EXECUÇÃO DE SENTENÇA
TRANSACÇÃO
INTERPRETAÇÃO
CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
Sumário


I - Se da sentença dada à execução consta a obrigação de reconstruir um muro, e se em resultado (necessário) da reconstrução do muro a parcela ficou com menos espaço, tal circunstância não é obstativa de se dar a obrigação como cumprida.
II - Demonstrado que está que o muro foi construído nos termos estipulados, a diminuição da parcela daí resultante não contende com a realização da prestação devida, isto é, com o cumprimento da obrigação (art. 397.º, do CC), já que a observância de determinada área ou dimensão não conformou o conteúdo do dever obrigacional.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - Relatório

AA e BB, deduziram embargos à execução intentada por CC e DD, visando a extinção da instância executiva, alegando, para tanto e em suma, que já cumpriram a obrigação exequenda.
Os exequentes contestaram, impugnando o alegado pelos embargantes e pugnando pela improcedência dos embargos.

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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida decisão que julgou procedentes os embargos, determinando a extinção da execução.
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Inconformados com a decisão, vieram os embargados interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

I- O tema de prova era saber se os Embargantes cumpriram a obrigação exequenda, ou seja, se reconstruíram o muro de sua propriedade de acordo com o Doutamente fixado na Sentença dada à Execução.
II- O Tribunal a quo, apesar de considerar que o que balizava o Execução era os termos da transação, decidiu que sim, ou seja, que os Embargantes reconstruíram o dito muro de acordo com o fixado na Douta Sentença, julgando assim os Embargos procedentes e determinando a extinção da Execução.
III- Para a Fundamentação desta Decisão, o Tribunal a quo deu como provado, entre outros factos, que foi dada à execução a sentença homologatória de transação proferida na acção de processo comum nº213/21.... do Juízo Local Cível de Fafe.
IV- O Tribunal a quo deu ainda como provado que naquela acção os ora Recorrentes e Recorridos haviam reconhecido que a parcela de terreno em causa nos ditos autos ficava a pertencer a ambos, em regime de compropriedade, ficando cada uma das partes, com a possibilidade de acederem livremente, para manutenção da mesma e das respetivas propriedades. (negrito e sublinhado nossos).
V- O Tribunal a quo deu ainda como provado que naquela acção os ora Recorridos comprometeram-se, no prazo de 1 (um) ano, a realizar as obras necessárias para a reconstrução do muro da sua propriedade, devendo o mesmo ficar alinhado pelo muro com verdete, já existente, bem como a retirar todas as pedras existentes na supra-referida parcela, ficando o solo da mesma limpo. (negrito e sublinhado nossos).
VI- Para suster tal decisão o Tribunal a quo deu como não provado que o muro foi construído por cima das pedras que tinham caído, não tendo a mesmas sido retiradas.
VII- Deu ainda como não provado que após a construção do muro pelos Embargantes, nenhuma das partes nem ninguém pode aceder livremente para manutenção da parcela que separava as propriedades das partes.
VIII- Como não provado foi também considerado pelo Tribunal a quo que não foi deixado, com a construção do muro, espaço para que um qualquer ser humano caiba e possa fazer a manutenção da propriedade.
IX- O presente recurso é de facto e de direito.
X- Compulsando o exame crítico da prova, verifica-se que o Tribunal a quo não valorizou as Declarações de Parte dos Embargados, apesar destas serem consonantes com o depoimento das restantes Testemunhas, como supra se demonstrou.
XI- O Tribunal a quo enveredou pelo caminho mais fácil considerando esta possibilidade legal como uma hipótese acrescida das partes afirmarem a sua versão dos factos, não tendo valorado estas declarações nem o depoimento de certas Testemunhas, olvidando inclusivamente as contradições que se encontram ao longo das declarações de outras delas.
XII- O Tribunal a quo não valorizou os depoimentos acima transcritos, como devia, aliás.
XIII- O Tribunal a quo fez “ouvidos moucos” dando como não provados factos que deveriam ter sido dados como provados.
XIV- Resultou mais que provado que após a reconstrução do muro pelos ora Recorridos, nenhuma das partes nem ninguém pode aceder livremente para manutenção da parcela que   separava as propriedades das partes e que não foi deixado, com a dita reconstrução do muro, espaço para que um qualquer ser humano caiba e possa fazer a manutenção da propriedade.
