensão manual com a mão esquerda e a mesma é muito limitada […]
2. A nível situacional, compreendendo este nível a dificuldade ou impossibilidade de uma pessoa efetuar certos gestos necessários à sua participação na vida em sociedade, em consequência das sequelas orgânicas e funcionais e de fatores pessoais e do meio, refere:
- Atos da vida diária: muito comprometidos todas as atividades básicas da vida diária como vestir-se, lavar-se, fazer transferências da cama para a cadeira de rodas. […]
B. Exame Objetivo
1. Estado geral
O(a) Examinando(a) apresenta-se: consciente, orientado(a), colaborante, com bom estado geral, idade aparente de harmonia com a idade real
O(a) Examinando(a) é dextro(a) e apresenta marcha normal, sem apoio nem claudicação mobilidade só possível de cadeira de rodas no exterior e em casa consegue dar alguns passos com ajuda de andarilho
2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento
O(A) examinando(a) apresenta as seguintes sequelas:
Ráquis: quadro de tetraparésia espástica por traumatismo da coluna cervical […]”
Importa notar que se está perante um quadro de tetraparésia espástica, ou seja, uma situação clínica que afecta os quatro membros, sendo definida pela espasticidade dos membros em oposição à paralisia estrita, isto é, é diferente de um quadro de tetraplegia, em que a paralisia afecta os movimentos das quatro extremidades que se unem à musculatura do tronco, sendo elas braços, tronco e pernas, normalmente causada por lesões que atingem a medula espinhal a nível cervical, o que significa que naqueloutra (na tetraparésia espástica) alguns movimentos são ainda possíveis.
A análise do relatório pericial e esclarecimentos subsequentemente prestados permite, precisamente, verificar que, aquando do seu internamento no Hospital Rovisco Pais, o autor apresentou ainda algumas melhoras, alimentando-se de forma autónoma, lavando a cara, dentes e sendo capaz de se pentear (com a mão esquerda), necessitando de ajuda para vestir a parte inferior do corpo, tomar banho, mas fazendo marcha com andarilho para pequenas distâncias, subindo e descendo escadas, com apoio de corrimão lateral.
À data do exame pericial mantinha-se o quadro de tetraparésia espástica, conseguindo fazer alguma preensão manual com a mão esquerda, ainda que muito limitada, encontrando-se muito comprometidas todas as actividades básicas da vida diária, como vestir-se, lavar-se, fazer transferências da cama para a cadeira de rodas, embora se mantivesse a possibilidade de, em casa, dar alguns passos com ajuda de andarilho.
Em sede de esclarecimentos, o senhor perito clarificou que o autor é um “indivíduo não permanentemente acamado, com marcha só possível com apoio de andarilho ou cadeira de rodas”, o que lhe permite tarefas muito básicas e pouco exigentes, embora não necessite de cuidados de enfermagem a tempo inteiro.
Perante esta avaliação e tendo o Tribunal recorrido se limitado a reproduzir aquilo que o senhor perito pôde observar na sequência do exame objectivo do examinando e que descreveu no seu relatório, não se vislumbra que outra devesse ser a redacção conferida ao ponto 45. dos factos provados, designadamente aquela que foi proposta pelo apelante, porquanto o depoimento da testemunha EE, sobrinho do autor e seu cuidador, desde o momento em que aquele regressou a casa após alta hospitalar não se afigura suficiente para infirmar as conclusões médico-forenses vertidas no mencionado relatório.
Na verdade, ainda que, efectivamente, a testemunha tenha referido o uso do andarilho para apoiar no levante e no deitar na cama, seguro é que não deixou de mencionar que o autor consegue manter-se de pé, com a ajuda do andarilho, o tempo suficiente para lograr vesti-lo e despi-lo. Além disso, e em rigor, não afirmou que esse seja o único uso dado ao andarilho, nem que a marcha estivesse totalmente impossibilitada (cf. minuto 13.00 e seguintes do seu depoimento).
No que à utilização do andarilho diz respeito, a testemunha referiu que o autor, efectivamente, conseguia dar uns pequenos passos, com o andarilho, mas que, àquela data, “ele já está a ter muita, neste momento já não, já não… já não lhe apetece, porque a dificuldade é tamanha, que já não…” (cf. minuto 26.00 e seguintes do seu depoimento), de onde se retira que não afirmou que o recorrente não fosse capaz de dar pequenos passos, mas sim que não o queria fazer ou já não se predispunha a efectuar esse esforço atenta a dificuldade.
Perante isto, crê-se que tal depoimento é insuficiente para infirmar, ao menos totalmente, aquela que foi a convicção probatória do tribunal recorrido quanto à possibilidade de marcha com andarilho, embora deva ser esclarecido que essa marcha se limita a pequenos passos e no interior da casa.
Por outro lado, quanto à necessidade de ajuda de terceira pessoa para as actividades da vida diária, como vestir-se, lavar-se, ou sair de casa e ir às compras, tal resulta já demonstrado no ponto 44. dos factos provados, sendo certo que do depoimento da testemunha EE se retira que algumas tarefas básicas ainda são possíveis, como segurar num copo, agarrar num pedaço de comida e comer, puxar alguma roupa que tenha vestida e ajudar no despedir-se e vestir-se, pelo que não está comprovado que todas as tarefas diárias, as mais simples que sejam, sejam impossíveis de realizar para o autor.
Assim, em conformidade com a análise efectuada, o ponto 45. dos factos provados passará a ter a seguinte redacção:
45. Trata-se de um indivíduo não permanentemente acamado, com marcha só possível com apoio de andarilho (no interior da casa e pequenas distâncias) ou cadeira de rodas, permitindo-lhe tarefas muito básicas e pouco exigentes, sendo as sequelas de que é portador irreversíveis e com tendência a se manterem inalteradas.
Ponto 54. dos Factos Provados
A 1ª instância deu como provado o seguinte:
54. A casa do autor, no estado em que se encontra, não permite a acessibilidade, nem a utilização autónoma de um utilizador de cadeira de rodas, sendo para o efeito necessário:
- eliminar os desníveis de 0,30m e de 0,50m, respectivamente, entre a via pública e a cota do patim de entrada na propriedade e entre o logradouro (pátio) e a entrada principal no interior da moradia;
- alargar as aberturas existentes para a largura útil de 0,87m, medida entre a face da folha da porta quando aberta e o batente ou guarnição do lado oposto;
-instalar um elevador, que permita o acesso de nível à via pública, com dimensão adequada a cadeira de rodas;
- ampliar/construir nova casa-de-banho com dimensões adequadas a mobilidade condicionada;
- dotar a mesma de loiças sanitárias para utilização autónoma por parte de utilizador de cadeira de rodas (duche, lavatório, sanita).
Que fundamentou do seguinte modo:
“[…] o constante de 48. a 52. e 54 extrai-se do laudo pericial de 24.04.2023, subscrito pela Engª. FF, relativo à casa do autor sita na Rua ..., ..., e levantamento fotográfico e documentos que o integram, em conjugação com os esclarecimentos que a mesma prestou em audiência de julgamento e que se centraram, essencialmente, nas razões de ser das opções oferecidas no laudo, A e B, dando nota de que o elevador é requisito absoluto, sendo a rampa uma hipótese aventada para providenciar maior conforto, possibilitando que o autor conduza uma viatura até à porta da sua casa (anotando-se, porém, que o autor não poderá voltar a conduzir veículos, dadas as limitações físicas advenientes do acidente de que foi vítima);”
O autor/recorrente discorda do facto de o Tribunal não ter dado como provada a necessidade de construção de uma rampa viária a partir da rua principal, para permitir o acesso de um veículo ligeiro à cota do pátio de entrada da moradia do autor, na ..., sustentando que essa solução está preconizada no relatório pericial elaborado pela senhora engenheira FF e é conforme o Parecer da Associação de Deficientes, de 9 de Agosto de 2023, acrescentando que dos esclarecimentos prestados pela senhora perita se retira que se impõe quer a construção do elevador, quer da rampa viária, assim como a necessidade de dotar a habitação do autor para acessibilidade e louças sanitárias para utilização autónoma com cadeira de rodas, propondo que o ponto 54. passe a ter a seguinte redacção: “A casa do Autor, no estado em que se encontra, não permite a acessibilidade, nem a utilização autónoma de um utilizador de cadeira de rodas, sendo para o efeito necessário: - Eliminar os desníveis de 0,30m e de 0,50m, respetivamente, entre a via pública e a cota do patim de entrada na propriedade e entre o logradouro (pátio) e a entrada principal no interior da moradia; - Alargar as aberturas existentes para a largura útil de 0,87m, medida entre a face da folha da porta quando aberta e o batente ou guarnição do lado oposto; - Instalar um elevador que permita o acesso de nível à via pública, com dimensão adequada a cadeira de rodas; - Construir uma rampa viária a partir da rua principal, para permitir o acesso de um veículo ligeiro à cota do pátio de entrada da moradia, - Ampliar/construir nova casa-de-banho com dimensões adequadas a mobilidade condicionada, dotando-a de louças sanitárias para utilizador de cadeira de rodas, bem como de equipamentos, móveis e bancadas apropriadas procedendo-se, ainda, ao rebaixamento de interruptores e à elevação de tomadas.”
A propósito da construção do elevador e da rampa viária, consta do relatório da senhora perita Eng.ª FF o seguinte11:
“4º Carece de colocação de elevador e/ou plataforma elevatória nas zonas de escadaria?
RESPOSTA: Sim. Para vencer o desnível de cerca de 5m entre a via pública e o patio que permite o acesso ao interior da moradia, é necessária a implementação de um sistema alternativo à escadaria existente que seja adequado a um utilizador de cadeira de rodas com autonomia.
Dada a existência de degraus entre o patim inferior da escadaria e a via pública não sendo viável a execução de uma rampa na via pública, não é possível a instalação de uma plataforma que percorra os degraus da escadaria, até porque as dimensões do patim inferior da escadaria são exíguas para possibilitar a manobra de abertura de uma plataforma, bem como a manobra da propria cadeira de rodas.
Com estas condicionantes, solução que se afigura viável para mobilidade em cadeira de rodas é a instalação de um elevador, mas noutro local que permita o acesso de nível à via pública (ver Peça Desenhada em anexo)., com dimensão adequada a uma cadeira de rodas, no interior do lote. No entanto, esta hipótese carece de uma intervenção de escavação e contenção.
Considera-se também a possibilidade de construção de uma rampa viária a partir da rua principal, para permitir o acesso de um veículo ligeiro à cota do pátio de entrada da moradia para maior conforto do A. nas suas deslocações de automóvel, tendo apenas que se vencer uma rampa com inclinação adequada a cadeira de rodas entre o patio e o interior da moradia (ver Peça Desenhada anexa).. No entanto, a manobra de entrada e saída da viatura diretamente para a Rua ... afigura-se perigosa. Por outro lado, a hipótese de construção de uma rampa viária permite apenas o acesso e a saída do morador em viatura, dado que não é possível a inclinação da rampa viária respeitar as disposições constantes no Anexo ao DL n.º 163/2006, de 08 de Agosto relativamente a rampas para cadeira de rodas. Por isso, se o morador pretender deslocar-se sem carro para o exterior da sua moradia precisa sempre do elevador.
Assim, em anexo apresenta-se a descrição dos trabalhos, com medições e orçamentos para:
Opção A: execução de elevador e rampa viária
Opção B: execução de elevador (sem rampa viária)
Ambas as opções incluem também a execução de rampa entre o pátio e a entrada na moradia, o alargamento dos vãos de porta necessários, bem como a execução de uma nova instalação sanitária com dimensões e equipamento sanitário adaptado (ampliação).”
Da resposta dada a este quesito resulta que a senhora perita apresentou duas soluções para solucionar a falta de acessibilidade à casa do autor situada em Odivelas, face ao desnível existente entre a via pública e a escadaria de acesso ao pátio que dá entrada para a casa, referindo que é necessário implementar uma solução alternativa à escadaria e de modo a conferir autonomia ao utilizador da cadeira de rodas, tendo excluído quer a execução de uma rampa na via pública, por ser evidente não ser possível, quer a instalação de uma plataforma elevatória que percorra os degraus da escadaria, porque as dimensões do patim inferior da escadaria não o permitem, daí que a única alternativa viável seja a instalação de um elevador, mas noutro local, que permita o acesso de nível à via pública, o que implica uma intervenção de escavação e contenção, como expôs na peça desenhada que anexou ao relatório.
No entanto, para além desta solução, que já permite, por si só, o acesso a partir da via pública à entrada para a casa do autor, a senhora perita considerou a possibilidade de construção de uma rampa viária, a partir da rua principal, para facultar o acesso de um veículo ligeiro à cota do pátio de entrada da moradia, o que conferiria maior conforto ao autor, nas suas deslocações de automóvel, pois que acederia ao próprio pátio que dá acesso à casa. No entanto, não deixou de realçar que a construção dessa rampa viária apenas permitiria o acesso e a saída do morador em viatura, pois a sua inclinação não respeitaria as normas legais relativas a rampas para cadeira de rodas, daí que, com esta solução, não se dispensaria o elevador, por este ser necessário para o autor sair de casa quando não se desloca de carro.
Perante isto, a senhora perita propôs duas soluções: a opção de execução de elevador e rampa viária e a opção de execução de elevador, sem a rampa, sendo esta a única diferença que existe entre as duas soluções, incluindo, qualquer uma delas, a execução de rampa entre o pátio e a entrada na moradia, o alargamento dos vãos de porta necessários, bem como a execução de uma nova instalação sanitária, com dimensões e equipamento sanitário adaptado.
Ao contrário do que o recorrente vem sustentar não resulta seja do relatório pericial, seja dos esclarecimentos prestados pela senhora perita, a forçosa necessidade de construção da rampa viária, tanto mais que esta é apresentada como uma maior comodidade para deslocações de carro, mas não teria sequer utilidade para a entrada e saída do autor dessa moradia sem automóvel, porque não poderia percorrer essa rampa com a cadeira de rodas, daí que a solução do elevador seja aquela que é estritamente necessária.
Aliás, dos esclarecimentos prestados extrai-se de forma clara que a adaptação absolutamente necessária para garantir a entrada e saída do autor é a instalação do elevador, pois que não é possível a execução de uma rampa que permita a circulação da cadeira de rodas e, quanto à rampa para acesso automóvel, constitui uma solução ponderada em termos de maior conforto e autonomia, caso o sinistrado dispusesse de carro adaptado e o conduzisse, conseguindo, desse modo, entrar com o seu próprio carro, estacionar e sair com a cadeira e entrar em casa – cf. minutos 14.16. e seguintes e 18.25 e seguintes do seu depoimento.
É evidente que a criação da rampa – ainda que recomendada, como refere o apelante, no parecer de 9 de Agosto de 2023 da Associação Portuguesa de Deficientes12 - não foi identificada como estritamente necessária e fundamental para garantir o acesso do autor à casa, sendo apenas uma forma de maior comodidade e que está necessariamente dependente da possibilidade de o próprio conduzir uma viatura adaptada, facto que não se revela demonstrado nos autos.
