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EXCEÇÃO DE PRESCRIÇÃO
INVOCAÇÃO PELA PARTE
IMPOSSIBILIDADE DE O TRIBUNAL CONHECER OFICIOSAMENTE POR OUTROS FACTOS
Sumário
I - "As exceções perentórias (…) consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor". Por isso, será só com base nos concretos factos em que o réu alicerça a exceção de prescrição que se poderá julgar a mesma procedente. II - Assentando, em primeira linha, a exceção de prescrição arguida pelos réus no facto de os "contratos" terem sido "resolvidos unilateralmente pelo Banco Autor, que invocou incumprimento dos mesmos por parte dos Réus" e não se tendo provado tal resolução, tem esta exceção de ser julgada improcedente. III - Não sendo a prescrição de conhecimento oficioso, o tribunal ad quem não pode conhecer dessa exceção à luz de outros factos apenas invocados pelos réus em sede de recurso, designadamente o decurso do prazo de cinco anos do artigo 310.º e) do Código Civil relativamente à data do vencimento da última das prestações acordadas para o pagamento de um mútuo.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I
O Banco 1... S.A. - Sociedade Aberta instaurou a presente ação declarativa, que corre termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão, contra AA e BB, formulando os pedidos de:
"a) ser declarado que os contratos de mútuo ... n.º ...83 e ... n.º ...43 não foram integralmente liquidados; b) ser declarado que no âmbito dos referidos contratos de mútuo ... n.º ...83 e ... n.º ...43 permanecem por pagar ao Autor as quantias de 23.304,99 € e 16.408,19 €, respetivamente, acrescidas dos juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data em que foi enviada a declaração de compensação de créditos recusada pelos Réus - ../../2018- calculados à taxa legal de 4%, até ao seu efetivo e integral pagamento; c) serem os Réus condenados a pagar ao Autor as quantias de 23.304,99 € e 16.408,19 €, devidas no âmbito dos contratos de mútuo ... n.º ...83 e ... n.º ...43, acrescidas dos juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data em que foi enviada a declaração de compensação de créditos recusada pelos Réus - ../../2018- calculados à taxa legal de 4%, até ao seu efetivo e integral; d) ser declarado que inexistiu uma causa extintiva das obrigações decorrentes dos contratos que pudesse fundamentar o pedido de emissão dos documentos de distrate das hipotecas constituídas a favor do Autor e, consequentemente, declarar-se que tais documentos de distrate foram erroneamente emitidos pelo Autor (induzidos em erro pelos Réus) e que tais distrates deverão ser considerados sem efeito, ordenando-se o consequente renascimento daquelas hipotecas nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 732.º do Código Civil; e) ser declarado que a ausência de prova da liquidação integral dos contratos ... n.º ...83 e ... n.º ...43 sempre consubstanciaria enriquecimento sem causa dos Réus, designadamente no caso destes fazerem suas as quantias mutuadas e deliberadamente não as pagarem, o que implicaria a obrigatoriedade da devolução de tais quantias ao Autor, nos termos do disposto no art.º 473.º do Código Civil."
Alegou, em síntese, que, no âmbito da sua atividade comercial, em 1993 celebrou com os réus um contrato de mútuo de 12.000.000$00 (equivalente a 59.855.75 €) e que em 2002 foi celebrado um segundo contrato de 40.000,00 €.
Em 1996 começou a cobrar uma prestação que entendia ser correta, mas cujo valor os réus não aceitaram. O conflito então surgido entre as partes levou a uma ação judicial intentada pelos réus contra o autor, que culminou com a condenação desta no pagamento àqueles de uma indemnização.
Mais alega que em relação, respetivamente, ao primeiro e ao segundo contrato, desde ../../2007 e 15/03/2009 os réus nada mais pagaram, estando então em dívida os valores de capital de 20.927,95 € e 15.575,89 €. O autor comunicou aos réus que iria proceder à compensação entre os valores em dívida (39.713,18 €) e o valor em que ela fora condenada a pagar-lhes naquela ação judicial (48.097,59 €), tendo colocado o saldo resultante (8.384,41 €) à disposição dos réus. Não tendo estes nada protestado ou respondido, considerou aceite a compensação e liquidados os empréstimos.
Os réus solicitaram o distrate das hipotecas constituídas como garantia dos mútuos, o que aprofundou a sua convicção de que a compensação estava aceite. Mas, mais tarde, veio a ser surpreendida pela execução movida pelos réus para pagamento da indemnização em que havia sido fixada na referida ação. Apresentou aí embargos que não foram admitidos.
