PROCESSO DE MAIOR ACOMPANHADO
MEDIDAS DE ACOMPANHAMENTO
REVISÃO DAS MEDIDAS
AUDIÇÃO DO ACOMPANHADO
DISPENSA
Sumário

I- O artigo 904.º nº 2 do CPC estabelece que as medidas de acompanhamento podem, a todo o tempo, ser revistas ou levantadas pelo tribunal, quando a evolução do beneficiário o justifique.
II- E o no nº3 do artigo acrescenta-se que: “Ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892.º e seguintes, correndo os incidentes respetivos por apenso ao processo principal.”
III- Na revisão das medidas há que indagar a situação atual do beneficiário, a fim de se aferir se as medidas anteriormente decretadas devem ser mantidas, modificadas ou levantadas.
IV-Esta indagação da situação atual do beneficiário não pode deixar de passar por um contato direto entre este e o Juiz. Contacto que permite ao Juiz constatar in loco a situação atual do beneficiário, ainda que o mesmo não consiga responder às suas perguntas, sendo que este elemento (impossibilidade ou dificuldade em responder a perguntas) pode ser relevante para a decisão a tomar relativamente à revisão da medida.
V- Essa imediação não pode ser substituída por qualquer relatório médico, elemento de cariz eminentemente técnico.
VI- E não pode ser dispensada com base numa pretensa inutilidade, até porque a própria impossibilidade ou dificuldade de o beneficiário responder a perguntas pode ser relevante para a decisão a tomar.
(Sumário da exclusiva responsabilidade da Relatora).

Texto Integral

Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
Na ação especial de maior acompanhado referente a A, solteira, maior, nascida a 17.06.1956, natural de Tomar, filha de B e de C, residente na Casa de Saúde da …, sita na Rua …, Belas (processo principal), foi por sentença de 25.09.2019 aplicada em benefício de A a medida de acompanhamento de representação geral, sem constituição de Conselho de Família; determinada a limitação do direito pessoal de testar; nomeada como acompanhante a Superiora da Casa de Saúde da … onde a beneficiária reside. Mais se consignou, entre o mais, que o tribunal revê as medidas de acompanhamento de cinco em cinco anos.
Já em sede e para efeitos de revisão de medida, o Ministério Publico em 18.09.2024 apresentou a seguinte promoção:
“Compulsada a sentença que foi proferida nos autos principais, a 25.09.2019, temos que foi aplicada em benefício de A a medida de acompanhamento de representação geral. Mais ficou aí estabelecido que “o tribunal revê as medidas de acompanhamento de cinco em cinco anos”.
Nos autos principais foi dispensada a realização de exame pericial à beneficiária, resultando dos elementos clínicos aí juntos que a mesma apresenta o diagnóstico de deficiência mental moderada, sendo patologia incapacitante e duradoura, que, de forma grave e permanente, a impede de exercer pessoal, livre e autonomamente os seus direitos fundamentais e de gerir a sua pessoa e bens.
Ora, importa agora proceder à revisão da medida de acompanhamento aplicada à beneficiária, sendo que para tais efeitos, promove-se, desde já, que se instrua o presente apenso de revisão com cópia da sentença de acompanhamento de maior, do relatório pericial e do auto de audição da beneficiária.
Também, e nos termos do previsto no art.º 155.º do C.C., promove-se a realização das seguintes diligências instrutórias:
- que, antes de mais, se notifique a acompanhante para juntar relatório médico sobre a atual situação de saúde da beneficiária, devendo atestar sobre se houve um agravamento, constância ou melhoria do seu estado clínico, devendo ainda pronunciar-se sobre se a medida de acompanhamento aplicada pela sentença preferida nos autos se mantém necessária ou se considera que há necessidade de alteração e, em caso afirmativo, em que sentido, sem prejuízo de, caso tal não seja realizado, de ser determinada a realização de novo exame pericial à mesma, para tais efeitos;
- se designe data para a sua audição pessoal.”
Em 24.09.2024 foi proferido o seguinte despacho:
“Decorrido o prazo de cinco anos sobre o decretamento das medidas de acompanhamento no âmbito do processo principal importa proceder à sua revisão oficiosa.
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Nos termos promovidos, notifique o/a(s) acompanhante(s) para vir(em) aos autos informar do estado de saúde actual do/a beneficiário/a juntando documentação clínica que ateste os factos alegados, devendo ainda pronunciar(em)-se sobre se a(s) medida(s) de acompanhamento aplicada(s) pela sentença de 12/09/2019 se mantêm pertinente(s) e necessária(s) ou se considera(m) que há necessidade de alteração e, em caso afirmativo, em que sentido.
Prazo: 10 dias
*
Após, chegados os elementos referidos acima, abra vista ao MP e notifique ao Il. Defensor Oficioso para que se pronunciem acerca dos elementos juntos e sobre a necessidade de realização de diligências probatórias adicionais.”
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Em 03.10.2024 a acompanhante juntou Relatório Médico da Beneficiária A, “que atesta o seu estado de saúde com vista à revisão da medida de acompanhamento”.
A declaração médica, com data de 30.09.2024, tem o seguinte teor:
 “Para os devidos efeitos declara-se que se encontra integrada em Enfermaria de Longo Internamento a Sra. A, por quadro clínico de Deficiência Intelectual de grau moderado/grave, estando dependente de terceiros, nas atividades de vida quotidiana, tal como higiene e alimentação. Apresentou recentemente quadro convulsivo inaugural grave, com repercussão em termos de agravamento do funcionamento cognitivo, com agravamento da dependência.