Neste contexto, também a dificuldade de estacionar um veículo junto do elevador, referida pela senhora perita nos seus esclarecimentos e a inviabilidade de solicitar um espaço reservado para estacionamento, dada a escassa largura da via pública, terá de ser ultrapassada com recurso ao auxílio de terceiros, sendo certo que esse auxílio já se demonstrou ser fundamental para o dia-a-dia do sinistrado.
Tendo presente este enquadramento e aquilo que foi explicado expressamente pela senhora perita, a entrada e saída desta moradia por parte do autor fica garantida com a instalação do elevador, não dependendo da construção da rampa viária.
Por outro lado, a senhora perita incluiu em qualquer das opções apresentadas a execução de rampa entre o logradouro (pátio) e a entrada principal da moradia, o alargamento das aberturas/portas nas paredes para permitir a passagem da cadeira de rodas e a ampliação da habitação, com a construção de uma nova casa de banho com dimensões adequadas à mobilidade condicionada, pois que a existente não pode ser adaptada, sendo que as louças sanitárias a instalar (duche, lavatório e sanita) terão de ser adequadas à situação, como decorre da resposta ao quesito 6º constante do relatório pericial, elementos que foram considerados no ponto 54. dos factos provados.
Não foi referida nem consta do relatório a necessidade de dotar a habitação com equipamentos, móveis e bancadas apropriadas ou de proceder ao rebaixamento de interruptores e elevação de tomadas, daí que nenhuma prova tenha sido produzida a esse respeito.
Improcede, assim, a impugnação dirigida quanto ao facto descrito no ponto 54. dos factos provados, que deve manter-se inalterado.
Alínea c) dos Factos Não Provados
O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte
c) O autor não dispõe de condições económicas para proceder à aquisição imediata de veículo adaptado ao seu transporte e de contratar um tripulante, o que o entristece, enerva, revolta, por se sentir inválido, incómodo e dependente;
Facto dado como não provado por ausência de prova que sobre ele tivesse incidido.
O recorrente entende que este facto deveria ser dado como provado, porquanto o autor, à data do acidente, conduzia o seu veículo, além da sua mota, o que não consegue fazer, por força das sequelas que lhe advieram do acidente; mais refere que, se antes dispunha de um veículo para se deslocar, deve continuar a poder dispor de um veículo adaptado às suas necessidades e convoca o depoimento da testemunha EE para demonstrar a prova dessa necessidade.
Todavia, o depoimento da testemunha em referência, no que à necessidade do veículo automóvel adaptado diz respeito, centrou-se, na essência, na necessidade de um veículo que permitisse transportar a cadeira eléctrica em que o autor se desloca, ficando sem se perceber, afinal, qual a cadeira utilizada e que seria transportada nesse tal veículo, porquanto a cadeira eléctrica, com 90 quilos, não pode entrar no carro, sendo a única que permite deslocações em longas distâncias exteriores, pelo que seria para colocação de uma cadeira de rodas dobrável ou mais leve, mas que não pode percorrer tais distâncias, tendo-se gerado uma certa confusão sobre as cadeiras utilizadas ou susceptíveis de transporte, embora com uma referência de que o carro adaptado seria, afinal, para permitir deslocar a cadeira de rodas mais robusta – cf. minutos 38.05 e seguintes e 44.00 e seguintes do seu depoimento na sessão do dia 19 de Dezembro de 2023.
Acresce que o depoimento da testemunha é inconsistente e insuficiente para concluir que nenhuma das cadeiras de rodas que o autor utiliza – e são três, como por ela referido – é insusceptível de ser colocada no interior de uma qualquer viatura, designadamente, da carrinha que a própria testemunha, que é cuidador do autor, referiu utilizar, não tendo sido cabalmente esclarecida qual a dimensão de cada uma dessas cadeiras de rodas, seu peso e sua compatibilidade para o tipo de deslocações efectuadas. Aliás, se a cadeira mais leve ou a dobrável pode ser colocada no veículo, tal significa que a deslocação do autor será efectuada nesse transporte até ao local onde pretende se dirigir e aí poderá, certamente, utilizar a cadeira menos robusta, porquanto, como referiu EE, esta última é por ele utilizada quando sai de casa sem recurso a automóvel.
Não se identificam, pois, elementos probatórios bastantes para divergir da convicção da 1ª instância, dado que a prova produzida é manifestamente insuficiente para concluir no sentido pretendido pelo autor.
Mantém-se, deste modo, inalterado o vertido na alínea c) dos factos não provados.
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3.2.3. Do quantum indemnizatório pelo dano biológico/dano patrimonial futuro sofrido pelo autor
O apelante insurge-se contra a decisão de 1ª instância relativamente aos valores indemnizatórios atribuídos no âmbito do ressarcimento do dano patrimonial futuro/dano biológico e dos danos não patrimoniais e ainda quanto ao valor arbitrado para auxílio de terceira pessoa, o que faz referindo que na fixação dos valores a atribuir têm de existir parâmetros uniformes para reforço da segurança jurídica e, ainda que com base na equidade, não podem ser encontrados valores injustos ou miserabilistas, devendo atender-se ao caso concreto, designadamente, à idade do lesado e a incapacidade de que ficou a padecer, sendo tais valores fixados manifestamente insuficientes para ressarcir os graves danos suportados.
Neste âmbito, o autor peticionou as seguintes quantias:
- pela incapacidade total permanente para todos os tipos de trabalho, e ainda pela total diminuição da capacidade para o uso do seu corpo para os normais afazeres do quotidiano: uma indemnização líquida de 357 211,62 € (considerando 862,58€/ mês salário, 78 anos a esperança média de vida, e a incapacidade do A, que se traduza na seguinte equação, [(862,58€/mês x 14 meses x 29 anos x 100%) x 1% =]);
- pelos danos não patrimoniais: a quantia de 400.000,00 € (conforme ampliação do pedido deduzida em 30 de Janeiro de 2023);
- valor referente à ajuda de 3ª pessoa, ponderando a carência de cuidados permanentes de terceira pessoa, com o mínimo de conhecimentos de enfermagem e de serviço domestico, durante 24h por dia, 365/366 dias por ano, e um cálculo resultante do salário X 15 meses X anos de vida, majorado em 50%: a quantia de 1.200.150,00 €.
O Tribunal recorrido fixou, a este título, a quantia devida pela ré seguradora em 200.000,00 € apreciando a questão do seguinte modo:
“[…] o autor começa por pedir a condenação da ré pela incapacidade total permanente para todos os tipos de trabalho e ainda pela total diminuição da capacidade para o uso do seu corpo para os normais afazares do quotidiano, na quantia de 357.211,62€, numa mistura de indemnização por dano patrimonial futuro com a vertente não patrimonial do dano biológico.
«A temática da responsabilidade civil tem vindo progressivamente a importar novos conceitos e terminologia, nomeadamente em termos de caracterização e indemnização por danos, assumindo figuras jurídicas com vista a precisar a qualificação e ressarcimento dos danos produzidos nas vítimas, desde logo por acidentes, alargando, até por via disso, o elenco dos casos merecedores de indemnização, que a tradicional nomenclatura dificilmente abarcava. Sirva de exemplo a noção de “dano biológico”, a qual permite uma abrangência mais ampla do que a de “danos patrimoniais” de molde que a indemnização se não confine apenas aos casos em que aquele dano produza repercussões nos rendimentos do lesado. O conceito de dano biológico mostra-se assim alargado.» - Ac. do STJ de 15.09.2016, processo 1737/04.0TBSXL.L1.S1, in www.dgsi.pt.
Dano biológico esse que tanto pode assumir uma vertente patrimonial como não patrimonial – dependendo da verificação se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade – Ac. do STJ, de 08.03.2016, processo 103/13.1TBARC.P1.S1, in www.dgsi.pt.
O estudo e a discussão em torno do conceito de dano biológico «tem potencialidades inegáveis, na medida em que a análise dos componentes que integram esta categoria, tem conduzido ao significativo alargamento da compreensão do âmbito dos prejuízos efectivamente sofridos pelas vítimas de factos geradores de responsabilidade civil delitual. Ponderemos um elenco possível de variáveis que integram o dano biológico: dano de afirmação pessoal ou dano à vida de relação; dano estético; dano psíquico; dano sexual; dano à capacidade laboral genérica. Este elenco poderá ser decomposto e aumentado designadamente com as seguintes variantes: perda de aptidões familiares ou afectivas, em especial da capacidade procriativa; perda da faculdade de prática de actividade desportiva ou de outra actividade recreativa; perda do gozo dos anos da juventude; perda da possibilidade de iniciar ou prosseguir determinados estudos; perda de esperança de vida.» - Colenda Juíza Conselheira Maria da Graça Trigo, “Adopção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português”, disponível online, em https://portal.oa.pt/.
Nesta linha, assume-se que «o dano biológico (em sentido amplo) pode, consoante os casos, ser tratado como um dano patrimonial ou um dano não patrimonial; nunca deixará de se verificar nesta última vertente (dano biológico em sentido estrito), posto que de ofensa à integridade física e psíquica se trata, podendo não afetar a capacidade de ganho do lesado, isto é, não determinar rebate profissional ou, como vem sendo referido este parâmetro do dano, inexistir um rebate das sequelas no exercício da atividade profissional habitual do lesado.
Assim, haverá lugar, consoante os casos, à atribuição de parcelas indemnizatórias distintas, uma atinente ao dano biológico propriamente dito, outra ao dano patrimonial futuro, que assume relevância autónoma quando do défice funcional permanente de integridade físico-psíquica resulte perda de capacidade de ganho, isto é, tenha também - o que nem sempre sucederá - uma repercussão permanente na atividade profissional habitual do lesado (rebate profissional). - Ac. do TRL de 15.09.2022, processo 5986/18.6T8LRS.L1, e demais arestos nele citados, in www.dgsi.pt.
Ainda, na determinação do quantum indemnizatório, se devem ter presentes os valores que vêm sendo fixados pela jurisprudência, para casos semelhantes, em atenção do disposto no art.º 8º, nº3, do CC.
Assim e tendo em vista tal determinação, por reporte aos factos provados, temos que:
- em consequência do embate dos autos, o autor apresenta um Défice Funcional Permanente da sua Integridade Físico-Psíquica - com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das actividades profissionais - de 81 pontos percentuais, tendo em conta o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas são causa de limitações funcionais importantes com repercussões na independência e autonomia do autor, tornando-o totalmente dependente de ajuda de terceira pessoa (43. dos factos provados);
- as sequelas sofridas pelo autor, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional (43. dos factos provados);
- a repercussão permanente sofrida pelo autor, sempre em consequência do embate, em termos de Dano Estético Permanente, é fixável no grau 6, numa escala de 7 de gravidade crescente, tendo em conta a utilização de ajudas técnicas e impossibilidade de marcha (43. dos factos provados);
- a Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 6, numa escala de 7 de gravidade crescente, tendo em conta que o autor deixou de correr, de ir ao café, deixou de ir à caça e à pesca, deixou de conduzir carro e moto, deixou de nadar e de ir à praia, deixou de conviver ter jantares e almoços com amigos (43. dos factos provados);
- a Repercussão Permanente na Actividade Sexual é fixável no grau 6, numa escala de 7 de gravidade crescente, tendo em conta que o autor deixou de ter vida sexual (43. dos factos provados).
Olhando a que, de acordo com o apurado, as lesões e as sequelas sofridas pelo autor, em consequência do acidente de que foi vítima, lhe conferem um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 81 pontos, sendo impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, atentamos ao dano biológico na sua vertente patrimonial/dimensão de dano patrimonial futuro, na vertente de lucro cessante.
Para a fixação do montante indemnizatório, além do já enunciado, importa, ainda, ter presente constituir entendimento prevalente nos tribunais superiores, e particularmente no Colendo Supremo Tribunal de Justiça, que «a indemnização do dano patrimonial futuro (vg. na vertente de lucro cessante) decorrente da perda ou diminuição da capacidade aquisitiva, motivado pelo défice funcional de que o lesado ficou afetado, deve, como regra, ser calculada em atenção ao tempo provável de vida da vítima, ou seja, à esperança média da sua vida, e não apenas em função da duração da sua vida profissional ativa, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a atual até final desse período, ou seja, e por outras palavras, essa indemnização por tal dano deve corresponder a um capital de rendimento de que o lesado ficou privado e que se extinguirá no termo desse período provável da sua vida, e que não tem de coincidir com o termo da sua vida profissional, com a entrada na reforma. É que finda a vida ativa do lesado por incapacidade permanente não é razoável ficcionar que a vida física desaparece nesse momento e com ela todas as necessidades, pois que atingida a idade da reforma, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos, e a ter as suas necessidades, como, aliás, é das regras da experiência da própria vida» - Ac. do STJ de 21.06.2022, cit. e demais arestos nele citados.
Ademais, há uma panóplia de tópicos ou elementos referenciais que deverão ainda ser considerados, tais como:
- A idade do autor lesado à data do acidente – 49 anos -, menos um do que à data da alta/consolidação médico-legal das lesões;
- O período provável de vida ativa, com apelo à esperança média de vida de que atrás já falámos, a qual, à data do acidente – 2019 – era (de acordo com o portal do site do INE), para os homens portugueses, de 77,67, sendo de arredondar para os 78 anos;
- A remuneração mensal auferida pelo lesado à data do acidente e/ou outros rendimentos por si então auferidos – quantia líquida de 752,07€ (32. dos factos provados - «no cálculo da indemnização por perdas salariais e por danos patrimoniais futuros a atribuir ao lesado, nas acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, o Tribunal deve basear-se na retribuição líquida (e não ilíquida) auferida pelo sinistrado à data do acidente. Tal entendimento é, de resto, o que melhor se compatibiliza com a teoria da diferença consagrada no nº. 2 do art.º 566º do Código Civil e com o estipulado no art.º 64º, nº. 7, 1ª parte do DL 291/2007 de 21/8, na redacção dada pelo DL 153/2008 de 6/8» - Vd. Ac. do TRG de 17.03.2021, processo 1852/17.0T8GMR.G3, e demais arestos ali citados, in www.dgsi.pt.
- A evolução profissional e os reflexos a nível remuneratório, quer se trabalhe por conta própria ou de outrem, ou até em simultâneo;
- A taxa média de inflação e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade (a primeira a situar-se entre os 2% e os 3%, com tendencial descida e a segunda com tendência inversa, com taxas numa margem de variação entre os 1 %, 2% ou 3%, conforme a duração dos depósitos);
- A gravidade das lesões e as suas consequências, e a atribuição do grau de incapacidade ou de défice funcional expressos em pontos – o autor apresenta um quadro de tetraparésia espástica por traumatismo da coluna cervical, sofrendo de incontinência urinária e fecal, obrigando ao uso de fraldas em permanência, e um quadro de perturbação mista de depressão e ansiedade, e um défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica de 81 pontos (39., 40. e 43. dos factos provados).
