ACIDENTE DE VIAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
VALOR DO SALVADO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
DANO NÃO PATRIMONIAL
CRITÉRIOS DO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário

1. Se o Apelante decidiu, por sua livre vontade, reencaminhar o veículo sinistrado para um centro de abate de veículos em fim de vida sem ter recebido o valor do salvado, só a ele pode imputar essa decisão, não podendo defender que a seguradora é também responsável pelo pagamento do valor do salvado, assim alienado;
2. No domínio da responsabilidade extracontratual emergente de acidente de viação, a privação do uso de um veículo automóvel constitui dano autónomo indemnizável na medida em que o seu proprietário ficou privado das utilidades que o bem poderia proporcionar e, desde que, tal privação não seja acompanhada de uma substituição por outro bem ou que não seja acompanhada do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito;
3. A indemnização por danos não patrimoniais é fixada equitativamente, à luz dos critérios previstos nos artigos. 496º, nº4 e 494º do Código Civil, devendo ainda ponderar-se os valores fixados em casos semelhantes, na procura de uniformização de critérios, por força do artigo 8º, nº 3 do Código Civil, com vista a respeitar os critérios de igualdade e proporcionalidade.

Texto Integral

1. Relatório
A, solteiro, residente na Praceta …, em São Domingos de Rana, veio, nos termos dos artigos 483º e 503º nº 1, do Código Civil, intentar a presente ação declarativa de condenação em processo comum, emergente de acidente de viação, contra,
B – Companhia de Seguros, SA, com sede na Avenida …, Lisboa e C- Seguradora SA, com sede na Avenida …, Lisboa, pedindo a condenação solidária das RR. a pagar ao A. a quantia global de 32.440,60 €, assim discriminada:
- Danos patrimoniais (danos emergentes) ----------------- 12.260,60 €;
- Danos patrimoniais (Privação de uso de veículo) -------- 5.180,00 €;
- Danos não patrimoniais----------------------------------   15.000,00 €.
TOTAL-----------------------------------------------------    32.440,60 €.
Mais pede, os juros legais sobre as quantias reclamadas, desde a citação e até integral pagamento.

Para tanto, alega, em síntese, que é proprietário de veículo de automóvel que foi objecto de um acidente de viação, conjuntamente com outros dois veículos, pretendendo obter das seguradoras dos mesmos a indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais que para si decorreram, directa e necessariamente desse acidente de viação, imputando a culpa na produção do acidente aos veículos seguros nas Rés.
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Devidamente citadas contestaram as Rés tendo, além do mais, impugnado os danos patrimoniais e não patrimoniais.
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Dispensou-se a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e fixados os temas da prova por despacho escrito.
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Realizada audiência final foi, após, prolatada sentença de cujo dispositivo consta:
«Pelo supra exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente, porque provada, e, em consequência:
a) Absolve-se a Ré C- Seguradora SA, do pedido;
b) Condena-se a Ré B – Companhia de Seguros, SA, a pagar ao Autor a quantia global de €15.860,60, dos quais €8.000,00 constituem indemnização por danos não patrimoniais e €7.860,60 indemnização por danos patrimoniais.
c) Quantia acrescida de juros de mora desde a citação da Ré B – Companhia de Seguros, SA, até efectivo e integral pagamento.
d) No demais, improcede o peticionado.
Custas na proporção do decaimento, pelo Autor e 1ª Ré.»
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Não se conformando com o decidido veio o Autor interpor o presente recurso alinhando as seguintes conclusões:
«A) O Tribunal a quo deu como provado que o veículo sinistrado do A., antes do acidente, tinha um valor de 8.150,00€ e o salvado de 750,00€.
B) O veículo em causa foi reencaminhado para um centro de abate de veículos em fim de vida, não tendo o A. recebido qualquer quantia referente ao veículo.
C) O Tribunal a quo entendeu que o valor indemnizatório deveria ser de apenas 7.400,00€, quantia que tinha deduzido o valor referente ao salvado de 750,00€.
D) Não tendo o A. recebido qualquer quantia decorrente do reencaminhamento do veículo para o centro de abate de veículos em fim de vida, o valor indemnizatório deverá corresponder, na totalidade, ao valor do veículo antes do sinistro, que era de 8.150,00€, sob pena daquele não ser ressarcido integralmente pelo seu prejuízo nesta sede.
E) O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 483º nº 1, 503º, 494º, 562º, 564º e 566º, todos do Código Civil.
F) O Tribunal a quo entendeu não atribuir qualquer valor indemnizatório ao A. decorrente da privação de uso do veículo sinistrado, alegando que se provou que o mesmo nem sempre utilizava o veículo, que não o utilizava diariamente e a forma como o mesmo era utilizado.
G) Todavia, a matéria de facto dada como provada aponta em sentido contrário, ou seja, que o A. usava a sua viatura para as suas deslocações entre o seu domicílio sito em São Domingos de Rana e o seu posto de trabalho sito em Lisboa (Facto 47).
H) Também se acha provado que a viatura era também usada em deslocações do próprio em períodos de lazer, especialmente aos fins de semana (Facto 48).
I) E ainda que o A. não podia conduzir qualquer outra viatura atenta as suas limitações físicas, só o podendo fazer com viatura especialmente preparada para tanto, como era o caso da viatura sinistrada (Facto 49).
J) Olhando para a Decisão proferida pela Tribunal a quo e a matéria de facto dada como provada pelo mesmo Tribunal, constata-se existir uma manifesta oposição entre a decisão e os fundamentos, com a consequente nulidade da sentença. (artigo 615º, nº 1, alínea c) do C.P.C.)
K) Com efeito, a matéria de facto dada como provada importa decisão diversa reconhecendo ao A. o direito a ver reconhecido um dano patrimonial decorrente da privação de uso do veículo sinistrado.
L) Conforme vasta jurisprudência dos Tribunais superiores atras citada, importa um dano patrimonial a privação de uso do veículo quando o lesado no seu quotidiano profissional e na sua vida particular não o pode usar, sendo suficiente a mera privação do uso do veículo um dano por retirar ao proprietário lesado a possibilidade de a utilizar e a capacidade de dispor materialmente dele quando e quando melhor lhe aprouver.
M) Ora, o A., como se mostra provado, esteve privado de utilização de uma viatura adequada às suas limitações físicas entre o dia 21/12/2016 e o dia 07/09/2017, num total de 259 dias.
N) O valor diário, recorrendo a juízos de equidade e à jurisprudência mais recente aplicável a casos análogos, de privação da viatura aponta para não menos de 20,00€.
O) O A. a título de privação de uso da viatura tem direito a ser indemnizado em montante não inferior a 5180,00€, quantia que este douto Tribunal lhe deve reconhecer e fixar.
P) O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, não reconhecendo ao A. o direito a indemnização por privação de uso da viatura, agiu e violação do direito aplicável e ao arrepio da jurisprudência dominante referente a casos análogos.
Q) Assim, o Tribunal a quo, violou, nesta parte, nomeadamente, o disposto nos artigos 483º nº 1, 503º, 494º, 562º, 564º e 566º, todos do Código Civil e ainda o artigo 615, nº 1, alínea c) do C.P.C.