Encontra-se polimedicada com medicação psicofarmacológica. “
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Em 08.10.2024 o Ministério Publico emitiu a seguinte promoção:
“No presente incidente de revisão a acompanhante veio juntar relatório médico, datado de 30.09.2024, relativo à atual situação da beneficiária, dai se retirando que a mesma possui o quadro clínico de deficiência intelectual de grau moderado/grave, estando dependente de terceiros. Que “apresentou recentemente quadro convulsivo inaugural grave, com repercussão em termos de agravamento do funcionamento cognitivo, com agravamento da dependência”.
Atento tal relatório médico, bem como aos elementos clínicos juntos no processo principal, entende-se que, por ora, deverá ser de dispensar a realização de exame pericial à mesma.
Todavia, segundo o preceituado no art.º 904.º/3 do C.P.C., o presente incidente de revisão das medidas de acompanhamento, segue, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts. 892.º e seguintes deste diploma legal. Assim e fazendo jus a tal remissão, conforme os art.ºs 897º, nº 2 e 898º, impõe-se agora a audição direta e maior acompanhado, para melhor se averiguar a sua situação e ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas a manter/alterar (neste sentido vide o acórdão do TR Lisboa de 22.11.2022, proc. n.º 1354/20.8T8VFX-A.L1-7, relator Luís Filipe Pires de Sousa), o que se promove.
 No presente incidente de revisão a acompanhante veio juntar relatório médico, datado de 30.09.2024, relativo à atual situação da beneficiária, dai se retirando que a mesma possui o quadro clínico de deficiência intelectual de grau moderado/grave, estando dependente de terceiros. Que “apresentou recentemente quadro convulsivo inaugural grave, com repercussão em termos de agravamento do funcionamento cognitivo, com agravamento da dependência”.
Atento tal relatório médico, bem como aos elementos clínicos juntos no processo principal, entende-se que, por ora, deverá ser de dispensar a realização de exame pericial à mesma.
Todavia, segundo o preceituado no art.º 904.º/3 do C.P.C., o presente incidente de revisão das medidas de acompanhamento, segue, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts. 892.º e seguintes deste diploma legal. Assim e fazendo jus a tal remissão, conforme os art.ºs 897º, nº 2 e 898º, impõe-se agora a audição direta e maior acompanhado, para melhor se averiguar a sua situação e ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas a manter/alterar (neste sentido vide o acórdão do TR Lisboa de 22.11.2022, proc. n.º 1354/20.8T8VFX-A.L1-7, relator Luís Filipe Pires de Sousa), o que se promove.”
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Em 15.10.2024 foi proferido o seguinte despacho:
“Dispensa de audição da beneficiária:
Vem o Ministério Público promover que se designe data para audição pessoal da beneficiária citando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.11.2022, proferido no proc. n.º 1354/20.8T8VFX-A.L1-7.
Nos presentes autos está em causa a revisão das medidas aplicadas à acompanhada A por sentença de 12/09/2019 no âmbito da qual se decidiu sujeitar a beneficiária à medida de representação geral sem constituição de Conselho de Família e, ainda, limitar o seu direito pessoal de testar.
No âmbito dos autos principais, com vista à prolação da referida sentença procedeu-se à audição da acompanhada. Na data da audição – 10/09/2019 – constatou-se que a acompanhada não respond[eu] a qualquer questão, limitando-se a perguntar aos presentes de forma sucessiva e repetitiva, o nome, o nome dos Pais e se estes ainda estão vivos. Consequentemente foi dispensada a realização de exame pericial.
Naqueles autos principais, encontra-se junta com o requerimento inicial “declaração psiquiátrica” datada de 16/05/2018 e subscrita pelo Dr. JT, com o seguinte teor:
A, se encontra internada na Casa de Saúde da … desde 10-04-2003 em regime de longo internamento, apresentando o diagnóstico de Deficiência Mental Moderada (F71) segundo a CID-10), não sendo previsível a data da sua alta.
A patologia descrita é susceptível de configurar uma "anomalia psíquica" incapacitante, actual e duradoura que, de forma grave e permanente impede a doente de exercer de forma pessoal, livre e autónoma os seus direitos fundamentais, nomeadamente, para gerir a sua pessoa e os seus bens, dependendo de terceiros.
No âmbito do presente apenso, foi a acompanhante notificada para informar do estado de saúde actual da acompanhada juntando documentação clínica que atestasse os factos alegados, e ainda para se pronunciar sobre se a(s) medida(s) de acompanhamento aplicada(s) pela sentença de 12/09/2019 se mantêm pertinente(s) e necessária(s) ou se considera que há necessidade de alteração e, em caso afirmativo, em que sentido.
Regularmente notificada veio a acompanhante juntar atestado médico actual (30/09/2024) que reafirma o diagnóstico da acompanhada e esclarece ainda: [a]presentou recentemente quadro convulsivo inaugural grave, com repercussão em termos de agravamento do funcionamento cognitivo, com agravamento da dependência.
Estabelece o art.º 155.º do Código Civil que o tribunal revê as medidas de acompanhamento em vigor de acordo com a periodicidade que constar da sentença e, no mínimo, de cinco em cinco anos.
Mais prevê o art.º 904.º, n.º 3 do CPC que ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892.º e seguintes (…).
