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OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
CESSAÇÃO
ALTERAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS
ÓNUS DA PROVA
UNIÃO DE FACTO
Sumário
- Apenas a ocorrência de circunstâncias supervenientes modificativas das necessidades económicas de quem recebe os alimentos, da impossibilidade deste de prover ao seu próprio sustento e das possibilidades de quem os presta em proporcioná-los, relativamente à data em que a prestação alimentícia foi fixada poderá determinar que essa prestação se altere ou cesse; - O ónus de alegação e prova da alteração/modificação superveniente das circunstâncias que presidiram à fixação da prestação alimentar antes fixada, recai sobre o autor dessa acção (art.º 342º, nº 1 do CC); - Tendo a requerente alegado que o requerido já refez a sua vida e encontra-se a viver com uma companheira, com quem divide mensalmente as suas despesas básicas, cabia a este demonstrar e provar que essa situação já se verificava aquando da fixação da prestação de alimentos e que era do conhecimento da requerente (art.º 342º, 2 do CC).
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – RELATÓRIO AA, divorciada, residente na Rua … nº …, Alcochete, veio intentar a presente acção para cessação de alimentos, contra BB, divorciado, residente na Rua D. … nº…, …, Alcochete.
Alegou, em síntese, que em 16 de Outubro de 2020, por acordo homologado no decurso da conferência a que alude o artigo 1776º do Código Civil, já transitado em julgado, no âmbito do Divórcio por Mútuo Consentimento que correu seus termos na Conservatória do Registo Civil do Montijo, a requerente e o requerido acordaram fixar, a título de alimentos, a quantia de € 300,00, a pagar pela requerente ao requerido, até ao dia 10 de cada mês. Mais alega que desde o início do ano 2022, passou a ter dificuldades para conseguir cumprir pontualmente esta obrigação, havendo meses em que para não incumprir tem pedido auxílio financeiro a alguns amigos e familiares, pois o custo de vida em França sofreu um aumento considerável. Alega que o requerido, por sua vez, desde 2020 vive em Portugal, onde o nível de vida é muito mais barato. Por outro lado, o mesmo já refez a sua vida, encontra-se a viver com uma companheira com quem divide mensalmente as suas despesas básicas, tais como água, electricidade, gás e telecomunicações. Por fim, alega que o requerido adquiriu dois imóveis nos últimos meses, um em Alcochete e outro no Algarve. A final, pede que se determine a cessação do pagamento de alimentos.
Por despacho de 5/11/2022, foi a requerente convidada a aperfeiçoar o requerimento inicial, o que a mesma satisfez por requerimento de 22/11/2024.
Foi realizada tentativa de conciliação, não tendo sido possível alcançar um acordo entre as partes.
O requerido apresentou contestação, defendendo que os factos alegados pela requerente não configuram uma alteração das circunstâncias necessariamente subjacentes ao pretendido pedido de cessação de alimentos, sendo as alegadas alterações apresentadas de forma descontextualizada, distorcida e não correspondentes à verdade.
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Foi proferido despacho saneador, com indicação do objecto do litígio e temas da prova, sem que tenha sido objecto de reclamação.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, julgo totalmente improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, absolvo o requerido BB o pedido de cessação da pensão de alimentos formulado por AA.
Custas a cargo da requerente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Valor da causa: 30.000,01 €
Registe e notifique”.
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Inconformada com a sentença veio a requerente interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“1. A douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que, na procedência do presente recurso, declare cessada a obrigação do pagamento da prestação de alimentos da recorrente ao recorrido, nos termos do disposto no artigo 2013º, nº 1, al. b) do Código Civil.
2. Alega a Mª. Juiz a quo que os factos não provados assentou na ausência de prova concludente ou suficiente quanto à mesma ou na circunstância de se ter provado factualidade incompatível.
3. A Recorrente não concorda devendo ser alterada e ampliada, na sequência de melhor e mais rigorosa apreciação dos depoimentos gravados das partes, por referência aos meios probatórios invocados para reapreciação da prova gravada, por referência às respetivas gravações e passagens, que aqui se dão por reproduzidas para o efeito das presentes conclusões, a matéria de facto provada, no sentido de considerar-se provado as seguintes al:
4. AL B) ACTUALMENTE ESSAS MESMAS DESPESAS IMPORTAM UMA DESPESA MENSAL PARA A REQUERENTE DE 436,00€ (REPORTA-SE A AL A) EM 2020, A REQUERENTE PAGAVA A TÍTULO DE SEGUROS, IMPOSTOS, ELETRICIDADE, INTERNET, TELEMÓVEL, ÁGUA E CONDOMÍNIO, A QUANTIA DE 410,00€). Assim foi no que respeita às despesas invocadas pela requerente, porquanto, apesar da requerente ter elencado o montante das suas despesas não foi, quanto às que se consideram por não provadas, apresentada qualquer prova documental.
5. Ora, existem as declarações da Autora, descritas na PI e nas declarações de parte em sede de audiência de julgamento, que necessitam de ser valoradas, cujos excertos que maior relevância assumem para a matéria em análise se transcreveram,
6. É que, do conjunto dos meios de prova produzidos, nomeadamente das Declarações da Autora na PI e nas declarações de parte em sede de audiência de julgamento, a recorrente prova que tem em média um custo com essas despesas no valor de 535€.
7. A Recorrente não pode concordar com a decisão relativamente à apreciação da prova produzida nos Autos, relativamente à parte da matéria de facto dada como não provada e constante da letra B) dos Factos Não Provados da Sentença, pelo que a impugna, requerendo a sua reapreciação (artigo 662º do C.P.C.).
8. Al D) ATUALMENTE, PARA A MESMA ALIMENTAÇÃO, PARA O MESMO COMBUSTÍVEL E PARA OS MESMOS MEDICAMENTOS, A REQUERENTE GASTA O VALOR MENSAL DE 680,00€
9. A Recorrente não pode concordar com a decisão relativamente à apreciação da prova produzida nos Autos, relativamente à parte da matéria de facto dada como não provada e constante da letra D) dos Factos Não Provados da Sentença, pelo que a impugna, requerendo a sua reapreciação (artigo 662º do C.P.C.).
10. É que, do conjunto dos meios de prova produzidos, nomeadamente das Declarações da Autora na PI, nas declarações de parte em sede de audiência de julgamento, e das regras da experiência comum, sabendo, todos, como é o custo de vida, com alimentação, vestuário, calçado, transporte, comunicações, etc., são despesas correntes de qualquer ser humano, difíceis de contabilizar, mas inerentes a qualquer ser humano, sendo certo que é do conhecimento geral e da experiência comum saber-se do elevado custo de vida.
11. Não existe suporte razoável para dar tal facto como não provado, mas, antes pelo contrário, deveria ter considerado tal como provado, e a referida decisão de procedência da Acção.
12. E) OS RENDIMENTOS DA REQUERENTE NÃO VIRAM UM AUMENTO NA MESMA PROPORÇÃO DAS SUAS DESPESAS MENSAIS.
13. Ora, Se o ponto 2 da matéria provada que se reproduz refere: “A acrescer às despesas da requerente que já existiam em 2020, existe atualmente, uma despesa mensal nova, no valor de 253,94€, que se destina a comparticipar, na proporção da sua permilagem, a reparação do telhado do prédio onde habita.”.