Conclui alegando que os réus agiram dolosamente, com o intuito de a ludibriar, enriquecendo por conta dos valores dos empréstimos não pagos, do imóvel que adquiriram com o empréstimo, e dos distrates indevidos das hipotecas, sendo que o autor não iria permitir tais distrates se não estivesse convencida de que os réus tinham aceitado a compensação, pelo que invoca o abuso do direito e o enriquecimento sem causa.
Os réus contestaram deduzindo, ao abrigo do artigo 310.º do Código Civil, a exceção de prescrição afirmando que nos "contratos de mútuo, foram fixadas prestações mensais a pagar pelos Réus e respeitantes a quotas de amortização do respetivo capital, pagáveis com os juros. Sucede que os identificados contratos foram resolvidos unilateralmente pelo Banco Autor, que invocou incumprimento dos mesmos por parte dos Réus. Resolução essa operada em julho de 2007." Em sede de impugnação alegaram, essencialmente, que o autor "deixou de enviar extratos bancários aos réus, desde 2007, que nunca lhes foi comunicada ou explicada a compensação efetuada já depois da condenação da autora, que os distrates das hipotecas tiveram fundamento na prescrição dos montantes em dívida e não de qualquer compensação, que a execução por si intentada teve por fundamento o incumprimento da autora do ordenado na sentença, não tendo existido qualquer intenção de ludibriar ou prejudicar a autora".
O autor respondeu defendendo a improcedência da exceção de prescrição.
Realizou-se a audiência de julgamento e após foi proferida sentença em que se decidiu:
"Por todo o exposto, o Tribunal julga a presente ação procedente, e: a) declara que os contratos de mútuo ... n.º ...83 e ... n.º ...43, referidos em 3) e 7) da matéria de facto provada, não foram integralmente liquidados pelos réus; b) condena os réus no pagamento à autora de € 39.713,18 (trinta e nove mil setecentos e treze euros e dezoito cêntimos), a que acrescem os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% contados desde ../../2018 até efetivo e integral pagamento; c) declara que a causa justificativa do cancelamento das hipotecas sobre o prédio urbano destinado a habitação sito em ... ou ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 194/...08 e inscrito na respetiva matriz predial sob o art.º ...43.º, originalmente tituladas pela Ap. ...7 de 1993/06/04 e pela Ap. ...8 de 2002/08/01, ficou sem efeito; d) em consequência, determina o renascimento das respetivas hipotecas, através de nova inscrição, produzindo os seus efeitos a partir da referida inscrição."
Inconformados com esta decisão, dela os réus interpuseram recurso, findando a respetiva motivação com as seguintes conclusões:
1 – A resposta negativa aos factos constantes da alínea "r" dos factos não provados, não encontra apoio nem fundamento, quer nos documentos juntos, quer na posição expressamente aceite e assumida pelo Recorrido;
2 – A mesma deve ser alterada e passar a fazer parte do elenco dos factos provados;
3 – O prazo prescricional aplicável aos créditos peticionados é de 5 anos;
4 – O mútuo celebrado em 1993 foi celebrado pelo prazo de 15 e o celebrado em 2002 pelo prazo de 120 meses;
5 – O Recorrido considerou resolvidos ambos os contratos, o 1.º em 20.05.2007 e o 2.º em 15.03.2009;
6 – O prazo de prescrição iniciou-se nessas mesmas datas, respetivamente, pelo que o mesmo em relação ao primeiro esgotar-se-ia em 20.05.2012 e em relação ao segundo em 15.03.2014, caso não se verificasse qualquer causa interruptiva do prazo;
7 – Em relação ao 2.º contrato não se verificou qualquer causa interruptiva da prescrição, que nem sequer foi alegada;
8 – Em relação ao 1.º contrato, ter-se-á verificado a interrupção do prazo prescricional com a citação dos Recorrentes para o processo executivo 2714/08....;
9 – Este prazo reiniciou-se com a prolação de sentença transitada em julgado em 21.11.2011 a julgar extinta a execução;
10 – Cinco anos após esta data, esgotou-se o prazo da prescrição, pelo que os respetivos créditos encontram-se prescritos desde ../../2016;
11 – Nenhuma outra causa de interrupção do prazo de prescrição se verificou;
12 – Tudo isto tendo por base a resolução contratual promovida pelo Recorrido;