Ora, não há dúvidas que para o decretamento das medidas se acompanhamento de maior o legislador impôs obrigatoriamente a sua audição, com vista a assegurar que a situação de facto alegada passa, efectivamente, pelo crivo do juiz.
No caso dos autos, essa audição inicial ocorreu e a sentença foi proferida em conformidade.
O legislador não exigiu, porém, que essa audição tivesse obrigatoriamente lugar nas revisões periódicas e oficiosas das medidas anteriormente aplicadas. Efectivamente, nesse caso, o legislador atribuiu ao juiz o poder de decidir se se afigura ou não necessária a sua realização, é o que decorre, de forma cristalina, do disposto no art.º 904.º, n.º 3 do CPC, quando se diz que o regime se aplica na medida do necessário ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento.
Note-se que o acórdão (Tribunal da Relação de Lisboa de 22.11.2022, proferido no proc. n.º 1354/20.8T8VFX-A.L1-7) citado pelo Ministério Público para sustentar a sua posição tem, na sua base, uma situação de facto completamente diversa da dos autos. Efectivamente, naquele caso pretendia-se proceder à remoção provisória da acompanhante nomeada. Ora, considerando que, nos termos da lei substantiva, a escolha do acompanhante está dependente, para além do mais, da escolha do acompanhado – art.º 143.º, n.º 1 do CC – compreende-se a necessidade da sua audição naquela situação concreta em que é exigida a remoção do acompanhante anteriormente nomeado.
Nada disso ocorre nos presentes autos.
No caso dos autos, existe declaração médica no processo principal que procede ao diagnóstico e atesta que esse diagnóstico é permanente, acresce que o Tribunal atestou – por observação – a condição da beneficiária, a qual não foi capaz de responder a qualquer questão colocada. Existe, ainda, relatório médico actual que reitera o diagnóstico anteriormente realizado.
Por todo o exposto, o Tribunal considera ser desnecessária a realização da audição da acompanhada a qual – face a todos os elementos probatórios juntos – se revelaria diligência inútil.
Em conclusão, entende-se dispensar a diligência de audição da beneficiária.
Notifique. “
*
Logo de imediato, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“IV. Decisão
Em face do exposto, nos termos do disposto no artigo 155.º do Código Civil, decido manter a aplicação das medidas de acompanhamento a A nos exactos termos decretados na sentença proferida nos autos em 12/09/2019 com a ref.ª citius 121033841.
*
Notifique.
A notificação à acompanhante deve seguir com os seguintes esclarecimentos acerca do âmbito do cargo:
i. No exercício da sua função, o acompanhante deve privilegiar o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada (artigo 146.º, n.º 1, do Código civil).
ii. Deve ter contacto permanente para com o acompanhado, devendo visitá-lo, caso com ele não resida, pelo menos uma vez por mês (artigo 146.º, n.º 2, do Código Civil).
iii. O cônjuge, os descendentes ou os ascendentes não podem escusar-se ou ser exonerados do cargo de acompanhante (artigo 144.º, n.º 1, do Código Civil); os descendentes podem ser exonerados do cargo de acompanhante, a seu pedido, ao fim de cinco anos, se existirem outros descendentes igualmente idóneos (artigo 144.º, n.º 2, do Código Civil); os demais acompanhantes podem pedir escusa com os fundamentos previstos no artigo 1934.º ou ser substituídos, a seu pedido, ao fim de cinco anos de exercício da função (artigo 144.º, n.º 3, do Código Civil); a remoção ou exoneração é feita nas condições previstas nos artigos 1948.º a 1950.º do Código Civil (artigo 152.º do Código Civil).
iv. Pode requerer a cessação ou a modificação do acompanhamento ao tribunal quando não mais existam as causas que o determinaram (artigo 149.º do Código Civil).
v. Deve abster-se de agir em conflito de interesses com o acompanhado, pedindo autorização ao tribunal previamente, para actos que considere poderem corresponder a tal conflito (artigo 150.º do Código Civil).
vi. As suas funções são gratuitas, sem prejuízo da alocação de despesas, consoante a condição do acompanhado e a do acompanhante, e deve prestar contas quando cessar a sua função ou quando o tribunal o determine (artigos 151.º do Código Civil e 941.º e seguintes do Código de Processo Civil).
vii. O acompanhante nomeado irá representar o beneficiário como se fosse seu tutor, exercendo as responsabilidades inerentes ao seu sustento e administração dos seus bens, gerindo o seu património, praticando todos os actos para isso devidos, com excepção dos actos que dependem de autorização do tribunal (artigo 1938.º do Código Civil), nos quais se destacam a disposição de bens imóveis, por exemplo (artigos 145.º, n.º 3, e 1889.º do Código Civil). “
*****
Inconformado com a decisão de dispensa de realização da audição da beneficiária, e consequentemente com a sentença final já proferida, o Ministério Público, intentou recurso de apelação apresentando alegações com as seguintes conclusões:
III. CONCLUSÕES
1. Por despacho proferido a 15.10.2024 a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo decidiu dispensar a realização da audição da acompanhada no presente apenso de revisão da medida de acompanhamento, considerando “face a todos os elementos probatórios juntos” que “se revelaria diligência inútil”, proferindo, subsequentemente, a respetiva sentença final.