As sequelas de que ficou a padecer são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual e, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
Neste âmbito, recorrendo aos descritos critérios e à fórmula de cálculo daí decorrente (partindo da data da alta/consolidação médico-legal das sequelas) – 752,07€x14x28x0,81 -, obtém-se o montante de 238.797,27€, que não é necessariamente vinculativo, «pois que sempre, em princípio, teria de sofrer um ajustamento – não só pelas razões concretas a que atrás já nos referimos, como também porque o lesado vai receber de uma só vez aquilo que, em regra, deveria receber em frações anuais ao longo de 50 anos, havendo, assim, uma antecipação de capital, que poderá de imediato aplicar e fazer render -, para se evitar, desse modo, uma situação de injustificado enriquecimento à custa alheia. E daí que fosse prática habitual na nossa jurisprudência proceder a uma redução de tal quantia, variável perante cada caso concreto, mas que a maior parte das vezes tanto poderia oscilar entre 1/3 ou 1/4 daquele montante, como fixar-se numa percentagem que não ultrapassava os 10% ou 20% desse capital antecipado, tudo dependendo das situações casuísticas/concretas.
Porém, e como se escreveu a esse propósito no Ac. do STJ de 19/09/2019, proc. nº. 2706/17.6T8BRG.G1.S1 (citando, para o efeito, o Ac. do STJ de 19/04/2018, proc. nº. 196/11.6TCGMR.G2.S1) (…) “o recebimento de uma só vez do montante indemnizatório não releva atualmente como em tempos não muito recuados já relevou, tendo em conta que a taxa de juro remuneratório dos depósitos pago pelas entidades bancárias é muito reduzido (…), o que implica, por si só, a elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento.” (sublinhado nosso).» - Ac. do STJ de 21.06.2022, cit..
Além do que, a retribuição líquida do autor e a ter em conta nos cálculos não é de monta, quedando-se, actualmente, aquém do ordenado mínimo nacional.
A atentar, ainda nesta sede, a circunstância de as partes terem fixado, no âmbito do procedimento cautelar nº 1884/20.1T8LRS (que constitui o apenso A) uma renda mensal precisamente de 752,07€, acrescida dos subsídios de férias e de Natal, que a ré tem estado a suportar (61. dos factos provados) e a corresponder, entre a data da alta/consolidação médico-legal das lesões do autor – 19.09.2020 –, que foi tida em conta no cálculo precedente, e o presente, a um adiantamento de cerca de 47.400,00€. E que, dentro da normalidade, se vai prolongar até ao trânsito em julgado da presente sentença, mantendo-se o adiantamento e aumentando o seu montante.
Sem se configurar ou pretender proceder a compensação, não pedida, ainda assim, na justeza da apreciação não poderá deixar de se fazer reflectir tais montantes no cálculo equitativo em curso.
Sopesando, ainda, que o descrito quadro sequelar e o apontado défice funcional importam uma clara perda de chance ou de oportunidades profissionais, frustrando ou limitando fortemente o leque de escolha das suas opções de atividades profissionais a eventualmente desempenhar no futuro, além dos valores que se conhecem atribuídos pelos tribunais superiores, assume-se, num juízo equitativo, ajustado o montante de 200.000,00€, para indemnizar o autor pelo dano patrimonial futuro decorrente do dano biológico, na sua vertente patrimonial, temperado pela vertente não patrimonial – na valoração da perspectiva da diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal.
Isto porquanto, sem prejuízo da ponderação a realizar quanto ao pedido de indemnização pelo dano não patrimonial estrito – no cuidado e ensejo de evitar a duplicação de indemnizações -, cumprirá atender a que o autor está obrigado à utilização permanente de ajudas técnicas e impossibilidade de marcha (com o dano estético fixado num grau 6 de 7), bem como que perdeu a faculdade de se poder dedicar às actividades de recreação e desportivas a que se dedicava, e a capacidade reprodutiva (tendo deixado de ter vida sexual). O que não pode deixar de se refletir no montante global a fixar a título de indemnização por dano biológico, nas suas duas e enunciadas vertentes.
Ao montante fixado acrescem os juros de mora, em atenção ao pedido, desde a citação até integral pagamento, nos termos do artigo 805º do Código Civil, os quais, na ausência de qualquer convenção comprovada, terão vencimento à taxa legal de 4% ao ano, com referência à Portaria 291/2003, de 08.04 (DR, I-B, de 08.04.2003).
O recorrente entende que esta quantia é insuficiente para reparar o prejuízo patrimonial sofrido, quer para o compensar pelo dano biológico gravíssimo de que ficou afectado, pois que corresponderá a um valor mensal de 595,00 € por mês, considerando 24 anos de esperança de vida, quando à data do acidente já auferia o valor mensal de 862,58 €, tendo ficado impossibilitado de exercer a sua profissão ou outra qualquer, com perda efectiva da capacidade de ganho, pelo que a 1ª instância deveria ter atribuído, pelo menos, o valor peticionado a esse título, com uma taxa de actualização de 1%, o que equivaleria à quantia de 442 942,00 €, para além do que, tendo ficado sem rendimento, a antecipação de uma só vez do montante indemnizatório não determina a redução de qualquer percentagem do capital, quer porque a taxa de juros actual é muito reduzida, pelo que o investimento financeiro não tem qualquer impacto, quer porque o cálculo se baseia numa estimativa do tempo de vida, que pode ser mais longa.
Independentemente da integração que cumpra efectuar do dano biológico seja nos danos patrimoniais seja nos danos não patrimoniais, o que importa aferir é da sua ressarcibilidade e, bem assim, dos danos não patrimoniais apurados e a justeza dos montantes indemnizatórios fixados pela 1ª instância.
Na verdade, a variação terminológica relativamente à qualificação dos danos não afasta a realidade que está em causa, isto é, o dano futuro resultante de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (ainda que ora seja classificado como “danos patrimoniais futuros”, como “danos não patrimoniais”, ora como “dano não patrimonial futuro” ou “dano biológico na vertente não patrimonial”).
Do que se trata é de danos patrimoniais futuros em consequência de sequelas que, sendo permanentes, possuem repercussão nas actividades da vida diária, incluindo familiares e sociais e repercussão permanente na actividade profissional, sendo impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual e, bem assim, de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional e tornam o autor/recorrido portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 81 pontos.
O dever de indemnizar a cargo do lesante, representa, para este, a imposição de actuar no sentido de colocar o lesado na situação em que estaria, na altura em que é julgada a acção, se não fora a ocorrência do facto danoso (art.º 562º do Código Civil). O conteúdo da obrigação de indemnizar reconduz-se, pois, a reparar o prejuízo sofrido por outrem, na sua esfera jurídica.
O dano é “o prejuízo que em consequência de um acontecimento ou evento determinado sofre uma pessoa, quer nos seus bens vitais naturais, quer na sua propriedade ou no seu património”, pelo que se podem identificar, como resultantes de um mesmo facto, danos patrimoniais e danos não patrimoniais – cf. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. III, 1993, pág. 32.
No âmbito da obrigação de indemnizar vigora o princípio da reconstituição natural (“reintegração na forma específica” – cf. art.ºs 562º e 566º, n.º 1 do Código Civil) que só deve ser postergado quando não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
Resulta do disposto no art.º 564º, n.º 1 do Código Civil que o dever de indemnizar abrange o prejuízo causado (dano emergente) e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão sofrida (lucro cessante), sendo que, de acordo com o n.º 2 desse normativo legal, o Tribunal, na fixação da indemnização, pode ainda atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis.
Os danos futuros correspondem aos “prejuízos que, em termos de causalidade adequada, resultaram para o lesado (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do acto ilícito que sofreu, bem como os que poderiam resultar da hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um tempo mais ou menos prolongado (e que poderá corresponder, nalguns casos, ao tempo de vida laboral útil do lesado) e ainda determinadas despesas certas, mas que só se concretizarão em tempo incerto (por exemplo, substituição de uma prótese ou futuras intervenções cirúrgicas).” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-06-2015, processo n.º 163/11.0TBFZZ.E1.
Os danos previsíveis a que a lei se reporta são, essencialmente, os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso da perda da capacidade produtiva por parte de quem trabalha ou até o maior esforço que, por via da lesão e das suas sequelas, o lesado terá que passar a desenvolver para obter os mesmos resultados, sendo a incapacidade permanente, de per si, um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra e se encontrará na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços.
A medida da indemnização em dinheiro terá de resultar da aplicação da teoria da diferença aceite pelo art.º 566º, n.º 2 do Código Civil e, nesses termos, há que ponderar a situação patrimonial do lesado na presente data e aquela que existiria se não existissem danos.
“O dano é perspectivado, na reconstituição natural, como destruição ou alteração de bens e na reconstituição por equivalente (indemnização em dinheiro) por diferença de valores no património, mas ambas as formas de reconstituição visam manter intacto o património do lesado tal como estaria hipoteticamente se não se tivesse verificado o facto causador do dano” - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora 12-02-1998, CJ 1998, I, 270; no mesmo sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-05- 1998, CJ (STJ) 1998, II; 69.
O autor/recorrente, em consequência do embate, sofreu fractura da coluna e apresenta um quadro de tetraparésia espástica por traumatismo da coluna cervical, sofrendo de incontinência urinária e fecal, com necessário uso de fraldas em permanência; após o acidente passou a padecer de um quadro de perturbação mista de depressão e ansiedade, que afectarão a eficiência pessoal e profissional, carecendo de acompanhamento psiquiátrico regular; ficou afectado com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 81 pontos, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, que são causa de limitações funcionais importantes com repercussões na sua independência e autonomia, tornando-o totalmente dependente de ajuda de terceira pessoa; as sequelas sofridas pelo autor, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual, bem como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
O dano biológico consiste na diminuição ou lesão da integridade psicofísica da pessoa, em si e por si considerada, incidindo sobre o valor homem em toda a sua concreta dimensão, que não se esgota numa mera aptidão para produzir riqueza. Reflecte uma diminuição somático-psíquica do indivíduo, que irá ter uma natural repercussão na vida de quem o suporta.
“Tal dano, como se escreveu no acórdão do STJ de 19 de Maio de 2009, “assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais ou sentimentais”. E constitui entendimento corrente do STJ aquele segundo o qual o dano biológico, onde se inclui a incapacidade funcional, vulgarmente designada por IPP, mesmo que se não repercuta negativamente nos ganhos do lesado, por não afectar o normal desempenho da sua actividade profissional, envolvendo uma limitação funcional que dificulta e torna mais penosa a vida da vítima, cuja qualidade será necessariamente posta em causa ao longo dos anos, constitui um dano futuro previsível e, portanto, indemnizável nos termos do art.º 564º, nº 2 do CC. “A indemnização por lesões físicas não deve apenas atender à capacidade laboral, já que, em consequência das sequelas sofridas, e permanecendo elas, irreversivelmente, vão agravar, tornar mais penosa, a vida da pessoa afectada, sendo essa penosidade maior quanto mais for avançando a idade.” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2-03-2010, processo n.º 7265/04.7TVLSB.L1-7; no mesmo sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-06-2012, processo n.º 3151/08.0TVLSB.L1-7 e de 28-06-2012, processo n.º 1529/05.0TBBNV.L1-2.
O Conselheiro Salvador da Costa, na sua exposição proferida no âmbito da formação contínua do CEJ de 2009/2010, em Abril de 2010, Caracterização, Avaliação e Indemnização do Dano Biológico apud acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-01-2014, processo n. 9347/11.0 T2SNT.L1-6 afirma:
“A incapacidade que integra o chamado dano biológico, umas vezes interfere com a actividade profissional do lesado, com incidência na sua remuneração ou capacidade de ganho e outras vezes não, ou porque é pouco significativa e não exige um maior esforço para o exercício da actividade, ou porque o lesado não exerce sequer actividade profissional. Nesta medida, o dano biológico pode vir a determinar a indemnização de danos de natureza patrimonial e/ou não patrimonial, conforme os casos. Isto significa apenas que da mesma lesão podem resultar em simultâneos danos patrimoniais e não patrimoniais ou morais. O dano patrimonial é aquele que se repercute no património do lesado, seja a título de danos emergentes, seja de lucros cessantes. O dano não patrimonial reporta-se à ofensa de bens que não se integram no património da vítima, como é o caso da vida, saúde, liberdade ou beleza, com uma impossibilidade de reposição do lesado na situação anterior, sendo por isso apenas susceptível de uma compensação. []
De todo o modo, a incapacidade permanente geral com repercussão na perda de capacidade aquisitiva, constitui um dano patrimonial (sem esquecer a vertente não patrimonial que dela decorre), pois que se verifica uma vertente claramente patrimonial expressa no facto de o lesado ficar privado da sua inteira capacidade física, determinante da necessidade de esforço acrescido nas suas actividades produtivas e não produtivas.
A sua consideração em sede de consequências não patrimoniais, decorrente do desgosto de ver diminuídas as suas possibilidades físicas, a angústia das consequências futuras ou a lesão da saúde são indemnizáveis nessa sede, ponderando o critério do artigo 496.º do Código Civil.
Aquando da publicação do DL 352/2007, de 23 de Outubro, que aprovou a nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e a Tabela Indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil deu-se nota da necessidade de instituição de uma tabela de avaliação da incapacidade em direito civil referindo-se no preâmbulo daquele diploma o seguinte: “No direito laboral […] está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto que no âmbito do direito civil, e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valorizar percentualmente a incapacidade permanente em geral, isto é, a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da actividade profissional específica do examinando.”
Assim, a jurisprudência foi aperfeiçoando os critérios a ponderar na fixação equitativa da indemnização por danos patrimoniais futuros, enquanto reflectidos em perda de rendimentos causados pela incapacidade laboral específica (ou seja, para o exercício da sua actividade profissional à data da ocorrência da lesão física), pois que anteriormente se não tinha em conta a afectação da capacidade laboral genérica, enquanto susceptível de determinar perdas de rendimentos e, como tal, danos patrimoniais futuros, com sucedia nas situações em que o lesado, em razão da idade, não exercia qualquer profissão ao momento do evento danoso, ou não era afectado na capacidade laboral específica, mas na sua capacidade laboral genérica ou não exercia, por razões diversas, qualquer profissão na data do evento, situações a que havia que dar resposta.
Com elucidativa explanação, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2016, processo n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1:
“Nas palavras do acórdão de 28/01/2016 (proc. nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1)[…], retomadas no acórdão de 07/04/2016 (proc. nº 237/13.2TCGMR.G1.S1) […], “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais […] consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual. Considera-se ainda que o aumento da penosidade e esforço pode ser atendido nesse mesmo âmbito (danos patrimoniais) - e não apenas no âmbito dos danos não patrimoniais -, desde que seja provado que tal aumento de penosidade e esforço tem como consequência provável a redução da capacidade genérica de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas.”
Na síntese esclarecedora de Maria da Graça Trigo13, verifica-se que a jurisprudência tendencialmente consolidada do Supremo Tribunal de Justiça sustenta o seguinte:
“[…] para um lesado que não seja afectado na sua capacidade laboral específica, a perda de capacidade genérica ou geral, existindo, pode revestir as seguintes variantes.
(i) quando, na profissão habitual exercida pelo lesado à data da ocorrência da lesão, e se não fosse a dita lesão, aquele poderia ter a possibilidade de progredir, ou de o fazer de forma mais significativa, vindo a obter maior rendimento;
(ii) Quando, também no âmbito da sua profissão habitual, e se não fosse a lesão, o lesado teria a possibilidade de encontrar oportunidades alternativas nas quais a sua actividade (em relação de contrato de trabalho, de contrato de prestação de serviços, etc.) viesse a ser melhor remunerada;
(iii) Quando, e independentemente das variantes anteriores, a afectação da capacidade geral de ganho inclua ainda a redução da possibilidade de obtenção de proventos em outras actividades com valor económico.”
