Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONTRAORDENAÇÃO
PETRÓLEO OU SEUS DERIVADOS
MANUTENÇÃO DE RESERVAS
DEVER DE INFORMAÇÃO
CONTRADIÇÃO
ILICITUDE
Sumário
I. A recorrente comunicou à ENSE que seriam mantidas nas suas instalações em ..., como reservas de segurança para o mês de Março, 250t de gás butano e 500t de gás propano (ou seja, 750t de GPL), tendo efectuado tal comunicação ao abrigo do dever de informação previsto no art.24º do D.L.165/2013 de 16 de Dezembro. II. Da análise do referido art.9º, conjugado com o art.18º e com a tabela III do referido diploma, que alude ao modo de cálculo, tal informação está na posse do operador obrigado, pelo que o mesmo ao cumprir o seu dever de informação está a assumir que aquele é o valor da reserva a que se encontra obrigado de manter, existindo equivalência entre a informação e o dever, salvo se a entidade administrativa entendesse que o valor comunicado não era o correcto ou se o próprio recorrente impugnasse os valores informados ou existentes. III.O dever de informação encontra-se umbilicalmente ligado com o dever de manutenção de reservas, pois o que se pretende que seja comunicado é o valor (quantidade) da reserva, calculado de acordo com o disposto no art.9º, pelo que não existindo desconformidade entre os dois, a comunicação tem de equivaler ao que está em reserva, assim permitindo o controle por parte da entidade administrativa. IV.Existindo desconformidade entre o valor mínimo informado e o valor existente nas instalações da recorrente, que não atingia tal mínimo, tanto basta para o preenchimento objectivo do disposto no art. 26º nº1 al.a) do D.L. 165/2013 de 16 de Dezembro. V.É expressamente imposto aos operadores obrigados a indicação e manutenção das reservas, em termos quantitativos, qualitativos e geográficos, bem como da titularidade, não se bastando a lei com quantidades “globais” de reservas, porquanto não é permitido qualquer tipo de “compensação” entre instalações, dado que o pretendido é que, a qualquer momento, e devido a uma qualquer circunstância que seja entendida por relevante, o Estado tenha acesso às reservas de petróleo ou seus derivados, sabendo a sua localização exacta, sendo que tal constitui um elemento essencial da segurança pública dos Estados-Membros e da Comunidade Europeia. VI.Não existe qualquer contradição entre os factos dados como provados, relativamente ao nível do elemento subjectivo, considerando a actuação da recorrente ao nível da negligência, mesmo tendo em conta o quadro económico que se vivia no período antecedente ao da guerra entre a Ucrânia e a Rússia, dado que o art.21º do D.L.165/2013 de 16 de Dezembro determina um principio da inviolabilidade das reservas, que apenas podem ser movimentadas nos termos do art.22º, o que era do conhecimento da recorrente, enquanto operador obrigado, pelo que sabedor do quadro internacional que provocava uma procura acima do normal, mais deveria estar ciente que era para tais circunstancialismos que as reservas de segurança foram criadas e actuou, pelo menos, com a falta de cuidado exigido, assim se preenchendo o referido elemento subjectivo da contraordenação em questão. VII.Tendo em conta a ilicitude do facto – que se traduziu num défice em relação ao valor da reserva de segurança, no dia .../.../2022 de quase 20%, devendo existir na instalação da recorrente 750t, e apenas ali figurando 619t, e aos interesses nacionais que convergiam na presente situação e que foram agravados pela situação de crise que se vivia, não se justifica a aplicação à recorrente da sanção de admoestação, prevista no nº 1 do art. 51º do RGCO.
Texto Integral
Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
No âmbito do processo de contraordenação nº …, pela Entidade Nacional para o Sector Energético, foi aplicada à arguida “AA” uma coima no valor de €10.000,00, (acrescida de custas) pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelos artigos 8º e 26º, nº1 do Decreto Lei nº 165/2013 de 16 de Dezembro. A arguida, notificada da decisão administrativa, impugnou-a judicialmente, ao abrigo do disposto nos artigos 59º e seguintes do DL 433/82, de 27 de Outubro – Regime Geral das Contra–Ordenações (RGCO). Tal impugnação foi admitida, e já no âmbito do “Processo de Recurso (Contraordenação)” nº 398/24.5T8ALQ, do Juízo Local Criminal de Alenquer, foi designada data para audiência de julgamento, vindo esta veio a ter lugar com observância do formalismo legal.
Na sequência, foi, a 07/11/2024, proferida Sentença que julgou a impugnação improcedente, mantendo a condenação pela contraordenação em causa.
»
I.2 Recurso da decisão final
É inconformada com tal decisão judicial que dela vem agora recorrer a arguida “AA”, ao abrigo dos artigos 73º e seguintes do RGCO – extraindo da motivação as seguintes conclusões: (…) I - O presente Recurso vem interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo em 07.11.2024, na qual se decidiu “acompanhar a decisão administrativa”, que havia condenado a ora Recorrente numa coima de 10.000,00€, pela alegada prática da contraordenação prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 26.º do DL 165/2013, de 16.124, na redação atual (doravante “DL 165/2013”), a qual respeita a incumprimento da obrigação prevista no respetivo art. 8.º, de constituir e manter reservas de segurança nas quantidades estabelecidas no art. 9.º – cfr. n.º 1 do texto das presentes Alegações; II - Com o devido respeito - e é verdadeiramente muito -, não podemos concordar com o decidido, pois, além do mais, não se verificam os pressupostos da contraordenação imputada, a qual não foi praticada pela Recorrente – cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das presentes Alegações; III. Além de o período aqui em causa corresponder aos dias imediatamente a seguir ao início da guerra na Ucrânia, que provocou, nesses dias iniciais, uma disrupção abruta nos mercados internacionais dos combustíveis em causa (no caso, GPL, ou seja gás propano e gás butano), com corrida internacional aos mesmos e fenómenos de açambarcamento internacional, o que tornou impossível obter mais reservas, o que não pode deixar de ser relevado ao nível da imputação subjetiva (v. n.ºs 7 e 13 a 15 dos factos provados), não podemos deixar de referir, sempre com o devido respeito, que, conforme demonstrado acima e se refere infra, ao nível da imputação objetiva, na douta Sentença recorrida, para se manter a decisão administrativa, criou-se uma norma nova, que não existe, fazendo-se tábua rasa dos princípios da legalidade e da tipicidade, que constituem princípios basilares de um processo sancionatório – cfr. n.ºs 2 e segs. do texto das presentes Alegações; IV. No que respeita aos factos, cumpre referir o seguinte: - o ..., referido no n.º 1 dos “factos”, corresponde às instalações “...”, conforme referido na 1.ª pág. da decisão da Entidade Administrativa; - no n.º 4 dos “factos” não consta, provavelmente por lapso, que a quantidade aí referida respeita apenas ao dia ........2022, conforme consta no auto de notícia e na decisão administrativa; - o n.º 6 dos “factos” deve ser correlacionado com o que consta nos n.ºs 10 a 12, ou seja, para efeitos de reservas a Recorrente não indicou à ENSE apenas as instalações ..., mas também outras instalações, sendo que, conforme se encontra provado, na totalidade dessas instalações indicadas à ENSE para efeitos de reservas (mas não verificadas pela mesma na ação inspetiva), existiam quantidades globais de gás propano e de gás butano superiores à totalidade das reservas indicadas à ENSE; - o n.º 7 dos “factos” deve ser correlacionado com o que consta nos n.ºs 13 a 14, ou seja, conforme já acima referido, “o período em questão coincidiu com o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, o qual teve impactos ao nível de combustíveis onde se incluiu o gás”; “o início da guerra na Ucrânia determinou um aumento exponencial e abrupto da procura deste produto”; “a declaração das reservas é efectuada no mês anterior” e a “sociedade recorrente encetou diversas diligências junto de operadores nacionais e internacionais no sentido da obtenção de mais reservas, o que se revelou impossível dado que a vivência dos efeitos do referido conflito afectou igualmente os mesmos” (sombreado e sublinhado nosso); - o que consta nos n.ºs 8 e 9 não são factos, mas sim afirmações conclusivas, conforme resulta, nomeadamente, da fundamentação da decisão de facto, pelo que deve ser considerado não escrito (além de a referência “deixou de ter as reservas” não constar nos factos anteriormente imputados – a este respeito, cfr., igualmente, questão prévia decidida nas págs. 2 e 3 da Sentença recorrida); - ainda no que respeita aos factos provados, sublinhe-se que no auto de notícia, na decisão administrativa, e na douta Sentença recorrida, não se indicam quais eram, de facto, os valores de reservas que a Recorrente estaria obrigada a manter, face aos critérios estabelecidos no art. 9.º do DL 165/2013, e que não teria cumprido; - cfr. n.º 9 do texto das presentes alegações; - Imputação objetiva V. No caso em apreço não se encontra preenchido o tipo legal em que se prevê a contraordenação imputada à Recorrente, isto é, a alínea a) do n.º 1 do art. 26.º do DL 165/2013, que remete para os arts. 8.º e 9.º do mesmo diploma, o que determinaria e determina a necessária absolvição da ora Recorrente e o arquivamento do processo, enfermando a douta Sentença recorrida de erros de julgamento ao assim não ter decidido – cfr. n.ºs 13 e segs. do texto das presentes Alegações; VI. Em sede de imputação de ilícito contraordenacional vigora o princípio da tipicidade, corolário do princípio da legalidade, como decorre, nomeadamente, dos arts. 1.º e 2.º do RGCO, não sendo admissível o recurso à analogia, designadamente para sancionar o que não é descrito na norma (v., nomeadamente, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.10.2024, Proc. 1323/23.6Y4LSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt) – cfr. n.ºs 14 e segs. do texto das presentes Alegações; VII. Aplicando-se estas normas e princípios acima referidos ao caso em apreço não se pode deixar de concluir que não pode ser imputada à Recorrente a contraordenação em causa, contrariamente ao decidido na douta Sentença recorrida, pois, face a estes normativos e aos factos considerados provados (e ao que não se encontra provado), não se verifica a contraordenação prevista no art. 26.