R) O Tribunal a quo, na presença da matéria de facto dada como provada sob os pontos 24 a 31, 42, 43 e 53 a 60, conforme refere, aplicando o artigo 496º, nº 4 do Código Civil, fixou ao A. e ora recorrente indemnização a título de danos patrimoniais o montante de 8.000,00€.
S) Olhando para os factos plasmados nos pontos da matéria de facto atrás referidos, afigura-se que o valor indemnizatório ficou muito aquém do valor que a gravidade dos mesmos reclamava.
T) Com efeito, cada facto por si representa e traduz uma elevada gravidade, por um lado, mas por outro importa ter em conta que o número de factos é elevado e abarcam não só a vertente física, como também a vertente psicológica.
U) Olhando para a mais recente jurisprudência disponível, aplicável em casos análogos, retira-se que a mesma vai no sentido de valorizar intensamente os danos sofridos pelas vítimas, tanto na vertente física, como na vertente psicológica.
V) Afigura-se pois que o valor indemnizatório, considerando a gravidade dos factos, a evolução da jurisprudência e bem assim jurisprudência atual, por aplicação da equidade, o valor indemnizatório deveria não ser inferior a 15.000,00€.
W) O Tribunal a quo ao decidir como decidiu, não valorou devidamente os factos dados como provados e aplicáveis nesta sede e muito menos os ajustou aos valores jurisprudenciais correntes para efeitos de arbitramento de indemnização por danos não patrimoniais., pelo que violou o disposto nos artigos 483º, 496º, nº 4, 494º, 503º, 562º, 564º e 566º, todos dos Código Civil.
Nestes termos, nos demais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a R. Companhia de Seguros S.A., ora Recorrida:
A) A pagar ao A. ora Recorrente a quantia de 8.150,00€, a título de perda total do veículo sinistrado, acrescida de juros, desde a citação até integral pagamento;
B) A pagar ao A. ora Recorrente a quantia não inferior a 5.180,00€, a título de privação de uso da viatura, acrescida de juros, desde a citação até integral pagamento;
C) A pagar ao A. a quantia de 15.000,00 €, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, desde a citação até integral pagamento.
Tudo conforme alegado e concluído, mantendo-se tudo o mais decidido pelo Tribunal a quo, fazendo-se assim, mais uma vez, sã, serena e objetiva
JUSTIÇA!!»
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Respondeu a Apelada, concluindo como segue:
a. O Recurso tem por objecto (i) o valor da indemnização por perda total do veículo; (ii) a não atribuição de qualquer indemnização decorrente da alegada privação do uso; (iii) o quantum indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais.
b. O Recurso não tem por objecto a decisão quanto à matéria de facto, a qual se cristalizou, tendo transitado em julgado.
c. No que respeita à perda total, a quantia indemnizatória arbitrada cumpre as disposições legais aplicáveis e está de acordo com a decisão quanto à matéria de facto, devendo manter-se o segmento decisório mantendo-se a indemnização decorrente da perda total na quantia de € 7.400,00, improcedendo o Recurso interposto, no que respeita à indemnização a fixar decorrente da perda total do veículo com a matrícula 95-AC-72.
d. No que respeita à alegada privação do uso, também a este respeito a decisão quanto à matéria de facto não permite qualquer alteração a este segmento decisório, bem tendo andado o Tribunal a quo a decidir nos termos em que o fez no que respeita à alegada privação do uso, seja de facto, seja de direito.
e. Por fim, não permitem também os factos provados e não provados, que este Tribunal da Relação revogue a Sentença recorrida, no que respeita ao quantum indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais, devendo, consequentemente, manter-se também a Sentença recorrida no que respeita à decisão proferia relativamente aos danos não patrimoniais.
f. Tendo presente a impossibilidade de Recurso por parte da Recorrente face à ausência de elementos de prova que lhe permitam alterar a decisão recorrida, é manifesto que o Tribunal a quo andou bem a decidir nos termos em que o fez quanto à indemnização referente à perda total, à alegada privação do uso e a título de danos não patrimoniais, devendo a Sentença confirmada por este Tribunal da Relação, improcedendo, em absoluto, o Recurso interposto pelo Recorrente.
g. Devendo, naturalmente, em acréscimo às Alegações de Resposta, atender-se à Sentença recorrida, a qual, a respeito da fundamentação das quantias arbitradas/não arbitradas, se dá aqui por reproduzida.
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O recurso foi admitido em 1ª instância, e mostrando-se cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.
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2. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, as questões que importa decidir são as seguintes:
- Nulidade da sentença.
- Valor da indemnização por perda total do veículo;
- Não atribuição de qualquer indemnização decorrente da alegada privação do uso;
- Quantum indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais.
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3. Fundamentação de facto
Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1. O A., em 21.12.2016, era dono e legítimo possuidor do veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula ..-AC-.., marca Toyota, modelo Corola E2U.
2. No dia 21 de Dezembro de 2016, pelas 07h20m, na Av. Marginal, ao Km 8.2, na União das Freguesias de Oeiras e S. Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, em frente à escultura “Nave Visionária”, junto à praia de Santo Amaro de Oeiras, ocorreu uma colisão entre o veículo do A., matricula ..-AC-.. e os veículos com as matrículas ..-..-PQ e ..-xx-PQ, respetivamente.
3. A 1ª Ré, Companhia de Seguros, SA, havia celebrado um contrato de seguro, pelo qual se vinculara a indemnizar os danos que o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-PQ, viesse a causar a terceiros, o qual se encontrava em vigor à data do acidente, titulado pela apólice n.º 90XXX, emitida pela R..
4. A 2ª Ré Seguradora, SA, a qual sucedeu nas relações jurídicas da Companhia de Seguros …, celebrou um contrato de seguro, pelo qual se vinculara a indemnizar os danos que o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-xx-PQ, viesse a causar, a terceiros, em vigor à data do acidente, encontrava-se titulado pela apólice n.º 00XX, emitida por esta Ré.
5. No local referido, a Avenida Marginal era composta por quatro vias, duas no sentido Lisboa/Cascais e outras duas no sentido contrário Cascais/Lisboa.
6. As vias no local das colisões apresentavam uma reta com inclinação média, descendendo no sentido Cascais/Lisboa até ao início de uma curva à direita.
7. No pavimento da Avenida Marginal em causa existiam marcas separadoras de vias e de sentidos de trânsito visíveis.
8. As vias eram constituídas por piso betuminoso e encontravam-se em bom estado de conservação.
9. Na altura da colisão as vias apresentavam-se secas e limpas.
10. Não havia então nas vias quaisquer obstáculos nem obras em curso.
11. Na altura o tempo estava bom e havia boa visibilidade em toda a extensão das vias.
12. A velocidade máxima permitida então para o local era de 50 km/hora.
13. No dia, hora e local referido o A. conduzia o seu veículo automóvel, matrícula ..-AC-.., no sentido Cascais/Lisboa, na sua mão de trânsito na hemi-faixa da esquerda, havendo veículos a circular à sua retaguarda.
14. Na altura o A. imprimia ao seu veículo uma velocidade não superior a 50 km/hora, tendo acabado de entrar na avenida marginal provindo da entrada do Inatel, a poucos metros do local do sinistro – facto complementar e concretizador.