Assim, o dano corporal/dano biológico não se circunscreve às consequências sobre a capacidade de trabalho ou sobre a capacidade de obtenção de rendimentos, pelo que tem de ser entendido numa perspectiva global de ofensa à saúde e à integridade física e psíquica, enquanto direito inviolável do homem à plenitude da vida física, em todos os aspectos da sua vida e, sob este prisma, é um dano autonomamente indemnizável. O dano biológico constitui, nesta medida, “um dano base ou dano central, um verdadeiro dano primário, sempre em caso de lesão da integridade físico-psíquica, e sempre lesivo do bem saúde”; e se, para além desse dano, se verifica um concreto dano à capacidade laboral da vítima, este já é um “dano sucessivo ou ulterior e eventual; não um dano evento mas um dano consequência”, representando “um ulterior coeficiente ou plus de dano a acrescentar ao dano corporal”.”
O sinistrado tem, pois, direito a ser indemnizado pelo dano biológico de que foi vítima e que compromete a sua qualidade de vida, para além de suportar uma limitação funcional incompatível com o exercício da actividade profissional habitual e para qualquer outra profissão da sua área de preparação técnico-profissional, assim como o inibe da realização dos actos da vida diária, familiar e social.
A limitação da condição física que a deficiência ou dificuldades/prejuízo de certas funções ou actividades do corpo, o handicap que a incapacidade permanente geral acarreta, trará sempre, até pelas consequências ao nível psicológico, uma diminuição da capacidade laboral genérica e dos níveis de desempenho exigíveis, que, no caso, porém, conduziram a uma total inviabilidade de um desempenho profissional.
O que releva, pois, é o dano biológico, isto é, o decorrente da implicação para o lesado de uma ausência de capacidade para manter os mesmos ou outros níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas.
No sentido de evitar um total subjectivismo na fixação do montante indemnizatório pelos danos futuros, a jurisprudência tem vindo a aderir a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado, primeiro com recurso às tabelas ou regras financeiras utilizadas no foro laboral, depois pela ponderação de um capital que se extinga no fim da vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.
Ponderou-se também o critério que atenderia ao tempo provável de vida activa da vítima de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior até final do período, segundo as tabelas financeiras usadas para a determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente ao juro anual.
Para efeitos de aproximação de um valor adequado a fixar nada impede que se tome por referência no cálculo dos danos futuros, com a devida adaptação à situação concreta, sem nunca deixar de lado a equidade.
A jurisprudência tem, contudo, aderido ao entendimento de que a indemnização a arbitrar por danos futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma), o que se justifica tendo em conta que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma, para além do que será nessa altura que as suas limitações e situação de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, certamente mais se acentuarão, acrescendo ainda o facto de as limitações às capacidades laborais do lesado poderem ter reflexos negativos na sua carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.
Apurou-se que, à data do acidente, o sinistrado auferia um rendimento mensal base de 645,00 €, acrescido de 109,58 € referentes a subsídio de domingos e 108,00 € de subsídio de refeição (cf. ponto 32.). No entanto, tendo em conta que na determinação de um valor adequado a fixar haverá que recorrer, em última instância, à equidade, nada impede que não se tome por referência no cálculo matemático dos danos futuros o valor da remuneração anual, sendo que, a final, o valor a encontrar terá sempre de ser norteado pelas especificidades do caso concreto, como disso se dá conta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-03-2019, processo n.º 203/14.0T2AVR.P1.S1:
“[…] não se afigura que essa indemnização deva ser calculada com base no rendimento anual do A. auferido no âmbito da sua atividade profissional habitual, já que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas esforços suplementares.
Neste tipo de situações, a solução seguida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto presumível na capacidade económica do lesado, considerando uma expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma. De referir que aqui só relevam as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espectro da qualidade de vida, mas sem um alcance dessa natureza.
Temos ainda assim de reconhecer que nem sempre se mostra tarefa fácil estabelecer comparações entre os diversos casos já tratados na jurisprudência, ante a multiplicidade de fatores variáveis e as singularidades de cada caso, em especial, o impacto concreto que determinado grau de défice funcional genérico é suscetível de provocar no contexto da atividade económica que estava ao alcance da iniciativa do sinistrado com a inerente perda de oportunidade de ganho”
Para atribuir uma justa compensação, o Tribunal deverá considerar o padrão médio de um adulto de 49 anos de idade, portador, já então, de um défice cognitivo ligeiro, que sofre um défice funcional permanente de 81 pontos, com impossibilidade de exercício da profissão habitual ou de outra qualquer e, bem assim, dos actos da vida diária, carecendo do auxílio permanente de terceira pessoa, de acordo com a prudência e as regras da experiência comum.
Também importa ter presente a esperança de vida, isto é, durante quanto tempo é que o recorrente previsivelmente sofrerá com esta lesão - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-06-2015, processo n.º 163/11.0TBFZZ.E1.
Relevarão também os valores que neste segmento têm sido atribuídos por parte da jurisprudência.
Veja-se, a propósito da fixação do valor indemnizatório pelo dano biológico, o que se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2017, processo n.º 3323/13.5TJVNF.G1.S1:
“Cumpre recordar o seguinte, recordando o que se escreveu já no acórdão de 4 de Junho de 2015, www.dgsi.pt, proc. N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, e que se escolhe apenas como exemplo, até porque se debruçou sobre danos da mesma natureza – danos patrimoniais futuros e danos não patrimoniais, com consideração do chamado dano biológico, que pode integrar ambos os tipos de danos:
«– trata-se, em ambos os casos, de indemnizações cujo critério fundamental de fixação é a equidade (artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 3 do Código Civil). Ora, como o Supremo Tribunal da Justiça já observou em diversas ocasiões (cfr., por exemplo, o acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 381-2002.S1), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”. […]
– A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade (…). A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242, www.dgsi.pt). Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2013 cit.);
– Como repetidamente tem observado o Supremo Tribunal de Justiça, o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho», apontados na sentença, «destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele […].”
Tendo em conta o método comparativo atente-se em algumas decisões do Supremo Tribunal de Justiça, que permitem aferir os valores atribuídos no âmbito da fixação de indemnização por dano biológico, que se afigura útil aqui convocar:
Processo n.º 4931/11.4TBVNG.P1.S1, de 9-07-2015 – numa situação em que o sinistrado exercia as funções de barbeiro e de mediador de seguros, com 58 anos à data do acidente; pessoa empreendedora, activa, habituada a não depender de ninguém, ficando com uma incapacidade permanente geral de 36 pontos, passando desde então a necessitar da ajuda de uma terceira pessoa para as tarefas mais básicas (como vestir e lavar-se), foi arbitrado o montante indemnizatório de 100.000,00 €, para ressarcir o dano patrimonial futuro;
Processo n.º 3183/08.1TBVCT.G1.S1, de 30-06-2021 – sinistrado, armador de ferro, com um défice funcional permanente de 15 pontos, foi atribuída uma indemnização de 320.000,00 e por dano patrimonial futuro;
Processo n.º 8040/15.9T8GMR.G1.S1, de 27-02-2020 – sinistrado com 34 anos, operador agrícola, com um défice funcional permanente de 16 pontos, marcha claudicante, necessidade de uso de canadianas, foi atribuída uma indemnização de 120.000,00 € por dano patrimonial futuro;
Processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1, de 19-09-2019 – sinistrado ficou afectado com um défice funcional permanente de 32 pontos, que o impede de exercer a sua profissão habitual de serralheiro mecânico, bem como qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional; contava com 45 anos à data do acidente, foi fixado o montante indemnizatório de 200.000,00 €, no que respeita à perda de capacidade de ganho e dano biológico (no plano estritamente material e económico);
Processo n.º 7098/16.8T8PRT.P1.S1, de 19-10-2021 – sinistrado que à data do acidente tinha 23 anos, que estava a realizar a sua formação universitária na área da segurança informática e ficou afectado com o membro superior esquerdo completamente paralisado e sem funcionalidade e uma IPG de 62 pontos, foi fixado o montante de 300.000,00 €;
Processo n.º 644/12.8TBCTX.L1.S1, de 14-01-2021 – sinistrado que à data do acidente tinha 32 anos, ficou afectado um défice funcional de 40 pontos, foi fixado o montante de 500.000,00 € a título de indemnização pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial;
Processo n.º 773/07.0TBALR.E1.S1, de 1-03-2018 – sinistrado, electricista de postes altos, com 39 anos de idade à data do acidente, com um défice funcional permanente de 53 pontos, e impossibilidade de exercício da profissão habitual, podendo exercer outras, foi atribuída a indemnização no valor de 400.000,00 €;
Processo n.º 902/14.7TBVCT.G1.S1, de 23-10-2018 – sinistrado com 54 anos, exercia a actividade de serralheiro naval, mecânico e civil por força do acidente, por força do acidente ficou a padecer de um défice funcional permanente de 72 pontos incompatíveis com a actividade profissional habitual; o grau de incapacidade e as graves limitações funcionais associadas dificultarão ou impossibilitarão o exercício de outra actividade profissional na respectiva área, traduzindo, na prática, uma situação de incapacidade total permanente, foi atribuída a indemnização no valor de 350.000,00 €;
Processo n.º 1046/15.0T8PFN.P1.S1, de 23-05-2019 – sinistrado professor e advogado, a quem foi atribuída pela Caixa Geral de Aposentações uma incapacidade de 89,9%, convertida em direito civil para 32% de incapacidade, em situação de incapacidade definitiva para o exercício da sua profissão de advogado, foi atribuída uma indemnização de 485 000,00 €;
Processo n.º 146/08.7PTCSC.L1.S1, de 9-09-2015 - sinistrado com 56 anos de idade, com paraplegia e compromisso de esfíncteres, foi fixada uma indemnização de 800.000,00 € por dano patrimonial futuro.
Atente-se ainda, para efeitos de reapreciação do decidido, que só haverá fundamento bastante para censurar o juízo formulado pela 1ª instância e alterar o decidido se puder afirmar-se, tendo em conta os critérios que vêm sendo adoptados pelos tribunais superiores, que os montantes que foram fixados são manifestamente desproporcionados à gravidade objectiva e subjectiva dos efeitos (de natureza patrimonial e não patrimonial) resultantes da lesão corporal sofrida pelo autor – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-09-2016, processo n.º 2249/12.4TBFUN.L1.S1.
Retoma-se aqui o conceito de “dano biológico” que tanto pode afectar vantagens susceptíveis de avaliação pecuniária, nomeadamente quando em causa esteja a afectação da capacidade de ganho futura, como vantagens insusceptíveis de avaliação pecuniária, como sejam o dano estético, dano psíquico, dano sexual, dano à capacidade laboral genérico ou qualquer outra repercussão relevante no corpo do lesado ou no seu estado de saúde físico e psicológico (a Portaria 377/2008 fixou critérios distintos para a determinação da indemnização por “danos morais complementares” (art.º 4º e anexo I), por “danos patrimoniais futuros” (art.º 7.º e anexo III) e para o “dano biológico” (art.º 8º e anexo IV), sendo que o primeiro e o último são tratados como “danos não patrimoniais” e o segundo como “dano patrimonial”).
Os factos apurados revelam, à evidência, uma concreta diminuição no rendimento proveniente do trabalho para o recorrente, por força do défice funcional permanente de que passou a padecer em consequência do acidente dos autos, pois que deixou de ter condições seja para o exercício do trabalho habitual, seja para qualquer outra profissão da sua área técnico-profissional. Além disso, está afectado por um défice funcional permanente que o irá condicionar para sempre a nível pessoal, familiar e social e, acima de tudo, nas simples actividades da sua vida diária, carecendo da ajuda permanente de terceira pessoa.
Ainda que se ponderem os valores que os critérios matemáticos nos podem oferecer (designadamente, os que emergem da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio), há que considerar que vem sendo uniformemente reconhecido, que “o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas do caso.
Recorde-se que na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou actividade económica alternativa, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a que acrescem outros factores que relevam casuisticamente – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2016, processo n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, que aí menciona ainda os acórdãos desse Supremo Tribunal de 20-10-2011, proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1, de 10-10-2012, proc. nº 632/2001.G1.S1, de 07-05-2014, proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1, de 19-02-2015, proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1, de 04-06-2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, e de 07-04-2016, e onde se consigna que na Portaria nº 377/2008, a reparação das consequências patrimoniais do dano biológico – na acepção que a jurisprudência do Supremo Tribunal tem dado ao conceito – não tem correspondência no conceito de dano biológico do art.º 3º, alínea b), da Portaria, nem no seu Anexo IV, pelo que a fixação do montante indemnizatório devido pelas consequências patrimoniais do dano biológico não pode ser aferida pelos valores nela previstos.
Deste modo, fazendo apelo à jurisprudência acima convocada e ponderando todas as circunstâncias supra descritas, designadamente:
• a idade do autor à data da consolidação médico-legal das lesões (50 anos);
• os períodos de internamento e períodos de incapacidades temporárias que suportou, com perda de remuneração (603 dias de défice funcional temporário total);
• o défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de que ficou a padecer (81 pontos);
• o valor do salário médio nacional no ano do acidente, que se situou, em 2019, no valor de 1 0005,1 €14, em conjugação com o valor efectivamente auferido pelo sinistrado (um valor mensal global líquido de 752,07 € (cf. ponto 32.));
• a esperança média de vida (78 anos em 201915, uma vez que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma);
• a actual situação económico-financeira do país;
• a dependência permanente do auxílio de terceira pessoa;
• a incontinência urinária e fecal;
• o quadro de perturbação mista de depressão e ansiedade causado pelo acidente;
• a perda global de funcionalidade atentas as sequelas que lhe advieram, com repercussão importante na sua independência e autonomia, sendo-lhe possível apenas a execução de tarefas muito básicas, podendo dar alguns passos, em distâncias curtas, dentro de casa, com recurso a andarilho e, bem assim, afectação das actividades desportivas e de lazer;
• a repercussão permanente na actividade sexual, sendo que o autor deixou de ter vida sexual;
• a ponderação de que desde Maio de 2020, em conformidade com o acordado em sede de procedimento cautelar, o autor vem recebendo uma renda mensal provisória de 752,07 €, acrescida dos subsídios de férias e de Natal, pelo que já auferiu até ao presente, cerca de 46 628,34 € (cf. ponto 61. dos factos provados),
e, sobremaneira, atendendo aos casos semelhantes mais próximos do presente e que emergem da jurisprudência acima elencada, temperados pelas regras da equidade, com vista à obtenção de um equilíbrio que sirva a segurança jurídica que os cidadãos devem esperar das decisões judiciais, importa que se reconheça, objectivamente, uma certa inadequação do valor fixado pela 1ª instância, que se apresenta exíguo face à dimensão do prejuízo corporal e funcional suportado pelo autor, pelo que se entende por adequado e proporcional, a título de ressarcimento pelo dano biológico suportado pelo apelante, a atribuição de uma indemnização no montante de 350.000,00 € (trezentos e cinquenta mil euros).
Procede, assim, nesta parte, parcialmente, a pretensão recursória do apelante.