º/1/a) do DL 165/2013, contrariamente ao decidido na douta Sentença recorrida – cfr. n.ºs 14 e segs. do texto das presentes Alegações; VIII. Em primeiro lugar, conforme referido no n.º 17 do texto e na Conclusão IV do recurso da ora Recorrente para o Tribunal a quo, na decisão administrativa nunca se indica nem demonstra qual teria que ser o valor das reservas legais, face aos critérios fixados no art. 9.º do DL 165/2013, e o mesmo se verifica na douta Sentença recorrida, pelo que nunca se poderiam considerar violados os arts. 8.º e 9.º do DL 165/2013 e, consequentemente, verificada a contraordenação prevista no respetivo art. 26.º/1/a) – cfr. n.ºs 18 e segs. do texto das presentes Alegações; IX. Com efeito, conforme decorre da alínea a) do n.º 1 do art. 26.º do DL 165/2013, que remete para os arts. 8.º e 9.º do mesmo diploma, o tipo contraordenacional em causa corresponde ao incumprimento da obrigação de manter reservas de segurança nas quantidades estabelecidas naquele art. 9.º, ou seja, “correspondentes a 90 dias do consumo médio diário no ano anterior”, sendo “expressas, para cada categoria, em dias de quantidade média diária, contabilizadas em massa, dos produtos que os operadores obrigados tenham introduzido no mercado nacional no ano civil anterior” (v. n.ºs 1 e 2 do referido art. 9.º do DL 165/2013) – cfr. n.ºs 18 e segs. do texto das presentes Alegações; X. Assim sendo, não se pode acompanhar a douta Sentença recorrida quando refere que não era “…necessário no auto de notícia fazer-se referência ao valor das reservas legais, por não ser esse o indicador em causa…” (sublinhado e sombreado nosso – v. pág. 11 da Sentença recorrida), pois esse é o elemento do tipo contraordenacional ou o pressuposto legal do incumprimento imputado – cfr. n.ºs 18 e segs. Do texto das presentes Alegações; XI. E, consequentemente, também não se pode acompanhar a douta Sentença recorrida quando, sem estar provado qual seria o valor dessas reservas legais a que a Recorrente estaria obrigada a manter, face ao disposto no art. 9.º do DL 165/2013, mantem a condenação da ora Recorrente pelo alegado não cumprimento dessa obrigação – cfr. n.ºs 18 e segs. do texto das presentes Alegações; XII. Com efeito, face à inexistência daquela factualidade necessária para considerar verificada a contraordenação (e que não cabia à ora Recorrente contraprovar, quando não invocada), o Tribunal a quo deveria ter julgado verificada a nulidade da decisão administrativa e arquivados os autos, conforme invocado no n.º 17 do texto e na Conclusão IV do recurso da ora Recorrente para o Tribunal a quo, mas erradamente considerado improcedente na douta Sentença recorrida, como decorre do que consta na pág. 11 da mesma (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09.11.2022, Proc. n.º 1004/22.8T9AVR.P1, e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 26.01.2021, Proc. 696/18.7T8EVR.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt) – cfr. n.ºs 18 e segs. do texto das presentes Alegações; XIII. Em segundo lugar, verifica-se que na douta Sentença recorrida, para se manter a decisão administrativa, criou-se uma norma nova, que não existe, violando-se frontalmente os princípios da legalidade e da tipicidade, previstos nos arts. 1.º e 2.º do RGCO (cfr. art. 29.º/1 da CRP) – cfr. n.ºs 20 e segs. do texto das presentes Alegações; XIV. Com efeito, conforme acima referido, à semelhança do que havia feito a Entidade Administrativa, a douta Sentença recorrida, para considerar verificada a contraordenação, limitou-se a considerar a diferença entre os valores que haviam sido indicados pelos serviços da Recorrente à entidade administrativa, no final do mês de ..., relativamente a reservas que ia dispor no mês de março seguinte em todas as suas várias instalações com reservas, e as quantidades existentes em alguns dias desse mês de ... numa dessas instalações – cfr. n.ºs 20 e segs. do texto das presentes Alegações; XV. Ora, o art. 9.º do DL 165/2013, para que remete o respetivo art. 26.º/1/a), não se refere aos valores de reservas que o operador indica, no mês anterior, que vai dispor no mês seguinte, mas sim ao valor correspondente “a 90 dias do consumo médio diário no ano anterior”, pelo que, o decidido na douta Sentença recorrida não tem a mínima correspondência com as normas legais aplicáveis, que são, assim, violadas – cfr. n.ºs 20 e segs. do texto das presentes Alegações; XVI. Por outro lado, conforme acima referido, perante o facto de (i) a entidade administrativa apenas ter inspecionado uma das instalações da Recorrente (designada de “...”), quando a mesma dispõe e indica àquela entidade várias outras instalações, e (ii) ter resultado provado que na totalidade dessas instalações existiam quantidades de gás propano e gás butano no valor correspondente à totalidade dos valores indicados à ENSE, na douta Sentença recorrida considera-se que a “obrigação se refere a cada um dos reservatórios” (sublinhado e sombreado nosso – v. pág. 11 da Sentença recorrida) – cfr. n.ºs 20 e segs. do texto das presentes Alegações; XVII. Ou seja, além de na douta Sentença recorrida não se considerar necessário aferir quais eram as quantidades das reservas a que Recorrente estava legalmente obrigada, quando é o que prevê a lei naqueles arts. 9.º e 26.º/1/a) do DL 165/2013, considerou-se, ainda, na douta Sentença recorrida que a “obrigação se refere a cada um dos reservatórios”, quando nada disso consta na lei (v. arts. 8.º, 9.º e 26.º/1/a) do DL 165/2013), não existindo qualquer correspondência entre a construção normativa criada na Sentença recorrida e o que consta das normas legais com o tipo contraordenacional (arts. 8.º, 9.º e 26.º/1/a) do DL 165/2013) – cfr. n.ºs 20 e segs. do texto das presentes Alegações; XVIII. Tendo-se criado na douta Sentença recorrida, para manter a condenação da Recorrente, uma nova norma legal, que não existe, em frontal violação dos princípios da legalidade e tipicidade, como decorre dos arts.1.º e 2.º da RGCO e da doutrina e jurisprudência acima indicadas – cfr. n.ºs 20 e segs. do texto das presentes Alegações; XIX. Com efeito, sem conceder quanto ao que se refere na douta Sentença recorrida a título de ratio legis, verifica-se que na mesma se constrói uma nova regra, o que, no mínimo, corresponde a recurso à analogia (cfr. art. 10.º do C. Civil), sendo que, conforme referido na jurisprudência acima indicada, maxime o douto Acórdão dessa Relação, de 22.10.2024 (Proc. 1323/23.6Y4LSB.L1-5), em processo contraordenacional não é admissível o recurso à analogia, como se fez na douta Sentença recorrida, que, assim, violou, além do mais, os arts. 1.º e 2.º do RGCO – cfr. n.ºs 20 e segs. do texto das presentes Alegações; XX. Em terceiro lugar, correlacionado com o acima referido, na douta Sentença recorrida parece confundir-se a obrigação de informação com a obrigação de constituição e manutenção de reservas, quando se trata de obrigações distintas, tratadas de forma distinta no DL 165/2013, nomeadamente quanto ao montante da coima aplicável, sendo que não se concede que a ora Recorrente não tenha cumprido qualquer uma daquelas obrigações (v. alínea b. do n.º 1 do art. 26.º do DL 165/2013 e respetivo art. 24.º, quanto a obrigações de informação, que não é o aqui imputado; cfr. alínea a. do n.º 1 do art. 26.º do DL 165/2012, em que se prevê a contraordenação aqui imputada) – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações; XXI. Em quarto lugar, sem prejuízo do acima exposto, resulta dos arts. 8.º e 9.º do DL 165/2013, para os quais remete o art. 26.º/1/a) do DL 165/2013, que os mesmos se reportam a quantidades globais de reservas e não a quantidades por localizações, não existindo qualquer base legal que permita concluir, como na douta Sentença recorrida, que a “obrigação se refere a cada um dos reservatórios” (sublinhado e sombreado nosso – v. pág. 11 da Sentença recorrida) – cfr. n.ºs 24 e segs. do texto das presentes Alegações; XXII. Assim sendo, contrariamente ao decidido na douta Sentença recorrida, a factualidade imputada pela Entidade Administrativa, relativa a reservas apenas em uma das instalações indicadas pela Recorrente (a “...” de ...), nunca poderia determinar que se concluísse que foram violados os arts. 8.º e/ou 9.º do DL 165/2013, que não contêm qualquer referência a localizações, ou que pudesse ser aplicável a punição prevista no art. 26.º/1/a) do mesmo diploma, que também não faz referência a localizações, mas sim a reservas globais do Operador – cfr. n.ºs 24 e segs. do texto das presentes Alegações – cfr. n.ºs 24 e segs. do texto das presentes Alegações; XXIII. Com efeito, também por esta razão, imputar à Recorrente a alegada prática de contraordenação por alegada não manutenção das “existências de gás Butano e Propano”, “nas instalações da ...” (ou seja, apenas umas das localizações em que a Recorrente disponha de reservas), viola frontalmente os princípios da tipicidade e da legalidade e o disposto nos arts. 32.º da CRP e 1º e 2.º do RGCO, pois tal situação não está compreendida no tipo contraordenacional dos arts. 8.º, 9.º e 26.º do DL 165/2013 (cuja violação foi invocada pela entidade administrativa e pela Sentença recorrida para aplicar a coima em causa à ora Recorrente), dado que aqueles preceitos não se reportam a localizações, mas sim a reservas globais – cfr. n.ºs 24 e segs. do texto das presentes Alegações; XXIV. Em sexto lugar, sublinhe-se que, conforme resultou provado, a globalidade das reservas que a ora Recorrente dispunha nas datas em causa, na totalidade das instalações indicadas à ENSE, era superior ao valor de reservas indicado à ENSE, para esse período, pelo que também por esta razão, não se verifica qualquer violação dos arts. 8.º ou 9.º do DL 165/2013 (com a punição do 26.º/1/a) do mesmo DL) – cfr. n.ºs 25 e segs. do texto das presentes Alegações; XXV. Com efeito, conforme resulta dos n.ºs 6 e 10 a 12 dos factos provados na douta Sentença recorrida, para efeitos de reservas a Recorrente não indicou à ENSE apenas as instalações ..., mas também outras instalações (que não foram verificadas pela ENSE na ação inspetiva), sendo que, na totalidade dessas instalações indicadas à ENSE para efeitos de reservas, existiam quantidades globais de gás propano e de gás butano superiores às reservas indicadas à ENSE, não existindo, assim, também, qualquer violação dos arts. 8.