14. E, o ponto 3 da matéria provada que se transcreve refere “O valor desta reparação na quota da responsabilidade da requerente é de 15.235,92€ e a requerente terá de liquidar esta quantia em 60 prestações mensais de 253,94€ cada com início em 01.01.2023 e termo a 01.12.2027.”
15. Assim, se no ponto 6 da matéria provada a requerente aufere a quantia total de 1936,00€ e se no ponto 5 da matéria provada em 2020 a requerente auferia ao montante total de 1820,00€, verifica-se uma diferença de 116,00. O valor de despesa a acrescer é de 253,94€,
16. Ou seja, o aumento de rendimento não acompanhou o valor da despesa, vendo-se privada da sua situação económica no valor de 137,94€.
17. Não existe suporte razoável para dar tal facto como não provado, mas, antes pelo contrário, deveria ter considerado tal como provado, e a referida decisão de procedência da Acção.
18. Ao dar como não provado os pontos referidos na Letra E), o Douto Tribunal “a quo”, fez uma errada interpretação dos factos provados e não provados em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, conduzindo à improcedência da Acção. O Douto Tribunal deveria ter dado como provado tal facto, e daí, concluir pela procedência total da Acção.
19. Al F) A REQUERENTE TEM TIDO DIFICULDADE EM CUMPRIR COM A OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS.
20. Ora, existem as declarações da Autora, descritas na PI e nas declarações de parte em sede de audiência de julgamento, que necessitam de ser valoradas, cujos excertos que maior relevância assumem para a matéria em análise se transcreveram,
21. É que, do conjunto dos meios de prova produzidos, nomeadamente das Declarações da Autora na PI e nas declarações de parte em sede de audiência de julgamento, a recorrente prova que chega ao fim do mês e fica 100, 50, 80€ vá lá
22. Não existe suporte razoável para dar tal facto como não provado, mas, antes pelo contrário, deveria ter considerado tal como provado, e a referida decisão de procedência da Acção.
23. Ao dar como não provado os pontos referidos na Letra F), o Douto Tribunal “a quo”, fez uma errada interpretação dos factos provados e não provados em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, conduzindo à improcedência da Acção.
24. O Douto Tribunal deveria ter dado como provado tal facto, e daí, concluir pela procedência total da Acção.
25. EM CONCLUSÃO, face à prova produzida nos autos, designadamente as declarações de parte da Recorrente, deverá ser alterado a al. B), D), E) e F) dos factos não provados, para fato provado
26. DOS FATOS PROVADOS Ponto 6- ATUALMENTE, A REQUERENTE AUFERE A QUANTIA TOTAL DE 1.936,00€
27. O Douto Tribunal “a quo”, deveria ter especificado a proveniência do valor total, para se perceber que a Recorrente continua a trabalhar para poder ter mais proventos económicos, e se sustentar.
28. O ponto 6 deve ter a seguinte texto: “ATUALMENTE, A REQUERENTE AUFERE A QUANTIA TOTAL DE 1936,00€ SENDO 1148€ DE PENSÃO DE REFORMA, 558€ DE COMPLEMENTO E 230€ DE SALÁRIO.
29. Ponto 9- O REQUERIDO JÁ REFEZ A SUA VIDA E ENCONTRA-SE A VIVER COM UMA COMPAHEIRA, COM QUEM DIVIDE MENSALMENTE AS SUAS DESPESAS BASICAS, TAIS COMO ÁGUA, ELECTRICIDDAE, GAS E TELECOMUNICAÇÕES.
30. O Douto Tribunal “a quo”, deveria ter especificado o rendimento da companheira, para se perceber que o recorrido com esta nova união não necessita da prestação de alimentos da recorrente.
31. O ponto 9 deve ter o seguinte texto: O REQUERIDO JÁ REFEZ A SUA VIDA E ENCONTRA-SE A VIVER COM UMA COMPAHEIRA QUE É PENSIONISTA RECEBENDO ATUALMENTE O VALOR DE 1100€, COM QUEM DIVIDE MENSALMENTE AS SUAS DESPESAS BASICAS, TAIS COMO ÁGUA, ELECTRICIDDAE, GAS E TELECOMUNICAÇÕES
32. Pretende a Recorrente que a sua obrigação de pagar mensalmente ao Recorrido a pensão de alimentos no valor de 300,00€ fixada por decisão de 16.10.2010, que homologou o acordo dos então cônjuges, no âmbito de processo de divorcio por mutuo consentimento requerido pelos mesmos, cesse, face à sua actual situação económica, nos termos dos art.ºs 2004º, nº 1 e 2013º, nº 1, al. b), ambos do Cód. Civil, e atento “o carácter subsidiário e temporário do direito a alimentos entre ex-cônjuges no seguimento do divórcio, o qual está subordinado ao princípio da auto-suficiência de cada um, devendo cada cônjuge “prover à sua subsistência”, de acordo com o disposto no art.º 2016º, nº 1 do Cód. Civil, e porque o recorrido tem nova companheira, de acordo com o artigo 2019º CC.
33. Assim, a sentença recorrida conclui, erradamente, que visto a factualidade provada, crê-se que não se mostra provada qualquer alteração superveniente das circunstâncias determinantes da fixação da pensão de alimentos que legitime a cessação do pagamento da pensão de alimentos, fazendo improceder a ação, decisão com o que não se conforma a recorrente.
34. In casu, da prova carreada para os autos resulta a alteração de circunstâncias de vida, para ambas as partes,
35. O ponto 2 da matéria provada que se reproduz refere: “A acrescer às despesas da requerente que já existiam em 2020, existe atualmente, uma despesa mensal nova, no valor de 253,94€, que se destina a comparticipar, na proporção da sua permilagem, a reparação do telhado do prédio onde habita.”.
36. E, o ponto 3 da matéria provada que se transcreve refere “O valor desta reparação na quota da responsabilidade da requerente é de 15.235,92€ e a requerente terá de liquidar esta quantia em 60 prestações mensais de 253,94€ cada com início em 01.01.2023 e termo a 01.12.2027.
37. Assim, se no ponto 6 da matéria provada a Recorrente aufere a quantia total de 1936,00€ e se no ponto 5 da matéria provada em 2020 a requerente auferia ao montante total de 1820,00€, verifica-se uma diferença de 116,00€. O valor de despesa a acrescer é de 253,94€,
38. Ou seja, o aumento de rendimento não acompanhou o valor da despesa, vendo-se privada da sua situação económica no valor de 137,94€.
39. Para alem, de o custo de vida em França ter sofrido um aumento bastante considerável, de acordo com o ponto 4 da matéria provada.
40. Quanto às despesas da recorrida, é que, do conjunto dos meios de prova produzidos, nomeadamente das Declarações da Autora na PI e nas declarações de parte em sede de audiência de julgamento, a recorrente prova que tem em média um custo com essas despesas a título de seguros, impostos, eletricidade, internet, telemóvel, água e condomínio no valor de 535€, acrescendo as despesas em alimentação, combustível, medicamentos.
41. Acresce a este valor a pensão de alimentos paga ao recorrente de 300€, e mais o valor que veio a acrescer para a reparação do telhado no valor de 253,94€, dando um total de 1088,94.