13 – A instauração do processo n.º 3807/12.... não é causa interruptiva do prazo prescricional dos créditos sub judice;
14 – Tratou-se de uma ação na qual os Recorrentes peticionaram ao Recorrido o pagamento de um valor correspondente a uma aplicação indevidamente retida pelo aí Réu, bem como uma indemnização por danos não patrimoniais;
15 - Não estava em causa, não foi objeto do litígio, nem foi decidido nada sobre os créditos peticionados nestes autos;
16 – O M.º Juiz julgou, erradamente, que esta ação teve o condão de interromper o prazo prescricional, o que não corresponde à realidade;
17 – Refere que só após a sentença proferida nestes mencionados autos, poderia o Recorrido liquidar os créditos ditos em dívida;
18 – Na referida ação 3807/12.... nunca esteve em causa, nem recaiu decisão judicial, no que ao montante dos créditos diz respeito;
19 – Nunca poderia, pois, o Tribunal considerar interrompido o prazo prescricional com base em tal processo e decisão;
20 – Todos os créditos peticionados encontram-se e encontravam-se à data da citação para o presente processo, prescritos;
22 – Mesmo que se entenda que os contratos não foram resolvidos pelo Recorrido naquelas indicadas datas, mesmo assim, sempre os créditos peticionados estarão prescritos, tendo por base a duração máxima daqueles contratos;
23 - A 1ª prestação daquele primeiro venceu-se em 15.07.1993 e as restantes nos meses subsequentes, pelo que se se mantivesse em vigor até ao términus do prazo, este verificar-se-ia em 15.07.2008;
24 – A 1ª prestação do segundo mútuo vencia-se em 15.06.2002, pelo que o prazo integral de 120 meses, terminaria em 15.06.2012;
25 - O prazo prescricional dos créditos emergentes do 1.º contrato, ocorreria, assim, em 15.07.2008, caso não se verificasse nenhuma causa interruptiva do mesmo;
26 – O prazo prescricional do 2.º mútuo ocorreria, assim, em 15.06.2012, caso não se verificasse nenhuma causa interruptiva do mesmo;
27 – Em relação a este 2.º contrato, nenhuma causa interruptiva se verificou, pelo que a prescrição se efetivou nessa data;
28 – O prazo de prescrição do 1.º contrato de mútuo ter-se-á consumido em ../../2016, face à verificada interrupção do prazo;
29 – O Tribunal deveria ter julgado procedente a exceção da prescrição invocada pelos Recorrentes;
30 – Mal andou o Tribunal ao decidir como o fez, já que violou o disposto nos artigos 310.º n.º 1 alínea e), 323.º n.º 1, 358.º e 371.º do Código Civil e 615.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil.
O autor contra-alegou sustentando a improcedência do recurso.
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil[1], delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consiste em saber se:
a) há erro no julgamento do facto R dos factos não provados;
b) "o Tribunal deveria ter julgado procedente a exceção da prescrição invocada pelos Recorrentes"[2].
II
1.º
O tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
1) Por escritura pública outorgada em 27/12/2019, o "EMP01..., S.A." foi incorporado por fusão no "Banco 1... S.A. – Sociedade Aberta", aqui autora, com transferência global do respetivo património e consequente extinção do "EMP01..., S.A.".
2) A autora é uma instituição financeira que se dedica ao comércio bancário.
3) Em ../../1993, no exercício da sua atividade, a autora contratou com os réus a concessão de um empréstimo, no montante original de Esc. 12.000.000$00 (equivalente a € 59.855,75), o qual lhes foi concedido pelo prazo de quinze anos, sendo amortizável em cento e oitenta prestações de capital e juros.
4) Para garantia do bom cumprimento do contrato celebrado, os réus constituíram a favor da autora uma hipoteca sobre o prédio urbano destinado a habitação sito em ... ou ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 194/...08 e inscrito na respetiva matriz predial sob o art.º ...43.º.
5) A referida hipoteca foi registada pela inscrição Ap. ...7 de 1993/06/04.
6) Em 20/06/1996, autora e réus celebraram nova escritura pública para efeitos de "alteração do contrato de empréstimo" referido em 3), no qual acordaram manter o aludido empréstimo de Esc. 12.000.000$00 e que o mesmo passasse a regular-se pelo Decreto-Lei n.º 328-B/1996, de 30 de setembro (Regime Bonificado).