XV- Não foi cumprida pelos Recorridos a Douta Sentença na parte em que estes deveriam, com a reconstrução do muro a que se obrigaram, ter mantido a possibilidade de ambas as partes (ora Recorrentes e Recorridos) acederem livremente à parcela de terreno existente, para manutenção da mesma e das respetivas propriedades.
XVI- Também deveria ter sido dado como provado o facto de que não foram retiradas todas as pedras existentes na dita parcela de terreno, tendo as mesmas ficado por debaixo do muro construído em cimento e betão.
XVII- Resulta clara a prova de que os Recorridos procederam efectivamente à reconstrução do muro, mas a seu belo prazer, não respeitando o que estava acordado, não respeitando a intenção do acordo exarado em Tribunal e homologado por Douta Sentença.
XVIII- A intenção seria reconstruir um muro para que ele ficasse tal qual e estaria antes da derrocada das pedras, de forma a permitir efetivamente a passagem, a limpeza e manutenção da dita parcela por ambas as partes (ora Recorrentes e Recorridos).
XIX- Ambas as partes abdicaram da titularidade da parcela no pressuposto de que ambas pudessem aceder à mesma, isto é, pudessem efetivamente fazer a manutenção, limpeza e evitar que houvesse infiltrações de um lado e de outro.
XX- Provado ficou que os ora Recorridos decidiram fazer o muro por sua iniciativa recorrendo a mão de obra barata, sem qualificações profissionais, no espaço de um só dia.
XXI- Uma obra daquelas careceria com certeza de outro procedimento técnico que não foi feito: todas as testemunhas afirmaram que a parcela que lá está, não é a parcela que estava, o muro que lá está, não é o muro que estava e, portanto, não foi cumprido o acordo, a Sentença.
XXII- O Tribunal a quo, na sua motivação de facto, apesar de se ter socorrido das fotografias juntas com a P.I. e com a Contestação, não considerou como provado o facto de antes da derrocada do muro de pedra existente se circulava a pé na parcela de terreno.
XXIII- Não andou bem o Tribunal a quo ao decidir que os ora Recorridos cumpriram com a Sentença a que estavam obrigados.
XXIV- O Tribunal a quo apesar de sublinhar a parte da Douta Sentença onde ficou estipulado que cada uma das partes ficaria com a possibilidade de aceder livremente à dita parcela de terreno para manutenção da mesma e das respectivas propriedades (prédios), considerou que “… esse acesso pode ser efectuado através de utensílios próprios e equipamentos quer a partir da entrada quer a partir da parte superior dos prédios”!
XXV- Não foi isso que ficou exarado na Douta Sentença!
XXVI- Não foi isso que as partes acordaram! O Tribunal a quo, quanto à dimensão da parcela fez uma interpretação literal da Sentença (referindo que a Sentença não estabeleceu qualquer dimensão mínima para aquele espaço) e quanto à possibilidade das partes acederem livremente para manutenção da parcela e das respectivas propriedades, mesmo Tribunal a quo fez uma interpretação extensiva, afirmando que esse acesso pode ser efetuado através de utensílios próprios e equipamentos (seja lá o que isso for…) , quer a partir da entrada quer a partir da parte superior dos prédios!
XXVII- Pelo que, quanto aos factos dados como não provados, nos nºs. 2, 3 e 4 da Sentença ora em apreço, os mesmos deveriam ter sido considerados como provados, ordenando-se a improcedência dos embargos deduzidos e a consequente procedência da execução nos precisos termos da Douta Sentença que lhe serviu de base.
XXVIII- O Tribunal a quo socorreu-se do Relatório Pericial, escudando-se no mesmo para fundamentar a sua Motivação de facto.
XXIX- Analisados os autos principais e as fotografias dele constantes, salta à vista que a parcela de terreno tinha cerca de 50cm-60cm, à entrada da mesma, permitindo o seu acesso a qualquer das partes para manutenção e limpeza da mesma.
XXX- Após a derrocada do muro de pedra dos ora Recorridos (e que deu origem à Acção principal) a dita entrada ficou apenas com 35cm, tendo a restante área da parcela também diminuído consideravelmente ao longo da sua extensão.
XXXI- Após a reconstrução do muro (que deveria ter reposto a situação ex ante, ou seja, deveria a parcela de terreno voltar a ter as características que sempre teve – 50cm-60cm à entrada), a entrada continuou a ter os mesmos 35cm.
XXXII- Não foram retiradas quaisquer pedras: o muro que foi agora construído pelos Recorridos foi-o em cima das pedras que haviam ruído (não tendo sido estas sequer retiradas como deveriam e postas no seu anterior lugar).