42. A recorrente também tem despesas de alimentação, combustível, medicamentos, vestuário gastando de acordo com a sua PI o valor de 680€. Ora 1088,94€ mais 680€= 1768,94€
43. Do valor da pensão que recebe e do complemento, não chega para fazer face a estas despesas, dado que o valor é de pensão de reforma é de 1.148€ mais o complemento 558€ = 1.706€
44. Vê-se a recorrente ainda na obrigação de trabalhar com 70 anos, para receber o salário de 230€ para fazer face ao seu sustento.
45. Pelo que, nos próximos anos de vida a ora Recorrente não tem capacidade para prestar ao ora Recorrido a pensão de alimentos, dada a impossibilidade económica para continuar a prover alimentos ao Recorrido, face aos seus atuais rendimentos mensais em confronto com as suas atuais despesas mensais, atualmente, conseguindo apenas prover à sua subsistência.
46. Ao cabo e ao resto, a vantagem competitiva da Recorrente. ao auferir um rendimento de nível superior (1.706€) ao do Recorrido, (1.002€)) a recorrente. acaba por ser ver a braços com um rendimento do nível do Recorrido, pois se subtrairmos a despesa com a obra do telhado e a pensão de alimentos, fica com o valor de 1.152,06€, uma diferença de 150,06€.
47. Não se crê que o sentido da obrigação de prestação de alimentos seja garantir um nível de vida ao alimentando superior ao do alimentante, mas sim, e apenas, o de garantir a subsistência do alimentado.
48. Conforme se retira do já citado art.º 2016.º-A/3 do C.C., não assiste sequer ao alimentado o direito a manter o mesmo nível de vida - sendo certo, que coloca a recorrente na sua vida económica num patamar francamente baixo, sendo certo que a manutenção da obrigação de pagamento amarrará a Recorrente à mediocridade económica.
49. Comprova-se a verificação de circunstâncias supervenientes em relação ao momento em que os alimentos foram fixados em ordem a justificar a cessação, porque a sua situação económica se fragilizou no sentido de terem aumentado as despesas mensais essenciais para a subsistência da Recorrente.
50. Não pode ser atribuída qualquer pensão de alimentos ao Recorrido, sob pena de violação do disposto no art.º 2016º, nº 1, do Código Civil;
51. O recorrido aufere o valor de 1.002,00 facto provado no ponto 18, pelo que com este valor pode prover à sua subsistência, de forma autónoma, sem carecer da prestação de alimentos prestada pela recorrente, para as suas despesas de alimentação, vestuário e habitação
52. Além de que, Também o ponto 10, da matéria provada que se reproduz refere: “O requerido adquiriu dois imóveis nos últimos meses, um em Alcochete e outro no Algarve.”
53. Ora, Apartamento esse no Algarve dizemos nós, que será uma segunda residência e que deveria ter sido rentabilizado para o pagamento para o custeio das despesas básicas do recorrido.
54. O recorrido terá despesas de água, eletricidade, internet, condomínio, nos dois imóveis, será prudente ser a recorrente a ajudar nessas despesas?
55. Uma vez que, como a decisão recorrida reconhece, no ponto 9 da matéria provada e que se reproduz: “O requerido já refez a sua vida e encontra-se a viver com uma companheira, com quem divide mensalmente as suas despesas básicas, tais como água, eletricidade, gás e telecomunicações.”. Companheira também reformada que aufere 1.100€.
56. O que mais impressiona no caso sub judice, em nosso entender, é a circunstância de o Recorrido refazer a sua vida amorosa e o Douto Tribunal “a quo” fazer uma incorreta interpretação e, por conseguinte, violação, do artigo 2019º do Código Civil.
57. Ora, o recorrido passou a poder dividir as suas despesas o que, logicamente, passou a cobrir aquelas necessidades alimentares e despesas essenciais e é por isso que deixa de se justificar que seja a recorrente continue a suportá-las do modo como o vem fazendo.
58. É assim, manifestamente desajustado, e desequilibrado, continuar e exigir a recorrente o pagamento de prestação de alimentos ao recorrida, que deles não precisa. (artigo 2004º/2 do Código Civil);
59. A prestação de alimentos a ex-cônjuge compreende tudo quanto for indispensável ao sustento, habitação e vestuário.
60. O que o recorrido pode suportar com a sua pensão de reforma,
61. O direito de alimentos a ex-cônjuge deverá ter um cariz excecional, carácter temporário e natureza subsidiária, não devendo eternizar-se. artigo 2016º do Código Civil.
62. O Recorrido tem rendimentos próprios de pensão de reforma; tem património imobiliário, diminuiu os seus encargos, porque divide mensalmente as suas despesas básicas, refez a sua vida com uma companheira, não padece de qualquer invalidez ou doença incapacitante ou idade avançada;
63. Pelo que pode prover à sua subsistência, de forma autónoma, sem carecer da prestação de alimentos prestada pela Recorrente, para as suas despesas de alimentação, vestuário e habitação – tudo o que se considera provado em sede de matéria de facto provada nos autos.
64. Manter a prestação de alimentos como decidido, onera, de forma desigual, Recorrente e Recorrido, beneficiando este que destes não precisa, sobre a Recorrente, que precisa do valor que dispõe mensalmente a favor do ex-cônjuge.
65. Sacrificando de forma desigual, e com prejuízo da Recorrente, o mínimo necessário para uma vida normal.
66. Impor, como o faz, a sentença recorrida, à Recorrente a manutenção da obrigação de alimentos, tendo presente que o Recorrido deles não carece, nem tal resulta, da matéria de facto provada, é sacrificar de forma desequilibrada e com prejuízo da Recorrente, as condições ao mesmo necessárias para, por si ter o mínimo necessário a uma vida normal, violando os preceitos normativos que regem a prestação alimentícia a ex-cônjuge, designadamente os artigos 2003º/1; 2004º; 2013º/1, al. b); 2015º; 2016º e 2016º-A/1, 2 e 3, 2019º todos do Código Civil.
67. Pelo que, sopesada a matéria provada e o carácter excecional, temporário, limitado e subsidiário da prestação de alimentos a ex-cônjuge, deve a sentença proferida ser revogada e substituída por outra, que cesse a obrigação de alimentos da recorrente ao recorrido, conforme por aquela peticionado.
68. Tendo havido da parte do Douto Tribunal “a quo” uma incorrecta interpretação e, por conseguinte, violação, dos artigos 615 nº1 c) do Código do Processo Civil e dos artigos 2003º, 2004º, 2009º nº1 a), 2012º, 2013º nº 1 b), 2016º e 2016º -A, 2019º todos do Código Civil”.
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O requerido apresentara contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
“1 - A A. recorre da Douta Decisão proferida em 1ª Instância, em primeiro lugar, impugnando os fatos não provados constantes das alíneas b), d), e) e f) (que, em seu entendimento, deveriam ter sido considerados provados);
2 – Assim, quanto aos fatos não provados constantes das alíneas b), d), f), entende a A. que tal matéria deveria ter sido considerada provada com base nas declarações de parte prestadas pela A. em audiência de discussão e julgamento (ainda que desacompanhadas / desapoiadas por outro meio de prova),
3 – acrescentando a A., no que concerne aos fatos não provados constantes das alínea d), que a sua prova resulta, ainda das “regras da experiência comum”, “sendo certo que é do conhecimento geral e da experiência comum saber-se do elevado custo de vida”.