15. No dia, hora e local da colisão, imediatamente à retaguarda do veículo ..-
AC-.., conduzido pelo A., e na mesma hemi-faixa, circulava o veículo Renault de matrícula ..-xx-PQ, conduzido por Z, o qual conservava daquele uma distância de cerca de 5 a 10 metros – facto último complementar e concretizador.
16. Também no dia, hora e local atrás referido circulava o veículo Peugeot, de matrícula ..-..-PQ, conduzido por W, no sentido Lisboa/Cascais, na hemi-faixa da esquerda, atento o seu sentido de circulação.
17. No preciso momento em que a viatura de matrícula ..-AC-.. conduzida pelo A., se aproximava da linha descontínua separadora das duas hemi-faixas de sentido Cascais/Lisboa para ingressar na hemi-faixa da direita, o veiculo de matrícula ..-..-PQ, conduzido por W, pisou e ultrapassou as linhas contínuas separadoras dos sentidos de trânsito da via em causa, invadiu a hemi-faixa esquerda de sentido Cascais/Lisboa, indo embater com a sua parte frontal e lateral esquerda no veículo do A., na parte frontal e lateral esquerda deste mesmo veículo – facto provado por presunção judicial.
18. Em consequência do embate no veículo de matrícula ..-AC-.., o veículo de matrícula ..-..-PQ rodou sobre si mesmo, tendo ficado imobilizado nas vias de sentido Lisboa/Cascais, em cima das linhas separadoras dessas duas vias, com a parte frontal dirigida para Lisboa e a sua parte traseira para Cascais a cerca de 9 metros do local do embate.
19. Também em consequência do embate, o veículo de matrícula ..-AC-.. sofreu um impulso para trás e rodou no sentido dos ponteiros do relógio, vindo a embater no veículo de matrícula ..-..-PQ, na sua porta traseira lateral direita, com a sua parte frontal que à retaguarda daquele nesse preciso momento circulava.
20. Por via do segundo embate, o veículo de matrícula ..-AC-.. sofreu um impulso que o fez continuar a rodar no sentido dos ponteiros do relógio, completando a volta sobre si mesmo e acabando imobilizado no lado direito da hemi-faixa de sentido Cascais/Lisboa com a parte frontal em cima desta hemi-faixa e voltada para a estrada e com a sua parte central e a traseira fora dessa mesma hemi-faixa e voltada para o lado da praia.
21. O veículo de matrícula ..-xx-PQ ficou imobilizado com a sua parte central e traseira em cima da hemi-faixa direita de sentido Cascais/Lisboa e com a sua parte frontal fora da hemi-faixa direita de sentido Cascais/Lisboa voltada para a praia e junto à parte frontal esquerda da viatura matrícula ..-AC-...
22. Em consequência dos embates que sofreu, o veículo de matrícula ..-AC-.. ficou com a sua parte frontal esquerda e com a sua parte lateral esquerda destruídas, tendo também ficado com a porta traseira direita amolgada.
23. A faixa de rodagem da via, no local do acidente, tem 5,10 metros de largura.
24. Logo após o acidente, o A. foi transportado para o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental E.P.E., onde deu entrada pelas 09:18 horas, do indicado dia 21/12/2016.
25. Neste hospital foram prestados os primeiros socorros, tendo sido de imediato diagnosticado o seguinte:
➢ Trauma crânio encefálico com eventual perda de conhecimento e amnésia para o ocorrido;
➢ Trauma torácico com ponto de aplicação à esquerda equimovel e equiresistente mas com dor à esquerda ACP sem alteração;
➢ Trauma do hipocôndrio esquerdo com dor à apalpação mas sem defesa ou reação;
➢ Dor ao nível da apalpação do membro inferior direito essencialmente joelho tibiotársica esquerdo e também no joelho esquerdo sem deformações. 1
26. Após exames, radiografia, foram diagnosticados fratura proximal do perónio direito, tendo sido feita imobilização com ligadura.
27. Neste hospital o A. esteve em tratamento, em exames médicos e em observação da evolução do seu estado clínico.
28. No dia 21/12/2016, pelas 17 horas teve alta do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental EPE, para o domicílio dos pais.
29. Posteriormente veio o A. a fazer fisioterapia de recuperação por tendinite do tibial posterior e pata de ganso, na clínica da especialidade de ortopedia, denominada R’Equilibrio, com sede em Oeiras.
30. Na qual realizou 17 sessões de Fisioterapia de acordo com o solicitado pelos serviços clínicos da companhia de seguros, entre os dias 9 de Março de 2017 e 06 de Abril de 2017 (4 semanas) tendo havido uma consulta intermédia e uma consulta final a 7 de Abril nos serviços clínicos da companhia (ortopedista) onde foi dada alta da Fisioterapia.
31.A fractura consolidou, tendo tido alta em 4.4.2017.
32. O veículo de matrícula ..-..-PQ na altura do acidente não era conduzido pelo seu proprietário, sendo o condutor, W filho da proprietária, conforme decorre da participação do acidente de viação.
33. Até à presente data, as RR. não assumiram a responsabilidade dos respectivos segurados pela produção do acidente e não pagaram, nem puseram à disposição do A. qualquer montante por conta dos danos por este reclamados.
34. A viatura conduzida pelo A. ficou totalmente destruída, não se mostrando viável a reparação da viatura em causa.
35. O veículo do Autor foi por este reencaminhado para um centro de abate de veículos em fim de vida, não tendo recebido qualquer quantia decorrente do abate do seu veículo.
36. Na altura do acidente, a viatura ..-AC-.. tinha 11 anos de idade.
37. E encontrava-se em bom estado de mecânica e de chapa.
38. A viatura do A. encontrava-se adaptada às condições físicas do A. com manípulo no volante.
39. A roupa que o A. vestia na altura do acidente, constituída por camisa, calças, cuecas, meias, pullover e blusão protetor de frio e chuva, ficou destruída.
40. O A. gastou na aquisição de uma camisa num par de calças, umas cuecas, um par de meias, um pullover e um blusão protetor de frio e chuva, quantia global de 190,00€
41. Na altura do acidente o A. usava óculos os quais ficaram igualmente destruídos e na aquisição de um par de óculos idêntico, o A. gastou a quantia de 233,60 €.
42. Após a alta hospitalar, o A. continuou sem poder exercer lides domésticas, bem como fazer a sua higiene pessoal.
43. Durante pelo menos 60 dias o A. teve de socorrer-se de seus pais para lhe confecionarem as refeições, levá-lo a consultas médicas e fisioterapia, bem como auxilia-lo na sua vida corrente.
44. Tendo o acidente dos autos sido também qualificado como de trabalho, quanto ao Autor, a Companhia de Seguros contratada pela entidade patronal para os acidentes de trabalho, disponibilizou ao Autor transporte por Uber para ir aos tratamentos, e o Pai também o levava muitas vezes – facto instrumental.
45. Para instruir o presente processo, gastou o A. numa certidão de nascimento a quantia de 20,00 €.
46. E para instruir o processo ora em causa o A. gastou a quantia de 17,00 € numa certidão do registo automóvel.
47. A viatura de matrícula ..-AC-.. era usada pelo A. para as suas deslocações entre o seu domicílio, sito em São Domingos de Rana, e o seu posto de trabalho sito em Lisboa.