2. O presente apenso iniciou-se tendo em vista a revisão das medidas de acompanhamento que foram aplicadas à acompanhada A, por sentença proferida nos autos principais a 25.09.2019, no âmbito da qual se decidiu sujeitá-la à medida de representação geral sem constituição de Conselho de Família, sendo ainda limitado o seu direito pessoal de testar.
3. Analisados os autos temos que foi aqui, em primeiro despacho proferido, determinada a notificação da acompanhante para vir aos autos informar do estado de saúde atual da beneficiária juntando documentação clínica que atestasse os factos alegados, devendo ainda pronunciar-se sobre se as medidas de acompanhamento aplicadas pela sentença de 25.09.2019 se manteriam pertinentes e necessárias ou se consideraria que existia necessidade de alteração.
4. Foi junto pelo acompanhante relatório médico da beneficiária, sendo que a ilustre defensora nomeada nada disse sobre a necessidade de audição do acompanhado e realização de nova perícia médico-legal.
5. Antes de tal despacho o Ministério Público já se havia pronunciado sobre a necessidade de ser designada data para audição pessoal da beneficiária, o que reiterou na sua promoção datada de 08.10.2024.
6. Acontece que foi decidida a dispensa da audição da beneficiária, com a qual não podemos concordar.
7. Conforme amplamente defendido na nossa jurisprudência nos processos de maior acompanhado, não pode dispensar-se a audição do beneficiário, exceto se estiver cabalmente demonstrada situação que impeça, ou torne gravemente inconveniente, a sua audição.
8. Ora, consideramos, que tal entendimento vale não só para o processo principal de acompanhamento como também para os apensos de revisão das medidas de acompanhamento em vigor.
9. A este propósito, e em conformidade com tal entendimento, veja-se o citado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.11.2022, proc. n.º 1354/20.8T8VFX-A.L1-7, relator Luís Filipe Pires de Sousa:
“«O pedido de cessação ou modificação das medidas deve ser formulado por apenso, aplicando-se a tramitação prevista nos art.ºs 892º a 900º, com as necessárias adaptações. Esta remissão implica a obrigatoriedade da audição, pessoal e direta, do maior acompanhado (cf. art.ºs 897º, nº 2 e 898º).
A tangibilidade do caso julgado justifica-se em nome da tutela da dignidade e da autonomia do beneficiário.»
Também Margaria Paz, “O Ministério Público e o maior acompanhado”, in O Novo Regime
Jurídico do Maior Acompanhado, e-book do CEJ 2019, pp. 131-132, sinaliza que:
«Neste contexto, audição pessoal e direta do beneficiário não deve apenas ocorrer relativamente à tomada de decisão da medida ou medidas de acompanhamento a decretar pelo tribunal.
Na verdade, o acompanhado deve ser ouvido relativamente a todas as decisões que sejam tomadas e que lhe digam diretamente respeito, nomeadamente:
-Escolha do acompanhante (como resulta diretamente do artigo 143.º, n.º 1, do CC);
- Decisão de acompanhamento (como resulta diretamente do artigo 898.º, n.º 1, do CPC);
- Revisão periódica do acompanhamento (artigo 155.º do CC);
- Modificação ou cessação do acompanhamento (artigo 904.º do CPC);
- Decretamento de medidas provisórias (artigo 891.º, n.º 2, do CPC);
- Autorização para a prática de atos, entendida em sentido amplo (Decreto-Lei n.º 272/2001,
de 13 de outubro).»”
10. Contrariamente ao defendido pela Mm.ª Juiz do Tribunal a quo, nos presentes autos também se pretende rever as medidas de acompanhamento aplicadas por sentença proferida em processo de maior acompanhado (tal como na situação em causa no citado acórdão, apesar de aí igualmente se pretender proceder à alteração da pessoa do acompanhante).
11. Como se sabe, é à luz dos princípios fundamentais relativos à capacidade jurídica das pessoas com deficiência, que emergem da Convenção das Nações Unidas, assinada por Portugal a 30 de março de 2007, no qual assenta o regime do maior acompanhado atualmente em vigor, que se deve interpretar este regime, entre eles e ao que aqui maioritariamente interessa: a pessoa com deficiência tem o direito a ser ouvida sobre todas as questões que sejam decididas, por qualquer autoridade, sobre a sua capacidade jurídica, sem esquecer ainda que a pessoa com deficiência tem o direito a participar ativamente em todas as decisões que lhe digam respeito a nível pessoal, familiar e económico.
12. No presente caso, está em causa a revisão da medida de acompanhamento, já antes aplicada no processo principal de acompanhamento.
13. Ora, por revisão entenda-se o ato ou efeito de rever, um exame minucioso ou um novo exame, nova leitura de uma determinada situação.
14. Não podemos ignorar que se o legislador impôs a obrigação de revisão periódica da situação do maior acompanhado (cfr. art.º 155.º do Código Civil) foi para se assegurar se as medidas de apoio antes aplicadas continuam a ser absolutamente necessárias e proporcionais à sua (no momento da revisão) situação clínica.
15. Para tal terá que ser ouvido antes da decisão de revisão, independentemente se esta for (ou não) de manutenção das anteriormente aplicadas (conclusão, aliás, que o julgador apenas pode tirar depois de proceder à sua audição) e mesmo que já tenha sido ouvido no processo principal.
16. Não nos parece de todo que o legislador, nas situações de revisão das medidas de acompanhamento, tenha atribuído ao juiz o poder de decidir se se afigura ou não necessária a realização da audição do acompanhado, quando refere no art.º 904.º, n.º 3 do CPC, “que o regime se aplica na medida do necessário ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento”.