4 – Salvo o devido respeito, não tem razão a A. / recorrente.
5 – Assim, quanto aos fatos constantes da alínea b) da matéria de fato não provada, a única prova produzida foram as declarações de parte da A..
Acresce que não é verdade que das declarações de parte da A. parcialmente transcritas pela A. nas suas Doutas Alegações de Recurso resulta que as despesas em causa ascendam a 535,00 €.
Assim, na Douta Petição Inicial a A. alega o valor de 436,00 €. Nas declarações de parte a A. refere o valor de 456,00 € (condomínio 45 €; impostos 60 €; eletricidade 80 €, telefone 16 €, seguro carro 65 €, seguro acidentes 63 € e seguro de saúde 127 €).
E nas Doutas Alegações de Recurso a A. contabiliza as mesmas despesas em 535 €, não se entendendo sequer em que se baseia para chegar a esse valor.
Pelo que nunca tal montante de 535,00 € poderá ser considerado provado conforme pretende a A./ Recorrente.
6 - Quanto aos fatos constantes da alínea d) e f) da matéria de fato não provada, inexiste, de todo, qualquer prova, porquanto a A. não confirmou tal matéria aquando das suas declarações de parte prestadas em julgamento
7 – Concretamente quanto à alínea f) da matéria de fato não provada, provou-se o inverso do pretendido pela A. (que a A. / Requerente não tem dificuldades no pagamento da pagamento da pensão de alimentos ao R.).
Assim, em declaração de parte refere a A. que todos meses ainda lhe sobra dinheiro e “chega ao fim do mês cá ter 100, 50, 80 vá lá”. Bem como afirmou ter dado aos filhos parte da herança que recebeu dos respetivos pais.
Daí que conste da motivação da matéria de fato da Douta Sentença recorrida a linhas 29 e 30 de fls 6 e linhas 1 a 6 de fls 7 que, “(…) não se provou, manifestamente, a necessidade da requerente de recorrer à ajuda de familiares, porquanto, a mesma não o afirmou, com exceção de uma situação pontual em que recorreu à irmã (a testemunha MR) para lhe emprestar 3.000,00 para custear a avaria de um carro, mas apenas, como o afirmou, para não tirar dinheiro das suas poupanças. Tendo posteriormente, reembolsado a irmã, o que esta última confirmou. Notaremos, ainda, a este respeito que a requerente disse ter recebido 31.000,00 da herança dos pais, tendo dado parte aos seus dois filhos. O que certamente, não faria caso necessitasse desse dinheiro para satisfação das suas necessidades e cumprimentos das obrigações.”
8- Quanto à alínea d) da matéria de fato não provada, e contrariamente ao alegado pela A., o conhecimento geral e a experiência comum não podem servir como prova da quantificação de qualquer tipo de despesa, seja em 680,00 € ou em qualquer outro valor.
Do conhecimento geral e da experiência comum resulta que a A. tem atualmente e tinha à data do divórcio e da fixação do acordo quanto à pensão de alimentos despesas mensais com alimentação, combustível e medicamentos e que houve um aumento do custo de vida.
Mas nunca poderá o conhecimento geral e a experiência comum quantificar esse aumento.
No máximo, poder-se-á quantificar o aumento do custo de vida com base na taxa de inflação. Mas isso foi considerado provado no ponto 12 da matéria de fato provada.
9 – Os fatos não provados constantes das alíneas b), d), que a A. pretende que sejam considerados provados são, concretamente, despesas da A., sendo que a mesma não mencionou a inexistência de documentos comprovativos das despesas em causa, nem a sua impossibilidade ou dificuldade nessa apresentação.
10 - Para além disso, a A. juntou documentos comprovativos de outras despesas (designadamente a referida nos pontos 2 e 3 dos fatos provados da Douta Sentença Recorrida), não o tendo feito relativamente às referidas nos pontos a), b), c) d) dos fatos não provados da Douta Sentença Recorrida.
11 – Entendeu o Douto Tribunal a quo, e bem, que as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, um juízo de aceitabilidade final.
Poderão coadjuvar a prova de um fato, mas apenas se e quando em conjugação com outros elementos de prova.
E, com esta mesma argumentação coerente e criteriosa, considerou provados os fatos 2 e 3 da matéria de fato provada (referindo “das declarações da requerente que o confirmou e assentaram no teor da acta da Assembleia Geral de Condomínio declaração de pagamentos”, cfr. linhas 5 a 9 de fls 6 da Douta Sentença Recorrida) e não provados os fatos a), b), c), d) da matéria de fato não provada (referindo“apesar da requerente ter elencado o montante das suas despesas não foi, quanto às que se consideraram por não provadas, apresentada qualquer prova documental”, cfr. linhas 26 a 28 da página 6 da Douta Sentença Recorrida)
12– A posição do Douto Tribunal a quo está corretíssima.
De fato, não pode o Tribunal desconsiderar que os sujeitos processuais (e, neste caso, a A.) não são alheios, nem desinteressados perante o litígio. Pelo contrário, têm interesse direto no ganho da causa.
Por isso mesmo, as declarações de parte têm de ser apreciadas com especial cautela e estar necessariamente apoiadas por outro meio de prova, pelo menos quando existirem outros meios de prova possíveis. Esta tese é, aliás, é defendida por vária e conceituada doutrina (Carolina Henriques Martins, Lebre de Feitas, Paulo Pimenta) e pela maioria da jurisprudência portuguesa, numerando-se, a título de exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de Ondina Carmo Alves, proc. 2022/07.1TBCSC-BL1.2, de 10-04-2014 In www.dgsi.pt.
13 - Acresce que, mesmo que se considerem provados os anteriores pontos b) e d) dos fatos não provados, sempre essa alteração de fato pretendida pela A. / Recorrente será irrelevante para os efeitos de cessação da pensão de alimentos pretendidos da A., devido ao fato dessas despesas (de seguros, impostos, eletricidade, internet, telemóvel, água e condomínio – alínea b) – e alimentação, combustível e medicamentos – alínea d)) serem pré-existentes na situação da A. / Recorrente à data da celebração do acordo de prestação de alimentos em causa e, por conseguinte, não se verificar o pressuposto essencial para a pretendida cessação que é a alteração superveniente das circunstâncias determinantes da fixação da pensão de alimentos.
14 - Quanto aos fatos não provados constantes das alíneas e), pretende a A. que se considere provada tal matéria (ao invés de não provado) por decorrência da factualidade provada constante nos pontos 2, 3 e 6, o que não faz qualquer sentido.
Efetivamente, tal matéria não foi mencionada por nenhuma testemunha e não consta de nenhum documento e constitui, em si mesma, uma conclusão / associação e mero raciocínio lógico e não fatos.
Ora, a matéria de fato provada tem de resultar necessariamente da prova produzida nos autos e tem de assentar em fatos concretos e não em meras conclusões, associações ou raciocínios lógicos.
Como tal, não deverá a referida matéria constar da matéria de fato provada.