7) Em 20/05/2002, autora e réus celebraram nova escritura pública de mútuo com hipoteca, na qual aquela concedeu a estes um novo empréstimo, do montante de € 40.000,00.
8) Para garantia do cumprimento do contrato de mútuo celebrado, os réus constituíram nova hipoteca sobre o imóvel melhor descrito em 4), a qual foi registada pela Inscrição Ap. ...8 de 2002/08/01.
9) Nos termos acordados pelas partes, as prestações que mensalmente eram devidas no âmbito de ambos os contratos celebrados eram pagas através de débito direto realizado na conta bancária n.º ...61, aberta pelos réus, para esse efeito, junto da autora.
10) A partir de maio de 2006, a autora, unilateralmente e sem consentimento dos réus, alterou o valor da prestação mensal devida em relação ao contrato referido em 3) que passou de € 434,97 para cerca de € 986,97.
11) Como reação à alteração do valor das prestações, inicialmente os réus pediram à autora a restituição do valor que excedia o valor de € 434,97 de cada prestação acordada, tendo posteriormente optado por retirar todo o dinheiro que tinham na conta na qual eram feitos os pagamentos dos empréstimos, mantendo apenas o necessário para liquidar o valor que consideravam ser devido.
12) Tal originou o surgimento de saldo a descoberto em conta e a consequente contabilização de juros de mora, por força do pagamento "a descoberto" das prestações do montante de € 986,97.
13) Por outro lado, o facto das prestações devidas no âmbito do segundo contrato de mútuo, descrito em 7), continuarem a ser pagas pelos réus, levou a que a autora imputasse as quantias ali recebidas ao contrato de mútuo descrito em 3), que registava incumprimento, o que levou assim à falta de pagamento da dívida resultante do contrato descrito em 7).
14) Entretanto, perante a ausência de qualquer pagamento no âmbito dos aludidos contratos, a autora optou por operar uma compensação de créditos, no montante de € 8.680,74, recorrendo, para o efeito, a uma aplicação financeira titulada pelos réus, sem consentimento destes.
15) A autora instaurou ação executiva contra os réus para cobrança dos valores em dívida ao abrigo do contrato descrito em 7), ação que viria a ser julgada extinta por força da procedência dos embargos nela deduzidos, nos termos da sentença junta a fls. 235-239 com a contestação e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
16) Os réus instauraram contra a autora a ação que correu termos no extinto ... Juízo Cível do Tribunal de Vila Nova de Famalicão sob o n.º 3807/12...., na qual peticionaram a condenação da autora no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais "por estes sofridos, causados com a sua atuação, ao alterar unilateralmente o montante da prestação a pagar no âmbito de um contrato de mútuo com hipoteca contraído por estes, considerando consequentemente incumprido tal contrato atento o não pagamento, por aqueles, daquelas prestações alteradas e, ainda, ao propor contra os mesmos uma execução comum para pagamento de quantia certa, alegando incumprimento de um segundo contrato de mútuo, o que os obrigou a deduzir oposição, sem prejuízo de verem os seus bens penhorados e/ anunciados para venda e, ainda, ao comunicar ao Banco de Portugal serem estes incumpridores, o que os impediu de obterem outros financiamentos e em muito os prejudicou, nomeadamente na sua atividade profissional.".
17) Na referida ação, foi proferida decisão final que condenou a autora "a pagar aos Autores a quantia de € 8.680,74 (oito mil seiscentos e oitenta euros e setenta e quatro cêntimos) e a cada um dos Autores a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescidas de juros de mora à taxa legal, até integral pagamento, vencidos sobre a quantia de € 8.680,74 desde ../../2008 e sobre as quantias de € 15.000,00 desde a citação.", absolvendo-a em tudo o mais peticionado naqueles autos, conforme decisão junta como doc. 5 com a petição inicial e cujo teor integralmente se reproduz.
18) Naquela decisão, o tribunal considerou ilegítima a retificação unilateral dos termos do empréstimo descrito em 3).
19) De acordo com o disposto na referida sentença, "a Ré não demonstrou que era credora dos Autores, relativamente ao contrato descrito em 3 dos factos provados, dos montantes por si referidos no documento de fls. 65, ou seja, dos montantes de € 22.220,31 a título de capital e de € 3.592,35 a título de juros e encargos, podendo assim compensar parcialmente estes valores com aquele de € 8.680,74, devido aos Autores, conforme resulta do facto provado 22.".