17. Este preceito estipula que “Ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892.º e seguintes, correndo os incidentes respetivos por apenso ao processo principal”.
18. Ou seja, no presente caso, onde se irá rever a medida de acompanhamento aplicada dever-se-á seguir o disposto nos arts. 892.º e seguintes do diploma legal referenciado. Nos preceitos para os quais se remete está o artigo 897° do CPC, que, sob a epígrafe “poderes instrutórios” dispõe:
“1 - Findos os articulados, o juiz analisa os elementos juntos pelas partes, pronuncia-se sobre a prova por eles requerida e ordena as diligências que considere convenientes, podendo, designadamente, nomear um ou vários peritos.
2 – Em qualquer caso, o juiz deve proceder, sempre, à audição pessoal e direta do beneficiário, deslocando-se, se necessário, ao local onde o mesmo se encontre” (n/sublinhado)
19. A expressão usada no art.º 904.º/3 do CPC, “aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessário” não nos parece que permita afastar a obrigatoriedade de audição pessoal e direta do beneficiário, que é imposta pelo art.º 897.º/2 do mesmo diploma (e para o qual se remete).
20. Esta necessidade de contacto direto entre o juiz e o beneficiário deve manter-se nas situações de revisão da medida de acompanhamento, a fim de se averiguar/analisar novamente a sua situação e ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas, no sentido da sua manutenção/alteração/revogação.
21. Nos apensos de revisão da medida de acompanhamento não podemos deixar de aplicar e observar os citados princípios fundamentais, pois que também aqui se irá novamente tomar uma decisão sobre a capacidade jurídica do beneficiário.
22. Independentemente do que é referido nos elementos clínicos juntos aos autos principais (onde se dispensou a realização de exame pericial) e no presente apenso entendemos que o acompanhado continua a manter o direito a ter um contacto direto com o juiz, contribuindo de modo efetivo para a decisão do caso que lhe diz respeito, em completo respeito ao preceituado no disposto nos arts. 139.º/1 do C.C. e nos arts. 904º, nº3, 897º, nº 2 e 898º estes do CPC.
23. Não nos podemos, pois, esquecer dos efeitos possíveis da manutenção do acompanhado ao regime do acompanhamento, onde estão em causa fortes limitações à capacidade de exercício dos seus direitos, configurando também aqui a audição do beneficiário uma diligência obrigatória, não podendo ser dispensada à luz de critérios de oportunidade, utilidade ou outros.
24. Prescindir da sua audição nos apensos de revisão, que se regem pelos mesmos princípios do processo (principal) de acompanhamento, implicaria reduzir, de modo desproporcionado e sem motivo bastante, o direito do mesmo a ser consultado sobre a decisão que irá incidir (novamente) sobre a sua capacidade jurídica, contrariando assim um dos mais relevantes princípios norteadores do regime do maior acompanhado, como seja, o direito a ser ouvido sobre todas as questões que sejam decididas, por qualquer autoridade, sobre a sua capacidade jurídica, mas também o direito a participar ativamente em todas as decisões que
lhe digam respeito a nível pessoal, familiar e económico e cuja relevância é nimiamente enfatizada na já mencionada Convenção.
25. Resumindo, atentas as finalidades a que se destina também a situação de revisão da medida de acompanhamento - aferir novamente a situação da beneficiária (determinando/mantendo/revogando as medidas de acompanhamento aplicadas, as quais terão que ser as mais adequadas) e paralelamente, assegurar a possibilidade da mesma manifestar a sua vontade (se necessário apenas na presença do julgador) - continua a parecer-nos vital a realização da sua audição no presente contexto de revisão, não se podendo concordar e compreender que tal se revela diligência inútil, dispensando-a.
26. Ademais se realce que a entender-se que tal audição só pode ser dispensada em situações extremas, como a do acompanhado não ter condições médicas para ser ouvido, mais se diga que nada consta nos elementos clínicos apresentados que nos permita ainda concluir que A se encontra numa situação que impeça ou torne gravemente inconveniente a sua audição.
27. Assim sendo, em conformidade com todo o dito, cremos, pois, que o despacho da Mm.ª Juiz do Tribunal a quo, que dispensou a realização da audição pessoal e direta do beneficiário, proferindo de imediato sentença final, violou a norma legal prevista no art.º 897°, n° 2 do CPC, aqui aplicável por força da remissão operada pelo art.º 904º, nº3 deste diploma, o que por ter manifesta influência no exame e decisão da causa, configura uma nulidade processual, nos termos previstos no art.º 195°, n° 1, 2ª parte, do CPC e que tem como consequência a anulação do processado subsequente, maxime da sentença final, depois proferida, nos termos do nº 2 do art.º 195º do CPC.
28. Pelo exposto deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogar-se a decisão que dispensou a realização da audição da beneficiária, anular o processado subsequente à decisão recorrida, incluindo a sentença final, e determinar-se a audição pessoal e direta de A, nos termos do artigo 139°, n°1 do Código Civil e nos artigos 904º, nº3, 897º, nº 2 e 898º estes do Código do Processo Civil.
Em conformidade, propugna-se pela procedência do presente Recurso, assim decidindo Vossas Excelências farão a costumada Justiça!
