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CONTRA-ORDENAÇÃO
REINCIDÊNCIA
Sumário
A circunstância de a inibição de conduzir ter sido suspensa na sua execução e posteriormente, por não ter sido revogada a suspensão, extinta não obsta a que releve em sede de reincidência.
Texto Integral
Acordam em Audiência na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1. RELATÓRIO.
No Tribunal Judicial de Comarca e Família/Menores de M..... o arguido Vítor ....., inconformado com a decisão Direcção Geral de Viação do Norte, de 29/10/2002, que lhe aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 75 dias, pela prática de contra-ordenação, p. e p. pelo artº. 28º, nº 4 e 27º, nº2 al. a) do Código da Estrada, impugnou judicialmente a decisão, requerendo que a sanção acessória de inibição de conduzir fosse suspensa na sua execução, nos termos do disposto no art. 142º, nº do CE e 50º, do CP..
Notificados o arguido recorrente e o Ministério Público, nos termos e para os efeitos disposto do art. 64º, do Regime Geral das Contra- Ordenações e Coimas (DL nº 433/82 de 27-10), não se opuseram a que a decisão fosse proferida por despacho.
O Mmº Juiz «a quo» proferiu decisão, por via da qual julgou improcedente a impugnação da decisão da DGV que aplicou ao arguido Vítor ..... a sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de setenta e cinco dias, mantendo-a nos seus precisos termos.
lnconformado com a douta decisão, o arguido veio dela interpor recurso, que motivou, apresentando as seguintes
“Conclusões:
1ª- O Tribunal recorrido decretou a confirmação, na íntegra, e consequentemente a manutenção ao ora recorrente, da sanção de inibição de conduzir, tendo sentenciado que não se justificaria decretar a respectiva suspensão.
2ª- Para assim ter decidido, o Tribunal ponderou, por um lado, que razões de prevenção geral o aconselhariam, uma vez que a infracção se verificara na Estrada Exterior da Circunvalação, local onde a prática da mesma seria frequente e, por outro, que o arguido seria "reincidente", por ter já sido condenado por duas infracções congéneres.
3ª- Porém, não só em caso algum foi revogada qualquer das suspensões durante o respectivo período de duração, como também desde a data da prática da última contra- ordenação por parte do arguido até à da ora em causa vão já decorridos quase dois anos, e relativamente à anterior, quase três.
4ª- A contra-ordenação imputada ao recorrente foi classificada tão-só de "grave" (Cód. Estrada, art. 148º,al. e)), que não de "muito grave", e mesmo dentro da gravidade, a respectiva medida é variável: o recorrente não ia a uma velocidade que se pudesse reputar de particularmente excessiva ou perigosa - em termos correntes, não se deslocava propriamente a 120 ou 130 Km/h - pelo que a infracção não deverá considerar-se revestir particular
gravidade.
5ª- Se se entender que deverão tomar-se em conta as duas contra-ordenações anteriores, mais deverá atentar-se que dessas duas vezes o recorrente se deslocava a 87 e 86 Km/h, que não a uma velocidade de todo desmedida e evidenciadora de completa insensatez.
6ª- Afigura-se pois que a necessidade de prevenção especial se mostrará acautelada se for suspensa a execução da sanção acessória acompanhada de prestação de caução - uma vez que o recorrente não deixará de ter presente o grande transtorno e o acréscimo vultuoso de despesas que resultará para a sua vida profissional o ficar efectivamente inibido de conduzir.
7ª- Tais circunstâncias, aliadas a o recorrente ser um condutor normalmente prudente, permitem e justificam que deva ser suspensa a execução da sanção acessória, visto verificarem-se os pressupostos dos artºs 50º e segs. do Cód. Penal, que deverá ser acompanhada da prestação de caução de boa conduta, de montante a fixar pelo Tribunal.
Termos em que deverá o recurso merecer provimento, em conformidade com as conclusões que antecedem.”
O Mº Público na primeira instância respondeu à motivação do recurso sustentando o seu não provimento, com a manutenção da decisão recorrida.
Subidos os autos a esta Relação o Exmº Procurador Geral Adjunto limitou-se a dizer que concordava com a resposta do Mº Pº na primeira instância.
Foram colhidos os vistos legais.
2. FUNDAMENTAÇÃO:
2.1. Factos provados:
No dia 09.04.2002, pelas 10h56m, na Estrada Exterior da ....., o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ...-...-..., à velocidade de 88 km/h em local que não devia exceder os 50 Km/h, por força de sinalização existente no local.