º ou 9.º do DL 165/2013 (punida pelo 26.º/1/a DL 165/2013) – cfr. n.ºs 25 e segs. do texto das presentes Alegações; XXVI. Face a tudo o acima exposto, a douta Sentença recorrida, ao manter a condenação da ora Recorrente, enferma de erros de julgamento, tendo violado os arts. 1.º e 2.º do RGCO e os arts. 8.º, 9.º e 26.º/1/a) do DL 165/2013 – cfr. n.ºs 13 e segs. do texto das presentes Alegações; - Imputação subjetiva XXVII. Sem prejuízo de tudo o acima exposto, que determina a procedência do presente Recurso e a revogação da douta Sentença recorrida, mesmo que se verificasse o preenchimento do tipo contraordenacional - o que não se concede -, sempre se verificaria a inexistência de culpa da Recorrente, enfermando a douta Sentença recorrida de erros de julgamento, também neste ponto – cfr. n.ºs 27 e segs. do texto das presentes Alegações; XXVIII. Com efeito, conforme consta nos n.ºs 7 e 13 a 14 dos factos provados: - “O período em questão coincidiu com o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, o qual teve impactos ao nível de combustíveis onde se incluiu o gás”; - “O início da guerra na Ucrânia determinou um aumento exponencial e abrupto da procura deste produto”; - “A declaração das reservas é efectuada no mês anterior” e - “A sociedade recorrente encetou diversas diligências junto de operadores nacionais e internacionais no sentido da obtenção de mais reservas, o que se revelou impossível dado que a vivência dos efeitos do referido conflito afectou igualmente os mesmos” (sombreados e sublinhados nossos) – cfr. n.ºs 27 e segs. do texto das presentes Alegações; XXIX. O período aqui em causa corresponde aos dias imediatamente a seguir ao início da guerra na Ucrânia, que provocou, nesses dias iniciais, uma disrupção abruta nos mercados internacionais dos combustíveis em causa (no caso, GPL, ou seja gás propano e gás butano), com corrida internacional aos mesmos e fenómenos de açambarcamento internacional, sendo que, conforme se encontra provado, a Recorrente “encetou diversas diligências junto de operadores nacionais e internacionais no sentido da obtenção de mais reservas, o que se revelou impossível”, face ao que se vivenciou naqueles dias do início do conflito – cfr. n.ºs 27 e segs. do texto das presentes Alegações; XXX. Face a esta factualidade provada, não se vislumbra como se possa entender que a Recorrente tenha agido com “falta do cuidado devido” ou que tenha agido com uma “atitude de descuido ou leviandade”, o que, conforme a jurisprudência e doutrina acima transcritas, é pressuposto para a existência do elemento subjetivo contraordenacional, a culpa, que aqui, claramente, não existe, o que impunha que não se considerasse verificada contraordenação – cfr. n.ºs 27 e segs. do texto das presentes Alegações; XXXI. Estava-se, claramente, perante um caso de força maior, sendo que, o facto de não ter sido emitida a Portaria prevista no art. 23.º do DL 165/2013, não pode levar a que se considere não verificada esta circunstância, sob pena de se transformar a responsabilidade contraordenacional em responsabilidade objetiva, em violação do art. 8.º do RGCO (tudo sem conceder que a Recorrente não tivesse constituído e mantido as reservas legais a que estava obrigada) – cfr. n.ºs 27 e segs. do texto das presentes Alegações; XXXII. Note-se ainda, que, na douta Sentença recorrida considerou-se provada a factualidade referida acima na Conclusão XXVIII (n.ºs 7 e 13 a 15 dos factos provados), no entanto, em sede de fundamentação de direito, não se relevaram os mesmos, considerando a Sentença um cenário em que já se estaria em plena guerra, transcrevendo a esse respeito o trecho da decisão administrativa em que se refere que “por força da existência de tal conflito, a probabilidade de urgência na utilização das reservas aumenta exponencialmente, face ao maior risco daí adveniente” (v. págs. 12 e 13), quando o caso em apreço não se refere a um período em que já se estivesse em pleno conflito - o circunstancialismo específico do caso sub judice decorre de estarmos nos dias iniciais daquela guerra e não nos meses posteriores, pois foi nestes dias iniciais que se verificou uma situação totalmente inesperada, não só de início do conflito, mas também de reação do mercado internacional de combustíveis – cfr. n.ºs 27 e segs. do texto das presentes Alegações; XXXIII. Além disso, neste trecho da douta Sentença recorrida, relativo à imputação subjetiva, refere-se, transcrevendo a decisão administrativa, que “não se pode admitir que a sociedade arguida se estribe na existência de uma situação de força maior, como o início de um conflito na Europa entre a Rússia e a Ucrânia, para justificar a necessidade de movimentação do produto (…)” (v. pág. 12 – sombreado nosso), quando, além de a Recorrente nunca ter invocado “a necessidade de movimentação do produto”, nas págs. 2 e 3 da Sentença, em sede de questões prévias, se decidiu que esse facto relativo a pretensa, mas não provada (ou previamente invocada), movimentação das reservas não pode ser “tido em consideração” – cfr. n.ºs 27 e segs. Do texto das presentes Alegações; XXXIV. Finalmente, sem conceder que estivessem em causa obrigações de informação (e não de constituição de reservas), note-se que a informação sobre as reservas foi prestada em ..., a guerra na Ucrânia iniciou-se em 24 fevereiro e aqui está em causa o mês de março, ou seja, tudo datas extremamente próximas, sendo ainda de sublinhar que, conforme consta no n.º 1 dos factos provados, o período analisado iniciou-se em 1 de janeiro de 2022, não tendo sido imputada qualquer alegada inconformidade nos meses anteriores a março, mês correspondente ao início da guerra na Ucrânia – cfr. n.ºs 27 e segs. Do texto das presentes Alegações; XXXV. Face ao exposto, sem prejuízo do demais acima referido, face às circunstâncias do caso em apreço, não se verifica o requisito da culpa exigido pelo art. 8.º do RGCO, enfermando a douta Sentença recorrida de erros de julgamento ao decidir em sentido contrário – cfr. n.ºs 27 e segs. do texto das presentes Alegações; XXXVI. Por último, sem conceder minimamente, que tivesse sido praticada alguma contraordenação, face à inexistência de culpa da Recorrente e ao facto de não se estar perante uma situação de incumprimento da obrigação de constituição de reservas, a aplicar-se alguma sanção – o que não se concede, repita-se -, nunca a mesma deveria superior a admoestação, enfermando a douta Sentença recorrida de erros de julgamento também nesta parte, tendo violado o art. 51.º/1 do RGCO (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27.06.2012, Proc. 49/12.0TCBVL.C1, disponível em www.dgsi.pt) – cfr. n.ºs 35 e segs. Do texto das presentes Alegações; Nestes termos, pelos motivos expostos, requer-se a V. Exas. que seja julgado procedente o presente Recurso e, consequentemente, seja a Sentença recorrida revogada e a Decisão impugnada/recorrida anulada ou revogada e o presente processo contraordenacional arquivado, ou, caso assim não se entenda, o que não se concede minimamente, aplicada sanção de mera admoestação, Como é de Lei e de Justiça! (…)
*
O recurso foi admitido, nos termos do despacho proferido em 21/11/2024, com os efeitos de subir nos próprios autos, imediatamente, e com efeito suspensivo, ao abrigo do disposto nos artigos 73º e 74º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.
*
I.3 Resposta ao recurso
Efectuada a legal notificação, o Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso interposto pela arguida, pugnando pela sua improcedência, mas não apresentando conclusões.
*
I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância a Exma. Procuradora-Geral Adjunta não emitiu parecer, limitando-se a apor “visto”.
*
I.6 Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
O objecto e o limite de um recurso são definidos pelas conclusões que a recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas.
No caso dos autos, atenta a sua especial natureza, o presente recurso conhece desde logo a limitação que decorre do disposto nos arts. 75º nº1 e 41º nº1 do RGCO (DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, sucessivamente alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro), e que se traduz exactamente na circunstância de o respectivo âmbito ser restrito à matéria de direito.
Tal limite, contudo, não prejudica o conhecimento pelo tribunal de recurso das questões que importe conhecer, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são designadamente os vícios da sentença previstos no art. 379º ou no art. 410º nº2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995).
Portanto, mesmo restringindo–se a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, não está o tribunal de recurso impedido de conhecer dos vícios referidos no art. 410º nº2 do Código de Processo Penal (desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum), podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, cfr. art. 410º nº3 do Cód. de Processo Penal.
Ainda no que respeita à amplitude das questões que podem ser suscitadas pelo recorrente, haverá que ter em consideração também o decidido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 3/2019, de 02/07/2019, de acordo com o qual se determina que «Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1.ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa».
*
II.2- Apreciação do recurso
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões decidendas a apreciar são as seguintes:
a) De saber se se verifica na Sentença recorrida algum dos vícios previstos no art. 410º nº2 do Cód. de Processo Penal.
b) Do não preenchimento dos elementos objectivos da contraordenação prevista no art. 26.º nº1 al.a) do D.L. 165/2013 de 16 de Dezembro
c) Do não preenchimento dos elementos subjectivos da contraordenação prevista no art. 26.º nº1 al.a) do D.L. 165/2013 de 16 de Dezembro
d) Da aplicação da pena de admoestação
Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem – isto é, de forma a que, por via da sucessiva apreciação de cada uma, se vá alcançando, na medida do necessário, um progressivo saneamento processual que permita a clarificação do objecto das seguintes.