*
3.2.4 Do quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor
Nesta sede, a decisão recorrida fixou o montante devido a título de indemnização pelos danos não patrimoniais em 180.000,00 €, o que fundamentou nos seguintes termos:
“Quanto ao dano não patrimonial estrito peticionado, temos que, nesta área, assume particular relevo a tutela dispensada à personalidade humana, organização somático-psíquica, sediada no art.º 70º, do Cód. Civil, dado que «a personalidade humana do lesado não integra propriamente o seu património» acontecendo que «da violação da sua personalidade emergem directa e principalmente danos não patrimoniais ou morais, isto é, prejuízos de interesses de ordem biológica, espiritual, ideal ou moral, não patrimonial que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados, que não exactamente indemnizados, com a obrigação pecuniária imposta ao agentes» (Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, pág. 200).
Assim é que o Código Civil admite a indemnização dos «danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito» (art.º 496º, nº1), confiando ao tribunal o encargo de apreciar, face aos diferenciados casos concretos e auxiliando-se de dados objectivos, se o dano não patrimonial é merecedor de protecção jurídica ou não, para tanto sendo irrelevantes, nomeadamente, «os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultem de uma sensibilidade anómala» (Almeida Costa, ob. cit., pág. 503).
Estes elementos servindo de fundamento ao reconhecimento da protecção jurídica dos danos, servem ainda de guia ao tribunal na fixação do montante indemnizatório correspondente aos danos não patrimoniais, a calcular segundo critérios de equidade, estipulando o nº 3, do art.º 496º, do CC, em conjugação com o art.º 494º, do mesmo diploma legal, que o juiz deverá fazer uso de critérios de equidade, tomando em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e a do lesado, bem como as demais circunstâncias concretas relevantes.
Nesta operação de cálculo do montante indemnizatório deve tomar-se em conta «todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, I, 4ª Edição, 1987, pág. 501).
Nos autos e no que ao dano não patrimonial estrito concerne, resultou provado que:
- o autor nasceu em 10.10.1969, tendo, à data do acidente de que foi vítima, em que sofreu a queda, 49 anos de idade (33. dos factos provados);
- sofreu dores no momento do embate, dos tratamentos a que foi sujeitos e durante o período de recuperação (36. dos factos provados);
- no momento do embate, sofreu enorme susto, passando por momentos de aflição, tendo estado com a vida em perigo - (37. dos factos provados);
- sentiu e sente angústia, revivendo o embate (38. dos factos provados);
- é solteiro, residia, à data do embate, em casa própria e, com ele, a sua mãe, de quem tomava conta, não apresentava problemas de saúde ou qualquer deficiência física, era considerado pessoa alegre e com boa disposição, praticava desporto, convivia com amigos, sendo por estes e por familiares estimado, projetando um dia constituir família (34. e 35. dos factos provados);
- foi operado no dia 05.02.2019, no período pós operatório desenvolvendo o agravamento da paresia espástica com predomínio dos membros à direita (21. dos factos provados);
- viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, correspondendo os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto a 603 dias, com permanência em unidades de reabibilitação física (23., 24., 27., 29., 30. e 41. dos factos provados)
- sujeitou-se a tratamentos de fisioterapia para a sua recuperação, tendo em vista a sua recuperação funcional, estimulação sensório motora, prevenção do síndrome de imobilidade, exploração de potencial motor, aumento de resistência muscular (25. e 31. dos factos provados);
- em consequência do embate, sofreu fractura da coluna e apresenta um quadro de tetraparésia espástica por traumatismo da coluna cervical, sofrendo de incontinência urinária e fecal obrigando ao uso de fraldas em permanência (39. dos factos provados);
- era portador de um diagnóstico de défice cognitivo ligeiro, a que se associa após o acidente um quadro de perturbação mista de depressão e ansiedade (40. dos factos provados);
- viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos inerentes à sua atividade profissional habitual, entre 26.01.2019 e 19.09.2020, num período total de 603 dias (42. dos factos provados);
- entre a data do embate e o dia 19.09.2020 o quantum doloris sofrido pelo autor foi de grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente (43. dos factos provados);
- está totalmente dependente da ajuda de terceira pessoa e tem necessidade permanente de recurso a medicação regular de anti-depressivos e ansiolíticos e de tratamento de fisioterapia, da cadeira de rodas, andarilho, fraldas (44. e 46. dos factos provados);
- a repercussão permanente sofrida pelo autor, sempre em consequência do embate, em termos de Dano Estético Permanente, é fixável no grau 6, numa escala de 7 de gravidade crescente, tendo em conta a utilização de ajudas técnicas e impossibilidade de marcha (43. dos factos provados);
- a Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 6, numa escala de 7 de gravidade crescente, tendo em conta que o autor deixou de correr, de ir ao café, deixou de ir à caça e à pesca, deixou de conduzir carro e moto, deixou de nadar e de ir à praia, deixou de conviver ter jantares e almoços com amigos (43. dos factos provados);
- a Repercussão Permanente na Actividade Sexual é fixável no grau 6, numa escala de 7 de gravidade crescente, tendo em conta que o autor deixou de ter vida sexual (43. dos factos provados);
- as sequelas de que é portador são irreversíveis e com tendência a manterem-se inalteradas (45. dos factos provados).
Tudo isto redundou, pois, num prejuízo não patrimonial que não pode deixar merecer a tutela do direito, porquanto não se reconduz, nos moldes enunciados, a simples incómodos ou meras contrariedades (estes sim insusceptíveis de justificar indemnização), devendo por ele o autor ser compensado.
Computou o autor esse dano, após ampliação do pedido, no montante de 400.000,00€.
Aqui chegados, deve atentar-se à natureza dos danos, à sua gravidade e consequências, sem poder desconsiderar-se que o autor foi vítima de um acidente que colocou a sua vida em perigo, o longo período de convalescença e sofrimento físico, com a sujeição a intervenção cirúrgica, exames, tratamentos, medicação, internamentos, numa idade em que o corpo humano já não se regenera, nem recupera com o viço da juventude.
Mais, que o autor esteve em reabilitação em unidades de cuidados permanentes, correspondendo o período de internamento e/ou de repouso absoluto a 603 dias, com um quantum doloris sofrido de grau 5 em 7, e que das lesões resultaram sequelas que são irreversíveis e com tendência a manterem-se inalteradas, estando o autor totalmente dependente de ajuda de terceira pessoa, obrigado à sujeição de tratamentos e medicação constantes, sem possibilidade de manter relações sociais com o mínimo de autonomia, como fazia anteriormente ao acidente.
A que acresce a angústia que lhe advém das consequências do acidente, limitativas da sua mobilidade, sexualidade, vida social (o ser obrigado a usar ajudas técnicas como a cadeira de rodas, as fraldas, o estar privado de relacionamento sexual, de correr), a ser valorado numa perspectiva diversa e complementar à ponderada no âmbito do dano biológico (afectação psicossomática).
Haverá, ainda, de ter presente que a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a reconhecer gradualmente a necessidade de atribuir indemnizações com significado, aludindo a justo grau de compensação, assumindo-se uma vertente compensatória, mas sem esquecer a vertente sancionatória.
Ponderando o descrito e vivenciado pelo autor e os supra enunciados critérios, afigura-se equitativo fixar o montante dos danos não patrimoniais em 180.000,00 €, a que acrescem juros de mora, desde a citação, nos mesmos moldes já expressos para o montante indemnizatório pelo dano biológico.”
O apelante sustenta ser manifesto, neste caso, que os danos que suportou, decorrentes das lesões e sofrimento que padeceu e que padece e das sequelas com que ficou, comprometem irremediavelmente o seu futuro, sendo que com o passar dos anos o seu sofrimento será cada vez mais atroz, pelo que se deve atender, em sede de equidade, ao grau de culpabilidade do agente, situação económica e demais circunstâncias do caso, devendo atender-se à sua função compensatória e punitiva e, bem assim, aos padrões de cálculo adoptados pela jurisprudência mais recente, pelo que o valor arbitrado de 180.000,00 € é manifestamente insuficiente para compensar os danos apurados, impondo-se a sua alteração para o valor peticionado de 400.000,00 €.
Tendo em conta a natureza não patrimonial dos danos em referência, a sua avaliação há-de ser efectuada nos termos do art.º 496º, n.º 1 do Código Civil, posto que o dano não patrimonial não abrange apenas o dano morte, mas qualquer outro dano que, não tendo natureza económica, assuma uma tal gravidade (dentro de um padrão objectivo) que requeira e mereça a tutela do direito.
Podem assumir essa característica as perdas suportadas quer no bem-estar físico (dores sofridas), quer no equilíbrio psíquico (desgostos, depressão, etc.).
Caberá, pois, ao tribunal determinar em cada caso se os danos não patrimoniais são, de facto, merecedores da tutela jurídica.
Na fixação do montante da indemnização correlativa, procederá de forma equitativa, nos termos do art.º 496º, n.º 3, primeira parte do Código Civil, sendo, assim, necessariamente diferente a forma de determinação da indemnização por danos não patrimoniais daquela que se segue em relação aos danos patrimoniais, pelo que se afasta, por desnecessária e limitadora da efectiva avaliação da sua dimensão, a aplicação dos critérios da aludida Portaria 377/2008.
Incluem-se entre os danos não patrimoniais indemnizáveis as dores físicas e psíquicas, a perturbação da pessoa, os sofrimentos morais, os prejuízos na vida de relação sobretudo os provenientes de deformações estéticas.
O montante da indemnização pelos danos não patrimoniais será, pois, fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.º 494º do Código Civil (embora o artigo 494º faça referência à situação económica do lesante, a ponderação de tal parâmetro revela-se desprovida de sentido nos casos em que não é o património do lesante, mas sim o de um terceiro, como por exemplo uma seguradora, a suportar o pagamento da indemnização).
A compensação por danos não patrimoniais, para assumir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.
Para efeitos do valor da indemnização a fixar a este título importa atender ao sofrimento suportado pelo recorrente, aos períodos de défice funcional temporário total (603 dias – quase dois anos), ao quantum doloris, ao prejuízo da actividade sexual, à impossibilidade de exercício de actividade profissional, a repercussão permanente na actividade da vida diária, familiar e social e a nível de lazer.
Haverá que ponderar a natureza e grau das lesões; as sequelas físicas e psíquicas; os tratamentos médicos; o quantum doloris (que identifica as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária); o período de doença; situação anterior e posterior do ofendido em termos de afirmação social, apresentação e auto-estima (dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes: familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da saúde geral e da longevidade (em que sobressai o dano da dor e o défice do bem-estar, que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e corte na expectativa de vida), entre outras.
Neste contexto relevam os factos acima aduzidos em que sobressaem, para além dos já mencionados – com especial relevo para todo o período de tratamentos, internamentos, intervenção cirúrgica, fisioterapia, por um período que se estendeu durante um ano e nove meses (cf. pontos 20. a 30.) -, o facto de ser uma pessoa que anteriormente ao acidente não apresentava problemas de saúde, sendo pessoa alegre, com boa disposição, praticava desporto, convivia com amigos, sendo estimado por estes e pela família, projectando constituir família; as dores suportadas, quer no momento do embate, quer com os tratamentos e períodos de recuperação, o susto e aflição pela perspectiva da sua vida em perigo; a angústia que revela revivendo o embate, para além do quadro de tetraparésia espástica, a incontinência urinária e fecal que o obrigam ao uso de fraldas em permanência; o quadro de depressão e ansiedade, a necessidade de auxílio permanente de terceira pessoa, a necessidade permanente de recurso a medicação regular de antidepressivos e ansiolíticos e de provável acompanhamento psiquiátrico e bem assim tratamento de fisioterapia, cadeira de rodas, andarilho, tudo a corroborar ou agravar o quadro depressivo que já revela, sobressaindo ainda a escassa integração familiar, estando dependente do auxílio do seu único familiar, o sobrinho. A ponderar também, nesta sede, a sua total ausência de culpa na produção do acidente.
Reitera-se que, no que se refere ao juízo de equidade, tem a jurisprudência entendido de modo uniforme que “não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir “a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador “ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida…”. [] entende-se que a indemnização a fixar deverá ser justa e equitativa, ou seja, não se apresentar como um montante meramente simbólico ou miserabilista, mas antes representar a quantia adequada a viabilizar uma compensação ao lesado pelos padecimentos que sofreu em consequência do sinistro []” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-06-2015, processo n.º 163/11.0TBFZZ.E1.
No caso em apreço, os factos provados e acima descritos importam para o recorrente danos de natureza não patrimonial que merecem indubitavelmente a tutela jurídica.
Para além da evidente gravidade das lesões sofridas não se podem ignorar as dores e o sofrimento sentidos aquando do acidente; a necessidade de intervenção cirúrgica, o longo período de tratamento e convalescença; o internamento em dois hospitais distintos, no Centro de Medicina Física e Reabilitação de Alcoitão e na Unidade de Média Duração de Reabilitação da Santa Casa da Misericórdia de …; a perda total de autonomia e a necessidade de mudança de local de residência para poder beneficiar do auxílio dos familiares; o grau de incapacidade que, pela sua relevantíssima expressão afecta de modo indelével a integridade física, lhe retira, em definitivo, a capacidade para o trabalho e as suas capacidades físicas para os actos da vida diária, e, bem assim, as suas competências emocionais, face ao quadro depressivo e de ansiedade instalado, sequelas que o acompanharão pelo resto da vida, estando em causa um homem adulto, mas ainda relativamente jovem, à data do acidente com 49 anos de idade; o quantum doloris fixado no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; o dano estético permanente fixado no grau 6, numa escala de 7; a necessidade de utilização de ajudas técnicas e impossibilidade de marcha; a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, fixável no grau 6, numa escala de 7 (deixou de correr, ir ao café, à caça, à pesca, de conduzir carro e moto, de nadar, ir à praia, conviver com amigos); a repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 6, numa escala de 7 de gravidade crescente (deixou de ter vida sexual); a necessidade permanente de recurso a medicação regular de antidepressivos e ansiolíticos e de provável acompanhamento psiquiátrico e necessidade de ajuda de terceira pessoa nas actividades da vida diária, como vestir-se, lavar-se e tarefas que exijam esforço físico e muita mobilidade, sendo que, não estando permanentemente acamado, a marcha só é possível com apoio de andarilho (no interior da casa e pequenas distâncias) ou de cadeira de rodas, permitindo-lhe tarefas muito básicas e pouco exigentes, sendo as sequelas de que é portador irreversíveis e com tendência a se manterem inalteradas.