XXXIII- A parcela de terreno ficou consideravelmente reduzida nas suas dimensões.
XXXIV- Apesar da evidência, o Tribunal a quo não levou em consideração a prova testemunhal supra referida no que às pedras diz respeito.
XXXV- Andou mais uma vez mal o Tribunal a quo ao considerar como não provado que “O muro foi construído por cima das pedras que tinham caído, não tendo as mesmas sido retiradas.”
XXXVI- O Tribunal a quo só levou em consideração o Relatório Pericial na parte em que o Senhor Perito apresenta ele próprio uma “solução mágica” para a falta de acesso das partes para a limpeza e manutenção da parcela, fazendo ambos (Tribunal e Perito) uma interpretação extensiva do acordo alcançado com a Douta Sentença que serviu de base à Execução: ambos fizeram letra morta do que ali ficou exarado por vontade expressa das partes e que era sua intensão: retirar todas as pedras existentes na supra referida parcela por forma a que ambas as partes ficassem cada uma delas com a possibilidade de acederem livremente, para manutenção da mesma e das respectivas propriedades!
XXXVII- O Tribunal a quo apesar de reconhecer que “É certo que da transação consta que “Autores e Réus reconhecem que a parcela de terreno em causa nos presentes autos fica a pertencer a ambos, em regime de compropriedade, ficando cada uma das partes, com a possibilidade de acederem livremente, para manutenção da mesma e das respetivas propriedades.”(sublinhado nosso)”, sugerem que esse acesso seja “…efectuado através de utensílios próprios e equipamentos quer a partir da entrada quer a partir da parte superior dos prédios, pelo que não consideramos violado o acordo assumido.”
XXXVIII- O Tribunal a quo não levou em consideração o constante no Relatório Pericial no que às pedras dizem respeito: “O muro tem como base, muitas pedras…”; “O muro na atualidade… possivelmente reconstruído com as mesmas pedras…”; “O muro concluído, com o actual alinhamento, “encurtou” a entrada na parcela, não permitindo o acesso de pessoas ao seu interior…”.
XXXIX- O Tribunal a quo deveria ter considerado como provado que o muro foi construído por cima das pedras que tinham caído, não tendo as mesmas sido retiradas, dada a prova pericial supra referida e a testemunhal carreada para o processo (em que a Testemunha EE afirmou que a parcela tinha pedras grandes e que fez o muro num só dia de trabalho; a Testemunha FF disse que achava que estavam lá as pedras ainda, em baixo; a Testemunha GG disse que apenas ajudou a carregar os materiais para a reconstrução do muro (e não as pedras); a Testemunha HH, à pergunta se o novo alinhamento do muro reconstruído teria sido feito pelas pedras caídas, respondeu que sim e quando questionado se as pedras que lá estavam tombadas do muro anterior, respondeu que eles não tiraram e que tinha ficado lá tudo!
XL- Estas testemunhas mostraram o verdadeiro contexto em que foi feita a reconstrução do muro, que deveria ter sido pelo alinhamento do muro de verdete mas em que as pedras caídas deveriam ter sido retiradas para que a área da parcela anterior se tivesse mantido, para que ambas as partes pudessem livremente a ela aceder para manutenção e limpeza das suas propriedades.
XLI- Conforme o muro foi reconstruído pelos ora Recorridos nunca poderão estes e os ora Recorrentes pintar a sua propriedade, limpar, drenar águas, enfim, fazer qualquer tipo de manutenção, como ficou homologado por Douta Sentença.
XLII- Quanto à Fundamentação Jurídica, andou bem o Tribunal a quo ao balizar os termos da Execução ao que consta do titulo executivo, que in casu foi uma Sentença Judicial.
XLIII- Andou bem o Tribunal a quo ao considerar que sendo a transação homologada pela dita Sentença um acordo que contém declarações das partes (ora Recorrentes e Recorridos) e que essas declarações devem, têm de ser interpretadas, apreciadas e analisadas segundo a “Teoria do Homem Médio” (Artº. 236º. do C.C.).
XLIV- Contudo, o Tribunal a quo não aplicou a teoria ao caso sub judice.
XLV- O Tribunal a quo, apesar de reconhecer que in casu a expressão, inclusivamente por si sublinhada, “… com a possibilidade de acederem livremente, para manutenção da mesma e das respetivas propriedades.”(sublinhado nosso)” deveria ser interpretada de acordo com o sentido normal da declaração, não o fez.