48. A viatura era também usada em deslocações do próprio em períodos de lazer, especialmente ao fim de semana.
49. O A. não podia conduzir qualquer outra viatura, atentas as suas limitações físicas, só o podendo fazer com viatura especialmente preparada para tanto, como era o caso da viatura sinistrada.
50. As RR. seguradoras não facultaram ao A. nenhum veículo de substituição do veículo sinistrado em iguais circunstâncias.
51. O custo diário de um veículo idêntico ao do A., no mínimo ascende a 20,00 € - facto provado por presunção judicial.
52. O A. adquiriu uma viatura nova, devidamente adaptada, a qual lhe foi entregue no dia 07/09/2017, à qual foi atribuída a matrícula ..-TH-...
53. O A. nasceu em 13/10/1972, tendo à data do acidente 44 anos de idade.
54. Gozava o mesmo de boa saúde.
55. Era uma pessoa com alegria de viver, constante boa disposição, trabalhadora e bastante ativa.
56. Em consequência do acidente, o A. esteve 1 dia internado no Hospital São Francisco Xavier.
57. O A. sofreu dores em consequência do impacto resultante do acidente de viação em diversas zonas do seu corpo, nomeadamente na cabeça, no peito, membro inferior direito, joelho direito e tibiotárcia esquerda.
58. Resultou do acidente, com consequências traumáticas, a fratura do proximal do perónio direito.
59.O A. no decurso dos exames, especialmente quando esteve internado no hospital de São Francisco Xavier, sentiu-se bastante angustiado.
60. Durante cerca de 60 dias o A. esteve impedido de frequentar os locais públicos que gostava, tais como discotecas, bares, cafés.
61. A Primeira Ré, B – Companhia de Seguros, SA, é uma sociedade comercial que tem por objecto social o exercício da actividade de seguro e resseguro do ramo “não vida”, com a amplitude consentida pela lei.
62. No exercício da sua actividade, a Primeira Ré celebrou um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, que teve por objecto o veículo automóvel marca Peugeot, modelo 306, com a matrícula ..-..-PQ, relativamente ao qual foi emitida a Apólice n.º 90.XX.
63. À data do acidente em causa nos presentes Autos, o veículo automóvel marca Toyota, modelo Corolla, com a matrícula ..-AC-.., estava abrangido por um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, celebrado com Liberty Seguros Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A..
64. E o veículo automóvel marca Renault, modelo Ka Megane Break, com a matrícula ..-xx-PQ, estava abrangido por um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, celebrado com a Segunda Ré, tudo conforme documento n.º 2, já junto.
65. O veículo com a matrícula ..-AC-.. era conduzido por A aqui Autor, e circulavam como passageiros F e G; o veículo com a matrícula ..-xx-PQ, seguro junto da Segunda Ré, era conduzido por Z; e, por fim, o veículo com a matrícula ..-..-PQ, seguro junto da Primeira Ré, era conduzido por W.
66. Na sequência do acidente de viação em causa nos presentes Autos, a Primeira Ré, promoveu a realização de uma peritagem à viatura, na qual se concluiu pela sua perda total, conforme Relatório de Perda Total, cujas conclusões foram comunicadas ao aqui Autor, a título condicional, em virtude da não assunção de responsabilidade nos termos alegados supra.
67. Na qual se concluiu que o valor de mercado do veículo em causa ascendia à quantia de € 8.150,00.
68. E foi atribuído ao salvado o valor de € 750,00.
Foram considerados não provados:
- Que existiam veículos a circular à frente do veículo do Autor, AC. - Que na hemi-faixa da direita e no local referido, igualmente no sentido Cascais/Lisboa, encontravam-se outros veículos em circulação paralelamente ao veículo do A., mas em velocidade inferior à deste.
- Que o condutor do veículo de matrícula ..-xx-PQ circulando atrás do veículo de matrícula ..-AC-.., no momento do embate não guardava uma distância de segurança relativamente àquele veículo de modo a poder parar o veículo no espaço livre e visível á sua frente, evitando assim a colisão que veio a acontecer.
- Que, caso essa distância de segurança fosse respeitada, o condutor do veículo de matrícula ..-xx-PQ teria tempo de travar, ou de se desviar, por forma a evitar o embate.
- Que na altura do acidente, o condutor do veículo de matrícula ..-..-PQ, W, conduzia o veículo sob a influência de álcool, apresentando uma TAS 1,07 g/l.
- Que o veículo do Autor tinha nessa altura um valor de mercado não inferior a 10.000,00 €.
- Que no total, o A. submeteu-se a 40 dias de fisioterapia na clínica.
- Que o A. de socorrer-se de terceira pessoa, a quem tem obrigação a compensar em quantia não inferior a 30,00 € por cada dia, ou seja, no montante global de 1.800,00 €.
- Que o A. ficou com as seguintes sequelas relacionadas com o acidente ora em causa, nomeadamente diminuição da sensibilidade do joelho direito.
- Que o Autor utilizava o seu veículo diariamente.
- Que o A. esteve sem qualquer viatura para as suas deslocações entre a data do acidente, que ocorreu em 21/12/2016 e o dia 06/09/2017, num total de 259 dias.
- Que os sofrimentos físicos foram enormes, quantificando-se o quantum doloris no grau 4, numa escala de 1 a 7.
- Que o A. deixou de frequentar locais públicos mesmo depois da sua convalescença, por se sentir diminuído fisicamente.
- Que o A. era pessoa que muito gostava de frequentar os locais públicos atrás referidos, o que agora nem sempre o pode fazer pelo facto de sentir muitas dores, especialmente em perna, peito, costas e cabeça as quais foram consequência do acidente.
- Que toda a situação física sofrida pelo A. o continua a afectar psicologicamente.
- Que quando há mudanças de tempo o A. vê agravadas as dores que sente tanto ao nível de perna como ao nível de costas e peito.
- Que foi o veículo com a matrícula ..-xx-PQ, seguro junto da Segunda Ré, que embateu no veículo com a matrícula ..-AC-.., e não o contrário.
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4. Fundamentação de direito.
Da nulidade da sentença:
Estabelece o nº 1 do art.º 615º do CPCivil, de forma taxativa as causas de nulidade da sentença:
«1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido».
As causas de nulidade taxativamente enumeradas neste preceito não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, configurando realidades distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes.
Não deve confundir-se o erro de julgamento com os vícios que determinam as nulidades em causa.
As decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo as respectivas consequências também diversas: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder, ao abrigo da qual são decretadas, são nulas nos termos do referido art.º 615º.
Alega a apelante que a sentença é nula nos termos do disposto no art.º 615º, nº 1, al. c), do CPCivil aduzindo: «J) Olhando para a Decisão proferida pela Tribunal a quo e a matéria de facto dada como provada pelo mesmo Tribunal, constata-se existir uma manifesta oposição entre a decisão e os fundamentos, com a consequente nulidade da sentença. (artigo 615º, nº 1, alínea c) do C.P.C.), K) Com efeito, a matéria de facto dada como provada importa decisão diversa reconhecendo ao A. o direito a ver reconhecido um dano patrimonial decorrente da privação de uso do veículo sinistrado.»
Adianta-se, desde já, que não assiste razão ao Apelante.