20) A referida sentença determinou, ainda, que "a compensação, efetuada pela Ré, referida nos factos provados 9 e seguintes (desconto de prestações mensais no valor de € 986,97) se traduz num incumprimento contratual, por parte desta, de tal contrato, com o que os Autores ficaram legitimados a recusar o pagamento destas prestações mensais, unilateralmente aumentadas."
21) A decisão em causa foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto em 24/01/2018.
22) A partir de ../../2007 em relação ao empréstimo descrito em 3) e a partir de 15/03/2009 em relação ao empréstimo descrito em 7), os réus não pagaram mais qualquer prestação.
23) À data de ../../2007, estava em dívida o valor de € 20.997,95 a título de capital, em relação ao empréstimo descrito em 3).
24) À data de 15/03/2009, estava em dívida o valor de € 15.575,89, a título de capital, em relação ao empréstimo descrito em 7).
25) Através de missiva emitida em ../../2018 e remetida aos réus, a autora declarou-lhes a sua pretensão de operar a compensação do valor no qual havia sido condenada no âmbito do processo judicial referido em 16), pelo montante global de € 39.713,18, correspondente aos montantes de capital em dívida referidos em 23) e 24), acrescido dos respetivos juros remuneratórios.
26) A carta foi remetida com aviso de receção, assinado pelo réu AA em 15/11/2018, não tendo os réus nunca apresentado qualquer resposta ou reclamação.
27) A autora procedeu, no processo referido em 16), a depósito autónomo no valor de € 8.384,41, correspondente ao saldo remanescente a favor dos réus após a operação de compensação referida em 25), para pagamento aos réus de tal valor.
28) Com tal compensação, e a consequente exoneração dos réus da responsabilidade pelo pagamento de juros moratórios, comissões, e despesas contratuais, a autora considerou as responsabilidades bancárias dos réus, decorrentes das obrigações assumidas ao abrigo dos empréstimos descritos em 3) e 7), integralmente liquidadas.
29) Oito meses depois da receção da carta referida em 25) e 26) o réu AA, em julho de 2019, dirigiu-se à sucursal da autora sita em ..., onde solicitou a emissão e consequente entrega dos distrates das hipotecas referidas em 4) e 8), os quais foram emitidos com data de 06/08/2019 e entregues ao réu.
30) Munidos de tais documentos, os réus dirigiram-se à Conservatória, onde requereram o cancelamento dos registos das hipotecas constituídas a favor da autora.
31) Em 18/03/2020, os réus instauraram contra a autora a ação executiva que correu termos no Juízo de Execução do Porto, Juiz ..., sob o n.º 5887/20...., na qual peticionaram na íntegra o valor no qual a autora havia sido condenada no processo descrito em 16) utilizando a respetiva sentença como título executivo.
32) A autora apresentou embargos de executado, sustentando a legalidade e validade da compensação de créditos e invocando abuso de direito da parte dos réus, a pretensão de enriquecimento sem causa e a litigância de má-fé, bem como se opôs à penhora prestando a respetiva caução.
33) Em junho de 2021, foi proferida sentença que considerou inadmissíveis os embargos, face aos fundamentos limitados previstos no artigo 729.º do Código de Processo Civil, defendendo-se a inadmissibilidade processual da invocação da compensação naquela sede.
34) A decisão foi confirmada por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.
*
E foram julgados não provados os seguintes factos:
a) Aquando da contratação, em 20/06/1996, do referido aditamento ao contrato celebrado em ../../1993, nos termos descritos em 6), a autora cometeu um erro operacional.
b) Ao inserir e atualizar os novos dados e a informação atualizada decorrente da celebração do aditamento ao contrato de mútuo, o operador leu e escreveu/inseriu em sistema o prazo de quinze anos, esquecendo-se que já tinham decorrido três anos do início do empréstimo, o que motivou um erro de cálculo do prazo do empréstimo que, em vez de terminar em 2008 passaria a terminar em 2011.
c) Erro esse que, não só alterou o prazo inicialmente estipulado como deferiu o pagamento do capital e respetivos juros nesse mesmo prazo (alargado por 3 anos), na medida em que o prazo do empréstimo passou de quinze para dezoito anos.
d) Este erro de cálculo influiu diretamente no valor e na forma de amortização do empréstimo.
