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LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
CONDENAÇÃO
PRESSUPOSTOS
Sumário
I -Para ter lugar a condenação como litigante de má-fé, exige-se que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte e que a mesma agiu de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, ou, a deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; II- Mas a ousadia de apresentação duma determinada construção jurídica, julgada manifestamente errada, não revela, por si só, que o seu autor a apresentou em violação dos princípios da boa fé e da cooperação, havendo por isso que ser-se prudente no juízo a fazer sobre a má fé processual. III- A alegação da anulabilidade ou ineficácia das deliberações constantes das atas de condóminos dadas à execução por falta de regular notificação/comunicação, considerando o embargante que a comunicação ocorrida via email corresponde a uma falta de notificação regular, ainda se encontra no núcleo de exercitação admissível do direito de ação ou de defesa no âmbito da oposição à execução, pelo que não litiga de má fé.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
I- Relatório:
AA veio opor-se por embargos à execução intentada por Condomínio do Prédio sito no Lugar ..., alegando que as actas não são exequíveis, carecendo o exequente de título quanto a algumas quantias e invocando a excepção de não cumprimento.—
O exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos e peticionando a condenação do executado como litigante de má-fé, em multa e indemnização.---
Observou-se o contraditório, tendo o embargante oferecido o requerimento de 1/3/2024, cujo teor se dá por reproduzido.--
Realizou-se tentativa de conciliação que se veio a revelar, após suspensão para acordo, infrutífera.---
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Após o que foi proferido saneador-sentença, com o seguinte dispositivo: “1) julgar os embargos de executado parcialmente procedentes e, em conformidade, determina-se a extinção da execução relativamente a todos os valores peticionados, com excepção do valor relativo à quota extra aprovada na acta nº ..., deduzido do crédito detido pelo embargante, o que perfaz a quantia de €: 4036,26 e respectivos juros.--
2) condenar o embargante como litigante de má-fé em multa no valor de 3 (três) Ucs e em indemnização no valor de €: 300 (trezentos euros).—
Custas, na proporção dos decaimentos, sendo o decaimento do embargado de 10% e o decaimento do embargante de 90% – art. 527º do Cód. Proc. Civil – sem prejuízo do apoio judiciário concedido.--
Notifique e registe.--- ”.
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É da decisão da condenação como litigante de má fé que vem interposto recurso pelo embargante, o qual terminou o seu recurso formulando as seguintes conclusões ( que se transcrevem):
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgando os embargos de executado parcialmente procedentes e determinando a extinção da execução relativamente a todos os valores peticionados, com excepção do valor relativo à quota extra aprovada na acta nº ..., deduzido do crédito detido pelo embargante, o que perfaz a quantia de €: 4036,26 e respectivos juros, condenou o embargante como litigante de má-fé em multa no valor de 3 (três) Ucs e em indemnização no valor de € 300 (trezentos euros).
2. O presente recurso versa, especificamente, tal condenação por litigância de má-fé.
3. Entende o Recorrente que, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, não adotou qualquer conduta mentirosa, censurável ou desleal.
4. A fundamentação expendida pelo Tribunal a quo para alicerçar esta condenação revela, salvo o máximo respeito, uma análise superficial, descontextualizada e desconectada dos articulados e dos factos nos mesmos alegados.
5. Quando o Embargado alegou que não foi notificado das convocatórias para as assembleias e das respetivas deliberações delas resultantes, fê-lo num contexto e arguição de vícios procedimentais, cometidos pelo exequente/Condomínio, requerendo que o Tribunal extraísse as devidas consequências de tal atuação.
6. Se a deliberação em causa chegou ao conhecimento do Embargante (via e- mail) foi porque o mesmo a solicitou telefonicamente - após ter sido notificado de uma carta de cobrança por parte do Condomínio, sem qualquer documento justificativo ou deliberação.
7. Questão diferente é o vício na convocatória, cometido pelo Exequente/condomínio ao não remeter, automaticamente e sem necessidade deinterpelação e dentro do prazo legal, tal convocatória ao condómino/embargante.