XLVI- Ao contrário, o Tribunal a quo fez, ele próprio uma interpretação extensiva e diga-se, até, inovadora, dessa declaração dando razão aos Embargantes, ora Recorridos, considerando que os mesmos lograram demonstrar o cumprimento da Sentença na exacta medida em que o acesso à dita parcela pode ser efectuado através de utensílios próprios e equipamentos, quer a partir da entrada, quer a partir da parte superior dos prédios, não tendo considerado que o acordo alcançado e assumido inter partes tenha sido violado pelos ora Recorridos ao terem reconstruído o muro como o fizeram.
XLVII- O que consta da Douta Sentença, que é titulo executivo, é que os ora Recorridos se comprometeram a realizar as obras necessárias para a reconstrução do seu muro já existente, bem como a retirar todas as pedras existentes na parcela de terreno, ficando o solo da mesma limpo, e por forma a que ambas as partes ficassem com a possibilidade de acederem livremente para a manutenção da mesma e das respectivas propriedades.
XLVIII- Ora, livremente é pessoalmente!
XLIX- Às partes ficou vedado o acesso pessoal e fáctico à dita parcela de terreno porque, com a reconstrução do muro ora em análise, a dimensão da mesma diminuiu consideravelmente, quase desaparecendo.
L- O Tribunal a quo deveria ter aplicado na íntegra a citada Teoria da Impressão do Destinatário, a que, inclusive, aludiu na Sentença, devendo considerar que os termos da Sentença dada à Execução não foram cumpridos pelos ora Recorridos porque qualquer pessoa medianamente instruída e diligente atribuiria à manifestação de vontade exarada em acta e homologada por Douta Sentença, o sentido de que os ora Recorridos deveriam ter reconstruído o muro por forma a que tanto eles como os ora Recorrentes pudessem aceder livremente à parcela de terreno para limpeza e manutenção da mesma, como sempre o fizeram aliás, até à queda das pedras do muro dos ora Recorridos.
LI- Os ora Recorridos não cumpriram com o Doutamente estipulado.
LII- Tanto ora Recorrentes como ora Recorridos não podem livremente aceder à parcela de terreno para manutenção da mesma e das suas propriedades
LIII- O Tribunal a quo não poderia ter sugerido e aceite por bem que, tal como está reconstruído o muro pelos ora Recorridos, o acesso à parcela de terreno é livre para as partes, quando sugere que esse mesmo acesso se faça através de utensílios próprios e equipamentos!
LIV- Não foi essa a intensão e vontade das partes quando ditaram para a acta os termos da transação que foi depois doutamente homologada por Sentença.
LV- O Douto Tribunal a quo deveria ter dado como provado que os embargantes, ora recorridos, não cumpriram a obrigação exequenda, aplicando correctamente o direito e a lei ao caso concreto (artº. 236º. c.c.)
LVI- O Douto Tribunal, face à prova carreada para os autos e produzida em sede de julgamento, deveria ter lançado mão do regime previsto no Artº. 236º. do C.C. e deveria retirar as consequências legais que ao caso em apreço dizem respeito.
LVII- Ao decidir como decidiu o Douto Tribunal a quo validou o não cumprimento de uma Sentença por parte dos ora Recorridos que fizeram o muro a seu bel prazer, da forma mais leviana possível.
LVIII-A aplicação do Direito pelo Douto Tribunal a quo também não colhe por desfasada da realidade concreta dos factos.
LIX- As conclusões do Tribunal a quo não se coadunam com os elementos de prova e com as regras da normalidade, que impunham outra decisão da matéria de facto e de direito.
Pugnam os recorrentes pela revogação da sentença recorrida, devendo os Embargos serem julgados improcedentes, seguindo a Execução os seus termos legais.
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Foram apresentadas contra-alegações, pugnando os Recorridos pela manutenção do decidido.
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II - Delimitação do objeto do recurso

A questão decidenda a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se a obrigação se mostra cumprida em conformidade com o título.
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III – Fundamentação

3.1. DE FACTO
3.1.1. Factos Provados

Do requerimento executivo:
a) Foi dada à execução a sentença homologatória de transação proferida na ação de processo comum nº213/21.... do Juízo Local Cível de Fafe, ambas juntas ao requerimento executivo e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
b) Na ação mencionada em a) Exequentes e Executados – ali AA. e RR. - obrigaram-se nos seguintes termos:
“1.º Autores e Réus reconhecem que a parcela de terreno em causa nos presentes autos fica a pertencer a ambos, em regime de compropriedade, ficando cada uma das partes, com a possibilidade de acederem livremente, para manutenção da mesma e das respetivas propriedades.