e) Uma vez detetado o erro cometido, a autora contactou os réus no intuito de o resolver, tendo-lhes proposto alternativas que considerou serem razoáveis e que, tendo em conta o objeto do contrato, se mostravam adequadas à situação económico-financeira dos réus, designadamente para efeitos do seu integral e originalmente contratado cumprimento.
f) Aos réus foi permitido escolher a forma que melhor se adequava ao cumprimento das obrigações que por si haviam sido assumidas, designadamente o pagamento do capital mutuado e os respetivos juros contratados, através do pagamento em prestações.
g) Assim, em várias reuniões que, após a deteção do erro ocorrido, foram feitas entre a autora e os réus, foi-lhes proposto que a resolução do erro se realizasse através de um dos seguintes cenários:
- Retirar 36 meses ao financiamento atual, por forma a adequar o prazo de reembolso do financiamento ao disposto na escritura;
- Subscrever um aditamento ao contrato, com prorrogação do prazo em mais 36 meses;
- Retificar o financiamento desde a alteração de regime ocorrida em 1996;
- Outra qualquer que pudesse merecer o acordo de ambas as partes.
h) Todas as propostas apresentadas pela autora aos réus foram por estes recusadas, uma vez que era sua pretensão que o autor considerasse o contrato de mútuo como pago no termo do prazo constante da escritura, isto é, em 2008, mesmo que tal significasse que a autora não fosse reembolsada de todo o montante que lhes havia mutuado.
i) A pretensão dos réus foi a de se aproveitarem do erro cometido pela autora.
j) Na pendência do processo referido em 16), a autora contactou os réus no sentido de resolver a questão dos empréstimos descritos em 3) e 7).
k) Nesta altura, a autora enviava mensalmente os extratos bancários dos quais constavam os valores a liquidar, respeitantes aos referidos empréstimos.
l) Naquela altura, os réus eram conhecedores dos montantes que por si eram devidos no âmbito dos empréstimos referidos em 3) e 7).
m) A autora procedeu ao depósito referido em 27), porquanto os réus se recusavam a receber o valor de outra forma.
n) Os réus apenas tiveram conhecimento do depósito autónomo através da informação de um oficial de justiça, que mostrou estranheza pela junção do documento aos autos.
o) Os réus solicitaram os distrates das hipotecas, nos termos descritos em 29) e 30), com fundamento na prescrição das dívidas. p) Após a compensação referida em 25), a autora continuou a remeter os extratos bancários aos réus.
q) A autora tinha conhecimento de que as dívidas atinentes aos empréstimos se encontravam prescritas.
r) A autora declarou resolvidos os empréstimos no ano de 2007.
2.º
Na perspetiva dos réus o tribunal a quo devia ter julgado provado o facto R dos factos não provados, isto é, que o autor "declarou resolvidos" os contratos de mútuo celebrados com aqueles.
Como é sabido, "a resolução consiste numa declaração unilateral por via da qual o titular do correspondente direito potestativo põe termo ao contrato"[3].
Para sustentar a sua posição, os réus, em primeiro lugar, referem-se a "documentos juntos e da posição assumida pelas partes", dizem que "encontram-se nos autos, documentos autênticos, nomeadamente certidões judiciais, que justificam a inclusão nos factos provados" e que "dos autos constam elementos suficientes, para além da própria posição assumida pelo Recorrido, dos quais se conclui com toda a clareza e certeza que o Banco Recorrido resolveu ambos os contratos, sendo o primeiro em 20.05.2007 e o segundo em 15.03.2009".
Tendo em vista a impugnação da decisão da matéria de facto, a alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º dispõe que "deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição os concretos meios probatórios, constantes do processo (…), que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida".
Apesar de os réus se referirem a "documentos" e "elementos" "dos quais se conclui com toda a clareza e certeza que o Banco Recorrido resolveu ambos os contratos, sendo o primeiro em 20.05.2007 e o segundo em 15.03.2009", o certo é que, desrespeitando o ónus imposto por aquela alínea b), não identificam um único "documento" ou "elemento" concreto que nos possa conduzir à conclusão a que chegam. Ficamos, assim, sem saber de que prova estão os réus a falar.
E não se percebe o que é que os réus querem dizer com a "posição assumida pelo Recorrido", quando é absolutamente pacífico que o autor em momento algum reconheceu ter resolvido os contratos, designadamente naquelas datas. Também aqui os réus não especificam onde é que se encontra a "posição assumida" pelo autor. Aliás, já quando nos artigos 3.º e 4.º da contestação alegaram que "os identificados contratos foram resolvidos unilateralmente" pelo autor "em julho de 2007", os réus não mencionaram qualquer declaração, escrita ou verbal, onde o autor tivesse expressado tal vontade. Em que documento ou articulado é que podemos ver essa declaração de resolução? Não esqueçamos que "a manifestação da vontade é um momento imprescindível de qualquer ato jurídico"[4].