Atente-se nos valores que têm vindo a ser atribuídos a título de indemnização por danos não patrimoniais, em situações similares:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-2021, processo n.º 7098/16.8T8PRT.P1.S1 – lesado com 23 anos, que estava a realizar a sua formação universitária e ficou afectado com o membro superior esquerdo completamente paralisado e sem funcionalidade e uma IPG de 62,00 pontos, tendo passado a necessitar durante toda a vida do auxílio de terceira pessoa para determinadas tarefas; sente vergonha de si mesmo nas suas relações com outros, nomeadamente por força da afectação da sua actividade sexual fixável no grau 3/7; alterações do sono, instabilidade emocional, diminuição das capacidades de memória e raciocínio, síndroma pós-traumático, perda da libido e dores permanentes que exigem consulta da dor quantificáveis no grau 6/7; com dano estético permanente do grau 5/7 e perda de capacidade e interesse por actividades que anteriormente lhe davam prazer fixável no grau 4/7, foi fixada uma indemnização por danos não patrimoniais em 125 000,00 €;
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-07-2021, processo n.º 4961/16.0T8LSB.L1.S1 – lesado com 55 anos à data do acidente; ficou a padecer de défice funcional de 75 pontos; as lesões sofridas são impeditivas do exercício da sua profissão habitual (cozinheiro, que exerceu durante 30 anos); passou a necessitar com carácter permanente de usar cama articulada, cadeira de rodas, andarilho, talheres adaptados, cadeira para o banho; ajuda de terceira pessoa para todas as actividades da vida diária, excepto ingestão alimentar, foi fixada a indemnização de 120.000,00 €;
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-04-2021, processo n.º 2908/18.8T8PNF.P1.S1 - lesado com 6 anos, um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 50 pontos, com repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 7 de uma escala de 7 de gravidade crescente, não estando impossibilitado de vir a ter uma vida profissional normal; quantum doloris no grau 5 de uma escala de 7 de gravidade crescente; marcha claudicante e necessidade permanente de ajudas técnicas para se locomover (aparelho de ortótese, estes a substituir regularmente enquanto se mantiver o crescimento e a rectificar ulteriormente e cadeira de rodas), o que lhe determina um prejuízo estético avaliável em 5 graus; hipoestesias nos membros inferiores; bexiga neurogénica, com necessidade de algaliação e dificuldade em controlar as fezes, com o que necessita de usar fraldas e cremes tópicos e de usar sondas vesicais; impedido de ter relações sexuais completas ou de procriar; necessita de ajuda de terceira pessoa para fazer parte da sua higiene pessoal, vestir-se e despir-se, deitar-se e levantar-se da cama, para se deslocar à casa de banho, foi fixada uma indemnização de 200.000,00 € a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais;
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5-07-2017, processo n.º 4861/11.0TAMTS.P1.S1 – lesada com 46 anos de idade, uma incapacidade permanente de 53 pontos, padecimento com as intervenções cirúrgicas, angústia de se ver privada de um membro inferior, o desgosto de se ver fisicamente amputada, mazelas e aleijões psíquicos (designadamente: dor fantasma ao nível do membro inferior direito; dificuldade de marcha com claudicação; dores constantes no pé esquerdo, com edema motivados pela sobrecarga do membro inferior; stress pós traumático associado a perturbação de pânico e perturbação mista de ansiedade e depressão; pensamentos suicidas); o quantum doloris fixável no grau 6/7; o dano estético fixável no grau 5/7; a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 4/7; a repercussão permanente na actividade sexual é fixável no grau 4/7, foi fixada uma indemnização de 140.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais;
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-09-2021, processo n.º 654/19.4T8PVZ.P1 – lesado sofreu um traumatismo crânio-encefálico, internado durante seis dias em consequência do acidente, quantum doloris fixado em grau 4 numa escala de gravidade crescente de 7 graus; tornou-se numa pessoa apática, repercussão nas actividades desportivas e de lazer fixável em grau 2; dano estético quantificável em 4 numa escala de gravidade crescente de 7 graus; défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica de 22 pontos, foi fixada uma indemnização de 125 000,00 € a título de indemnização pelos danos não patrimoniais;
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de processo n.º 146/08.7PTCSC.L1.S1, de 9-09-2015 – que considerou justa, equilibrada e equitativa a indemnização de 170.000,00 € arbitrada a título de danos não patrimoniais, perante um quadro factual de dores, sofrimentos e angústias que o sinistrado, com 56 anos de idade, 100% de défice funcional permanente, sofreu, sofre e sofrerá enquanto estiver vivo: dores físicas e psíquicas durante os sucessivos tratamentos e internamentos; paraplegia completa e compromisso dos esfíncteres, com nula hipótese de recuperação total; perda “de toda e qualquer” sensibilidade da linha mamilar para baixo; perda de auto-estima, e da alegria de viver, passando a ser uma pessoa triste e amargurada, deprimida e revoltada; impotência sexual; dependência diária de 3.ª pessoa para cuidar de si e da sua higiene; dependência de cadeira de rodas para se movimentar e de impossibilidade de exercer qualquer actividade;
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de processo n.º 344/12.9TBBAO.P1.S1, de 6-07-2017 – sinistrado com 44 anos de idade e desempregado; sofreu lesões físicas gravíssimas e diminuição total da acuidade visual; ficou a padecer de um défice permanente da integridade físico-psíquica de 87%; teve dores avaliáveis em 7 numa escala de 7 graus; depende da ajuda de terceira pessoa para a realização das tarefas do dia-a-dia e terá que ser formado para as executar por si; vive extremamente angustiado e preocupado com o seu futuro num quadro de isolamento social e manifesta revolta e tristeza, teve por adequada a fixação da indemnização devida por danos não patrimoniais em 160.000,00 €.
Com esta breve digressão pela jurisprudência procura-se atender à preocupação de normalização ou padronização quantitativa da compensação devida por esta espécie de dano, e, por essa via, aos princípios da igualdade e da unidade do direito e ao valor da previsibilidade da decisão judicial, o que permite verificar que em situações análogas e, algumas delas mais gravosas, têm sido fixadas indemnizações de valor relativamente próximo ao arbitrado pela 1ª instância.
Numa franja de sinistrados com idades compreendidas entre os 44 e os 56 anos de idade e com défice funcional permanente situado entre os 53 pontos e os 100 pontos, encontramos valores que se situam entre os cento e vinte mil e os cento e setenta mil euros arbitrados a título de indemnização por danos não patrimoniais, sendo os mais elevados proporcionais à maior gravidade das lesões descritas.
Tendo presente que, estando em causa um critério de equidade e que as indemnizações arbitradas apenas devem ser alteradas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida e atendendo ao sofrimento experimentado pelo autor quer aquando da produção das lesões, quer posteriormente, designadamente com intervenção cirúrgica, tratamentos, exames, consultas, ao período de convalescença, ao défice funcional permanente de 81 pontos (dano a ponderar apenas na sua vertente não patrimonial), ao quantum doloris, dano estético permanente, repercussão nas actividades desportivas e de lazer, perda da vida sexual, necessidade de medicação permanente, fisioterapia, necessidade de ajuda de terceira pessoa e ajuda de tecnologia para superar as limitações anátomo-funcionais, a depressão de que ficou a padecer e a respectiva repercussão na percepção de si próprio e no gozo da sua vida pessoal, familiar e social, tem-se, no confronto com os casos supra citados, por equilibrado e equitativo o valor arbitrado na decisão recorrida, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais cifrados no montante de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros).
Improcede, assim, nesta parte, a pretensão recursória do apelante, mantendo-se inalterado o valor atribuído a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais.
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3.2.5. Do valor arbitrado para ajuda permanente de terceira pessoa
O autor pediu a condenação da ré seguradora no pagamento da quantia de 1.200.150,00 €, referente a ajuda de terceira pessoa, invocando a necessidade de cuidados permanentes de terceira pessoa, com conhecimento de enfermagem, durante todo o dia, todos os dias do ano.
No articulado que apresentou em 20 de Setembro de 2023 o autor pretendeu ampliar esse pedido para o montante de 1.664.000,00 €, ampliação que, porém, conforme decorre do despacho proferido em 27 de Fevereiro de 2024, não foi admitida nesse segmento.
A 1ª instância apreciou este pedido nos seguintes termos:
“O autor pretende, ainda, a condenação da ré no pagamento da quantia de 1.200.150,00€, referente à ajuda de 3ª pessoa, ponderando a carência de cuidados permanentes de terceira pessoa, com o mínimo de conhecimentos de enfermagem e de serviço domestico, durante 24h por dia, 365/366 dias por ano, e um cálculo resultante do salário X 15 meses X anos de vida, majorado em 50% - artigo 100º da p.i.//as quantias que se vierem a apurar posteriormente, e que relega para liquidação em execução de sentença, a título de auxílio de terceira pessoa até à disponibilização pela ré da quantia necessária que para esse efeito vier a ser fixada judicialmente (primeira ampliação do pedido).
Também este dano de auxílio de uma terceira pessoa assume natureza futura devendo ser fixado com recurso aos elementos provados e à equidade (art.º 566º, nº3, do CC).
O alegado a este propósito é parco e o demonstrado também, cingindo-se à comprovada total dependência de ajuda de terceira pessoa e à necessidade permanente de ajuda de terceira pessoa nas actividades da vida diária, como vestir-se, lavar-se e tarefas que exijam esforço físico e muita mobilidade (43. e 44. dos factos provados).
A necessidade permanente remete para todo o dia vezes 365 dias do ano.
O custo que daí advém, em concreto, é que se não alega, ou demonstra, decorrendo, porém da lógica e da experiência comum, que uma só pessoa não poderá garantir todo um dia de trabalho, não cingido às normais 8h de um dia de trabalho, sendo necessárias, pelo menos, duas e que haverá de garantir, pelo menos, o salário mínimo nacional, 14 meses de retribuição, até aos 78 anos de idade do autor (expectativa de vida), além do suportar de custos com a segurança social, seguro de acidentes de trabalho e outras contribuições fiscais.
O salário mínimo, desde 01.01.2024, cifra-se em 820,00€ (DL 107/2023, de 17.11). Daí que, contando actualmente o autor com 54 anos de idade e perspectivando-se a necessidade do auxílio permanente de terceira pessoa por mais 24 anos, se logre alcançar, num cálculo matemático, a quantia de 551.040,00€ [(820€x2) x 14meses x 24anos].
Apelando, ainda, ao decidido pelos tribunais superiores (sem prejuízo do anotado supra na fixação do montante indemnizatório do dano biológico), mais propriamente a propósito de um caso idêntico (salário auxílio terceira pessoa), temos que o Colendo Supremo Tribunal de Justiça decidiu que: «para além da imprevisibilidade da variação da taxa de rentabilidade, atento o período temporal a considerar (42 anos), há que ter em conta o expectável aumento das despesas a suportar nesse período, sendo expectável que vá, e a breve trecho, além dos € 750,00 mensais que foram considerados pela Relação. Perante tais elementos, e com recurso à equidade, afigura-se correto e ajustado dever proceder-se a uma dedução, para compensar o recebimento antecipado do capital, situada à volta dos 10%» - Ac do STJ de 12.11.19, processo 468/15.0T8PDL.L1.S1, in www.dgsi,pt.
A esta ponderação de 10% (cerca de 55.000,00€), acrescenta-se a dos adiantamentos realizados pela ré, por força do decidido no procedimento cautelar que constitui o apenso B: por acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de 23.11.2021, a ré foi condenada a pagar a título de reparação provisória o montante mensal correspondente a três salários mínimos nacionais, então 1.995,00€, referente a despesas de auxílio por terceira pessoa, a este título estando, desde então, a adiantar valor superior ao ora achado, o que se perspectiva perdure até ao trânsito em julgado da presente sentença.
Sem se entrar no campo das compensações estritas, não pode tal ser escamoteado na fixação do montante indemnizatório sob pena de majoração injustificada.
Em qualquer dos casos, as fórmulas matemáticas e o mais servem de critérios a concatenar em face de tudo o mais exposto, na ponderação global se tomando como ajustado e equitativo fixar o montante indemnizatório por este dano nos 450.000,00€.”
O apelante discorda do assim decidido argumentando estar demonstrado que o autor está totalmente dependente da ajuda de terceira pessoa durante 24 horas por dia, havendo necessidade de pagar três salários mínimos para três auxiliares, acrescidos de subsídios de férias e de Natal, encargos com a segurança social e seguros, sendo que é o sobrinho que, por falta de capacidade financeira do autor, tem assegurado, provisoriamente, o serviço que corresponderia à terceira pessoa, assegurando horas nocturnas, fins-de-semana e férias do outro prestador, com ajuda da sua mãe, concluindo que é necessária a contratação de quatro funcionários a tempo inteiro para assegurar a permanência dia e noite, descanso semanal e férias de cada um, com um vencimento mensal superior a 1.000,00 € para cada, o que importará num custo anual de 64.000,00 € e tendo em conta os 24 anos de esperança de vida, pelo que tal verba deve ser fixada em 1.664.000,00 €, sem que deva ser deduzida qualquer percentagem pela antecipação do capital, por não contemplar qualquer actualização à taxa de inflação ou aumentos salariais previsíveis.
Os factos apurados nos autos e com relevo para a decisão são, no essencial, os seguintes:
• Em consequência do embate, o autor sofreu fractura da coluna e apresenta um quadro de tetraparésia espástica por traumatismo da coluna cervical, sofrendo de incontinência urinária e fecal que o obriga ao uso de fraldas em permanência;
• O autor apresenta um Défice Funcional Permanente da sua Integridade Físico-Psíquica - com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais - de 81 pontos percentuais;
• As limitações funcionais têm importantes repercussões na independência e autonomia do autor, tornando-o totalmente dependente de ajuda de terceira pessoa para as actividades da vida diária, como vestir-se, lavar-se e tarefas que exijam esforço físico e muita mobilidade;
• O autor não está permanentemente acamado, mas a marcha só é possível com apoio de andarilho (em pequenas distâncias e dentro de casa) ou cadeira de rodas, permitindo-lhe tarefas muito básicas e pouco exigentes;
• As sequelas são irreversíveis e com tendência a se manterem inalteradas;
• O autor dorme numa cama medicalizada com colchão anti-escaras, almofada anatómica e com uma altura que permite a transferência para uma cadeira de rodas.
Os critérios jurisprudenciais para a fixação do quantum indemnizatório por ajuda de terceiros consistem, essencialmente, no tempo estimado da necessidade de ajuda diária e em número de anos; o valor horário da ajuda, mensal e acumulado em anos; o valor do salário mínimo nacional ou aproximado; o tempo médio de vida do lesado em função do sexo – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6-04-2021, processo n.º 2908/18.8T8PNF.P1.S1; na falta de elementos factuais que permitam essa ponderação, sempre haverá que recorrer a juízos de equidade, cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-05-2022, processo n.º 5746/20.4T8GMR.G1.
O critério adoptado na decisão recorrida, na falta de demonstração do valor concreto necessário para o efeito, ponderou a necessidade de ajuda durante 365 dias do ano e teve em conta que uma única pessoa não poderia garantir todo um dia de trabalho, sendo necessárias, pelo menos, duas pessoas, e, com base nisso, atendeu ao valor do salário mínimo fixado para o ano de 2024, que multiplicou por dois, vezes 14 meses, incluindo assim os subsídios de férias e de Natal, vezes o número de anos de esperança de vida para o sinistrado (24 anos, considerando que tem actualmente 54 anos de idade), obtendo o montante total de 551.040,00 €. Afigura-se, pois, que tal ponderação está em conformidade com o critério que vem sendo seguido pela jurisprudência dos tribunais superiores na fixação do valor indemnizatório para garantir o auxílio de terceira pessoa.
A argumentação do apelante para alcançar a modificação do valor arbitrado em 1ª instância assenta na invocação de factos que não se encontram provados nos autos e que não emergem de qualquer elemento probatório para estes carreado e relativamente aos quais aquele não pretendeu, tão-pouco, introduzir no elenco factual provado aquando da impugnação que dirigiu à decisão que fixou a matéria de facto provada e não provada.