Vejamos.
II.3 - Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objecto de recurso]:
a. É a seguinte a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal em 1ª Instância : (…) Dão-se como provados os seguintes factos que têm interesse para a decisão da presente causa: 1. No dia ... de ... de 2022, pelas 16h45 foi efectuada uma fiscalização das reservas de segurança reportadas, como colocadas nas instalações, no ..., sito na ..., concelho de ..., distrito de ..., onde foram solicitados os dados relativos às existências, de todos os operadores com produto armazenado, no hiato temporal compreendido entre 1 de Janeiro de 2022 e aquela data, ... de ... de 2022. 2. A sociedade recorrente havia comunicado à ENSE que seriam mantidas nas instalações da ..., como reservas de segurança para o mês de Março, 250t de gás butano e 500t de gás propano. 3. Relativamente à sociedade recorrente e naquelas instalações existia gás Propano nas quantidades de 475,292t, 360t, 749t, 349,809t, 349,809t, 278,569t, entre os dias .../.../2022 e .../.../2022, inclusive, respectivamente e nos dias .../.../2022 e .../.../2022, existia 472,99t e 411,393t. 4. Relativamente à sociedade recorrente e naquelas instalações existia gás Butano na quantidade de 225,519t. 5. Relativamente à sociedade recorrente e naquelas instalações, no que respeita à soma de gás Propano e gás Butano, existia as quantidades de 672,593t, 661,653t, 718,774t, 619,044t entre os dias .../.../2022 e .../.../2022, respectivamente, e 690,889t no dia .../.../2022. 6. A sociedade arguida dispunha das quantidades de gás noutras localizações que não as instalações da .... 7. O período em questão coincidiu com o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, o qual teve impactos ao nível de combustíveis onde se incluiu o gás. 8. A sociedade arguida, ao estar obrigada a constituir reservas de gás, nos termos legais, tinha conhecimento da obrigação de prestar à ENSE toda a informação necessária para o efeito, bem como de as manter, nos locais por si indicados, durante os períodos em questão. 9. No entanto, a sociedade arguida deixou de ter as reservas nas quantidades declaradas como reservas disponíveis nas instalações da ..., deixando de as ter na disponibilidade, em caso de necessidade para o Estado Português, consequência adequada e previsível da sua conduta, agindo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a conduta era proibida e punida por lei, ainda que não se conformando com os resultados advenientes da conduta. 10. A sociedade recorrente, para efeitos de reservas de segurança, indicou à ENSE as instalações de “...”, “...”, “...” e “...” e “Reservas constituídas junto da ENSE”. 11. O valor global das reservas de segurança indicado no mês de ... para as referidas instalações “...”, “...” - propriedade ou geridas pela recorrente - foi de 1450,00 ton, sendo que as mesmas apresentaram, na globalidade, nas datas supra indicadas, valores superiores a 1450,00. 12. A estes valores acrescem os valores das reservas de segurança indicadas à ENSE, os contratados à “...” - 1000,00 ton - à “...” - 3289,460 ton - e as reservas constituídas junto da ENSE - 12.225,049 ton. 13. O início da guerra na Ucrânia determinou um aumento exponencial e abrupto da procura deste produto. 14. A declaração das reservas é efectuada no mês anterior. 15. A sociedade recorrente encetou diversas diligências junto de operadores nacionais e internacionais no sentido da obtenção de mais reservas, o que se revelou impossível dado que a vivência dos efeitos do referido conflito afectou igualmente os mesmos. (…)
*
b. É como segue o enquadramento jurídico–penal dos factos que vem efectuado pelo tribunal em 1.ª Instância : (…) Da contra-ordenação Foi a arguida, pela decisão da entidade administrativa condenada pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelos artigos 8º e 26º, nº1 do Decreto Lei nº 165/2013 de 16 de Dezembro (que transpõe a Directiva nº 2009/119/CE do Conselho, de 14 de Setembro de 2009), devido à não manutenção, nas instalações da ..., das existências de reservas de gás butano e propano declaradas à ENSE, E.P.E.. Refere o primeiro preceito mencionado que: “1. Os operadores obrigados estão sujeitos à obrigação de constituição e manutenção de reservas de segurança de produtos de petróleo das seguintes categorias: (…) c) Categoria C, que integra, entre outros, os fuelóleos, correspondentes aos códigos NC 27.10.19.51 a NC 27.10.19.68 (sem biodiesel) e NC 27.10.20.31 a NC 27.10.20.39 (com biodiesel) e o GPL, correspondente aos códigos NC 27.11.12 e 27.11.13. 2. Caso a introdução no mercado nacional seja efetuada por um operador mas por conta de outrem, a obrigação prevista no número anterior recai sobre o operador por conta de quem a introdução no mercado nacional é feita, que é considerado, para efeitos do disposto no presente decreto-lei, como operador obrigado”. Após, refere o artigo 26º do mesmo Decreto-Lei: “1. Constitui contraordenação, punível com coima: a) De 20 000,00 EUR a 44 891,00 EUR, no caso de pessoas coletivas, e de 1 500,00 EUR a 3 740,00 EUR, no caso de pessoas singulares, o incumprimento pelos operadores obrigados da obrigação, prevista no artigo 8.º, de constituir e manter reservas de segurança nas quantidades estabelecidas no artigo 9.º; (…) 2. A negligência é punível, sendo os limites mínimos e máximos das coimas reduzidos para metade”. Refere o mencionado artigo 9º que: “1. As quantidades mínimas de reservas de segurança a que se encontram sujeitos os operadores obrigados relativamente às categorias de produtos referidas no nº 1 do artigo anterior correspondem a 90 dias do consumo médio diário no ano anterior. 2. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as quantidades de reservas de segurança são expressas, para cada categoria, em dias de quantidade média diária, contabilizadas em massa, dos produtos que os operadores obrigados tenham introduzido no mercado nacional no ano civil anterior. 3. As introduções no mercado nacional a considerar no período de 1 de janeiro a 31 de março de cada ano civil são as do penúltimo ano civil que precede o ano civil de referência”. * Posto isto, verifica-se, através da leitura da norma mencionada que a imputação objectiva consiste no incumprimento, por parte dos operadores, da obrigação prevista no transcrito artigo 8º, ou seja, de manter a reserva de segurança, neste caso, de GPL. As normas mencionadas não referem se essa obrigação se refere a cada um dos reservatórios ou à totalidade dos mesmos, por ser notório e, assim, desnecessário para a percepção da norma legal; de facto, a leitura integral do Decreto-Lei e, além do mais e desde logo, a ratio legis deste Diploma Legal e das normas mencionadas em concreto, permite, de forma clara e manifesta, concluir que a obrigação se refere a cada um dos reservatórios. Note-se que a declaração da quantidade do valor de reserva foi feita, precisamente, para cada um dos reservatórios, designadamente, para o apreço em aqui nos autos, ..., só assim tendo sido possível concluir, pela entidade administrativa, que naquele local em concreto não existia o valor que havia sido declarado nas datas indicadas. [Pelo que não seria igualmente necessário no auto de notícia fazer-se referência ao valor das reservas legais, por não ser esse o indicador em causa, não se verificando assim igualmente a nulidade invocada nesse sentido]. Conforme se refere no Decreto-Lei que vem sendo mencionado, no seu artigo 21º, nº1, “as reservas de segurança devem estar permanentemente disponíveis para utilização, não podendo esta ser limitada por qualquer meio devendo ainda estar acessíveis para identificação, contabilização e controlo pelas autoridades competentes em qualquer momento”. Explica a entidade administrativa, na sua decisão, o que está em causa é “o exercício de uma função de soberania, pois o Estado Português, precisamente em situações de escassez ou de urgência na utilização, tem de ter acesso imediato aos combustíveis e saber, com precisão, onde os mesmos se encontram, para os poder utilizar”. Posto isto, é claro que a arguida recorrente tinha a obrigação de manter, naquele local em concreto, o valor que havia declarado, o que não fez nas datas indicadas, pelo que, não tendo naquele período sido suspensos ou alterados os termos desta obrigação - conforme permite o artigo 23º do Decreto Lei nº 165/2013 de 16 de Dezembro, considerando o disposto na decisão administrativa, bem como os factos dados como provados na presente decisão, não há dúvidas que bem andou aquela decisão, atento o agora exposto, em, considerar preenchido o tipo objectivo de da contraordenação em causa nos autos. * Relativamente ao elemento subjectivo refere a decisão da entidade administrativa que “apesar de saber tudo isto, a sociedade arguida (…) não mantinha, nos dias referidos, quantidades de gás suficientes para constituir as reservas por si declaradas como existentes, e na disponibilidade do Estado Português, nas instalações da ..., assim colocando em causa a intenção legal em dar conhecimento da sua existência para fins de disponibilidade, à ENSE, o que era consequência adequada e previsível da sua conduta o que veio a acontecer. A sociedade arguida agiu assim, através dos seus representantes legais, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, embora não existam elementos nos autos que permitam concluir que se conformou com os resultados daí advenientes, pelo que se conclui que a sua conduta foi, pelo menos negligente”, o que foi também considerado como provado na presente decisão pelos motivos já expostos. Vejamos. Estando fora da equação a verificação de um comportamento doloso – com o que se concorda, uma vez que não resultou provada essa intenção – cumpre apreciar se se verifica, ou não, um comportamento negligente. Começando pelo conceito de negligência, tem-se em atenção que, de acordo com o disposto no artigo 15º do Código Penal, aplicável por força do artigo 32º do RGCO, considera-se que age com negligência quem não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, o que tem como consequência a realização do facto proibido por lei. Ora, no presente caso, resultou provado, desde logo que a sociedade arguida, ao estar obrigada a constituir reservas de gás, nos termos legais, tinha conhecimento da obrigação de prestar à ENSE toda a informação necessária para o efeito, bem como de as manter, nos locais por si indicados, durante os períodos em questão. Sucede que, conforme resultou provado, a sociedade arguida deixou de ter as reservas nas quantidades declaradas como reservas disponíveis nas instalações da ..., deixando de as ter na disponibilidade, em caso de necessidade para o Estado Português, consequência adequada e previsível da sua conduta, agindo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a conduta era proibida e punida por lei, ainda que não se conformando com os resultados advenientes da conduta. O facto alegado pela defesa, de ter sido um período anormal, devido ao início da guerra entre a Ucrânia e a Rússia que, conforme resultou provado, determinou um aumento exponencial e abrupto da procura deste produto - e inesperado, considerado-se que resultou igualmente provado que a declaração das reservas é efectuada no mês anterior - não exclui esta obrigação de manter as reservas de segurança, sendo precisamente a obrigação da sociedade arguida manter essas reservas mesmo em situações excepcionais. Conforme bem se explica na decisão administrativa “não se pode admitir que a sociedade arguida se estribe na existência de uma situação de força maior, como o início de um conflito na Europa entre a Rússia e a Ucrânia, para justificar a necessidade de movimentação do produto, uma vez que, por força da existência de tal conflito, a probabilidade de urgência na utilização das reservas aumenta exponencialmente, face ao maior risco daí adveniente”. Assim, face a tudo o exposto e à definição de negligência supra apresentada, acompanha-se a decisão recorrida quando refere que a arguida actuou com negligência aquando da verificação da contra-ordenação em causa. * Refira-se ainda que o artigo 7º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, no seu nº 1, refere, que “as coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas, bem como às associações sem personalidade jurídica”, sendo que as pessoas colectivas são responsáveis pelas contraordenações, independentemente da identificação da pessoa responsável pela sua prática. *** Face a tudo o exposto, considera-se que a arguida incorreu na prática da contraordenação prevista e punida pelos artigos 8º e 26º, nº1 do Decreto Lei nº 165/2013 de 16 de Dezembro, tal como consta da decisão da entidade administrativa, posteriormente recorrida. *** (…)
»
II.4- Apreciemos, então, as questões a decidir.