Em segundo lugar, os réus advogam que, face ao teor dos factos 22.º, 23.º e 24.º dos factos provados, "o Tribunal [tinha] de considerar que tais contratos haviam sido resolvidos, pois de outra forma, não podia nunca o Recorrido, considerar aqueles valores como em dívida e ter, inclusive acionado os Recorrentes em processo executivo, conforme consta dos autos."
Nestes três factos encontra-se provado que "a partir de ../../2007 em relação ao empréstimo descrito em 3) e a partir de 15/03/2009 em relação ao empréstimo descrito em 7), os réus não pagaram mais qualquer prestação" e que nessas datas faltava pagar, respetivamente, 20.997,95 € e 15.575,89 €.
O apuramento do valor que em tais ocasiões ainda estava por saldar não pressupõe, necessariamente, que os contratos foram resolvidos, pois, mesmo não sendo resolvidos, sempre havia obrigações dos réus por cumprir que podiam ser quantificadas.
Por outro lado, não foram alegados (nem provados) os concretos fundamentos que o autor invocou no processo executivo mencionado no facto 15[5]. E vemos que nos factos 1 e 2 dos factos provados na sentença de 4-7-2011, que julgou a oposição deduzida pelos réus a essa execução, apenas consta que "a exequente apresentou como título executivo, uma escritura publica outorgada em 21.5.2002, a titular um contrato de mutuo com hipoteca no valor de € 40.000,00 em que os executados eram mutuários" e que "o Banco exequente alega o incumprimento do contrato pelos executados, consubstanciado no não reembolso daquele empréstimo, não tendo efetuado o pagamento da prestação vencida em 25.07.2006"[6]. Nesses factos provados não se faz qualquer alusão a uma eventual resolução dos dois contratos de mútuo[7].
Neste contexto, é abusivo concluir que o autor, por ter desencadeado aquela execução, resolveu os contratos.
Em terceiro lugar, os réus defendem que o juízo de não provado do facto R "colide frontalmente com o dado como provado em 23, 24 e 25" e que «verificar-se-ia (…) uma contradição insanável entre os factos referidos em 22, 23 e 24 dos provados e o constante da alínea "r" dos não provados.»
Pelo que acima já se disse, não há colisão ou contradição alguma entre o facto R dos não provados e os factos 22, 23 e 24 dos factos provados.
E também não há qualquer contradição com o facto 25, pois a compensação de um crédito que o autor que tem contra os réus, com um outro que estes têm contra ele, não implica ou pressupõe, sem mais, a resolução dos contratos de mútuo de onde emerge esse primeiro crédito.
Aqui chegados, como bem disse o Meritíssimo Juiz a quo, inexistem «elementos de prova que sustentem (…) [o] entendimento" de "que os contratos foram dados por resolvidos pela autora em "maio de 2007"», pelo que o facto R se devem manter como não provado.
3.º
Na ótica dos réus, "o Tribunal deveria ter julgado procedente a exceção da prescrição invocada"[8] por eles.
Vejamos.
Conforme resulta do artigo 303.º do Código Civil, e é uniformemente aceite, "a prescrição não opera ope legis, automaticamente, pelo simples decurso do tempo, carecendo de invocação judicial ou extrajudicial. (…). Assim, (…) ainda que do processo resulte o decurso do prazo prescricional, o juiz não pode declarar a inoperância do direito"[9].
Como é sabido, "as exceções perentórias (…) consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor"[10]. Então, importa recordar os concretos factos em que os réus alicerçaram a exceção de prescrição, pois será só com base nesses factos que se poderá julgar a mesma procedente.
Nos artigos 2.º a 9.º da contestação os réus alegaram que nos "contratos de mútuo, foram fixadas prestações mensais a pagar pelos Réus e respeitantes a quotas de amortização do respetivo capital, pagáveis com os juros. Sucede que os identificados contratos foram resolvidos unilateralmente pelo Banco Autor, que invocou incumprimento dos mesmos por parte dos Réus. Resolução essa operada em julho de 2007. (…) Tendo as prestações acordadas deixado de ser pagas, segundo o Autor, a partir do dia 15.07.2007, nesta mesma data venceram-se todas as restantes prestações. Data a partir da qual começou a correr o prazo de prescrição de cinco anos estabelecido naquele artigo [310.º do Código Civil], pelo que o crédito deve considerar-se prescrito pelo decurso do respetivo prazo" de cinco anos.