15- Quanto aos fatos provados constantes do ponto 6 “Atualmente, a requerente aufere a quantia total de 1.936,00” entende a A. que deveria acrescentar-se “sendo 1149 da pensão de reforma, 558 de complemento e 230 correspondente a salário” com base nas declarações de parte da A..
Salvo o devido respeito não tem razão a A. / Recorrente porquanto tal especificação é totalmente irrelevante para os pretendidos efeitos. O que importa é o total do rendimento da A. (já referido no ponto 6 dos fatos provados), sendo indiferente que o mesmo seja proveniente de 1, 2 ou 3 reformas/trabalhos.
16 - Quanto aos fatos provados constantes do ponto 9, entende a A. que deveria acrescentar-se o rendimento da companheira do R. a seguir transcrito em itálico, “O requerido já refez a sua vida e encontra-se a viver com uma companheira que é pensionista recebendo atualmente o valor de 1.100, com quem divide mensalmente as suas despesas básicas, tais como água, electricidade, gás e telecomunicações” com base nas declarações de parte do R...
Salvo o devido respeito não tem razão a A. / Recorrente porquanto tal especificação é totalmente irrelevante para os pretendidos efeitos, para além do que não foi sequer alegada por nenhuma das partes.
17 – Acresce que as especificações pretendidas pela A. e referidas em 15 e 16 destas conclusões resultam, a primeira das declarações de parte da A. e a segunda das declarações de parte do R., não sendo, nenhuma delas, apoiada em qualquer outro meio de prova. Por isso mesmo e conforme se referiu acima em 11 e 12 destas conculsões, não são as mesmas suficientes para prova de um fato.
18 - Finalmente, recorre a A. da matéria de direito porquanto, contrariamente ao decidido pelo Douto Tribunal a quo, entende que se verifica uma alteração das circunstâncias em relação ao momento em que os alimentos foram fixados que justificam a cessação da pensão de alimentos.
19 – Ora, a prestação de alimentos em causa foi acordada entre a A. e o R., em 16-10-2020, aquando do divórcio de ambos, tendo em conta a situação económica e familiar de ambos àquela data e tendo em consideração a partilha dos bens comuns previamente acordada entre ambos e que ocorreu de seguida ao divórcio.
20 - De acordo com a prova produzida nos autos as circunstâncias supervenientes em causa são as seguintes:
a) Nova despesa mensal da A. no montante de 253,94 a pagar entre 01-01-2023 e 01-12-2027 – cfr. fatos provados nºs 2 e 3;
b) Aumento de 6,4% do rendimento mensal da A. / Recorrente no montante de 116,00 € (1.936,00 € – 1.820,00 €) – cfr fatos provados nºs 5 e 6;
c) Em dezembro de 2022 a inflação em França foi de 5,851% e em Portugal de 9,593% - cfr. fatos provado em 12;
21 – Feitos os devidos cálculos e tendo em conta a atualização dos rendimentos e despesas da A. verifica-se que esta passou a ter disponível menos 137,94 € do que tinha à data do acordo de alimentos, correspondendo esta diferença a menos de 6% do seu rendimento global mensal.
Ou seja, a diferença é irrisória e irrelevante para os pretendidos efeitos de cessação da obrigação da A. prestar alimentos ao R. de modo que, em termos práticos, o que a A. / Recorrente sentiu foi que lhe sobrava menos dinheiro no final do mês. Nas palavras da mesma “chega ao fim do mês cá ter 100, 50, 80 vá lá”.
Mas a verdade é que lhe sobra dinheiro no final do mês. Não lhe falta! A A. Requerente não vive com dificuldades, até porque conforme a mesma reconheceu nas suas declarações, tem dinheiro aplicado e inclusive deu aos filhos parte do que recebeu da herança dos respetivos pais.
22 - Acrescente-se ainda e é importante que se note que a “nova” despesa é temporária.
Teve início em 01-01-2023 e cessará em 01-12-2027, data a partir da qual a A. Requerente voltará a ter uma sobra mensal superior àquela que tinha aquando da celebração do acordo da pensão de alimentos.
23 - Contrariamente ao que a A. / Recorrente quer fazer crer, não ficou provado e não é verdade que a A. tenha começado a trabalhar para fazer face ao seu sustento ou sequer para conseguir pagar a pensão de alimentos ao R., sendo essa realidade pré existente à celebração do acordo de alimentos, logo, irrelevante para efeitos de cessação dos alimentos.
24 - A razão da fixação da pensão de alimentos residiu na diferença dos rendimentos entre os ex-cônjuges. Diferença essa que se mantém ou até se agravou em desfavor do R. porquanto os rendimentos deste não aumentaram (ao contrário dos da A.) e a pensão de alimentos não foi (e não será) atualizada.
O único fator de diferenciação foi a subida da taxa de inflação nos países em que a A. e o R. residem, a saber, França e Portugal, sendo que em 2022, esta foi superior em Portugal, concretamente mais 3,742 % do que em França (9,593%, - 5,851 % = 3,742 %).
Pelo que, a necessidade de alimentos pelo R. / Recorrido verificada à data da celebração do acordo, não só se manteve, como se agravou.
25 - Quanto aos bens imóveis adquiridos pelo R. / Recorrido após o divórcio (metade de cada um), ficou provado que este o fez com as verbas que recebeu das partilhas com a A. / recorrente, que pelo menos um deles se destina à sua habitação própria e permanente - ponto 17º dos fatos provados da Douta Sentença Recorrida e que essa aquisição foi prevista pelo R e A. aquando da celebração do acordo de alimentos entre ambos.
Pelo que, concretamente, a compra pelo R. / Requerido dos referidos imóveis não é um fato superveniente para efeitos de cessação da pensão de alimentos.
26 - Do mesmo modo que, aquando da celebração do acordo de alimentos, o R. já tinha a referida companheira, sendo tal fato do conhecimento da A., pelo que não se trata de um fato superveniente para efeitos de cessação da pensão de alimentos.
27 - Pelo que, provada que está a inalteração do circunstancialismo fático (da A. e do R.), aquando da celebração do acordo de alimentos e a inexistência de fatos supervenientes, inalterada deve manter-se a prestação acordada.
28 - Face a todo o supra exposto, entende o R. recorrido que, decidiu bem o Douto Tribunal a quo, quer em matéria de fato, quer em matéria de direito, nenhum reparo merecendo a Douta sentença recorrida, pelo que deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se o decidido na sentença recorrida”.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC).
No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões do Recurso interposto são as seguintes:
- Se deve ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos pretendidos pela requerente;
-Se deve ser alterada a decisão de mérito.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Os factos
Na 1ª instância, foi a seguinte a decisão quanto à matéria de facto:
“1. Por decisão de 16 de Outubro de 2020 e transitada em julgado nessa mesma data, proferida no processo de divórcio por mútuo consentimento n.º 1108 de 2020 da Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial do Montijo, em que foram requerentes AA e BB, foi homologado o seguinte acordo quanto à prestação de alimentos:
“1- A cônjuge mulher obriga-se a pagar ao cônjuge marido, a título de pensão de alimentos, a quantia de 300,00 € mensais, a ser paga até ao dia 10 de cada mês, através de transferência bancária.
2- Este valor nunca será objecto de actualizações legais.”