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
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II – Objeto do recurso:
Segundo as conclusões do recurso, as quais delimitam o objeto do recurso, a questão a apreciar é a seguinte:
- Aferir se em sede de revisão de medida de acompanhamento é obrigatória a audição pessoal da beneficiária.
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III – Fundamentação de Facto:
Os factos a considerar para a decisão são, para além dos que constam no relatório supra, aqueles que o Tribunal de 1ª instância deu como provados e que ora se passam a reproduzir:
“1. Por sentença proferida nestes autos em 12/09/2019, com a ref.ª citius 121033841, foi decretada a medida de acompanhamento da requerida A .
2. Na sentença proferida nos autos em 12/09/2019, foram dados como provados os seguintes factos:
a) A beneficiária nasceu no dia 17.06.1956.
b) No seu assento de nascimento consta que é filha de B e de C.
c) Em 10.04.2003 deu entrada na instituição Casa de Saúde de … encontrando-se exclusivamente, sob a guarda e cuidados desta instituição.
d) A beneficiária tem diagnóstico de disfunção cerebral (F71 segundo a CID-10)
e) Não consegue tomar a medicação nem seguir as prescrições médicas sem a ajuda de terceiros.
f) Não consegue confecionar a sua alimentação.
g) Come pela própria mão.
h) Precisa de supervisão de terceiro para tomar a medicação e não consegue tratar sozinha da sua higiene pessoal e vestir-se.
i) Não consegue adquirir bens sozinha, pagar contas, nem deslocar-se ao médico, sozinha.
j) A beneficiária não conhece a sucessão dos anos, meses, semanas e dias e nem sabe a data do seu aniversário.
k) A beneficiária não consegue manter um diálogo mais complexo,
l) apresentando um discurso hesitante e sem sequência,
m) Não sabe ler e escrever,
n) Não consegue fazer pequenos cálculos,
o) Nem consegue realizar tarefas de natureza doméstica.
p) Não conhece o dinheiro nem tem noção económico dos bens.
q) Reconhece familiares e algumas pessoas das suas relações próximas, mas não consegue evocar factos do seu passado longínquo nem recente.
 3. Na sentença proferida nos autos em 12/09/2019 consta do dispositivo o seguinte:
Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo procedente por provada a presente acção e em consequência aplico em benefício de A:
a) A medida de acompanhamento de representação geral, sem constituição de Conselho de Família;
b) Determino a limitação do direito pessoal de testar.
*
As medidas decretadas tornaram-se convenientes desde 10.04.2003.
*
Nomeia-se como acompanhante a Superiora da Casa de Saúde da I… onde a beneficiária reside.
4. Por relatório médico datado de 30/09/2024, o médico psiquiatra Dr. RN, atestou o seguinte:
Para os devidos efeitos declara-se que se encontra integrada em Enfermaria de Longo Internamento a Sra. A, por quadro clínico de Deficiência Intelectual de grau moderado/grave, estando dependente de terceiros, nas atividades de vida quotidiana, tal como higiene e alimentação. Apresentou recentemente quadro convulsivo inaugural grave, com repercussão em termos de agravamento do funcionamento cognitivo, com agravamento da dependência.
Encontra-se polimedicada com medicação psicofarmacológica.”
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IV- Fundamentação de Direito:
Em causa no recurso está a obrigatoriedade ou, pelo contrário, a possibilidade de dispensa, de audição pessoal do beneficiário no âmbito e para efeitos de revisão de medida de acompanhamento.
A audição pessoal do beneficiário, diligencia inserida na tramitação do processo de acompanhamento de maior, encontra-se prevista nos arts. 897 e 898 do CPC
O art.º 897º tem o seguinte teor:
“1 - Findos os articulados, o juiz analisa os elementos juntos pelas partes, pronuncia-se sobre a prova por elas requerida e ordena as diligências que considere convenientes, podendo, designadamente, nomear um ou vários peritos.
2 - Em qualquer caso, o juiz deve proceder, sempre, à audição pessoal e direta do beneficiário, deslocando-se, se necessário, ao local onde o mesmo se encontre.”
E o art.º 898º o seguinte:
“1 - A audição pessoal e direta do beneficiário visa averiguar a sua situação e ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas.
2 - As questões são colocadas pelo juiz, com a assistência do requerente, dos representantes do beneficiário e do perito ou peritos, quando nomeados, podendo qualquer dos presentes sugerir a formulação de perguntas.
3 - O juiz pode determinar que parte da audição decorra apenas na presença do beneficiário.”
Ora, do teor do nº 2 do art.º 897º do CPC, designadamente das expressões” Em qualquer caso” e “sempre”, resulta claramente que a audição pessoal do beneficiário é uma diligência imperativa a realizar no âmbito do processo de acompanhamento de maior.
Trata-se de uma exceção ao juízo de conveniência sobre as provas a produzir que vem previsto no nº1 do preceito.
E, atenta a sua finalidade, que vem descrita no nº 1 do art.º 898º do CPC como sendo a de averiguar a situação do beneficiário, e ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas, bem se compreende que se trate de diligencia obrigatória.
É que o contacto direto entre o beneficiário e o Juiz é basilar para a perceção da situação do beneficiário, pois ainda que este não responda às perguntas que o Juiz lhe formule, ou responda com limitações, o Juiz atesta presencialmente essa situação, a par com outras, como os gestos ou postura do beneficiário, permitindo-lhe uma efetiva e empírica leitura sobre a necessidade de aplicação de medida de acompanhamento.