As causas de nulidade da sentença, previstas no artigo 615º do CPCivil, respeitam a vícios formais decorrentes «de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito» cfr. Ac. STJ de 23/03/2017, disponível in www.dgsi.pt.
Conforme se decidiu no Ac. STJ de 24.2.2022, «A nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, refere-se a um vício lógico na construção da sentença que ocorre quando os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a uma decisão diferente da que vem expressa na decisão.»
No dizer de Alberto dos Reis e de Antunes Varela, este vício ocorre quando os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a uma decisão diferente da que vem expressa na sentença. Cfr. Alberto dos Reis, «Código de Processo Civil, Anotado», vol. V, pág. 141 e Antunes Varela, «Manual de Processo Civil», 1ª ed., pág. 671.
Para Pais de Amaral, trata-se de um vício de raciocínio. «A sentença tem de ser entendida como um silogismo judiciário em que a premissa maior é a norma jurídica aplicada, a menor é constituída pelos factos provados, sendo a conclusão a decisão proferida. Assim sendo, a conclusão tem de estar em consonância com as premissas em que se baseou.». Pais de Amaral, «Direito Processual Civil», 15ª ed., pág. 409.
Já Amâncio Ferreira defende «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).
Ora, não vislumbramos qualquer vício da sentença recorrida, não sendo evidente qualquer oposição entre os fundamentos da sentença e a decisão.
Com efeito, pese embora tenha ficado provado a factualidade que integra os pontos 38, 47, 48 e 49, a sentença não padece da nulidade que lhe é imputada, ao julgar improcedente o pedido do Apelante a ser indemnizado por danos patrimoniais decorrentes da privação de uso do veículo. Poderá haver um erro de julgamento de direito e, se for caso disso, ser alterada a decisão, mas tal não significa que a sentença é nula por enfermar do vício previsto no artigo 615º nº 1 al. c) do Código de Processo Civil.
Improcede, assim, a arguida nulidade.
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Valor da indemnização por perda total do veículo.
Entende o apelante, nas suas conclusões A) a E), que tendo ficado provado que o veículo do A., antes do acidente, tinha um valor de 8.150,00€ e o salvado de 750,00€, que o veículo em causa foi reencaminhado para um centro de abate de veículos em fim de vida, não tendo o A. recebido qualquer quantia referente ao veículo, não poderá ser deduzido o valor do salvado e o valor indemnizatório deverá corresponder, na totalidade, ao valor do veículo antes do sinistro, que era de 8.150,00€, sob pena daquele não ser ressarcido integralmente pelo seu prejuízo nesta sede. »
O tribunal fundamentou a sua decisão a respeito nos seguintes termos: «(…) o veículo do Autor, tendo sido considerado perda total, apurou-se que valia à data dos factos, €8.150,00 e o seu salvado €750,00, pelo que o valor a indemnizar ascende à quantia de €7.400,00, improcedendo neste pedido os peticionados €10.000,00.»
Por seu turno, sustenta a Apelada:
Nos termos do n.º 3 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto de 2007 «o valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização.
Assim, tal quantia, ascende à quantia de € 7.400,00, isto é, € 8.150,00 – € 750,00, conforme decidiu o Tribunal a quo, e este Tribunal da Relação deverá manter.
Sendo absolutamente indiferente se o Recorrente alienou o salvado, ou se optou por o abater sem receber qualquer quantia, porquanto, se assim foi, tal resultou de decisão unilateral do Recorrente, decisão esta que não pode imputar à Recorrida.»
Estipula o DL nº 291/2007 de 21 de Agosto, no art.º 41º, sob a epígrafe «Perda total», no segmento pertinente:
«(…)
3 - O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização. (sublinhado nosso)
Está assente, e aceite por todos, que houve perda total do veículo sinistrado, que este antes do acidente tinha um valor de 8.150,00€ e o salvado foi avaliado em 750,00€, donde a quantia indemnizatória arbitrada, a este título, pelo Tribunal recorrido cumpre as disposições legais em vigor, não merece, por isso, qualquer reparo, pelo que se mantém na íntegra o segmento decisório nos termos do qual fixa como indemnização decorrente da perda total do veículo a quantia de € 7.400,00.
Se o Apelante decidiu, por sua livre vontade, reencaminhar o veículo sinistrado para um centro de abate de veículos em fim de vida sem ter recebido qualquer quantia referente ao veículo, nomeadamente o valor do salvado, só a ele pode imputar essa decisão, não pode é defender que a seguradora é também responsável pelo pagamento do valor do salvado.
Como defende a Apelada e se subscreve «Sendo absolutamente indiferente se o Recorrente alienou o salvado, ou se optou por o abater sem receber qualquer quantia, porquanto, se assim foi, tal resultou de decisão unilateral do Recorrente, decisão esta que não pode imputar à Recorrida.»
Improcedem, assim, as conclusões e o recurso interposto pelo Recorrente, no que respeita à indemnização a fixar decorrente da perda total do veículo.
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-Da não atribuição de qualquer indemnização decorrente da alegada privação do uso.
No entender do Apelante, cfr. conclusões F) a Q), «(… importa um dano patrimonial a privação de uso do veículo quando o lesado no seu quotidiano profissional e na sua vida particular não o pode usar, sendo suficiente a mera privação do uso do veículo um dano por retirar ao proprietário lesado a possibilidade de a utilizar e a capacidade de dispor materialmente dele quando e quando melhor lhe aprouver. … o A., esteve privado de utilização de uma viatura adequada às suas limitações físicas entre o dia 21/12/2016 e o dia 07/09/2017, num total de 259 dias, … O valor diário, recorrendo a juízos de equidade e à jurisprudência mais recente aplicável a casos análogos, de privação da viatura aponta para não menos de 20,00€.
O A. a título de privação de uso da viatura tem direito a ser indemnizado em montante não inferior a 5180,00€, quantia que este douto Tribunal lhe deve reconhecer e fixar.»
O tribunal sustentou a decisão nos seguintes termos:
«Quanto ao dano patrimonial de privação de uso de veículo, reclamado na quantia de 5.180,00€, o mesmo não se comprovou, dado que se provou que o A. nem sempre utilizava o seu veículo, o mesmo não era utilizado diariamente e não se apurou de que forma era utilizado, bem como porque se apurou que foi transportado pelo seu Pai e bem assim utilizou Uber´s, pagos pela Seguradora da entidade patronal, para as deslocações que necessitou, designadamente para a fisioterapia.»
Por seu turno, sustenta a Apelada:
«Não basta alegar factos – como o Recorrente volta a fazer no Recurso a que ora se responde – é necessário provar os factos que se alegam e, no que respeita à alegada privação do uso não logrou o Recorrente demonstrar que esteve impossibilitado de se deslocar, e que esteve sem qualquer veículo durante o período de 259 dias – o que o Recorrente não fez, e conformou-se com a decisão do Tribunal de Primeira Instância a tal respeito, não tendo interposto Recurso da decisão quanto à matéria de facto.
Para que o Recorrente lograsse obter alguma possibilidade de vencimento de causa deveria ter interposto Recurso tendo por objecto a decisão quanto à matéria de facto, mais concretamente, pugnando pela alteração da decisão no que respeita aos factos não provados acima citados.»