2. A acrescer às despesas da requerente que já existiam em 2020, existe, actualmente, uma despesa mensal nova, no valor de 253,94 €, que se destina a comparticipar, na proporção da sua permilagem, a reparação do telhado do prédio onde habita.
3. O valor desta reparação na quota da responsabilidade da requerente é de 15.235,92 € e a requerente terá de liquidar esta quantia em 60 prestações mensais de 253,94 €, cada, com início em 01.01.2023 e termo a 01.12.2027.
4. O custo de vida em França tem sofrido um aumento bastante considerável.
5. Em 2020, a requerente auferia o montante total de 1.820,00 €.
6. Actualmente, a requerente aufere a quantia total de 1.936,00 €.
7. A requerente vive em França, só estando em Portugal nos meses de Julho e Agosto.
8. O requerido vive em Portugal desde 2020.
9. O requerido já refez a sua vida e encontra-se a viver com uma companheira, com
quem divide mensalmente as suas despesas básicas, tais como água, electricidade, gás e telecomunicações.
10. O requerido adquiriu dois imóveis nos últimos meses, um em Alcochete e outro no Algarve.
11. Aquando do divórcio o acordo quanto à prestação de alimentos teve subjacente a seguinte realidade do conhecimento de ambas as partes:
a) Que a A. auferia a quantia mensal aproximada de 1.820,00€ superior à pensão
auferida pelo R.
b) Que a A. continuaria a residir naquela que fora a casa de morada de família, em
França e o R. iria residir em Portugal (para onde se havia mudado recentemente, por motivos de saúde).
12. Em Dezembro de 2022 e segundo a Global Rates (https://www.global-rates) o IPC (números de inflação) foi de 5,851% em França e de 9,593% em Portugal.
13. Em 12.10.2020, a Requerente e o Requerido venderam dois bens imóveis comuns do casal, sitos em Alcochete, tendo recebido, cada um deles (Autora e Réu), a quantia de 82.500,00€ (78.500,00 € + 4.000,00 €), conforme escrituras de compra e venda juntas como documentos nº 3 e 4 da contestação de 26.01.2023 com a refª. 34870800 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
14. Em 23.10.2020, a Autora e o Réu concretizaram o que já haviam acordado e partilharam um imóvel comum do extinto casal, sito em França (em Rochefort-en- Yvelines), nos termos do qual o mesmo foi adjudicado à A. (que o destinou e destina à sua habitação própria e permanente), e que pagou tornas ao aqui R. no valor de 62.500,00 €, conforme documento junta como documento nº 5 da contestação de 26.01.2023 com a refª.34870800 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
15. Em 23.10.2021, a A. e o R. venderam mais um bem imóvel comum do extinto casal, em França (em NARBONNE), pelo preço de 80.000,00€, tendo o requerido recebido 37.500,00 € (conforme escritura de compra e venda junta como documento nº 6 da contestação de 26.01.2023 com a refª. 34870800 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
16. Aquando do divórcio, a A. e o R. partilharam ainda, entre si, os seguintes bens:
a)- 2 veículos automóveis, ficando um para cada um;
b)- as verbas depositadas em 3 contas bancárias existentes à data, no montante global de 68.294,21€, recebendo cada um o montante de 34.147,11€.
17. As quantias recebidas com a divisão do património imobiliário comum do extinto casal foram utilizadas pelo Requerido na aquisição de metade de dois imóveis em Portugal (adquiridos em compropriedade com a sua companheira), destinando-se um deles à sua habitação própria e permanente.
18. O requerido é pensionista, recebendo, actualmente, de reforma Francesa o montante de 1.002,00 € mensais (x 12 meses por ano).
III.2 – Factos não provados:
Não se provou que:
a) Em 2020, a requerente pagava a título de seguros, impostos, eletricidade, internet, telemóvel, água e condomínio, a quantia mensal de 410,00 €.
b) Actualmente essas mesmas despesas importam uma despesa mensal para a requerente de 436,00 €.
c) Em 2020, a requerente gastava em alimentação, combustível e medicamentos quantia mensal de 450,00 €.
d) Actualmente, para a mesma alimentação, para o mesmo combustível e para os mesmos medicamentos, a requerente gasta o valor mensal de 680,00 €.
e) Os rendimentos da requerente não viram um aumento na mesma proporção das suas despesas mensais.
f) A requerente tem tido dificuldade em cumprir com a obrigação de alimentos.
g) Havendo meses em que para não incumprir tem pedido auxílio financeiro alguns amigos e familiares.
h) O nível de vida é muito mais barato em Portugal.
i) A requerente encontra-se a passar sérias dificuldades económicas, pois não consegue fazer face às suas despesas mensais com os rendimentos mensais que aufere, em virtude do significativo aumento do custo de vida em França.
j) Já o requerido, manifesta inequívocos sinais exteriores de riqueza.
k) A reparação do telhado estava prevista e era conhecida da A. e do R., ainda antes da concretização do divórcio entre ambos”.
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3.2. O Direito
3.2.1. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto
A requerente recorre da sentença, impugnando a decisão da matéria de facto.
Existem requisitos específicos para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, os quais, se não observados, conduzem à sua rejeição.
Assim, o artigo 640º do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente o ónus de:
a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
É hoje indiscutível a inadmissibilidade de recursos que se insurgem em abstracto contra a decisão da matéria de facto: o recorrente tem que especificar os exactos pontos que foram, no seu entender, erroneamente decididos e indicar também com precisão o que entende que se deve dar como provado.
Impõe-se que nas conclusões o recorrente indique concretamente os pontos da matéria de facto que impugna, apresentando a sua pretensão de forma inequívoca, de forma a que se possa, com clareza, separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da reivindicação da alteração da matéria de facto.
Com a imposição destas indicações pretende-se impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente” - Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 2022, 7ª ed. p.195.
Por estes motivos, o recorrente, além de ter que assinalar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, tem também que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos, evitando-se que sejam apresentados recursos inconsequentes, não motivados, com meras expressões de discordância, sem fundamentação que possa ser perceptível, apreciada e analisada.
Quanto a cada um dos factos que pretende que se obtenha diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados e ponderar criticamente os mesmos.
Relativamente ao ónus de especificar os concretos meios probatórios, particulariza o nº 2 do artigo 640º, que: “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
A requerente impugna a matéria de facto, defendendo que as alíneas b), d), e) e f) dos factos não provados devem transitar para os factos provados; por outro lado, sustenta que deve ser alterada a redacção dos pontos 6 e 9 dos factos provados. Para cada um dos casos, indica as passagens da gravação em que assenta a impugnação, indicando, ainda, o que entende dever ser dado como provado no caso dos pontos 6 e 9 dos factos provados.
Tendo a requerente cumprido com o ónus de impugnação que lhe era imposto pelo art.º 640º do CPC, apreciemos os pontos impugnados.
Das referidas alíneas dos factos não provados consta o seguinte:
“b) Actualmente essas mesmas despesas importam uma despesa mensal para a requerente de 436,00 €”. [referindo-se estas despesas, constantes da alínea anterior a seguros, impostos, electricidade, internet, telemóvel, água e condomínio]
d) Actualmente, para a mesma alimentação, para o mesmo combustível e para os mesmos medicamentos, a requerente gasta o valor mensal de 680,00 €.
e) Os rendimentos da requerente não viram um aumento na mesma proporção das suas despesas mensais.
f) A requerente tem tido dificuldade em cumprir com a obrigação de alimentos”.