Na verdade, como se realçou na decisão recorrida, nada se apurou quanto aos valores efectivamente necessários para garantir a prestação da ajuda de terceira pessoa.
Por outro lado, ao arrepio do anteriormente peticionado nos autos e ignorando que a ampliação do pedido deduzida em 20 de Setembro de 2023 não foi admitida, vem o recorrente sustentar que necessita da contratação permanente de quatro funcionários, para dispensar-lhe cuidados 24 horas por dia, incluindo no período nocturno.
Ora, aquilo que ficou provado foi que o autor carece de ajuda permanente de terceira pessoa, tendo sido concretizado apenas que essa ajuda é necessária para as actividades da vida diária - vestir-se, lavar-se, levantar-se e deitar-se, ir à rua tratar dos assuntos diários comuns à vida de qualquer pessoa -, mas sem que tenha sido feita qualquer referência a uma necessidade de prestação de cuidados durante a noite, designadamente, para mudar o autor de posição da cama, levá-lo à casa de banho, evitar que se engasgue, entre outros cuidados que foram amplamente descritos na motivação do recurso, mas que não encontram respaldo na factualidade apurada.
Assim, tendo o tribunal recorrido efectuado um cálculo com base na prestação de cuidados durante o período de 16 horas diárias, por dois funcionários, encontra-se coberta a vida diária do autor num período que pode ir das 7 da manhã às 23 horas, sendo que durante a noite não está demonstrado que seja necessária a presença permanente de uma terceira pessoa, tanto mais que resultou expressamente como não provado que o autor careça de cuidados permanentes de terceira pessoa com conhecimentos de enfermagem e que sejam necessárias, no mínimo, três pessoas, em turnos diários de 8 horas, para prestar esses cuidados ao autor – cf. alíneas b) e d) dos factos não provados, que não foram impugnados pelo recorrente.
No entanto, a 1ª instância entendeu que ao valor apurado haveria que subtrair uma parcela para compensar o recebimento antecipado do capital, que situou em 10% e, bem assim, os adiantamentos realizados pela seguradora, em face do decidido no procedimento cautelar que constitui o apenso B (a seguradora foi condenada a pagar a título de reparação provisória o montante mensal correspondente a três salários mínimos nacionais, no valor de 1.995,00 €), pelo que reduziu o valor obtido para 450.000,00 €.
Por um lado, há que ter em conta que o cálculo foi efectuado a partir do momento actual e ponderando a idade actual do autor pelo que não se consideram os anos decorridos desde a data do acidente até à presente data.
Por outro lado, importa ter presente que o salário mínimo nacional irá sofrer, com grande probabilidade, aumentos anuais ao longo do período de 24 anos.
Acresce que está provado que o autor carece do mencionado auxílio 365 dias por ano, o que significa que estão incluídos fins-de-semana e feriados, sendo certo que haverá que encontrar alternativas para permitir o descanso dos funcionários que prestam esse auxílio, o que, em muitas situações, só é alcançável com o recurso a empresas especializadas.
Assim, ainda que os critérios adoptados pela 1ª instância estejam correctos à luz da reparação integral dos danos, há que ponderar que o acidente de viação que vitimou o autor foi provocado por culpa exclusiva do segurado da ré, daí que aquele tenha o direito a ficar indemne, ou seja, a ver totalmente reparado o dano como se não tivesse havido lesão, o que envolve necessariamente a tranquilidade de saber que lhe será assegurada a ajuda diária de que necessita.
As indemnizações devem ser adequadas ao fim a que se destinam e, no caso, há que valorizar o bem-estar das pessoas doentes e/ou incapacitadas e, bem assim, o trabalho dos prestadores de cuidados de saúde.
De todo o modo, considerando o valor elevado e sendo que o Supremo Tribunal de Justiça usa proceder a um desconto pela antecipação do capital, justifica-se a redução de 10% do capital, aplicada pela senhora juíza a quo, para compensar o seu recebimento antecipado, atenta a dimensão do montante em causa e as possibilidades de investimento seguro que permite, em alternativa aos depósitos, de forma a obter uma renda periódica, mas pela circunstância de não ter sido peticionada qualquer compensação pela seguradora em face dos valores já adiantados e porque se está a fixar a indemnização a partir da presente data, entende-se não ser de aplicar qualquer outro factor de redução16cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-04-2024, processo n.º 551/19.3T8AVR.P1.S1.
Assim, fixa-se o valor devido pela ajuda de terceira pessoa no montante de 495.536,00 € (quatrocentos e noventa e cinco mil quinhentos e trinta e seis euros).
Procede, nesta parte, parcialmente, a apelação.
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3.2.6. Da adaptação da habitação
O autor peticionou a condenação da ré seguradora no pagamento da quantia de 180.000,00 € para realização de obras de adaptação da casa, onde residia, na ..., que, no estado em que se encontra, não permite que um utilizador de cadeira de rodas a use de modo autónomo, pelo que, para além das obras identificadas no ponto 54. dos factos provados, é necessário construir uma rampa e elevador, cujo custo de adaptação ascende ao valor mencionado, sendo que não pode aceitar o facto de ter sido entendido que não está demonstrado que pretenda regressar à sua casa onde vivia antes do acidente, pois que o autor a manifestou no Tribunal, no dia 3 de Outubro de 2023 e sobrinho, a testemunha EE, o confirmou.
O Tribunal recorrido negou a atribuição desse valor justificando essa decisão do seguinte modo:
“Prosseguindo, o autor pede a condenação da ré no pagamento da quantia de 180.000,00€, para a realização das obras de adaptação da sua casa, sita na ..., e aquisição de equipamentos adaptados a utilizador em cadeira de rodas.
«A propósito da problemática do dano futuro, continuamos a considerar lapidar o que se encontra escrito no Ac. do S.T.J. de 11.10.1994, B.M.J. 440º, 437. Afirma-se naquele aresto que por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. Nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado.
Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis.
O dano é futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjeturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência.
No caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível (desconsidera-se o juízo do timorato).
De harmonia com o disposto naquele preceito, o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente; o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado. Quanto aos danos previsíveis, podemos subdividi-los entre os certos e os eventuais.
Dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível.
Dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético. Este caráter eventual pode conhecer vários graus, como se fossem diferentes tonalidades da mesma cor.
Desde um grau de menor eventualidade, de menor incerteza, em que não se sabe se o dano se verificará imediatamente, mas se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro mediato mais ou menos longínquo, até um grau em que nem sequer se pode prognosticar que o prejuízo venha a acontecer num futuro mediato, em que mais não há que um receio.
Naquele grau de menor incerteza, o dano futuro deve considerar-se como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável.
Naquele grau de maior incerteza, o dano eventual, esse que mais não seja que um receio, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não indemnizável antecipadamente (isto é, só indemnizável na hipótese da sua efetiva ocorrência) - o que se escreve não exclui a hipótese de o dano de maior incerteza, o receio, em um outro momento temporal, se converter em dano certo e, portanto, antecipadamente indemnizável. Avaliação é sempre feita com referência a um dado momento temporal e só é válida para esse momento.
Não é possível, nem conveniente, avançar mais neste caminho: só perante cada caso concreto é que será possível fazer a avaliação do grau de previsibilidade em ordem a determinar se o dano é ou não indemnizável antecipadamente. Há sempre um determinado espaço, uma terra de ninguém, onde só mediante o julgamento é possível estabelecer a certeza que o direito tem que realizar.
Por sua vez, o dano certo pode subdividir-se em determinável e indeterminável. Determinável é aquele que pode ser fixado com precisão no seu montante. Indeterminável é aquele cujo valor não é possível de ser fixado antecipadamente à sua verificação.
Nesta classificação o respetivo critério já é diverso, em sua natureza, do que presidiu às classificações anteriores; agora, o que está em causa é tão somente a extensão do prejuízo e a sua expressão monetária, e não mais a realidade do evento.
Determinável ou indeterminável, o dano futuro certo é sempre indemnizável. A diferença está em que, no momento de julgar, se deve fixar a indemnização do dano determinável; ao passo que em relação ao dano certo mas indeterminável na sua extensão, a fixação da indemnização correspondente é remetida para decisão ulterior, a execução de sentença, nos termos do disposto no art.º 564º, nº 2 CC, e no art.º 609.º, n.º 2 CPC.» - Ac. do TRL de 22.11.2022, processo 10905/19.0T8SNT.L1-7, in www.dgsi.pt.
Tradicionalmente «exige-se, para que o dano seja ressarcível, que o mesmo seja certo. Importa no entanto, não confundir a certeza do dano, isto é, o ter-se verificado ou a existência de circunstâncias que o tornam inevitável ou simplesmente provável, com o seu carácter imediato; consequentemente, devem distinguir-se os danos certos no futuro, dos danos simplesmente eventuais. O dano meramente eventual não é ressarcível, porque falta o requisito da certeza. E é evidente que esta certeza é uma certeza apenas relativa e não absoluta; o lucro cessante nunca existiu, e não chegará a existir. O critério é inevitavelmente influenciado pela capacidade imperfeita de prever os eventos em razão dos limites do conhecimento humano, sempre que se entra no campo do hipotético. A propósito da demonstração da existência de um lucro cessante, a referência tradicional de que o dano deve ser certo, não nos deve, pois, induzir em erro. O lucro cessante não chegou a verificar-se e se situa no domínio das probabilidades.
Assim, a certeza da existência de um lucro cessante não pode nunca ser uma certeza matemática, mas será apenas uma certeza relativa (…).
Por outro lado, a demonstração da extensão do lucro cessante é uma área em que, por excelência, se pode recorrer ao n.º 3 do art.º 566.º CC e, portanto, à sua fixação segundo juízos de equidade. Destaque-se, contudo, que, para a doutrina dominante, tal não dispensa a demonstração, pelo lesado, da existência de um lucro cessante. (…). A avaliação equitativa do dano exige a prova da existência de um dano, já que a incerteza deve ser limitada à determinação da sua grandeza.» - Júlio Vieira Gomes Sobre o Dano da Perda de Chance, in Direito e Justiça, Universidade Católica Portuguesa, Vol. XIX, 2005, Tomo II, págs. 11/13.
Neste enquadramento, apurou-se que a casa do autor – aquela que é de sua pertença e em que vivia à data em que ocorreu o acidente dos autos e que o incapacitou -, no estado em que se encontra, não permite a acessibilidade, nem a utilização autónoma de um utilizador de cadeira de rodas, sendo necessária a realização de obras para eliminação de desníveis, alargamento de aberturas, aumento da dimensão da casa-de-banho, dotação de móveis e equipamentos adaptados à sua incapacidade motora (48. a 54. dos factos provados).
A realização das obras e a aquisição dos referidos equipamentos compreende-se caso, alguma vez, o autor pretenda a ela regressar, o que não alegou e menos demonstrou, tendo-se quedado a alegação pelas características do imóvel e do que seria necessário realizar para a tornar funcional a um utilizador autónomo de cadeira de rodas, como o autor. Tão somente.
Aliás, de acordo com os factos provados, o autor arrendou, para si, em Dezembro de 2020, um apartamento sito em Castelo Branco (57. dos factos provados), onde reside o sobrinho, único que lhe resta e lhe tem prestado apoio e cuidados (59. dos factos provados), e que, tanto quanto resulta dos autos, adaptou às suas condicionantes de mobilidade, tendo a ré suportado tais custos (juntamente com as rendas de casa desde então).
E, tendo-se concluído, na perícia médico-legal que o domicílio do autor deverá ser adaptado à sua condição clínica, o que é certo é que o actual domicílio do autor assim é, nada se aventando, olhando aos factos apurados, que faça antever a necessidade de mudança.
Em causa, apelando ao descrito, acha-se um dano futuro eventual, não se podendo afirmar ou perspectivar que se venha a concretizar num futuro imediato ou mais longínquo, quando «o art.º 564º, nº 2, do CC é claro no sentido de que na fixação da indemnização o tribunal apenas pode atender aos danos futuros que sejam previsíveis, só podendo a liquidação ser relegada para execução de sentença se os danos futuros já forem efectivamente previsíveis, embora não ainda determináveis.
Como expende Galvão Telles (Direito das Obrigações, 6ª Edição Revista e Actualizada, pág. 394) no cálculo da indemnização devem entrar também os danos futuros, desde que sejam certos e seja possível determinar desde logo o seu quantitativo, remetendo-se aquela determinação para ulterior decisão se não existir esta possibilidade. Ou seja, os danos futuros (que tanto podem ser danos emergentes como lucros cessantes - ut Pires de Lima e Antunes Varela, anotado, I, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 580) têm de ser já certos, não podendo ser meramente hipotéticos.» - Ac. do STJ de 15.07.2005, processo 05A3397, in www.dgsi.pt.”
Face àquela que é a factualidade apurada nos autos e nada tendo sido aventado, em concreto, sobre a pretensão de o autor regressar ao seu domicílio em Lisboa, não se identificam razões para divergir da análise jurídico-factual realizada pelo Tribunal a quo, tendo presente que, como se afirma na decisão recorrida, a indemnização pelos danos futuros exige a demonstração da sua certeza ou previsibilidade, prova que, no caso, não foi efectuada, pois que nenhum facto foi alegado ou demonstrado no sentido de o autor pretender regressar à sua antiga moradia. Na verdade, tendo ou não o autor declarado em juízo que pretendia regressar à ..., seguro é que não o fez em declarações de parte, que não foram prestadas, nem do depoimento da testemunha EE ressalta qualquer afirmação nesse sentido e sequer foi pretendido introduzir tal facto no enunciado factual apurado.
Não existe, assim, fundamento para a modificação do decidido nesta sede, que se mantém inalterado.
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3.2.7. Da necessidade de veículo adaptado
O autor pediu ainda a condenação da seguradora no pagamento da quantia necessária para a aquisição de um veículo adaptado a cadeira de rodas, que permita a entrada da sua cadeira de rodas eléctrica.
A este propósito decidiu-se na 1ª instância o seguinte:
“O mesmo raciocínio vale para o pedido de condenação no custo de aquisição de um veículo adaptado a cadeira de rodas a liquidar em incidente de execução de sentença, em que o autor se limita a alegar ser normal que passe a dispor no futuro de um veículo automóvel, segundo as regras da experiência; pode inferir-se; resulta normalmente a aquisição dum automóvel para o incapacitado. E que será normal que passe a dispor no futuro de um veículo automóvel que o possa transportar a sua cadeira de rodas eléctrica que será tripulado por uma terceira pessoa com essa função, não estando dependente de empresas de transporte e/ou familiares.
Porém, nada mais de concreto é alegado ou comprovado, de onde se possa, realmente, inferir a probabilidade do dano, designadamente a necessidade de aquisição de tal veículo, que não será para o autor conduzir, mas sempre para ser nele transportado. O que, no caso, encontrará satisfação noutra vertente pedida: a condenação da ré no pagamento das despesas de transporte e/ou da quantia necessária em transportes futuros.”