Ora, com relevância, para apreciação desta questão, estão provados os seguintes factos:
44. Tendo o acidente dos autos sido também qualificado como de trabalho, quanto ao Autor, a Companhia de Seguros contratada pela entidade patronal para os acidentes de trabalho, disponibilizou ao Autor transporte por Uber para ir aos tratamentos, e o Pai também o levava muitas vezes – facto instrumental.
(…)
47. A viatura de matrícula ..-AC-.. era usada pelo A. para as suas deslocações entre o seu domicílio, sito em São Domingos de Rana, e o seu posto de trabalho sito em Lisboa.
48. A viatura era também usada em deslocações do próprio em períodos de lazer, especialmente ao fim de semana.
49. O A. não podia conduzir qualquer outra viatura, atentas as suas limitações físicas, só o podendo fazer com viatura especialmente preparada para tanto, como era o caso da viatura sinistrada.
50. As RR. seguradoras não facultaram ao A. nenhum veículo de substituição do veículo sinistrado em iguais circunstâncias.
51. O custo diário de um veículo idêntico ao do A., no mínimo ascende a 20,00€.
52. O A. adquiriu uma viatura nova, devidamente adaptada, a qual lhe foi entregue no dia 07/09/2017, à qual foi atribuída a matrícula ..-TH-...
A propósito da mesma questão o tribunal de 1ª instância deu como não provados os seguintes factos:
- Que o Autor utilizava o seu veículo diariamente.
- Que o A. esteve sem qualquer viatura para as suas deslocações entre a data do acidente, que ocorreu em 21/12/2016 e o dia 06/09/2017, num total de 259 dias.
Sobre esta questão - dano de privação de uso do veículo automóvel - duas posições se têm afirmado no STJ:
Uma que reconhece o direito de indemnização relativamente a situações em que o veículo é usado habitualmente para deslocações, sem necessidade de o lesado alegar e provar que a falta do veículo sinistrado foi causa de despesas acrescidas, cfr. Acórdão de 28/05/2024 in www.dgsi.pt «X. O dano decorrente da privação do veículo constitui dano patrimonial autónomo suscetível de indemnização, quando o proprietário do veículo sinistrado se viu privado de um bem que faz parte do seu património, deixando de dele poder dispor e gozar livremente, cabendo, assim, pela violação do direito de propriedade, o direito a indemnização pela ocorrência desse dano.»
Outra, faz corresponder à privação do uso uma indemnização autónoma, independentemente da prova de uma utilização quotidiana do veículo, com recurso à equidade. Cfr. Acórdão de 07-09-2021, in www.dgsi.pt « 6. A atribuição da indemnização pela privação do uso deverá ser calculada mediante a ponderação da reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, nos termos do art.º 562º do CC, e com recurso à equidade, dentro dos limites do que for provado, nos termos do art.º 566º, n.º 3 do CC.»
No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Lisboa, de 20/12/2017 (Ondina Carmo Alves, in www.dgsi.pt) que decidiu: «A privação do uso de um veículo sinistrado constitui um dano patrimonial indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao seu proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado no artigo 62.º da CRP e que pode ser economicamente valorizável, se necessário com recurso à equidade». Cfr., ainda, o acórdão do TRL de 11/12/2019, Carlos Castelo Branco, www.dgsi.pt «IV) O dano ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem, qualquer que fosse a actividade (lucrativa, benemérita ou de simples lazer) a que o veículo estava afecto e o mesmo não se anula pela utilização de um outro veículo, o qual apenas proporciona a utilidade inerente à deslocação que, nele, é correspondentemente efectuada. V) Se é certo que tal utilização não erradica o dano consistente na impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, ainda assim, tal utilização deverá ser atendida na fixação do quantum indemnizatório, chegando-se à conclusão que tal montante será inferior face aos casos em que o sinistrado não tenha outro veículo com o qual possa suprir a utilidade decorrente da realização de viagens.»
Como afirma Abrantes Geraldes, «Inequívoco é que o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de fruição exclusiva que envolve até o direito de não usar, já que a opção pelo não uso ainda constitui uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectada pela privação do bem. (…) sendo a disponibilidade material dos bens um dos principais reflexos do direito de propriedade, apenas excepcionalmente, num quadro factual mais complexo, ao qual não deverá ser alheio o sujeito passivo, será possível afirmar que a concreta privação do uso durante um determinado período não foi causa adequada de danos significativos merecedores de ajustada indemnização” (…) “a simples falta de prova de danos concretos não deve conduzir necessariamente à improcedência da pretensão indemnizatória, não devendo descartar-se o recurso à equidade para, no balanceamento dos factos e das regras de experiência, encontrar um valor razoável e justo que permita a reintegração da situação perturbada…». Cfr. «Responsabilidade Civil Extracontratual – Quadro Normativo e Papel do Supremo Tribunal de Justiça na Evolução do Instituto», in Colóquio sobre o Código Civil (no âmbito do cinquentenário), 27/10/2016, disponível online.
Sufragamos a tese de Abrantes Geraldes de acordo com a qual deve reconhecer-se o direito de indemnização com fundamento na simples privação do uso normal do bem já que o proprietário ficou privado das utilidades que o bem poderia proporcionar e, desde que, claro está, tal privação não seja acompanhada de uma substituição por outro bem ou que não seja acompanhada do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito. Conforme defende este autor «nestas circunstâncias não custa compreender que a simples privação do uso seja causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que posa servir de base à determinação da indemnização» e «é incontornável a perceção de que entre a situação que existiria se não houvesse o sinistro e aquela que se verifica na pendencia da provação existe um desequilíbrio que, na falta de outra alternativa, deve ser compensado através da única forma possível, ou seja, mediante a atribuição de uma quantia adequada.» Cfr. «Indemnização do Dano da Privação do Uso», Almedina, 2001, pág.39.
Esta constitui, aliás, a jurisprudência maioritária do STJ, que vem decidindo que, no domínio da responsabilidade extracontratual emergente de acidente de viação, a privação do uso de um veículo automóvel constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o art.º 1305.º do CC lhe confere de modo pleno e exclusivo, bastando, para o efeito, que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava (cfr., por exemplo, os Acórdãos do STJ de 08.05.2013, 14.12.2016 e 13.07.2017, in www.dgsi.pt).
No caso que ora nos move e conforme se extractou, o A. ficou, efectivamente, privado do uso do veículo e que a Ré não lhe facultou a utilização de qualquer veículo de substituição nem lhe disponibilizou qualquer quantia para alcançar o mesmo efeito.
Assim sendo, há-de reconhecer-se ao A. o direito à indemnização pela privação do uso sendo indiferente que não tenha feito prova de que utilizava o veículo diariamente já que a simples afectação do uso do veículo é suficiente para se considerar o dano verificado. Como defende Abrantes Geraldes que temos vindo a citar, a normalidade da vida indicia que o acto de aquisição de um veículo, representando um investimento de alguém, visa a sua normal utilização (exercício de uma actividade produtiva, realização de deslocações, cumprimento de tarefas, instrumento de lazer, etc.). Cfr. Ob. cit. pág.38.