8. Trata-se de uma questão de cariz técnico jurídico e não da existência de quaisquer factos contraditórios.
9. O Embargante demonstrou que a convocatória para a assembleia de 14 de Maio de 2022 (onde foi alegadamente deliberada a intervenção na fachada do prédio, tratando-se da deliberação em que o Embargado alicerça a Execução), encontra-se datada de 10 de Maio de 2022 e nunca poderia chegar, em tempo útil, ao conhecimento do Embargante que é emigrante em ....
10. Efetivamente, o Embargante demonstrou o incumprimento, por parte do Condomínio/Exequente, dos procedimentos legais em matéria de convocação das assembleias e do envio das respetivas deliberações aos condóminos.
11. O Embargante logrou provar que não foi notificado das deliberações das assembleias e efetivamente não o foi.
12. Nos termos gerais de direito, se uma notificação for realizada em violação das regras legais, equivale à sua falta.
13. Princípio esse que tem plena aplicação à situação dos autos, não obstante nem sequer se poder apelidar o envio, por e-mail, da deliberação (a pedido do próprio Embargante) meses depois da realização da assembleia de “notificação”.
14. Pelo que, não podia, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, afirmar que o Embargante alegou factos que sabia não serem verdadeiros.
15. Impunha-se uma análise mais atenta e contextualizada do alegado pelo Embargante a este respeito, não se limitando, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo a proferir uma decisão sumária, injusta e que não atentou à condição de emigrante do Embargante, que se viu arrastado para uma execução, alicerçada em deliberações realizadas à sua revelia.
16. Entende o Recorrente que, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, não deverá ser condenado como litigante de má-fé, uma vez que não faltou à verdade, não ocultou nenhum facto relevante para a decisão da causa, nem adotou qualquer conduta censurável ou desleal.
17. E embora o Tribunal a quo nem sequer esclareça qual das alíneas do art.º 542 n.º 2 do Código de Processo Civil alicerça a sua condenação, o que é bem demonstrativo da falta de fundamentação e de convicção de tal condenação, não se pode afirmar que o Embargante com dolo ou negligência grave, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, tenha alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, tenha praticado omissão grave do dever de cooperação ou tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, pelo que não se encontra preenchida nenhuma das alíneas do Art. 542.º n.º 2 do CPC.
18. Um homem medianamente prudente e cuidadoso, teria, legitimamente, alegado os mesmos factos que o Embargante alegou em sede de Embargos, relacionados com a falta de notificação das assembleias de condomínio e das respetivas deliberações, por se tratarem de vícios relacionados com o título executivo e que fazia sentido o Embargante invocar.
19. O facto de ter junto um documento em que alega ter tido conhecimento (via e-mail e a seu pedido) de uma deliberação, em nada belisca e não contraria a alegação de que não fora notificado, nos termos legais e em devido tempo, das deliberações em causa.
20. A decisão em crise fez uma incorreta interpretação dos factos e desadequada aplicação do Direito, designadamente das citadas disposições legais, que violou, devendo, por isso, ser determinada a revogação da decisão que condenou o Recorrente como litigante de má-fé em multa de 3 UC e indemnização ao Exequente no valor de € 300,00.
21. O Tribunal a quo omite qual das alíneas do art.º 542 n.º 2 do Código de Processo Civil alicerça a sua condenação, pelo que a decisão recorrida é nula por falta de especificação dos fundamentos de direito no que à condenação por litigância de má-fé diz respeito.
22. A decisão recorrida violou, por deficiente interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 542 n.º 1 e 2, 607 n.º 3 do Código de Processo Civil e artigo 205 n.º 1 da Constituição, impondo-se a sua revogação.
Nestes termos e nos mais de direito que V/ Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão que condenou o Recorrente como litigante de má-fé em multa de 3 UC e em indemnização de € 300,00 ao Exequente.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido, por despacho de 18 de outubro de 2024 como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
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Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido, após os vistos.
II- FUNDAMENTAÇÃO
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, é a seguinte a questão a apreciar e decidir:
A- Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamento, nomeadamente o Tribunal a quo omite em qual das alíneas do art.º 542 n.º 2 do Código de Processo Civil alicerça a sua condenação.