A motivação dos factos não provados foi a seguinte:
“A factualidade não provada assentou na ausência de prova concludente ou suficiente quanto à mesma ou na circunstância de se ter provado factualidade incompatível. Assim foi no que respeita às despesas invocadas pela requerente, porquanto, apesar da requerente ter elencado o montante das suas despesas não foi, quanto às que se consideraram por não provadas, apresentada qualquer prova documental”.
A requerente baseia a sua pretensão nas suas declarações de parte, entendendo que as mesmas devem ser valoradas pelo tribunal.
Ouvidas as declarações prestadas pela requerente em audiência de julgamento, sem dúvida que a mesma elencou as despesas mensais com seguros, impostos, electricidade, internet, telemóvel e condomínio. No entanto, tal como considerado pelo tribunal a quo, essas declarações por si só, desacompanhadas de qualquer outro meio de prova, não mereceram o valor probatório que a requerente pretendia. E com razão. Note-se que as despesas em questão são facilmente comprováveis com a junção dos respectivos recibos de pagamento, meio de prova preferencial estando em causa o pagamento de despesas mensais relevantes para a decisão. Ou seja, tratando-se de factos favoráveis à requerente, por si alegados na petição inicial, dificilmente o juiz a quo poderia ficar convencido apenas com tais declarações, desacompanhadas de qualquer outro meio de prova.
O acabado de dizer vale igualmente para a al. d), pois não só as declarações da requerente foram muito vagas como, mais uma vez, desacompanhadas de qualquer outro meio de prova, designadamente documental. Por outro lado, ao contrário do defendido pela Apelante, o conhecimento geral e a experiência comum não permitem ao julgador, de forma alguma, quantificar as referidas despesas no valor de € 680,00 ou em qualquer outro valor.
Quanto à al. e), defende a requerente que confrontando os pontos 3, 5 e 6 dos factos provados, resulta que há uma diferença, para mais, ao nível das suas despesas, que não acompanhou o acréscimo do seu rendimento, concluindo que se vê privada financeiramente do valor de € 137,94.
A alínea em causa comporta, a nosso ver, uma mera conclusão que pode ser retirada dos factos provados, não estando sujeita a prova e, desse modo, entendemos que tal matéria não deve constar do elenco dos factos provados.
Por fim, pretende a requerente que a al. f), “A requerente tem tido dificuldade em cumprir com a obrigação de alimentos”, passe também a constar dos factos provados, novamente com base nas suas declarações. Apela-se novamente ao supra escrito quanto a este meio de prova, a que acresce o facto de a Srª Juiz a quo ter escrito na sua motivação “(…) não se provou, manifestamente, a necessidade da requerente de recorrer à ajuda de familiares, porquanto, a mesma não o afirmou, com exceção de uma situação pontual em que recorreu à irmã (a testemunha MR) para lhe emprestar 3.000,00 para custear a avaria de um carro, mas apenas, como o afirmou, para não tirar dinheiro das suas poupanças. Tendo posteriormente, reembolsado a irmã, o que esta última confirmou. Notaremos, ainda, a este respeito que a requerente disse ter recebido 31.000,00 da herança dos pais, tendo dado parte aos seus dois filhos. O que certamente, não faria caso necessitasse desse dinheiro para satisfação das suas necessidades e cumprimentos das obrigações”, motivo suficiente para concluir pela acertada decisão quanto a este ponto da matéria de facto.
Quanto às alterações que a requerente pretende introduzir aos pontos 6 e 9 dos factos provados, desde já adiantamos que não lhe assiste razão.
Quanto ao ponto 6, é totalmente despiciendo que nele se faça constar as parcelas que compõe o rendimento total da requerente.
Quanto ao ponto 9, não tendo a requerente alegado o vencimento da companheira do requerido, não se vê como pode tal facto passar a constar dos factos provados.
Por tudo o que foi exposto, improcede, totalmente, a impugnação da matéria de facto, que permanecerá incólume.
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3.2.2. Da subsunção jurídica
Defende a requerente a revogação da sentença da primeira instância fundada não só na pretendida alteração da matéria de facto, mas ainda na errada subsunção jurídica.
Como se viu, a matéria de facto permaneceu inalterada.
Vejamos, pois, se de acordo com a mesma a decisão recorrida deverá, ou não, manter-se.
A requerente intentou a presente acção peticionando, a final, a cessação da prestação de alimentos de € 300,00 mensais que paga ao requerido desde Outubro de 2020, em resultado de decisão proferida no processo de divórcio por mútuo consentimento nº. 1108 de 2020 da Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial do Montijo, que homologou o seguinte acordo a que as partes chegaram.
Para tanto alegou que actualmente tem dificuldade em pagar a pensão de alimentos, pois as suas despesas aumentaram, assim como o custo de vida em França aumentou consideravelmente e que o requerido vive em Portugal, onde o custo de vida é mais baixo, revela viver desafogadamente e já refez a sua vida, encontrando-se a viver com uma companheira com quem divide as despesas.
O Tribunal a quo fez um correcto enquadramento legal quanto à obrigação de alimentos e seus pressupostos, que aqui se dá por reproduzido a fim de evitar repetições.
De acordo com o art.º 2013º, nº 1, b) do CC, a obrigação de prestar alimentos cessa quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles.
Pronunciando-se a propósito desta norma, Pires de Lima e Antunes Varela referem que esta disposição “pode, em bom rigor, considerar-se desnecessária, visto ela constituir um mero arredondamento da solução consagrada na disposição anterior e é um simples corolário da ideia fixada no art.º 2004º. Com efeito, se a alteração posterior das circunstâncias determinantes da prestação alimentícia, de harmonia com o disposto no art.º 2012º, pode determinar a redução de alimentos, se diminuir ou afrouxar a necessidade do credor, bastará arredondar (ou completar) o pensamento dessa norma para concluir que a obrigação deve cessar, quando de todo em todo cesse, por qualquer circunstância, o stato di bisogno de quem dele beneficia” (in “Código Civil Anotado”, vol. V, pág. 603).
Pressuposto para a alteração ou cessação da pensão de alimentos fixada pelo tribunal ou por acordo é que as circunstâncias determinantes da sua fixação se modifiquem, ou seja, que se alterem as necessidades do alimentando, as possibilidades do alimentante, ou ambas – art.º 1012º do CC. Apenas a ocorrência de circunstâncias supervenientes modificativas das necessidades económicas de quem os recebe, da impossibilidade deste de prover ao seu próprio sustento e das possibilidades de quem os presta (devedor) em os proporcionar, relativamente à data em que a prestação alimentícia foi fixada poderá determinar que essa prestação se altere ou cesse.