Na verdade, tendo ficado provado que o A. esteve sem qualquer viatura para as suas deslocações entre a data do acidente, que ocorreu em 21/12/2016 e o dia 06/09/2017, num total de 259 dias, tendo havido perda total, não tendo sido fornecido pela seguradora um veículo de substituição e não paga imediatamente a indemnização equivalente ao valor do veículo antes do acidente, existirá sempre o dano patrimonial de privação de uso de veículo, pelo qual o lesado tem direito a ser indemnizado.
Em face da factualidade provada - o A. utilizava o veículo para as suas deslocações entre o seu domicílio, sito em São Domingos de Rana, e o seu posto de trabalho sito em Lisboa e que a viatura era também usada em deslocações do próprio em períodos de lazer, especialmente ao fim de semana- o facto de não ter ficado provado que o Autor utilizava o seu veículo diariamente e que esteve sem qualquer viatura para as suas deslocações entre a data do acidente, que ocorreu em 21/12/2016 e o dia 06/09/2017, num total de 259 dias, não impõe a conclusão que o Autor não esteve privado do uso da sua viatura.
Não se pode aceitar a afirmação do tribunal «a quo» quando afirma «… e não se apurou de que forma era utilizado …», uma vez que provado ficou que «o A. utilizava o veículo para as suas deslocações entre o seu domicílio, sito em São Domingos de Rana, e o seu posto de trabalho sito em Lisboa e que a viatura era também usada em deslocações do próprio em períodos de lazer, especialmente ao fim de semana
Não se alcança em que medida o facto de o A. nem sempre utilizar o seu veículo e ter sido transportado pelo seu Pai e bem assim utilizar Uber´s, pagos pela Seguradora da entidade patronal, para as deslocações que necessitou, designadamente para a fisioterapia, afasta o direito do A. a ser indemnizado pelo dano patrimonial de privação de uso de veículo.
Aqui chegados, a questão que se coloca é a saber como calcular a correspondente indemnização.
A jurisprudência do STJ tem entendido que esse cálculo deve ser efectuado com base na equidade, por não ser possível avaliar «o valor exacto dos danos» (cfr. n.º 3 do artigo 566º do Código Civil), tendo como limites temporais, por um lado, a ocorrência do sinistro e, por outro, o pagamento efectivo da indemnização (cfr., no mesmo sentido,Abrantes Geraldes, Ob. Cit., p. 52 e 53).
Defendeu-se em Acórdão do STJ de 13.07.2017 a respeito de questão similar, que «deve ter-se presente que a regra geral do art.º 566º, nº 2, do Código Civil – teoria da diferença – não pode ser aplicável ao dano de privação de uso, na medida em que “a comparação entre a situação patrimonial real e a situação patrimonial hipotética do lesado, na data mais recente que puder ser atendida [se] adequa a privações definitivas e não a privações limitadas no tempo” (Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, pág. 58). Deste modo, a indemnização pelo dano de privação de uso terá de ser fixada de acordo com a equidade (art.º 566º, nº 3, do CC)».
Para efeitos de cálculo da indemnização ajustada, com recurso à equidade, tem de fazer-se uso das regras da experiência comum, tomando, por exemplo, como ponto de referência o custo do aluguer de um veículo de características semelhantes (ligeiro de mercadoria de dois lugares), mas sem esquecer o valor venal do veículo e o seu período de vida útil.
Como salienta Abrantes Geraldes, Ob. Cit., p. 51 e 52 «se, na ponderação dos resultados finais, não deve admitir-se para o lesado um benefício, também parece inadequado que seja o agente causador do sinistro (ou a sua seguradora) a beneficiar com uma injustificada poupança das despesas que a paralisação o obrigaria. Em qualquer dos casos, repita-se, mais do que onerar exclusivamente o lesado com o pesado fardo da comprovação dos factos necessários à determinação do montante indemnizatória (…), impõe-se que os tribunais usem dos poderes investigatórios que a lei lhes faculta e utilizem como critério de formação da convicção o que se ajustar às especificidades do caso».
No caso vertente, o A. alegou e provou que o valor do aluguer diário de um veículo com as mesmas características do sinistrado era de € 20,00 tendo ficado provado que a viatura ficou sinistrada em 21/12/2016 e que adquiriu uma viatura nova, devidamente adaptada -em face da sua condição física- a qual lhe foi entregue no dia 07/09/2017. Cfr. Pontos 51 e 52 da matéria de facto.          
Assim, considerando estes dados objectivos, entendemos dever corresponder a indemnização a fixar, ao valor do aluguer diário provado o que determina o valor de €5.180, peticionado pelo A..
Acrescem juros legais contados desde a data da citação.
*
- Do quantum indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais.
O Apelante deduziu o pedido de condenação da Apelada no pagamento de uma indemnização no valor de €15.000,00, a título de danos não patrimoniais.
O tribunal fixou a indemnização devida ao Apelante, a título de danos não patrimoniais, no montante de €8.000,00, com a seguinte fundamentação “… não se provou o quantum doloris, a existência de dano estético, inexistiram intervenções cirúrgicas, não se demonstrou a existência de sequelas, pelo que, ponderando a idade do Autor, a existência de dores, a duração do tratamento, de dois meses, o sofrimento psíquico do Autor, angústia sofrida, as limitações na sua vida pessoal, familiar e social, equitativamente julga-se adequada a fixação de uma indemnização pelos danos não patrimoniais em €8.000,00.
Não se conformando com o decidido entende o Apelante que:
- Considerando a gravidade dos factos, a evolução da jurisprudência e bem assim jurisprudência atual, por aplicação da equidade, o valor indemnizatório deveria não ser inferior a 15.000,00€.
- O Tribunal a quo ao decidir como decidiu, não valorou devidamente os factos dados como provados e aplicáveis nesta sede e muito menos os ajustou aos valores jurisprudenciais correntes para efeitos de arbitramento de indemnização por danos não patrimoniais, pelo que violou o disposto nos artigos 483º, 496º, nº 4, 494º, 503º, 562º, 564º e 566º, todos dos Código Civil.
No entender da Apelada “…não permitem também os factos provados e não provados, que este Tribunal da Relação revogue a Sentença recorrida, no que respeita ao quantum indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais, devendo, consequentemente, manter-se também a Sentença recorrida no que respeita à decisão proferia relativamente aos danos não patrimoniais.»
Os factos, com relevância para apreciação desta questão, são os referidos em 2. Fundamentação de facto, sob os nºs 24 a 31, 42, 43, 53 a 60.
Estipula, na parte pertinente, o art.º 496 do CCivil, (Danos não patrimoniais):
«1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
(…)
4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º;»
Estabelece, por seu turno, o art.º 494º do CC (Limitação da indemnização no caso de mera culpa)
«Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.”
Em face da factualidade provada temos por adquirido que na sequência do acidente o Apelante sofreu danos não patrimoniais.
Com efeito, está provado que o Apelante, de 44 anos de idade e gozando de boa saúde, devida às lesões que sofreu em consequência do acidente discutido nos autos, ocorrido em 21.12.2016, sofreu traumatismos, dores físicas e psíquicas, esteve internado, teve que fazer tratamentos e fisioterapia e, e mesmo após a alta hospitalar, o A. continuou sem poder exercer lides domésticas, bem como fazer a sua higiene pessoal e durante pelo menos 60 dias o A. teve de socorrer-se de seus pais para lhe confeccionarem as refeições, levá-lo a consultas médicas e fisioterapia, bem como auxiliá-lo na sua vida corrente, durante cerca de 60 dias o A. esteve impedido de frequentar os locais públicos que gostava, tais como discotecas, bares, cafés.