Esse contacto direto não pode, pois, ser substituído por outros meios de prova, designadamente relatórios médicos, cujo cariz é eminentemente técnico.
Por outro lado, a audição pessoal do beneficiário pelo Juiz permite ao beneficiário a oportunidade de se pronunciar sobre a necessidade e âmbito de aplicação a seu favor de uma medida de acompanhamento, diretamente perante quem foi chamado a decidir tal questão.
Em consonância, aliás, com o principio ínsito no art.º 3º al a) da CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA Adotada a 13 de dezembro de 2006 (resolução A/RES/61/106) e aberta à assinatura em Nova Iorque a 30 de março de 2007 (assinada por Portugal nessa data, e ratificada em 23.09.2009, tendo entrado em vigor em 23.10.2009) no qual se consigna “O respeito pela dignidade inerente, autonomia individual, incluindo a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas, e independência das pessoas”.
Sobre esta questão da obrigatoriedade de audição pessoal do beneficiário, veja-se, designadamente, o recente o Acórdão do TRL de 14.03.2023 proferido no Processo 359/22.9T8MFR.L1-7, cujo entendimento relativo a esta questão subscrevemos, passando-se a transcrever o respetivo sumário:
“– Uma acção especial de acompanhamento de maior, cujo regime começa por decorrer dos artigos 546.º, n.ºs 1 e 2 e 891.º a 904.º do Código de Processo Civil, é complementada pelas disposições gerais e comuns que, com as necessárias adaptações, lhe sejam aplicáveis, uma vez que se não se tratando de um processo de jurisdição voluntária (artigos 891.º, n.º 1 e 986.º e seguintes), estas podem ser-lhe aplicadas.
II – Dos artigos 139.º do Código Civil, 897.º e 898.º do Código de Processo Civil resulta a concretização dos princípios ordenadores que decorrem da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
III - A reintrodução do interrogatório, neste tipo de processo, foi feita e de uma forma que procurou ser tão clara, ostensiva e de molde a que não se suscitassem quaisquer dúvidas sobre a sua obrigatoriedade, que pareceria ter a questão ficado resolvida no sentido de neste processo de acompanhamento de maior haver sempre lugar à audição do/a visado/a e aí chamado de beneficiário/a.
IV – A audição de beneficiário/a não pode nunca ser dispensada, servindo – como mínimo – para fazer a constatação directa pelo Tribunal (ou, se se preferir, a comprovação judicial) da situação de impossibilidade de comunicar/entender em que se encontra o/a beneficiário/a e, nesse caso, tal far-se-á constar em acta, seguindo-se a perícia e o Relatório e aplicando-se as medidas em conformidade com a (in)capacidade de entendimento apurada.
V – A história que subjaz ao artigo 897.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (conjugado com o artigo 139.º, n.º 1, do Código Civil) e os termos que são utilizados, não deixam margem a dúvidas razoáveis, quanto ao objectivo do legislador, perfeitamente expresso (“audição pessoal e directa”, “Em qualquer caso” e “sempre”, colocadas na mesma frase e no mesmo artigo estão lá para dizer que o objectivo é de essa diligência nunca possa ser dispensada, ficando vedada ao Tribunal essa possibilidade): o legislador quer, exige, manda, sem excepções, que haja um contacto directo entre o juiz/a e o/a visado/a pela medida restritiva da sua capacidade civil que o processo de acompanhamento de menor visa aplicar-lhe. Sempre.
VI – Não constitui um acto inútil a constatação (que traduz a concretização do princípio da imediação) pelo/a Juiz/a de que a pessoa em causa está impossibilitada de estabelecer uma comunicação, de lhe responder e de corresponder às perguntas que lhe seriam formuladas).
VII - Esta constatação, este contacto directo, tem de estabelecer-se, porque essa é – no caso – a relevante função que cabe ao Tribunal na putativa defesa dos interesses de um/a cidadão/ã que está em vias de ser objecto de uma restrição aos seus direitos.
VIII - A falta de audição do/a beneficiário/a constitui uma irregularidade que influi no exame e decisão da causa, uma vez que um contacto directo e pessoal do/a juiz/a e a sua percepção sobre ele (tidos como essenciais pelo legislador), sendo omitido, não é susceptível de ser substituído ou sanado, pelo que fica configurada uma nulidade processual nos termos do disposto no artigo 195.° conjugado com o artigo 897.º, n.º 2.
IX – O despacho a dispensar a audição de um/a beneficiário/a deve ser revogado e substituído por outro que determine a referida audição pessoal e directa da beneficiária, nos termos que forem julgados adequados pelo Tribunal a quo (ficando anulado o processado subsequente, incluindo a sentença final).”
A questão que se coloca é a de saber se também em sede de revisão é obrigatória a audição presencial do beneficiário.
E desde já adiantamos que sim.
Nos termos do art.º 155º do CC, o tribunal revê as medidas de acompanhamento em vigor de acordo com a periodicidade que constar da sentença e, no mínimo, de cinco em cinco anos.
Por sua vez o artigo 904.º nº 2 do CPC estabelece que as medidas de acompanhamento podem, a todo o tempo, ser revistas ou levantadas pelo tribunal, quando a evolução do beneficiário o justifique.
E o no nº3 do artigo acrescenta-se que:
“Ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892.º e seguintes, correndo os incidentes respetivos por apenso ao processo principal.”