a) De saber se se verifica na Sentença recorrida algum dos vícios previstos no art. 410º nº2 do Cód. de Processo Penal.
Estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido art. 410.º, cuja indagação, como resulta imposto do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.
Nesta parte importa considerar quanto respeita à arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido art. 410º – a designada impugnação restrita da matéria de facto.
Assim, estabelece a disposição em causa que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum :
a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ;
b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ;
c) o erro notório na apreciação da prova.
Saliente-se que, como acima já se enunciou, em qualquer das apontadas hipóteses, qualquer dos vícios deverá traduzir–se em falhas que hão-de resultar da própria leitura da decisão devendo ser patentes e perceptíveis à leitura do restrito teor da decisão, revelando juízos ilógicos ou contraditórios. Assumem–se, pois, como erros de lógica intrínsecos na construção da sentença, a relevar da contextualização interna da estrutura da mesma, ainda que congraçada com as regras ou máximas da experiência comum, entendidas estas como o regular, normal e adquirido vivenciar do homem, histórico-socialmente situado.
Cumpre realçar que não sustenta a configuração de tais vícios, o esgrimir de argumentos opinativos quanto ao mérito do julgamento de facto a que o tribunal chegou e que verteu no texto da decisão, nem a mera crítica ao processo formativo cognitivo–racional que sustentou uma tal apreciação factual ou valoração probatória – a menos que ofendam em tal grau o senso comum que por isso não viabilizem sequer a validação do acto de julgamento efectuado.
Vejamos um desses vícios: A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício reporta-se à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não com a falta de prova para a decisão da matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
Este só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se concluir faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorreta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada (vd.Ac.STJ de 12/04/2018, proc. 140/15.1T9FNC.L1.S1).
Trata-se de uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, de um “vício de confecção da matéria de facto”, (…) impeditivo de bem se decidir , tanto no plano objectivo como subjectivo, o julgador quedou-se por uma investigação lacunar, deixou de indagar factos essenciais à decisão de direito, figurando na acusação, defesa ou resultantes da decisão da causa, impedindo de bem decidir no plano do direito, comprometendo a conclusão final do silogismo judiciário”.(vd.Ac.STJ de 28/09/2023, proc. 24/19.4PBPTM.E1.S1).
Ora, resulta dos factos provados: “2. A sociedade recorrente havia comunicado à ENSE que seriam mantidas nas instalações da ..., como reservas de segurança para o mês de Março, 250t de gás butano e 500t de gás propano. 3. Relativamente à sociedade recorrente e naquelas instalações existia gás Propano nas quantidades de 475,292t, 360t, 749t, 349,809t, 349,809t, 278,569t, entre os dias .../.../2022 e .../.../2022, inclusive, respectivamente e nos dias .../.../2022 e .../.../2022, existia 472,99t e 411,393t. 4. Relativamente à sociedade recorrente e naquelas instalações existia gás Butano na quantidade de 225,519t. 5. Relativamente à sociedade recorrente e naquelas instalações, no que respeita à soma de gás Propano e gás Butano, existia as quantidades de 672,593t, 661,653t, 718,774t, 619,044t entre os dias .../.../2022 e .../.../2022, respectivamente, e 690,889t no dia .../.../2022.”
O tribunal a quo manteve a decisão administrativa, mantendo-se a condenação da arguida, AA, no pagamento de uma coima no montante de € 10.000,00, devido à prática da contraordenação prevista e punida pelos artigos 8º e 26º, nº1 do Decreto Lei nº 165/2013 de 16 de Dezembro;
Ora, no ponto 4 dos factos dados como provados não resulta a data em que tal aconteceu, sendo impossível qualquer compaginação entre os valores que ali se encontravam, e o valor que se lá deveria encontrar, não sendo descortinável do texto da decisão se tal tem relação com o ponto 2 dos factos provados. Torna-se evidente que a matéria de facto provada é insuficiente para a conclusão, pois não sendo cognoscível a data da conduta é impossível aferir se a mesma é ou não delituosa.
Seja como for, tal insuficiência é claramente suprível por este tribunal de recurso, ou seja, no presente caso e nesta parte em concreto, mostra–se viável a apreciação e decisão por parte desta instância, procedendo à correcção dos factos provados, por forma a sanar os apontados vícios.
Na verdade, decorre do disposto no art. 426º nº1 do Cód. de Processo Penal que a verificação dos vícios elencados no art. 410º nº2 do mesmo código só determina o reenvio do processo para novo julgamento (total ou parcial) em primeira instância quando «não for possível decidir a causa».
Tal questão foi invocada pela recorrente enquanto lapso material (o que não se afigura), mas a verdade é que, e tal como já se explicitou, isso não obsta ao seu conhecimento e reparação oficiosos, na medida do possível, de harmonia com o disposto nos arts. 410º nº2 al.a) e 426º nº1 a contrario, do Cód. de Processo Penal.
Desta forma, atento o auto de notícia, a decisão administrativa e os documentos que a suportam1, que indicam de forma clara a data em que não existia gás butano nas instalações da recorrente no valor da reserva de segurança, altera-se a matéria de facto dada como provada nos seguintes termos:
“4. Relativamente à sociedade recorrente e naquelas instalações, no dia .../.../2022, existia gás Butano na quantidade de 225,519t.”
b) Do não preenchimento dos elementos objectivos da contraordenação prevista no art. 26.º nº1 al.a) do D.L. 165/2013 de 16 de Dezembro
Sustenta a recorrente, em prolixas conclusões, a falta de preenchimento dos elementos objectivos da contraordenação prevista no art. 26.º nº1 al.a) do D.L. 165/2013 de 16 de Dezembro2, pela qual foi condenada.
O referido diploma, transpôs para o ordenamento jurídico português “a Diretiva n.º 2009/119/CE do Conselho, de 14 de setembro de 2009, que obriga os Estados-Membros a manterem um nível mínimo de reservas de petróleo bruto e/ou de produtos petrolíferos”.
Do seu preâmbulo resulta de forma expressa os fins visados pelo diploma referido, dali resultando, “A Diretiva n.º 2009/119/CE, do Conselho, de 14 de setembro de 2009, que obriga os Estados-Membros a manterem um nível mínimo de reservas de petróleo bruto e/ou de produtos petrolíferos, veio, entretanto, alterar a disciplina jurídica das reservas de segurança no âmbito da União Europeia, numa ótica de aproximação aos métodos de cálculo das obrigações de armazenamento e das reservas de segurança estabelecidos pela Agência Internacional de Energia (AIE), com o objetivo de (i) assegurar um nível elevado de segurança do aprovisionamento em petróleo na Comunidade, através de mecanismos fiáveis e transparentes assentes na solidariedade entre os Estados-Membros, (ii) manter um nível mínimo de reservas de petróleo bruto e de produtos de petrolíferos, bem como (iii) criar os meios processuais necessários para obviar a uma eventual escassez grave. Para tal, a Diretiva exige que os Estados-Membros garantam a disponibilidade e a acessibilidade física permanentes das reservas de segurança e estabeleçam dispositivos de identificação, contabilidade e controlo destas reservas de forma a permitir a sua verificação em qualquer momento. A Diretiva reforça ainda o papel das entidades centrais de armazenagem, qualificando-as como entidades sem fins lucrativos, que funcionam no interesse geral, limitando-se a recuperar os custos em que incorrem com a constituição e manutenção das reservas de produtos petrolíferos a seu cargo. Assim, o presente decreto-lei introduz as normas necessárias à plena transposição da Diretiva n.º 2009/119/CE, do Conselho, de 14 de setembro de 2009, em particular no que respeita ao acesso à informação no âmbito de inspeções e avaliações a realizar pela Comissão Europeia, à elaboração de um plano de intervenção contemplando as medidas a adotar para eliminar ou atenuar o impacto de uma perturbação grave do abastecimento, à manutenção de um registo permanentemente atualizado contendo a informação necessária ao controlo das reservas, bem como à clarificação do fim não lucrativo da entidade central de armazenagem nacional (atualmente, a EGREP, E.P.E.), à criação de condições para uma maior eficácia operacional desta entidade e ao reforço da cooperação internacional.”
Vejamos os normativos do referido diploma que importa destacar para o caso concreto.