Em suma, o A. sofreu dores físicas e psíquicas, angústia, o que limitou a sua vida pessoal, familiar e social, trata-se de danos patrimoniais que pela sua gravidade merecem a tutela do direito, cf. 496º, nº 1, do CCivil.
Como, expressamente, resulta do nº 4, do art.º 496.º, do CCivil, a regra é a de que a indemnização, por danos não patrimoniais, deve ser fixada de acordo com a equidade.
Aceita-se a afirmação do Apelante de que «a indemnização por danos não patrimoniais é fixada, equitativamente, à luz dos critérios previstos nos arts. 496º, nº 4 e 494º do Código Civil, devendo ainda ponderar-se os valores fixados em casos semelhantes, na procura de uniformização de critérios, por força do art.º 8º, nº 3 do mesmo Código, com vista a respeitar os critérios de igualdade e proporcionalidade», e também se concorda com a douta jurisprudência invocada, Ac. do STJ de 15/03/2022, Proc. nº 2957/12.0TCLRS.L1.S1, Ac. STJ de 21/04/2022, Proc. nº 96/18.9T8PVZ.P1.S1 e Ac. STJ de 14-09-2023, proc. 1974/21.3T8PNF.P1.S1, todos in www.dgsi.pt.
Resta, pois, apreciar se o tribunal, ao fixar o valor da indemnização por danos patrimoniais, respeitou os critérios previstos no art.º 496º do CCivil, bem como ponderar se o valor fixado é idêntico aos valores fixados em casos semelhantes, conforme determina o art.º 8º, nº 3, do CC.
Antes de mais cumpre, desde já, afirmar que os casos tratados na jurisprudência citada, onde foram fixados a título de indemnização por danos não patrimoniais os valores de €10.000,00, €15.000,00 e €35.000,00, em nada são análogos ao dos presentes autos.
As consequências dos acidentes ali relatados em nada se comparam com o caso dos autos.
Veja-se, por exemplo, o processo Proc. nº 96/18.9T8PVZ.P1.S1, Ac. STJ de 21/04/2022, onde foi fixado, a título de indemnização pelo danos não patrimoniais, o valor de €15.000,00, que o Apelante defende que seja aqui fixado.
A ali lesada, que sofreu o acidente em 11/02/2015, esteve de baixa 5 meses, usou um colar cervical por 2 semanas, foi submetida a 345 sessões de medicina física e reabilitação, apresentava dores na transição crânio cervical com dores de predomínio lombar e região interescapular, episódios de tonturas e náuseas, cervicalgias que pioravam com o movimento cervical, parestesias e sensação de falta de força dos membros superiores e membro inferior direito, com dor da virilha para o joelho, o que causavam à lesada grande preocupação e ansiedade, em 12 de Maio de 2016, apresentava cervicalgia esporádica, parestesias, contratura paravertebral cervical e amplitude cervical limitada nos últimos graus por dor, tendo sido encaminhada para a consulta da cor crónica, em Agosto de 2017, a Autora era acompanhada na consulta da dor do Hospital ... apresentando queixas de cervicalgia esquerda, com braquialgia esporádica e parestesias desde a axila até aos 3º a 5º dedos mais à esquerda, em caso de agravamento das parestesias ou dores, poderá ser submetida a cirurgia cervical C5-C6, C6-C7, e manteve tratamento ambulatório, designadamente, de acupunctura, até 1 de Maio de 2018, a lesada ficou a padecer, a título definitivo, de dor à palpação difusa e inespecífica da região da nuca, sem contratura dos músculos da região cervical, com força muscular cervical conservada, mantendo força muscular dos membros superiores mantida e simétrica, a queixa álgica identificada corresponde a défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, compatível com o exercício da atividade profissional habitual, mas a exigir esforços suplementares e trabalhos moderados, sequelas que fazem a lesada sentir-se menos eficiente no seu trabalho e na vida pessoal, o que a deixa insegura, triste e angustiada.»
A situação ali tratada é incomparavelmente mais gravosa que a que ora nos move. Veja-se, por outro lado, que o Apelante para sustentar a sua tese limita-se a afirmar que o valor fixado pelo tribunal a quo deve ser alterado para €15.000,00, sem colocar em causa a fundamentação tecida na sentença recorrida, nem demonstrar em que medida os factos apurados têm tal gravidade que impõe que o valor, de indemnização a título de danos não patrimoniais, deva ser fixado em €15.000,00.
O montante indemnizatório fixado pelo tribunal a quo, conforme se mostra expressamente reconhecido na sentença recorrida, teve subjacente não só a exígua realidade fáctica apurada a tal respeito, como a pouca gravidade dos danos a ressarcir, em perspectiva comparativa perante os exemplos jurisprudenciais citados na sentença e até com a jurisprudência invocada pelo próprio Apelante.
Com efeito, como se afirma na sentença e subscrevemos na íntegra, não se provou o quantum doloris, a existência de dano estético, inexistiram intervenções cirúrgicas, não se demonstrou a existência de sequelas.
A fixação da indemnização levada a cabo pelo tribunal a quo foi alcançada com base num juízo de equidade, que constitui elemento essencial de avaliação deste tipo de danos, como impõe o artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil e, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, bem como decisões jurisprudenciais semelhantes, afigura-se-nos que, também nesta sede, a sentença não merece reparo.
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4. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste coletivo da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente a apelação e consequentemente:
a) Condenam as Rés a pagarem ao A., solidariamente, a quantia de €5180,00 (cinco mil, cento e oitenta euros) a que acrescem juros contados desde a data da citação;
b) No mais, confirmam a sentença recorrida.
Condenar as partes nas custas da acção e do recurso na proporção do vencimento.
Notifique.
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Lisboa, 19/12/2024
Ana Paula Nunes Duarte Olivença (Relatora por vencimento)
Cristina da Conceição Pires Lourenço
(#)   Octávio dos Santos Moutinho Diogo (Relator vencido nos termos da declaração que segue)

(#) Voto de vencido
Voto de vencido quanto à indemnização decorrente da alegada privação do uso, pelos motivos que deixei expostos no o acórdão que relatei e que sumariamente são:
- Como a própria expressão “privação do uso do veículo” inculca ela tem como pressuposto que estamos a referirmo-nos a uma privação temporária.
- Se do acidente resulta a perda total do veículo, por impossibilidade de reparação, não faz sentido, em nosso entender, falar em “privação do uso do veículo”, aquele veículo desapareceu, nunca mais poderá ser usado.
- É uma situação de perda da coisa, extinção do direito sobre a coisa, logo, sobre o responsável pela perda da coisa, recai a obrigação de pagar o valor da coisa, por outras palavras, pagar o valor do direito de propriedade que o lesado tinha sobre a coisa.
- Ao receber o valor do direito de propriedade sobre o veículo, direito esse que engloba, cf. 1305º do CC, os direitos de uso, fruição e disposição do veículo, o lesado a nada mais tem direito, sem prejuízo dos juros de mora, sobre aquele montante, devidos desde o dia do sinistro e até ao dia do pagamento.