Logo, na revisão das medidas há que indagar a situação atual do beneficiário, a fim de se aferir se as medidas anteriormente decretadas devem ser mantidas, modificadas ou levantadas.
Esta indagação da situação atual do beneficiário não pode deixar de passar por um contato direto entre este e o Juiz. Contacto que permite ao Juiz constatar in loco a situação atual do beneficiário, ainda que o mesmo não consiga responder às suas perguntas, sendo que este elemento (impossibilidade ou dificuldade em responder a perguntas) pode ser relevante para a decisão a tomar relativamente à revisão da medida.
Essa imediação, tal, como já referimos supra, não pode ser substituída por qualquer relatório médico, elemento de cariz eminentemente técnico.
E não pode ser dispensada com base numa pretensa inutilidade, até porque, conforme acima se expôs, a própria impossibilidade ou dificuldade de o beneficiário responder a perguntas pode ser relevante para a decisão a tomar.
Por outro lado, o resultado da anterior audição pessoal do beneficiário não pode ser invocado para se dispensar nova audição, desta feita em sede de revisão de medida, pois só esta nova audição permite percecionar a situação atual do beneficiário.
Conclui-se assim pela obrigatoriedade de audição pessoal do beneficiário (também) em sede de revisão de medida, solução que melhor se coaduna com o princípio do respeito pela dignidade inerente, autonomia individual, incluindo a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas, e independência das pessoas com deficiência que consta no art.º 3º al a) da Convenção acima identificada, propiciando ao beneficiário a possibilidade, ainda que possa não vir a ser efetivamente bem sucedida, de o mesmo se pronunciar sobre a revisão da medida aplicada em seu favor.
Consequentemente, entende-se que o art.º 904 nº 3 do CPC, ao remeter para a tramitação prevista nos arts. 892º a 900º, impõe a obrigatoriedade de audição pessoal do beneficiário nos termos previstos no art.º 897 nº2 do CPC, não se podendo considerar que a expressão “com as necessárias adaptações e na medida do necessário” presente no nº 3 do referido art.º 904º seja apta a afastar uma diligencia que a lei trata como obrigatória.
Concorda-se assim, no que a esta questão respeita, com o entendimento consignado no Ac. do TRL de 22.11.2022 proferido no Proc.1354/20.8T8VFX-A.L1-7, no trecho que passamos a reproduzir:
“(…) Nos termos do Artigo 904º, nº3, do Código de Processo Civil:
«Ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessárioº, o disposto nos artigos 892º e seguintes, correndo os incidentes respetivos por apenso ao processo principal.»
Conforme se refere em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2ª ed., 2022, Almedina, p. 360:
«O pedido de cessação ou modificação das medidas deve ser formulado por apenso, aplicando-se a tramitação prevista nos art.ºs 892º a 900º, com as necessárias adaptações. Esta remissão implica a obrigatoriedade da audição, pessoal e direta, do maior acompanhado (cf. art.ºs 897º, nº 2 e 898º). A tangibilidade do caso julgado justifica-se em nome da tutela da dignidade e da autonomia do beneficiário.»
Também Margaria Paz, “O Ministério Público e o maior acompanhado”, in O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, e-book do CEJ 2019, pp. 131-132, sinaliza que:
«Neste contexto, audição pessoal e direta do beneficiário não deve apenas ocorrer relativamente à tomada de decisão da medida ou medidas de acompanhamento a decretar pelo tribunal.
Na verdade, o acompanhado deve ser ouvido relativamente a todas as decisões que sejam tomadas e que lhe digam diretamente respeito, nomeadamente:
- Escolha do acompanhante (como resulta diretamente do artigo 143.º, n.º 1, do CC);
- Decisão de acompanhamento (como resulta diretamente do artigo 898.º, n.º 1, do CPC);
- Revisão periódica do acompanhamento (artigo 155.º do CC);
- Modificação ou cessação do acompanhamento (artigo 904.º do CPC);
- Decretamento de medidas provisórias (artigo 891.º, n.º 2, do CPC);
- Autorização para a prática de atos, entendida em sentido amplo (Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro).»
No caso em apreço, o tribunal a quo não procedeu à audição pessoal do beneficiário no que tange à pretendida revisão/alteração da medida de acompanhamento, o que consubstancia uma nulidade nos termos do Artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil. Todavia, essa nulidade processual é absorvida pela nulidade decisória a que se reporta o Artigo 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil. (…)”
Face à obrigatoriedade de audição pessoal do beneficiário (também) em sede de revisão de medida, impõe-se revogar o despacho que dispensou a diligência de audição da beneficiária; e omitida tal diligencia, que é obrigatória, verifica-se uma nulidade processual nos termos do art.º 195 º nº1 do CPC, que inquina a subsequente sentença, sendo ela própria nula por excesso de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d), CPC), na medida em que decide uma questão que, sem a realização da diligencia obrigatória em falta, não poderia decidir.
O recurso procede.
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V – Decisão:
Pelo exposto, acordam as Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam o despacho de 15.10.2024 que dispensou a diligência de audição da beneficiária, declaram nula a sentença de 15.10.2024 que reviu as medidas de acompanhamento aplicadas a favor daquela, e determinam que o tribunal a quo proceda à audição pessoal e direta da beneficiária.
Sem custas.
Notifique.

Lisboa, 19.12.2024
Carla Cristina Figueira Matos
Teresa Sandiães
Marília Leal Fontes