No art.7º, sob a epigrafe “Obrigação de constituição e manutenção de reservas de segurança” é estabelecida a “A obrigação nacional de constituição e manutenção de reservas de segurança corresponde, no mínimo, ao equivalente a 90 dias de importações líquidas médias diárias de petróleo bruto e de produtos de petróleo do país no ano civil anterior.”
No art.2º al.k) resulta que reservas de segurança são “as reservas de petróleo bruto e de produtos de petróleo armazenadas com o fim de serem introduzidas no mercado quando expressamente determinado pelo membro do Governo responsável pela área da energia, para fazer face a situações de perturbação grave do abastecimento”.
Tais reservas de segurança são constituídas igualmente através de uma obrigação que impede sobre os operadores que introduzem produtos petrolíferos no mercado nacional, a qual se mostra estabelecida já desde o Decreto-Lei n.º 10/2001, de 23 de Janeiro, e que se mantém, conforme resulta do disposto no nº5 do art.7º que determina:
“5 - Os operadores obrigados e a ENMC, E.P.E., estão sujeitos à obrigação de assegurar a constituição e manutenção de reservas de segurança de petróleo bruto e de produtos de petróleo, nos termos e proporções previstos no presente decreto-lei.”
Assim, resulta do art.8º do diploma que analisamos, sob e epígrafe “Operadores obrigados3”, que:
“1 - Os operadores obrigados estão sujeitos à obrigação de constituição e manutenção de reservas de segurança de produtos de petróleo das seguintes categorias: a) Categoria A, que integra, entre outros, a gasolina para automóveis e a gasolina de aviação, correspondentes aos códigos NC 27.10.12.31 a NC 27.10.12.49 e demais nomenclaturas combinadas que venham a representar produtos desta categoria com incorporação de biocombustíveis; b) Categoria B, que integra, entre outros, os gasóleos e os petróleos de iluminação e de motores e carboreator tipo petróleo, correspondentes aos códigos NC 27.10.19.11 a NC 27.10.19.48 (sem biodiesel) e NC 27.10.20.11 a NC 27.10.20.19 (com biodiesel); c) Categoria C, que integra, entre outros, os fuelóleos, correspondentes aos códigos NC 27.10.19.51 a NC 27.10.19.68 (sem biodiesel) e NC 27.10.20.31 a NC 27.10.20.39 (com biodiesel) e o GPL, correspondente aos códigos NC 27.11.12 e 27.11.13. 2 - Caso a introdução no mercado nacional seja efetuada por um operador mas por conta de outrem, a obrigação prevista no número anterior recai sobre o operador por conta de quem a introdução no mercado nacional é feita, que é considerado, para efeitos do disposto no presente decreto-lei, como operador obrigado.”
No art.9º encontra-se o conteúdo da referida obrigação:
“Quantidades mínimas de reservas de segurança dos operadores obrigados 1 - As quantidades mínimas de reservas de segurança a que se encontram sujeitos os operadores obrigados relativamente às categorias de produtos referidas no n.º 1 do artigo anterior correspondem a 90 dias do consumo médio diário no ano anterior. 2 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as quantidades de reservas de segurança são expressas, para cada categoria, em dias de quantidade média diária, contabilizada em massa, dos produtos que os operadores obrigados tenham introduzido no mercado nacional no ano civil anterior. 3 - As introduções no mercado nacional a considerar no período de 1 de janeiro a 30 de junho de cada ano civil são as do penúltimo ano civil que o precedeu.”
Para além disso, os operadores obrigados encontram-se adstritos a um dever de informação, conforme decorre do art.24º:
“1 - Os operadores obrigados enviam à ENSE, E. P. E., até ao último dia útil de cada mês, as seguintes informações relativas às reservas a constituir no mês seguinte: a) Quantidades detidas em reservas, produto a produto; b) Localização, produto a produto, das reservas; c) Quantidades mantidas pelo próprio e quantidades contratadas com terceiros, incluindo, neste caso, a identificação destes terceiros e do contrato respetivo; d) Quantidades delegadas em terceiros, identificando estes terceiros e o respetivo contrato; e) [Revogada.] 2 - Os operadores obrigados devem submeter à ENSE, E. P. E., através do seu balcão único eletrónico, até ao dia 15 de cada mês, as quantidades introduzidas no mercado nacional no mês anterior, diretamente ou por interposta entidade. 3 - Por decisão da ENMC, E.P.E., podem ser estabelecidas outras obrigações de prestação de informação pelos operadores obrigados que sejam necessárias à monitorização das reservas de segurança. 4 - Para além das obrigações previstas nos números anteriores, os operadores obrigados devem ainda prestar à ENMC, E.P.E., informação relativa aos níveis das reservas comerciais por si detidas, em termos idênticos aos previstos no n.º 1. 5 - As informações referidas nos n.os 1 a 4 devem ser disponibilizadas pela ENSE, E. P. E., à DGEG, após a respetiva receção.”
Tal informação é processada pela ENSE, E.P.E., conforme decorre do art.25º, nos seguintes termos:
“Registo e resumo estatístico das reservas 1 - Compete à ENSE, E. P. E., manter um registo permanentemente atualizado das reservas de segurança, contendo a informação necessária ao respetivo controlo, designadamente a localização precisa da refinaria ou instalação de armazenamento em que se encontram as reservas, as respetivas quantidades, o respetivo titular e a composição das reservas, adotando, para o efeito, as categorias definidas na secção 3.4 do anexo A do Regulamento (CE) n.º 1099/2008, do Parlamento e do Conselho, de 22 outubro de 2008, relativo às estatísticas da energia. 2 - Compete à DGEG: a) Enviar à Comissão Europeia, até ao dia 25 de fevereiro de cada ano, um resumo do registo das reservas de segurança referido no número anterior, indicando as quantidades e a natureza das reservas incluídas respeitantes ao último dia do ano civil precedente; b) Enviar à Comissão Europeia, mensalmente, o resumo estatístico a que se refere o anexo IV ao presente decreto-lei, que dele faz parte integrante; c) Transmitir à Comissão Europeia, mensalmente, informação sobre o volume de reservas comerciais detidas em território nacional, com exceção dos dados relativos à localização das reservas e omitindo os nomes dos titulares dessas reservas. 3 - Os registos a que se referem os números anteriores devem ser conservados durante cinco anos.”
Determinante, na compreensão do intuito do presente diploma, o disposto no art.21º que determina uma inviolabilidade das referidas reservas de segurança:
“Disponibilidade das reservas de segurança 1 - As reservas de segurança devem estar permanentemente disponíveis para utilização, não podendo esta ser limitada por qualquer meio, devendo ainda estar acessíveis para identificação, contabilização e controlo pelas autoridades competentes em qualquer momento. 2 - No âmbito de inspeções e avaliações a realizar pela Comissão Europeia é assegurado o direito de consulta de todos os documentos e registos relativos às reservas de segurança, bem como o direito de acesso a todos os locais em que estas sejam mantidas, sendo salvaguardada a não divulgação de informações sigilosas recolhidas por esta via, designadamente a identidade dos proprietários das reservas.”
Sendo que as mesmas apenas podem ser utilizadas nos seguintes termos, conforme decorre do art.22º “Plano de intervenção e utilização das reservas de segurança
(...) 3 - A competência para autorizar ou para determinar o uso das reservas de segurança em caso de perturbação grave do abastecimento, bem como para impor limitações gerais ou específicas de consumo, nomeadamente pela atribuição prioritária de produtos petrolíferos a determinadas categorias de consumidores, é cometida ao membro do Governo responsável pela área da energia, tendo em consideração o interesse nacional, as obrigações assumidas em acordos internacionais e o definido no plano de intervenção. 4 - O disposto no número anterior não prejudica as ações decorrentes da necessidade de renovar os produtos para assegurar a manutenção da sua qualidade, ou de substituição dos mesmos em virtude de mudança de especificações legais que, transitoriamente, tornem indisponível uma fração das reservas. 5 - No caso de ocorrer uma perturbação grave do abastecimento, os operadores obrigados ficam sujeitos ao cumprimento das decisões relativas às reservas de segurança que forem tomadas pelo membro do Governo responsável pela área de energia, nos termos do n.º 3 e da legislação aplicável às situações de crise energética.” Em termos sancionatórios, resulta do presente diploma que no caso do operador obrigado não cumprir com a obrigação de constituir e manter as reservas de segurança fica sujeito à contraordenação prevista no nº1 al.a) do art.26º:
“a) De 20 000,00 EUR a 44 891,00 EUR, no caso de pessoas coletivas, e de 1 500,00 EUR a 3 740,00 EUR, no caso de pessoas singulares, o incumprimento pelos operadores obrigados da obrigação, prevista no artigo 8.º, de constituir e manter reservas de segurança nas quantidades estabelecidas no artigo 9.º;”
No caso de não cumprir com o dever de informação, incorre na contraordenação prevista na al.b) do citado normativo:
“b) De 2 500,00 EUR a 35 000,00 EUR, no caso de pessoas coletivas, e de 250,00 EUR a 3 740,00 EUR, no caso de pessoas singulares, o incumprimento pelos operadores obrigados das obrigações de comunicação previstas no artigo 10.º e de informação previstas no artigo 24.º”
Vejamos a argumentação do recorrente, face ao quadro legal acima previsto.
Sustenta aquele que não se poderia ter considerada preenchida a contraordenação pela qual foi condenado porquanto não seriam indicados nem se demonstra qual teria que ser o valor das reservas legais, face aos critérios fixados no art. 9.º, artigo esse, que como acima se mostra transcrito, determina o modo de cálculo da obrigação que impede sobre os operadores obrigados na constituição e manutenção das reservas.
Não lhe assiste qualquer razão, porquanto dos factos provados na sentença recorrida resulta no seu nº2 que a própria sociedade recorrente havia comunicado à ENSE que seriam mantidas nas instalações da ..., como reservas de segurança para o mês de Março, 250t de gás butano e 500t de gás propano (ou seja 750t de GPL), tendo efectuado tal comunicação ao abrigo do dever de informação previsto no art.24º.