O apelante sustenta que antes do acidente conduzida um veículo e mota e que necessita de um veículo adaptado a cadeira de rodas, para as suas deslocações diárias, que não se cingem a transportes para consultas médicas e tratamentos, a ser conduzido por terceira pessoa, dado que não se segura de pé e não controla o movimento de braços e pernas, não sendo viável qualquer outro meio de transporte, designadamente público, cujo custo ascende a 59 202,25 €; o veículo terá uma duração máxima de utilização de cerca de 10 anos, o que implica a sua substituição dentro desse prazo e respectiva manutenção, pelo que a ré deve ser condenada no pagamento desse valor, liquidando-se posteriormente os custos da manutenção anual e substituição, não bastando para o efeito a condenação da seguradora no pagamento do transporte para consultas médicas e tratamentos.
Mais uma vez, o recorrente parece olvidar que o valor que ora vem peticionar e custos com substituição e manutenção foram objecto da ampliação do pedido que deduziu em 20 de Setembro de 2023 e que não foi admitida pelo Tribunal recorrido, pelo que, não tendo colocado em crise a decisão que não a admitiu, não pode pretender agora, em sede de motivação do recurso, introduzir esses factos sobre os quais nem sequer incidiu a produção de prova que teve lugar.
Por outro lado, transcorrida a factualidade apurada, fácil se torna perceber a total ausência de elementos factuais que permitam identificar a necessidade de veículo adaptado a cadeira de rodas, tanto mais que o próprio autor reconhece que não se trata de veículo que possa vir a conduzir, porque a sua condição física actual não o permite, mas sim de veículo a conduzir por terceiro.
Independentemente do facto de o autor, anteriormente ao acidente, dispor de um veículo e poder conduzi-lo, seguro é que, actualmente, não o poderá fazer, seja um veículo comum ou um veículo adaptado a cadeira de rodas, sendo que essa modificação nas condições de vida do sinistrado e a incapacidade de exercer essa actividade normal da vida diária mereceu já a compensação devida por via da atribuição da indemnização pelos danos não patrimoniais, sendo que as deslocações necessárias para tratamentos e cuidados de saúde serão sempre suportadas pela ré seguradora.
Adere-se, pois, também neste segmento, à fundamentação aduzida na decisão recorrida, que se mantém inalterada.
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3.2.8. Das ajudas médicas e medicamentosas, técnicas, equipamentos e descartáveis
Vem ainda o apelante sustentar que, no que diz respeito às ajudas médicas, delas necessitará para sempre, embora desconheça, ao pormenor, de quais, a sua periodicidade e custos, mas necessitará de consultas de outras especialidades, para além das de psicologia/psiquiatria e fisioterapia, como urologia, neuropsicologia, cirurgia plástica, terapia ocupacional, entre outras, e ainda carecerá de realizar exames radiológicos ou outros ou ser submetido a cirurgias e/ou internamentos, pelo que o respectivo valor deve ser relegado para ulterior liquidação, o mesmo sucedendo com a medicação, pelo que não se pode conformar apenas com aquelas que o Tribunal indicou.
A decisão recorrida condenou a ré no pagamento ao autor da “quantia que se vier a apurar em posterior incidente de liquidação de sentença, tendo por limite o montante de responsabilidade assumido pela ré no âmbito do seguro de responsabilidade civil obrigatório automóvel, relativamente a:
- rendas da casa que o autor habita, sita em Castelo Banco;
- transportes adequados à condição física do autor, para consultas médicas, tratamentos e o mais associado às sequelas apuradas;
- consultas de psicologia/psiquiatria e outras que se imponham em função das sequelas de que ficou a padecer;
- anti-depressivos e ansiolíticos;
- tratamentos de fisioterapia e outros que se imponham em função das sequelas de que ficou a padecer; e
- ajudas técnicas (cadeira de rodas, andarilho e fraldas), do mais peticionado pelo autor se absolvendo a ré.”
Esta decisão foi fundamentada nos seguintes termos:
“Retomando e renovando o expendido quando aos danos futuros, importa cindir entre os certos, previsíveis e exigíveis e os meramente eventuais e, como tal, não indemnizáveis, como visto.
Nesta última categoria e dada a ausência de alegação concreta de factos e a sua demonstração, cumpre incluir a pretensão de indemnização referente ao custo a suportar com cirurgias, nomeadamente cirurgia plástica para eliminar as suas cicatrizes e, bem assim, internamentos.
A este propósito, o quadro traçado é de mera hipótese, nada sendo concretizado e/ou se podendo retirar de modo a formular-se com segurança um juízo de que, por causa do evento da responsabilidade da ré, o autor terá futuramente o aventado prejuízo, tendo-se limitado a avançar de que irá sempre necessitar toda a vida, entre o mais, de internamentos regulares e intervenções cirúrgicas em consequência das lesões sofridas no acidente (artigo 101º da p.i.).
Não só nada especifica a propósito, como nada se extrai dos factos provados quanto à dita necessidade de internamentos regulares e intervenções cirúrgicas, resultando antes dos elementos periciais que as sequelas de que é portador são irreversíveis e com tendência a se manterem inalteradas (45. dos factos provados), sequer se descortinando de onde decorre a referência – unicamente feita em sede de pedido - a cirurgia para remoção de cicatrizes (assentando a graduação do dano estético na utilização de ajudas técnicas e impossibilidade de marcha – 43. dos factos provados).
Inexiste, neste caso, a mínima perspectiva/certeza de que virá a produzir-se futuramente o aventado dano, não se podendo configurar a obrigação de indemnizar.
Diferentemente, no que concerne a despesas com tratamentos, aqui se incluindo a fisioterapia, transporte medicalizado/especializado, acompanhamento médico e medicamentoso, substituição de ajudas técnicas perecíveis e rendas da casa que se viu obrigada a arrendar e adaptou.
Nos termos dos factos provados, por via das sequelas de que o autor ficou a padecer, como consequência das sequelas advenientes do acidente dos autos, o mesmo carece de:
- regular acompanhamento psiquiátrico (40. e 44. dos factos provados);
- medicação regular de anti-depressivos e ansiolíticos (44. e 46. dos factos provados);
- tratamento de fisioterapia (44. dos factos provados);
- ajudas técnicas, quais sejam cadeira de rodas, andarilho e fraldas (39. e 44. dos factos provados).
A tanto acrescendo que o seu domicílio deve ser adaptado à sua condição clínica (44. dos factos provados).
O autor, à data do embate, residia em casa própria, (deslocado da família) e, findo o período de acolhimento em centros de reabilitação, viu-se obrigado a arrendar um apartamento, sito em Castelo Branco, onde se encontrava a sua família próxima, realizando obras de adaptação às suas restrições físicas e de mobilidade decorrentes do evento danoso.
O dano (ou prejuízo) consiste em sofrer um sacrifício, sendo patrimonial se tiver conteúdo económico, e não patrimonial ou moral se o não tiver, tratando-se este – renda de casa - de um dano decorrente do evento cuja responsabilidade recai sobre a ré, que o deve indemnizar.
Também na categoria de danos futuros previsíveis e como tal exigíveis, os custos com transportes adequados à condição física do autor, para consultas médicas, tratamentos e o mais associado às sequelas apuradas, com consultas de psicologia/psiquiatria e outras que se imponham em função das sequelas de que ficou a padecer, com anti-depressivos e ansiolíticos, tratamentos de fisioterapia e outros que se imponham em função das sequelas de que ficou a padecer, e ajudas técnicas (cadeira de rodas, andarilho e fraldas).
Ainda e quanto a estas, assumindo-se notório que todos os equipamentos têm um tempo útil de vida (sendo, ademais as fraldas consumíveis) e que o quadro de sequelas do autor é irreversível, na previsibilidade da necessidade da sua substituição, cumpre à ré suportar os respectivos custos.
Estes enunciados danos futuros assumem-se indetermináveis, não se afigurando possível a sua fixação antecipadamente à sua verificação. Sendo indetermináveis – o tribunal não dispõe de elementos que permita a sua concretização, nem mesmo lançando mão da equidade (art.º 566º, nº3, do CC). O recurso à equidade não significa um recurso que se caracterize pelo simples e mero arbítrio, antes pelo contrário, sendo sempre necessário que se consiga apurar um conjunto mínimo de factos que objectivem, isto é, que sirvam de suporte objectivo, de alicerce para o funcionamento da equidade.
Na indeterminabilidade da monta/extensão do dano, como avançado supra, a fixação da indemnização correspondente é remetida para decisão ulterior, a execução de sentença, nos termos do disposto nos arts. 564º, nº 2, do CC, e 609º, nº 2, do Cód. de Proc. Civil, o que se decide.
Essa relegada liquidação terá por limite o montante de responsabilidade assumido pela ré no âmbito do seguro de responsabilidade civil obrigatório automóvel.”
Conforme decorre da transcrição efectuada, o Tribunal recorrido apreciou correcta e validamente os pedidos formulados à luz das normas aplicáveis, nada havendo a censurar quanto ao decidido nesta sede, atendendo, desde logo, ao elenco factual apurado, de onde não decorre, sequer como hipótese configurada pelo perito, a necessidade de futura cirurgia plástica e/ou internamento.
Ademais, o Tribunal não deixou de condenar a seguradora no pagamento das quantias que se venham a apurar como necessárias para assegurar o transporte do sinistrado, consultas médicas (sem especificação de especialidades), tratamentos “e o mais associado às sequelas apuradas”, o que abrange qualquer consulta ou tratamento que venha a revelar-se necessário por força destas últimas, sem prejuízo, é certo, de, num outro item, ter especificado a necessidade de consultas de psicologia/psiquiatria, pelo que não se descortina que outra ponderação pretenderia o recorrente que devesse ser feita.
Além disso, no contexto dos tratamentos, não deixará de ser considerada toda a medicação e/ou exames que se revelem necessários, em consequência das sequelas decorrentes do acidente de que o autor ficou a padecer.
No que concerne às ajudas técnicas, tal como se consignou na decisão recorrida, apenas se comprovou a necessidade de cadeira de rodas, andarilho e fraldas, cujo custo foi considerado como responsabilidade da ré seguradora, incluindo a sua substituição e/ou reparação.
Quanto ao demais peticionado pelo autor – cama articulada, colchão anti escaras, almofadas anatómicas, cadeira de duche, mesa adaptada, sofá adaptado, duche, lavatório e sanita adaptada e cadeira de banho e ainda sabonetes e cremes específicos (que, aliás, a testemunha EE disse não aplicar, sendo utilizado um creme comum – cf. minuto 28.45 e seguintes do seu depoimento na sessão de 19-12-2023), nenhum facto faz alusão a este tipo de equipamentos/materiais como necessários ou prescritos pelos médicos do autor, pelo que nada se apurou nesse âmbito, o que inviabiliza a alteração do decidido.
Improcede, também nesta parte, a pretensão recursória do apelante.
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Em síntese, procede parcialmente a presente apelação, com a consequente alteração dos seguintes valores arbitrados pela 1ª instância:
i. a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico, fixa-se o valor em 350.000,00 €;
ii. a título de indemnização pelo custos inerentes ao auxílio de terceira pessoa, fixa-se o valor em 495.536,00 €.
No mais, improcede a apelação mantendo-se inalterada a decisão recorrida.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O recurso interposto pelo autor é parcialmente procedente, dado que se impõe alterar o valor que lhe foi atribuído a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico e pelo custo de auxílio de terceira pessoa.
Na 1ª instância a ré foi condenada a pagar, em termos líquidos, o valor global de 830.000,00 € (abrangendo indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico – 200.000,00 €; pelos danos não patrimoniais – 180.000,00 € e pelo custo de auxílio de terceira pessoa - 450.000,00 €).
Com a interposição do presente recurso, o autor/apelante pretendia aumentar tais valores arbitrados para 442.942,00 €, 400.000,00 € e 1.664.000,00 €, respectivamente e obter ainda a condenação da ré no pagamento das quantias 180.000,00 €, relativa a custo com a adaptação da habitação e 59.202,25 €, para aquisição de veículo adaptado, num total de 2.746.144,25 €, mas apenas logrou provimento quanto à fixação da indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico e pelo custo de auxílio de terceira pessoa, que foram fixados em 350.000,00 € e 495.536,00 €. Assim, o autor sofreu um decaimento de 89,8%, sendo responsável pelas custas desta instância de recurso (na vertente de custas de parte) nessa medida.
A ré/apelada, que contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido, será responsável na parte proporcional restante (10,2%).
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente a apelação do autor AA e alterar a decisão recorrida, condenando a ré no pagamento àquele das seguintes quantias:
a. 350.000,00 € (trezentos e cinquenta mil euros) a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico;
b. 495.536,00 € (quatrocentos e noventa e cinco mil quinhentos e trinta e seis euros), a título de indemnização pelo custo referente a auxílio de terceira pessoa;
c. confirmar, quanto ao mais, a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo do autor/apelante e da ré/apelada, na proporção de 89,8 e 10,2%, respectivamente.
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Lisboa, 7 de Janeiro de 2025
Micaela Marisa da Silva Sousa
Luís Filipe Pires de Sousa
Cristina Silva Maximiano
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1. Actualmente, com a denominação social Generali Seguros S. A – cf. oposição deduzida no apenso B, com a Ref. Elect. 11285642.
2. Não se transcrevem as conclusões que contêm referências doutrinais ou jurisprudenciais ou reprodução dos factos apurados, pois que não correspondem à identificação de questões que devam ser objecto de conhecimento por esta Relação (cf. art.º 639º do CPC).
3. Adiante designado pela sigla CPC.
4. Veja-se, no sentido de que a alteração, a ampliação ou a redução do pedido não interferem no valor processual, que, de acordo com a regra geral, se fixa no momento em que a acção é proposta (cf. art.º 299º, n.º 1 do CPC), sem interferência de ocorrências posteriores, a não ser as previstas na lei (art.º 299º, n.ºs 2 a 4 do CPC), António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 300; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª Edição, pág. 591; em sentido contrário, Miguel Teixeira de Sousa, Ampliação do pedido e (novo) valor da causa, Blog do IPPC, entrada de 9/12/2020 acessível em https://blogippc.blogspot.com/2020/12/ampliacao-do-pedido-e-novo-valor-da.html.↩︎
5. Cf. Ref. Elect. 155582193.
6. Acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
7. Cf. Ref. Elect. 11740940 de 21 de Dezembro de 2021.
8. Cf. Ref. Elect. 14231638.
9. In Prova testemunhal, 2014, Almedina, Agosto de 2014, p. 175 e 176 apud acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-01-2021, processo n.º 847/20.T8BCL-C.G1.
10. Cf. Ref. Elect. 11740940 de 21 de Dezembro de 2021.
11. Cf. Ref. Elect. 13700596 de 26 de Abril de 2023.
12. Cf. Documento n.º 1 junto com o requerimento de 20 de Setembro de 2023, com a Ref. Elect. 14231638.
13. O Conceito de Dano Biológico como Concretização Jurisprudencial do Princípio da Reparação Integral dos Danos – Breve Contributo, in Revista Julgar n.º 46, Janeiro-Abril 2022, pág. 266.
14. De acordo com a base de dados Pordata, em Portugal, in www.pordata.pt.
15. Conforme informação disponível em www.pordata.pt.
16. Sem prejuízo da devolução de valores que tenha sido pagos em montante superior no âmbito da providência cautelar, questão que não foi abordada na decisão recorrida e não foi aqui invocada – cf. art.º 390º, n.º 2 do CPC.