Agiu, não procedendo com o cuidado a que estava obrigado.
O arguido reside no P.... e trabalha como Formador Externo na empresa "R....., L.da.", com sede em G....., frequentando ainda o curso de pós-graduação MBA no I..... (Instituto .....), em V..... .
Para exercer essas actividades, o recorrente tem necessidade de se deslocar com muita frequência a essas localidades, para o que lhe é essencial poder dispor da utilização do seu veiculo.
Do registo Individual de Condutor do arguido não consta o cometimento de contra-ordenações muito graves nos últimos 5 anos.
Por decisão proferida em 11.02.2000, relativa a factos praticados em 23.07.1999, foi o arguido o condenado, por conduzir um veículo ligeiro de mercadorias, na Estrada Interior da C....., à velocidade de 87 km/h, quando não devia exceder os 50 km/h, na sanção de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, cuja execução ficou suspensa por 180 dias.
Por decisão proferida em 05.03.2001, relativa a factos praticados em 25.09.2000, foi arguido o condenado, por conduzir um veículo ligeiro de passageiros, na Av. da ...... no P....., à velocidade de 86 km/h, quando não devia exceder os 50 km/h, na sanção de inibição de conduzir pelo período de 60 dias.
2.2. Motivação da decisão de facto:
O Tribunal fundou a sua convicção no auto de notícia de fls. 3 e nos documentos juntos aos autos.
3. O DIREITO.
No caso sub judice o recurso é restrito à matéria de direito, nos termos do art. 75º, do DL. Nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada. pelo DL. Nº 244/95.
Contudo, de harmonia com o disposto no art. 410º, nº 1, do CPP, aplicável ex vi do art. 74º, nº 4, do DL. Nº 433/82, de 27 de Outubro, "Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida", pelo que mesmo nesta situação este Tribunal conhece oficiosamente dos vícios enumerados nas diversas alíneas do nº 2, do art. 410º, do CPP, mas tão só quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum.
Conforme decidiu o STJ no Acórdão do Plenário das Secções Criminais nº 7/95, de 19 de Outubro, que fixou jurisprudência obrigatória, "É oficioso pelo tribunal de recurso , o conhecimento dos vícios indicados no art. 410", nº 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito".
No caso sub judice, porém, da sentença recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, não se vislumbram quaisquer dos vícios a que alude o nº 2, do art. 410º, do CPP.
O objecto do presente recurso, atentas as conclusões da respectiva motivação, resume-se às seguintes questões:
- Se o arguido deve ser considerado reincidente;
- Se a sanção acessória de inibição de conduzir deve ser suspensa na sua execução.
Quanto à primeira questão—se o arguido deve ser considerado reincidente.
Sustenta o arguido que as anteriores condenações, referidas nos factos provados, foram extintas e, como tal, devem ser consideradas canceladas, motivo por que não pode ser considerado reincidente.
Não tem razão.
Certo é que, como diz o recorrente, não foi revogada qualquer das suspensões das infracções anteriormente praticadas e que constam do seu registo individual de condutor (cfr. fls. 31). Mas isso não pode significar que tais condenações não possam ser consideradas, maxime para efeitos de reincidência.
Efectivamente—como bem se salienta na resposta à motivação de recurso-- mesmo que esteja extinta a sanção, por decurso do prazo de suspensão da sua execução sem razões determinantes da sua revogação, tal não impede a sua consideração posterior, sendo uma condenação, tal como se fosse em inibição efectiva. O que acontece é simplesmente que, em tal hipótese, a medida acessória de inibição aplicada não será cumprida. Mas tal não afasta o funcionamento da reincidência, como parece deduzir-se do estatuído nos arts. 140º, 141º e 144º, do Cód. Estrada.
A lei o que diz é simplesmente que “é sancionado como reincidente o condutor que cometer uma contra-ordenação grave ou muito grave depois de ter sido sancionado por outra contra-ordenação grave ou muito grave, praticada há menos de três anos” (cit. artº 144º, nº1).
Assim, a suspensão da execução da inibição e subsequente extinção da sanção por não ter sido revogada a suspensão em nada contendem com o efeito emergente da prática de novas infracções nos ditos “três anos”.
Ora, como no caso presente o recorrente cometeu a contra-ordenação sub judice depois de ter sido sancionado pela prática de duas contra-ordenações graves e como estas foram cometidas há menos de três anos ( em 23.7.1999 e 25.09.2000) à data do cometimento da presente contra-ordenação, obviamente que não pode o recorrente deixar de ser considerado reincidente.