Ora, a recorrente nunca sustentou que houvesse qualquer desconformidade ou erro nos valores comunicados como não sendo os que correspondiam às reservas de segurança que ali deveriam existir, apenas se escudando no facto de não serem indicados os valores que ali deveriam existir, calculados de acordo com o art.9º.
Como é evidente, da análise do referido art.9, conjugado com o art.18º e com a tabela III do referido diploma, que alude ao modo de cálculo, tal informação está na posse do operador obrigado, pelo que o mesmo ao cumprir o seu dever de informação está a assumir que aquele é o valor da reserva a que se encontra obrigado de manter, existindo equivalência entre a informação e o dever, salvo se a entidade administrativa entendesse que o valor comunicado não era o correcto ou se o próprio recorrente impugnasse os valores informados ou existentes.
Resultando dos factos provados que a recorrente comunicou tais valores, sem os colocar em causa, é inequívoco que os assume tais valores como os que resultam do cálculo previsto nos citados artigos, pelo que o valor comunicado é o mesmo do valor que estava obrigada a manter.
E não se diga, como parece pretender o recorrente, que ao sustentar-se tal se está a confundir o dever de informação com a obrigação de manter as reservas, pelo contrário.
O dever de informação encontra-se umbilicalmente ligado com o dever de manutenção de reservas, pois o que se pretende que seja comunicado é o valor (quantidade) da reserva, calculado de acordo com o disposto no art.9º, pelo que não existindo desconformidade entre os dois, a comunicação tem de equivaler ao que está em reserva, assim permitindo o controle por parte da entidade administrativa.
O argumento do recorrente que o valor correspondente “a 90 dias do consumo médio diário no ano anterior” não é o valor da reserva que indica, é apenas uma construção para escapar ao preenchimento da contraordenação, porquanto, salvo desconformidade nos cálculos (o que nunca foi alegado), as mesmas devem equivaler-se.
Não existe assim qualquer vício ou nulidade na sentença recorrida no que a tal argumentação diz respeito, nem interpretação analógica.
Invoca depois o recorrente que dos arts. 8.º e 9.º do presente diploma resulta que os mesmos se reportam a quantidades globais de reservas e não a quantidades por localizações, não existindo qualquer base legal que permita concluir, como na sentença recorrida, que a “obrigação se refere a cada um dos reservatórios”.
Sustenta a sentença em recurso “As normas mencionadas não referem se essa obrigação se refere a cada um dos reservatórios ou à totalidade dos mesmos, por ser notório e, assim, desnecessário para a percepção da norma legal; de facto, a leitura integral do Decreto-Lei e, além do mais e desde logo, a ratio legis deste Diploma Legal e das normas mencionadas em concreto, permite, de forma clara e manifesta, concluir que a obrigação se refere a cada um dos reservatórios. Note-se que a declaração da quantidade do valor de reserva foi feita, precisamente, para cada um dos reservatórios, designadamente, para o apreço em aqui nos autos, ..., só assim tendo sido possível concluir, pela entidade administrativa, que naquele local em concreto não existia o valor que havia sido declarado nas datas indicadas.”
Tal entendimento é totalmente acertado, porquanto da leitura do diploma no seu todo (não confundir tal com interpretação analógica4) perpassa de forma evidente que foi o propósito do legislador assegurar que a todo o tempo tivesse acesso a reservas de segurança de combustíveis, claramente identificados por localização e produto. Conforme se verifica do dever de informação já referido, é expressamente imposto aos operadores obrigados a indicação das reservas, em termos quantitativos, qualitativos e geográficos, bem como da titularidade, em obediência ao dever que a que Portugal se obrigou através da Directiva 2009/119/CE do Conselho de 14 de Setembro de 2009 e que previa “Cada Estado-Membro estabelece um registo pormenorizado e permanentemente actualizado de todas as reservas de segurança detidas por sua conta e que não constituam reservas específicas. Este registo contém, nomeadamente, informações que permitam localizar com precisão o depósito, a refinaria ou a instalação de armazenagem em que se encontram as reservas em questão, bem como as quantidades em causa, o proprietário e a natureza das reservas, de acordo com as categorias indicadas no primeiro parágrafo do ponto 3.1 do anexo C do Regulamento (CE) n.o 1099/2008.”
Como vimos acima, face à transposição para o nosso ordenamento jurídico, resulta do art.25º que compete à ENSE, E. P. E., manter um registo permanentemente atualizado das reservas de segurança, contendo a informação necessária ao respetivo controlo, designadamente a localização precisa da refinaria ou instalação de armazenamento em que se encontram as reservas, as respetivas quantidades, o respetivo titular e a composição das reservas.
Atente-se na expressão “localização precisa da refinaria ou instalação de armazenamento em que se encontram as reservas” para logo alcançar que bem andou a sentença recorrida ao considerar que a obrigação que impendia sobre a recorrente dizia respeito a cada um dos reservatório e não, como esta pretende, que a referência seria a reservas globais do operador obrigado.
Tal interpretação não tem qualquer apoio no texto legal (nunca se refere em qualquer parte valores globais), ou nas regras e princípios da hermenêutica jurídica.
Aliás, não se pode deixar de referir que a própria recorrente nunca teve tal entendimento, porquanto, resulta da prova dos autos, que a mesma sempre teve o cuidado de informar os valores das reservas de acordo com cada localização, e não os valores totais a que entendia estar obrigada.
Por maioria de razão, o argumento de que estaríamos perante uma criação de uma nova norma, igualmente falece por completo, ou que a presente interpretação violaria princípios de legalidade e tipicidade.
Face a todo o exposto, mostra-se sem qualquer relevância o argumento (sexto, sem que seja feito referência ao quinto) de que teriam sido comunicados à ENSE, E.P.E os valores de reserva existentes noutros reservatórios e que a globalidade das reservas que a recorrente dispunha nas datas em causa, na totalidade das instalações, era superior ao valor de reservas indicado aquela.
Não deixa de ser sintomático, na sobredita alegação, como a recorrente não refira ela própria o cômputo resultante do art.9º do diploma em causa, assumindo que tal seja o valor das reservas que devam existir, em contradição com o que pretendeu alegar, como refira um valor global, mas sem que não o deixa de descriminar por instalação, mais uma vez demonstrando que a mesma sempre teve pela consciência das obrigações que sobre si impendiam e que nunca se confundiram (por não ser o legalmente determinado) com uma ficção, qual seja, a de que estava apenas obrigado a manter “reservas globais”.
A lei não permite qualquer tipo de “compensação” entre instalações pois o pretendido é que, a qualquer momento, e devido a uma qualquer circunstância que seja entendida por relevante, o Estado tenha acesso às reservas de petróleo ou seus derivados, sabendo a sua localização exacta, sendo que tal constitui um elemento essencial da segurança pública dos Estados-Membros e da Comunidade Europeia5.
O que se verificou assim foi que a sociedade recorrente havia comunicado à ENSE que seriam mantidas nas instalações da ..., como reservas de segurança para o mês de Março, 250t de gás butano e 500t de gás propano, ou seja 750t de GPL, sendo que tal comunicação equivale, por falta de impugnação, aos valores a que a mesma se tinha obrigado a manter, de acordo com os arts.8º nº1 al.c) e 9º do D.L. 165/2013 de 16 de Dezembro.
Sucede que naquelas instalações, entre os dias .../.../2022 e .../.../2022, inclusive, apenas existia gás Propano nas quantidades de 475,292t, 360t, 749t, 349,809t, 349,809t, 278,569t, respectivamente e nos dias .../.../2022 e .../.../2022, existia apenas 472,99t e 411,393t, quando deveriam ter existido quantidades sempre equivalentes ou superiores a 500t.
Por outro lado e naquelas instalações, no dia .../.../2022 apenas existia gás Butano na quantidade de 225,519t, quando deveriam existir quantidades equivalentes ou superiores a 250t.
No entanto, o diploma que vimos a analisar nunca refere qualquer distinção entre gás propano e gás butano, pelo que tal factualidade, por si só, é pouco relevante.
Na verdade o D.L. 165/2013 de 16 de Dezembro apenas refere a necessidade de constituição de reserva de segurança relativamente a GPL (gases de petróleo liquefeito), pelo que só no caso da soma dos dois produtos ser inferior ao valor da reserva de segurança (constituído igualmente pela soma dos dois produtos comunicados) é que se poderá verificar a contraordenação em causa.
Assim, determinante é o facto provado que refere que no que respeita à soma de gás Propano e gás Butano, cuja reserva de segurança deveriam ser 750t, e existiam nas instalações da recorrente apenas as quantidades de 672,593t, 661,653t, 718,774t, 619,044t entre os dias .../.../2022 e .../.../2022, respectivamente, e 690,889t no dia .../.../2022.
Tanto basta para o preenchimento dos elementos objectivos do tipo contraordenacional previsto no art.26º nº1 al.a) do D.L. 165/2013 de 16 de Dezembro, não se verificando qualquer vicio ou nulidade da sentença recorrida.
c) Do não preenchimento dos elementos subjectivos da contraordenação prevista no art. 26.º nº1 al.a) do D.L. 165/2013 de 16 de Dezembro
Invoca igualmente a recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, porquanto não se poderia ter considerado que a mesma agiu com culpa, tendo em conta os factos que alegou em sua defesa, e que perpassam pela existência de um quadro internacional com o inicio da guerra na Ucrânia que levou a um aumento abrupto da procura. Sustenta assim que não se pode entender que a recorrente tenha agido com “falta do cuidado devido” ou que tenha agido com uma “atitude de descuido ou leviandade”.
Antes de mais, conforme se disse supra, a invocação de erro de julgamento não tem qualquer cabimento nesta fase.
O Regime Geral das Contraordenações prevê que a decisão de autoridade administrativa que aplica uma coima é suscetível de impugnação judicial (artigo 59.º, n.º 1), podendo recorrer-se para o Tribunal da Relação das decisões judiciais que apreciem aquela impugnação nos casos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 73.º do RGCO.
Com este regime fica assegurado o direito à apreciação jurisdicional das decisões sancionatórias administrativas que apliquem coimas pela prática de contraordenações, e, nalguns casos, admite-se a existência de um duplo grau de jurisdição na reapreciação dessas decisões.