Como resulta do disposto no art.º 342º, nº 1 do CC, o ónus de alegação e prova da alteração/modificação superveniente das circunstâncias que presidiram à fixação da prestação alimentar antes fixada, recai sobre o autor dessa acção (cfr. Acs. da RG de 12/3/2020, relator Alcides Rodrigues, proc. 1459/07; de 17/11/2022, relatora Alexandra Viana Lopes, proc. 248/2012; de 7/3/2024, relator José Cravo, proc. 36/21; de 30/3/23, relator José Alberto Martins Moreira Dias, proc. 5802/18; da RP de 24/1/2018, relator Jorge Seabra, proc. 3435/05; da RP de 15/4/2013, relator Carlos Querido, proc. 7367/06; da RC de 8/7/2021, relator Avelino Gonçalves, proc. 1880/2017; da RL de 9/11/2017, relator Jorge Leal, proc. 2032/15; do STJ de 23/1/24, relator Jorge Leal, proc. 2649/2014, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Tendo em conta os factos provados, foi entendido na sentença recorrida que a requerente não fez prova de “qualquer alteração superveniente das circunstâncias determinantes da fixação da pensão de alimentos que legitime a cessação do pagamento da pensão de alimentos”, referindo que “desde logo, não se pode ignorar o quadro em que foi acordado o pagamento pela requerente de uma pensão de alimentos a favor do requerido a que se aludiu supra”. Mais se lê na sentença recorrida que “No tocante ao aumento do custo de vida, diremos, tão só, que é manifesto que a tendência de aumento do custo de vida não é privativa de França mas se verifica, igualmente, em Portugal e que, assim, se repercute, negativamente, na esfera da requerente e, também, do requerido.
Quanto à despesa com o telhado do prédio onde reside a requerente, provado está que se trata de uma despesa superveniente e que está em causa o pagamento do valor de 15.235,92 € que a requerente vai ter de liquidar em 60 prestações mensais de 253,94 €, cada, com início em 01.01.2023 e termo a 01.12.2027. Contudo, não logrou a requerente provar que esse valor mensal a suportar pela mesma (com cariz provisório) ponha em causa a sua capacidade de suportar a pensão de alimentos que se obrigou a pagar ao seu ex-marido.
Diremos, ainda, que, contrariamente, ao invocado pela requerente a situação económica do seu ex-marido, ora requerido, também, não se alterou, dado que o património imobiliário que adquiriu foi adquirido com valores monetários provenientes da partilha dos bens comuns do extinto casal”.
Com estes fundamentos, considerou-se não estar demonstrada a incapacidade superveniente da requerente em continuar a prestar a pensão de alimentos ao requerido, tendo o tribunal a quo decidido pela improcedência da acção.
Contudo, resulta dos factos provados, no ponto 9, que “O requerido já refez a sua vida e encontra-se a viver com uma companheira, com quem divide mensalmente as suas despesas básicas, tais como água, electricidade, gás e telecomunicações”.
Deste facto não foi retirada qualquer consequência jurídica pela primeira instância, defendendo a Apelante, nas suas alegações, que houve “uma incorrecta interpretação e, por conseguinte, violação, do art.º 2019º do Código Civil”.
Por seu turno, o Apelado, entende que não é de considerar esse facto “porquanto tal relação já existia e era do conhecimento da A./Recorrente aquando da celebração do acordo de alimentos com o R.”.
Esta matéria de facto foi alegada pela requerente na petição inicial e admitida pelo requerido na contestação, pelo que foi vertida nos factos provados nos seus precisos termos.
Se à requerente cabia fazer prova dos factos supervenientes que podem determinar a cessação da obrigação de prestar alimentos, como já se expôs, cabia ao requerido a prova de que tal situação já ocorria à data da fixação da pensão de alimentos, como agora sustenta em sede de contra-alegações (art.º 342º, nº 2 do CC). No entanto, não fez em sede própria, ou seja, na contestação.
Deste modo, atentemos que na matéria de facto provada, além do referido ponto 9, resultou provado, com relevância, o seguinte: “11. Aquando do divórcio o acordo quanto à prestação de alimentos teve subjacente a seguinte realidade do conhecimento de ambas as partes: a) Que a A. auferia a quantia mensal aproximada de 1.820,00€ superior à pensão auferida pelo R.; b) Que a A. continuaria a residir naquela que fora a casa de morada de família, em França e o R. iria residir em Portugal (para onde se havia mudado recentemente, por motivos de saúde)”.
Não resulta dos factos provados que à data da celebração do acordo que fixou a obrigação de alimentos a cargo da requerente, já se verificava essa situação na vida do requerido (o ter refeito a vida e compartilhar com uma companheira, com quem vive, as despesas mensais básicas).
Prescreve o art.º 2019º do CC:
“Em todos os casos referidos nos artigos anteriores, cessa o direito a alimentos se o alimentado contrair novo casamento, iniciar união de facto ou se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral”.
Esta redacção da norma, introduzida pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, inseriu, a par do novo casamento do alimentado ou da indignidade do seu comportamento, a situação de união de facto como causa de cessação do direito a alimentos.
Como referido por Maria João Vaz Tomé (in Código Civil Anotado – Livro IV – Direito da Família, coord.: Clara Sottomayor, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 1115-1116), “5. I. O início de união de facto pelo alimentando constitui também causa de cessação da obrigação de alimentos.
II. Reputa-se que, mediante o estabelecimento de união de facto, o sobrevivo como que adquire novos alimentos. Apesar de os unidos de facto não estarem reciprocamente obrigados à assistência, as condições económicas do sobrevivo são tidas em conta pelo direito dos alimentos. Como que se atende às expectativas de facto do unido de facto, à “assistência informal” reciprocamente prestada, não importando os direitos legais a alimentos.
6. I. Já antes da reforma de 2008, não prevendo a lei a união de facto do alimentando como causa de cessação da obrigação de alimentos, defendia não ter sido certamente intenção do legislador favorecer a união de facto em detrimento do matrimónio.
II. A união de facto, não sendo embora fonte de relações familiares, não relevando assim do ponto de vista jurídico o que o alimentando aufere em virtude dessa união, recebendo por mero favor, importa em sede de obrigação de alimentos do ponto de vista material.
III. A união de facto do alimentando deveria então ser considerada como causa de cessação da obrigação de alimentos quer em virtude da interpretação extensiva da expressão “novo casamento”, quer por força da aplicação analógica da norma que prevê o novo casamento do alimentando como causa de extinção, quer por força do art.º 2013º/1, b) (desnecessidade) (…)”.
Voltando ao caso dos autos, verifica-se que a requerente alegou, na petição inicial, os factos tendentes a demonstrar a alteração/modificação superveniente das circunstâncias que presidiram à fixação da prestação de alimentos, sendo um deles o facto de o requerido ter refeito a sua vida, estando a viver com uma companheira, na medida em que faz cessar, como se viu, a obrigação de prestar alimentos ao abrigo do art.º 2019º do CC.
Tendo sido alegado tal facto pela requerente, constando o mesmo dos factos provados, deveria o tribunal a quo ter julgado o mesmo como atendível e dessa forma concluir pela cessação da obrigação da prestação de alimentos – art.º 2019º do CC e art.º 5º, 1 e 3 do CPC.
Não o tendo feito, cabe a este tribunal, revogando a decisão recorrida, determinar a cessação da obrigação alimentar a cargo da requerente ao abrigo do disposto no referido art.º 2019º do CC.
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IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a Apelação, revogando a decisão recorrida que substituem por outra que determina a cessação da pensão de alimentos a cargo da requerente.
Custas da acção e da Apelação pelo Recorrido.
Lisboa, 19/12/2024
Carla Figueiredo
Teresa Sandiães
Ana Paula Olivença