2.º Autores e Réus acordam em retirar o portão existente no início da supra-referida parcela de terreno.
3.º Os Réus comprometem-se, no prazo de 1 (um) ano, a realizar as obras necessárias para a reconstrução do muro da sua propriedade, devendo o mesmo ficar alinhado pelo muro com verdete, já existente, bem como a retirar todas as pedras existentes na supra-referida parcela, ficando o solo da mesma limpo.
4.º Os Autores comprometem-se a retirar o portão existente no local, no início das obras, mediante aviso prévio de uma semana dos Réus aos Autores.
5.º As custas serão suportadas por Autores e Réus em partes iguais, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que gozam os Réus.”
Da petição de embargos:---
c) O muro foi reconstruído antes da instauração da execução, alinhado pelo muro de verdete já existente.

3.1.2. Factos Não Provados

Da petição de embargos:
1) Os embargantes procederam à reconstrução através da contratação de profissionais qualificados em Abril de 2022.
Da contestação:
2) O muro foi construído por cima das pedras que tinham caído, não tendo as mesmas sido retiradas;
3) Após a construção do muro pelos Embargantes, nenhuma das partes nem ninguém pode aceder livremente para manutenção da parcela que separava as propriedades das partes;
4) Não foi deixado, com a construção do muro, espaço para que um qualquer ser humano caiba e possa fazer a manutenção da propriedade.
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3.2. DE DIREITO
3.2.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Consideram os Recorrentes que os factos dados como não provados, nos nºs. 2, 3 e 4 deveriam ter sido considerados provados.
Com a sua impugnação pretendem os Recorrentes demonstrar que não foi cumprida a obrigação por a reconstrução do muro não manter a possibilidade de se aceder livremente à parcela de terreno existente, e também por não terem sido retiradas todas as pedras existentes na parcela, tendo as mesmas ficado por debaixo do muro construído em cimento e betão.
Com vista a poder apreciar a impugnação, procedemos à audição integral da gravação da audiência final e à análise de tudo quanto consta do processo, designadamente os documentos (registos fotográficos) e o relatório pericial.
Podemos afirmar com segurança que não assiste razão aos impugnantes.
A questão central reconduz-se a saber se antes da reconstrução do muro era possível a livre circulação na parcela e se a obra realizada passou a impedir tal circulação.
Do depoimento das testemunhas indicadas pelos impugnantes resulta que a entrada teria cerca de 50/60 cm, estreitando progressivamente até ao fim da parcela e que ali se circulava a pé, mas de lado.
Também do relatório pericial junto resulta que a cancela que ali existia – e que foi retirada no seguimento do acordo celebrado – tinha 47 cm, pelo que natural seria que a entrada não excedesse os 50 cm.
Ora, como bem se observa na decisão recorrida, mesmo a considerarmos tal largura, há que concluir que a entrada de um adulto de estatura mediana seria difícil e, face ao progressivo estreitamento, a circulação não seria de todo provável. Resultou, pois, da prova produzida, nomeadamente da já referida e das fotos juntas à petição e à contestação, que a reconstrução do muro estreitou a parcela, mas já não que antes se circulava na mesma.
A possibilidade de aceder à parcela e circular no interior da parcela são realidades distintas. A primeira mantém-se inalterada com a reconstrução do muro, a segunda resultou indemonstrada que alguma vez tal tivesse ocorrido.
Note-se que a discordância dos Recorrentes quanto ao decidido nos nºs 2, 3 e 4, dos factos não provados, não assenta na existência de meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, mas apenas na diferente valoração dos meios de prova a esse respeito produzidos.
Ora, revistos todos os meios de prova produzidos e tendo prestado especial atenção aos especificados pelos Recorrentes, concluímos inexistir qualquer erro de julgamento por parte do tribunal a quo.
Não houve, pois, uma desconsideração da prova produzida no que se refere à factualidade impugnada, mas sim uma correta apreciação da mesma.
Nestes termos, haverá de improceder a impugnação da decisão da matéria de facto.
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3.2.2. Cumprimento da obrigação em conformidade com o título.
Está em apreciação a questão de saber se os executados deram cumprimento à obrigação a que estavam adstritos.
O título dado à execução é uma sentença homologatória de transação.
De acordo com a definição legal prevista no art. 1248.º, do CC, a transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.
Enquanto negócio jurídico, a transação vê o seu núcleo essencial ser integrado por declarações de vontade tendentes à produção de determinados efeitos práticos que se pretende que sejam juridicamente vinculantes.