Portanto, a prescrição arguida pelos réus emerge do facto de os "contratos" terem sido "resolvidos unilateralmente pelo Banco Autor, que invocou incumprimento dos mesmos por parte dos Réus. Resolução essa operada em julho de 2007." E, por força dessa resolução, "nesta mesma data venceram-se todas as restantes prestações".
Contudo, como se viu, não se provou que o autor resolveu os contratos aquando do "incumprimento dos mesmos por parte dos Réus". Dito por outras palavras, os réus não provaram que, nem em julho de 2007 nem noutra data, o autor declarou resolvidos os contratos de mútuo.
Sendo assim, a prescrição não pode ser reconhecida com base nos factos invocados pelos réus na contestação.
Por sua vez, os factos agora referidos nas conclusões 22.ª a 28.ª constituem factos diversos[11] daqueles em que se fundou a prescrição arguida pelos réus no momento e lugar próprios, leia-se na contestação. E tratando-se de factos diferentes, não sendo a prescrição de conhecimento oficioso, não pode agora este tribunal ad quem socorrer-se deles para eventualmente concluir que à luz desta outra realidade ocorreu a prescrição do crédito do autor.
Para além disso, o alegado nas conclusões 22.ª a 28.ª, na verdade, acaba por se traduzir numa questão nova, visto que se trata de uma questão que não foi colocada, apreciada e discutida no tribunal a quo. E os recursos "destinam-se a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida"[12] e "não a conhecer de questões novas, salvo se estas forem de conhecimento oficioso e não estiverem já resolvidas por decisão transitada em julgado"[13]. Com efeito, "as questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos."[14] E importa lembrar que o n.º 1 do artigo 573.º consagra o princípio de que "toda a defesa deve ser deduzida na contestação". Nessa medida, "os atos (maxime as alegações de factos ou os meios de provas) que não tenham lugar no ciclo próprio ficam precludidos. Devendo os fundamentos da ação ou da defesa ser formulados todos de uma vez num certo momento, a parte terá de deduzir uns a título principal e outros in eventu - a título subsidiário, para a hipótese de não serem atendidos os formulados em primeira linha."[15]
Aqui chegados, contrariamente ao pretendido pelos réus, não se pode julgar "procedente a exceção da prescrição invocada pelos Recorrentes".
III
Com fundamento no atrás exposto julga-se improcedente o recurso, pelo que se mantém a decisão recorrida.
Custas pelos réus.
Notifique.
António Beça Pereira
António Figueiredo de Almeida
Joaquim Boavida
[1] São deste código todos os artigos adiante mencionados sem qualquer outra referência. [2] Cfr. conclusão 29.ª. [3] José Alberto González, Código Civil Anotado, Vol. II, 2012, pág. 91. [4] Galvão Telles, Dos Contratos em Geral, 2.ª Edição, pág. 106. [5] Note-se que no artigo 30.º da petição inicial apenas se tinha alegado que "face ao incumprimento contratual do contrato de mútuo celebrado em 2002, o Banco Autor decidiu instaurar" uma execução contra os réus, a qual "viria a ser julgada extinta por força da procedência dos embargos nela deduzidos". [6] Cfr. documento junto pelos réus com a sua contestação. [7] E veja-se que nos artigos 46.º e 47.º da contestação os réus não extraíram essa ilação. [8] Cfr. conclusão 29.ª. [9] Ana Prata et al., Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, pág. 376. [10] Artigo 576.º n.º 3. [11] E note-se que não estão nos factos provados as datas do vencimento da 1.ª prestação de ambos os contratos. Por isso, sempre teria de se apurar se esses factos, de algum modo, ainda podiam ser levados aos factos provados. E se a resposta fosse negativa, então faltava o pressuposto essencial em que assenta a prescrição alegada nestas conclusões. [12] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 2008, pág. 23. [13] Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª Edição, pág. 566. [14] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª Edição, pág. 98. [15] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 382. A este propósito veja-se o Ac. STJ de 13-5-2014 no Proc. 16842/04.5TJPRT.P1.S1, www.gde.mj.pt.