Conforme referiu Eduardo Correia, “a contraordenação é um aliud que se diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respetivo ilícito e as reações que lhe cabem não são diretamente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal”( - Direito penal e de mera ordenação-social, no B.F.D.U.C., n.º XLIX (1973), pág. 268.).
Dispõe o art.66º do RGCO que, salvo disposição em contrário, a audiência em 1.ª instância obedece às normas relativas ao processamento das transgressões e contravenções, não havendo lugar à redução da prova a escrito.
E dispõe o art. 75º, nº1 do mesmo diploma legal que se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
Assim, da conjugação dos artigos 66º e 75º, nº1, do RGCO extrai-se a norma geral impeditiva do recurso da matéria de facto. Com efeito, no processo contraordenacional, o tribunal de 1ª instância que conhece da impugnação judicial funciona como instância de recurso em matéria de facto, sendo de considerar como uma decisão já em grau de reapreciação a sentença que profere, representando, assim, o recurso dessa sentença para o Tribunal da Relação uma segunda reapreciação da matéria.
No enntanto, apesar da ligação, “por vezes umbilical”, (como refere, António Beça Pereira in “Regime Geral das Contraordenações e Coimas”, 2017 – 12ª ed., pág.237) com a (re)apreciação da matéria de facto, aquela regra (de conhecimento, apenas, da matéria de facto) cede nos casos em que se verifique a existência de vícios no julgamento da matéria de facto previstos no art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Será apenas nesse campo que poderemos incidir a nossa objectiva, respingando já as considerações anteriormente tecidas que qualquer dos vícios deverá traduzir–se em falhas que hão-de resultar da própria leitura da decisão devendo ser patentes e perceptíveis à leitura do restrito teor desta.
Analisamos já acima o vício da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão” (art. 410º nº2 al.b) do Cód. de Processo Penal), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados, entre os meios de prova invocados na fundamentação de facto, ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre maxime quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova” (cfr. art. 410º nº2 al.c) do Cód. de Processo Penal) verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, “Recursos em Processo Penal”, 6ª Ed., pág. 74). Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Ora, resulta dos factos provados que: “7. O período em questão coincidiu com o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, o qual teve impactos ao nível de combustíveis onde se incluiu o gás. 13. O início da guerra na Ucrânia determinou um aumento exponencial e abrupto da procura deste produto. 14. A declaração das reservas é efectuada no mês anterior. 15. A sociedade recorrente encetou diversas diligências junto de operadores nacionais e internacionais no sentido da obtenção de mais reservas, o que se revelou impossível dado que a vivência dos efeitos do referido conflito afectou igualmente os mesmos.”
Mais foi dado como provado: “8. A sociedade arguida, ao estar obrigada a constituir reservas de gás, nos termos legais, tinha conhecimento da obrigação de prestar à ENSE toda a informação necessária para o efeito, bem como de as manter, nos locais por si indicados, durante os períodos em questão. 9. No entanto, a sociedade arguida deixou de ter as reservas nas quantidades declaradas como reservas disponíveis nas instalações da ..., deixando de as ter na disponibilidade, em caso de necessidade para o Estado Português, consequência adequada e previsível da sua conduta, agindo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a conduta era proibida e punida por lei, ainda que não se conformando com os resultados advenientes da conduta.”
É manifesto que a sentença recorrida não padece de qualquer dos invocados vícios.
Não existe qualquer contradição entre os factos dados como provados relativamente ao nível do elemento subjectivo, considerando a actuação da recorrente ao nível da negligência, e o quadro económico que se vivia no período antecedente ao da guerra entre a Ucrânia e a Rússia, matéria invocada pela recorrente e igualmente apreciada pelo Tribunal recorrido.
Como acima se referiu, o art.21º do D.L.165/2013 de 16 de Dezembro determina um principio da inviolabilidade das reservas, que apenas podem ser movimentadas nos termos do art.22º, o que era do conhecimento da recorrente, enquanto operador obrigado.
Mais, sabedor do quadro internacional que provocava uma procura acima do normal, mais deveria estar ciente que era para tais circunstancialismos que as reservas de segurança foram criadas (o que coloca a actuação a nível de mera negligência de contornos duvidosos…).
O quadro que a mesma invoca não a isenta de um juízo de desvalor da conduta, não se confundindo com qualquer punição a título objectivo, porquanto face à obrigação que sobre a mesma impendia, a existência de circunstâncias extraordinárias de procura de combustíveis não determinam a possibilidade de a mesma, ao contrário das regras por si aceites enquanto operador obrigado, dispor das reservas de segurança, pelo que ao não as manter nas datas especificas, actuou, pelo menos, com a falta de cuidado exigido, assim se preenchendo o elemento subjectivo da contraordenação em questão.
d) Da aplicação da pena de admoestação
No que toca à solicitada alternativa da aplicação apenas da sanção de admoestação (que a recorrente configura incorrectamente como erro de julgamento), tal possibilidade encontra–se na verdade prevista no nº 1 do art. 51º do RGCO, onde se estatui que «Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação».
A ponderação sobre a aplicação a infracções de natureza contraordenacional da sanção de admoestação deverá assentar, assim, numa avaliação da gravidade da conduta e dos respectivos resultados (a «gravidade da contraordenação») e do juízo de censura incidente sobre o comportamento do infractor (a sua “culpa”), só sendo de contemplar tal aplicação quando daquela avaliação resulte uma diminuição de tal forma acentuada de tais factores, que tornaria a aplicação de uma coima numa punição desproporcionada. Não se julga que seja esse, também nesta matéria, o caso em apreço.
Na sentença recorrida foi afastada a aplicação desta sanção substitutiva com fundamento em ser a mesma inadequada e insuficiente para a realização das finalidades da punição, ali se consignando em especial a propósito que « Posto isto, acompanha-se os elementos tidos em consideração naquela decisão, nomeadamente o facto da contraordenação apresentar gravidade atento o interesse protegido, e que não permite ao Tribunal considerar adequada a aplicação, face a essa gravidade, da aplicação de uma admoestação.».
Ou seja, pese embora os termos muito reduzidos invocados pelo tribunal a quo, no caso dos autos, nomeadamente tendo em conta a ilicitude do facto – que se traduziu num défice em relação ao valor da reserva de segurança, no dia .../.../2022 de quase 20%, devendo existir na instalação da recorrente 750t, e apenas ali figurando 619t, - atendendo igualmente aos interesses nacionais que convergiam na presente situação e que foram agravados pela situação de crise que se vivia, face ao conflito Ucrânia-Rússia, para além de, conforme acima se referiu, tal temática é considerado um elemento essencial da segurança pública dos Estados Membros da Comunidade Europeia, configuram–se de acordo com padrões de normalidade relativamente aos quais a aplicação da sanção de coima, e dentro da moldura aqui aplicável, se mostra adequada às finalidades da punição – as quais se ligam também à sensibilização da arguida para a adopção de um comportamento conforme às normas a que se obrigou, e à necessidade de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do ilícito.
Nestes termos, não se afigura que se justifique aplicação à recorrente da sanção de admoestação prevista no nº 1 do art. 51º do RGCO, pelo que, ao fixar a coima pelo seu mínimo legal, o Tribunal a quo foi tão longe quanto lhe era possível no abrandamento da reacção sancionatória à apurada conduta da arguida.
»
III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) sanar o vício existente na sentença recorrida e, ao abrigo do disposto nos arts. 410º nº2 al.a) e 426º nº1 a contrario, do Cód. de Processo Penal:
Alterar o ponto 4 da matéria de facto provada para a seguinte redacção:
4. Relativamente à sociedade recorrente e naquelas instalações, no dia .../.../2022, existia gás Butano na quantidade de 225,519t.
b) em não conceder provimento ao recurso interposto por AA. e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se em 5 (cinco) U.C.s a taxa de justiça.
Notifique nos termos legais.
»
Lisboa, 7 de Janeiro de 2025 (O presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)
Os Juízes Desembargadores,
João Grilo Amaral
Manuel Advínculo Sequeira
Ana Cristina Cardoso
____________________________________________
1. Pags.3 a 11 da certidão administrativa. 2. https://diariodarepublica.pt/dr/legislacao-consolidada/decreto-lei/2013-116243814
3. No art.2º al.h) resulta que operador obrigado se refere à “a entidade que introduza produtos de petróleo no mercado nacional, quer se trate de introdução no consumo quer de comercialização em aeroportos e aeródromos localizados em território nacional;”
4. Ac.STJ de 04/10/2007, proc.07P0809
I - Em sede de interpretação jurídico-penal está excluído o recurso à analogia.
II -Por um lado, o direito penal não contém lacunas, devido às suas características de subsidiariedade e de fragmentariedade, que levam a que só sejam puníveis os factos que foram eleitos, segundo uma prévia valoração axiológico-social, como capazes de representarem um especial tipo de ilicitude.
III -De outro ângulo, o princípio da legalidade, exigindo a determinação, com o máximo de objectividade, de todas as componentes do facto que é objecto da incriminação, impõe que o tipo legal não possa conter zonas lacunosas ou vazias, que possam vir a ser integradas pelo recurso à solução conferida a casos análogos.
IV -Não está, porém, excluída a interpretação extensiva, pois sendo o texto legal constituído por palavras e sendo estas, quase sempre, polissémicas, «tal texto torna-se carente de interpretação, oferecendo as palavras que o compõem, segundo o seu sentido comum e literal, um quadro (e portanto uma pluralidade) de significações dentro do qual o aplicador da lei se pode mover e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação. Fora desse quadro, sob não importa que argumento, o aplicador encontra-se inserido já no domínio da analogia proibida» (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Coimbra Editora, Tomo I, págs. 175 e ss.).
V -Os princípios hermenêuticos acabados de referir aplicam-se às contra-ordenações, não obstante as diferenças que distinguem o direito penal primário ou secundário do regime contra-ordenacional.
5. Vd. Directiva 2009/119/CE do Conselho de 14 de Setembro de 2009