Tais declarações, por sua vez, são integradas por dois elementos: um elemento externo, traduzido na declaração propriamente dita, e um elemento interno, que consiste na vontade por aquela exteriorizada. Normalmente estes dois elementos coincidem.
No caso, na transação celebrada, as partes obrigaram-se nos seguintes termos:
«1.º Autores e Réus reconhecem que a parcela de terreno em causa nos presentes autos fica a pertencer a ambos, em regime de compropriedade, ficando cada uma das partes, com a possibilidade de acederem livremente, para manutenção da mesma e das respetivas propriedades.
2.º Autores e Réus acordam em retirar o portão existente no início da supra-referida parcela de terreno.
3.º Os Réus comprometem-se, no prazo de 1 (um) ano, a realizar as obras necessárias para a reconstrução do muro da sua propriedade, devendo o mesmo ficar alinhado pelo muro com verdete, já existente, bem como a retirar todas as pedras existentes na supra-referida parcela, ficando o solo da mesma limpo.
4.º Os Autores comprometem-se a retirar o portão existente no local, no início das obras, mediante aviso prévio de uma semana dos Réus aos Autores.
5.º As custas serão suportadas por Autores e Réus em partes iguais, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que gozam os Réus.».
Pelo título dado à execução os embargantes obrigaram-se “a realizar as obras necessárias para a reconstrução do muro da sua propriedade, devendo o mesmo ficar alinhado pelo muro com verdete, já existente, bem como a retirar todas as pedras existentes na parcela, ficando o solo da mesma limpo”.
A obrigação comporta, assim, duas prestações: reconstrução do muro e retirada de pedras.
Quanto à primeira prestação, os executados procederam à reconstrução do muro e fizeram-no nos termos estipulados no acordo, ou seja, alinhado pelo muro com verdete.
Admitindo-se, pelos elementos do processo, que em resultado (necessário) da reconstrução do muro a parcela ficou com menos espaço, a questão é a de saber se tal circunstância é obstativa para se dar a obrigação como cumprida.
Os exequentes defendem que a obra realizada não satisfaz a obrigação, na medida em que não permite a circulação de pessoas na parcela.
Não nos parece.
A apreensão do sentido e alcance decisivo de qualquer declaração apura-se por atividade hermenêutica, cujas regras são as estabelecidas nos artigos 236.º e seguintes do Código Civil.
A interpretação deve ser feita de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.
Tendo como ponto de partida o texto da transação, que circunscreve, no limite mínimo, as possibilidades interpretativas, cremos não ser defensável a posição dos exequentes.
É certo que as partes fizeram consignar, aquando do reconhecimento da parcela em regime de compropriedade, que cada uma das partes ficaria com a possibilidade de a ela aceder livremente, para manutenção da mesma e das respetivas propriedades.
Esta prorrogativa, ou melhor, este direito de que cada parte é titular, dada a sua qualidade de comproprietário, mantém-se inalterado e não foi posto em causa com a atuação dos executados.
Demonstrado que está que o muro foi construído pelo alinhamento do muro com verdete, a diminuição do espaço daí resultante não contende com a realização da prestação devida, isto é, com o cumprimento da obrigação (art. 397.º, do CC).
A observância de determinada área ou dimensão não conformou o conteúdo do dever obrigacional.
Quanto à segunda prestação, não se encontrando pedras no local, realizaram os executados a prestação a que estavam vinculados, cumprindo a obrigação.
Em suma, interpretando o título executivo, analisando os seus fundamentos e a finalidade ou conteúdo das respetivas prestações, impõe-se concluir que a obrigação a que os embargantes estavam vinculados mostra-se integralmente cumprida.
Consequentemente, o recurso terá de improceder.
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)
I - Se da sentença dada à execução consta a obrigação de reconstruir um muro, e se em resultado (necessário) da reconstrução do muro a parcela ficou com menos espaço, tal circunstância não é obstativa de se dar a obrigação como cumprida.
II - Demonstrado que está que o muro foi construído nos termos estipulados, a diminuição da parcela daí resultante não contende com a realização da prestação devida, isto é, com o cumprimento da obrigação (art. 397.º, do CC), já que a observância de determinada área ou dimensão não conformou o conteúdo do dever obrigacional.
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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação pelos Recorrentes (cf. artigo 527.º, do Código de Processo Civil).
Guimarães, 28 de Novembro de 2024

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Paula Ribas
2º Adj. - Des. Sandra Melo