Como bem se refere na resposta à motivação de recurso, tal basta para se entender que “as condenações anteriores demonstram o anterior comportamento do arguido, que não merece o tratamento de uma pessoa que nunca tenha infringido”.
Improcede, como tal, esta primeira questão.
Quanto à segunda questão—suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir.
Nos termos do art. 142º, nº1, do CE, «Pode ser suspensa a execução da sanção de inibição de conduzir no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas», podendo ser condicionada à prestação de caução de boa conduta (nº2, do art. 142º), sendo o período de suspensão fixado entre seis meses e um ano (nº3, do art. 142).
O art. 50º, nº1, do CP determina que "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e ás circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
O pressuposto material que está subjacente à suspensão da execução pena, assenta num juízo de prognose segundo o qual o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do caso, conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão bastarão para afastar o delinquente da criminalidade, satisfazendo as exigências mínimas da prevenção geral. Tem hoje de entender-se o instituto da suspensão da execução da pena como uma autêntica medida penal, susceptível de servir tão bem (ou tão eficazmente), quanto a efectividade das sanções, aos desideratos da prevenção geral positiva, com a acrescida vantagem de, do mesmo passo, satisfazer aos da prevenção especial (vide Ac. do STJ de 17-05-2001, in Proc. nº 683/01 – 5ª Secção).
Relativamente ao pressuposto de ordem material, na base da decisão da suspensão da pena deverá estar uma prognose social favorável ao réu, como lhe chama JESCHECK, in Tratado de Derecho Penal, vol 1, pág. 1 153, ou seja, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que a esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa. Nessa prognose deve atender-se à personalidade do réu, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível às circunstâncias deste (art. 50º, nº1, do CP), ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possíveis uma conclusão sobre a conduta futura do réu, atendendo somente às razões de prevenção especial.
Ora, analisando o RIC (fls. 31) do arguido verifica-se que o mesmo, por duas vezes-- em Julho de 1999 e Março de 2001-- , já foi condenado por prática da mesma infracção ( excesso de velocidade) que a dos presente autos, resultando até do RIC do arguido que o mesmo beneficiou do regime de suspensão da execução da pena, relativamente à primeira datada.
Ora, sendo a presente infracção datada de 09.04.2002, significa que foi praticada apenas cerca de um ano após o arguido ter sido condenado pela mais recente das aludidas infracções.
Do exposto resulta, desde logo, que, face ao número de condenações anteriormente sofridas pelo arguido, pela prática de infracções ao Código da Estrada (todas de igual natureza), e ao espaço que medeia entre elas, bem como considerando que por uma delas foi condenado na pena de substituição, de suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, não é possível formular um juízo de prognose social positivo favorável ao arguido, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da sanção realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Com efeito, impondo a lei que "o tribunal suspende a execução da pena aplicada (..) se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição", no caso dos autos a personalidade do arguido e a sua conduta anterior não permitem concluir por um juízo prognóstico positivo favorável ao mesmo.
Não há dúvida que as condenações anteriores sofridas não foram sentidas pelo arguido como uma advertência, sendo que, ao invés, a prática reiterada e num curto espaço de tempo denota que a personalidade do arguido propende para a prática de novas infracções, designadamente de idêntica natureza, e que o arguido não pretende adequar o seu comportamento em ordem a não ferir os bens jurídicos protegidos com a norma incriminadora, não se mostrando reveladora de um juízo de prognose positivo, pelo que a suspensão da execução da pena, como uma pena de substituição, que constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, não se mostra minimamente adequada às exigências de prevenção, sobretudo de ordem especial.
Por outro lado as exigências de prevenção geral revelam-se acentuadas tendo em atenção que a sinistralidade rodoviária se tem vindo a acentuar no nosso País, com índices bastante elevados, a que não são alheios as condutas estradais dos condutores desrespeitadoras das normas que regulam o trânsito rodoviário.
Em suma, entendemos que a douta decisão recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação da lei, não a violando em qualquer ponto, não merecendo qualquer reparo ou censura.
Assim sendo, improcede, pois, na totalidade, a tese do recorrente.
4. DECISÃO:
Termos em que acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) UCs.
Porto, 19 de Novembro de 2003
Fernando Baptista Oliveira
António Gama Ferreira Gomes
Arlindo Manuel Teixeira Pinto
José Casimiro da Fonseca Guimarães