B- Da litigância de má fé.
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III- - Consta da sentença o seguinte quanto à “fundamentação de facto”:
“resulta assente que:--
a) Foram dadas à execução as seguintes actas:
- Acta de Assembleia de Condóminos de 12.05.2023 (Ata Número ...), que apresentou e aprovou o relatório de contas de exercício de 01.03.2022 a 28.02.2023, e aprovou o orçamento para o exercício de 01.03.2023 a 28.02.2024, nos termos constantes do documento junto ao requerimento executivo com o número 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;---
- Acta de Assembleia de Condóminos de 04.10.2021 (Ata Número ...), nos termos constantes do documento junto ao requerimento executivo com o números 2 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e--
- Acta de Assembleia de Condóminos de 14.05.2022 (Ata Número ...), nos termos constantes do documento junto ao requerimento executivo com os números 3 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.--
b) Na acta referida em a) consta que a dívida do executado está fixada na quantia global de € 5.538,09 (cinco mil quinhentos e trinta e oito euros e nove cêntimos), relativa a quotas extra para pagamento de obras de reabilitação das fachadas (€ 5.507,89 - 1º Esq. e € 30,20 - garagem), que foram aprovadas nas assembleias de condóminos de 04.10.2021 (Ata Número ...) e 14.05.2022 (Ata Número ...);--
c) O executado detinha um crédito para com o condomínio, no montante de € 1.501,80, referente à anulação de débito, devido a ter sido incrementado o valor do IVA em duplicado em orçamento apresentado pela empresa "EMP01...";--
d) Face ao referido em c) o montante em divida, do executado era de € 4.036,29 (quatro mil trinta e seis euros e vinte e nove cêntimos);--
e) O exequente forma ainda a seguinte pretensão: “Ao montante de mencionado em d) deve acrescer a quantia global de € 547,28 (quinhentos e quarenta e sete euros e vinte e oito cêntimos), relativa às seguintes quotas, a saber: 1) quotas mensais de condomínio de Março a Novembro de 2023, no montante global de € 196,35 (€ 195,15 - 1º Esq. e € 1,20 - garagem); 2) quotas extra para pagamento do Fundo Comum de Reserva Março a Novembro de 2023, no montante global de € 20,73 (€ 19,53 - 1º Esq. e € 1,20 - garagem); 3) quota extra para pagamento de colocação de candeeiros varandas, no montante de € 37,05, conforme deliberada na reunião de 10.06.2023; 4) quotas extra para pagamento de colocação de vidro na entrada, no montante global de € 108,65; e, 5) quota extra para pagamento de honorários a advogado em processo executivo, no montante global de € 184,50”.---
f) Na acima referida "Ata Número ...", foi deliberado, por unanimidade, mandatar a Administração do Condomínio, para intentar processo executivo contra o aqui executado, para cobrança da divida, respectivos juros de mora vencidos e vincendos, respectivas custas processuais e honorários de advogado.—
g) Foi deliberado em 12/5/2023 que apenas é permitida a colocação do aparelho de ar condicionado na varanda, no piso e não na fachada.—
h) O embargante junta aos embargos de executado, como doc. nº 1, um documento onde refere “(…) após ter conhecimento da acta que me foi enviada via email no dia 22.06.2023(…)”.---
i) O embargante alega, no ponto 77º da petição de embargos, que “Pelo que, conforme supra se alegou o executado também não foi notificado das deliberações resultantes das reuniões de condóminos”.---
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Resulta não provado que por facto imputável ao condomínio, o Executado encontra-se privado da utilização do sistema de ar condicionado no seu apartamento, uma vez que a colocação do equipamento na varanda lhe retirará área de utilização da mesma.--
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Não se apurou, mantendo-se controvertido (sem relevância para a decisão considerando a tese adoptada), se:--
1) O Administrador do Condomínio bem sabe que o Executado está a aguardar pela conclusão das obras, com a resolução da recolocação dos equipamentos de ar condicionado, para proceder ao pagamento dos valores em dívida.--
2) A presente execução não passa de um expediente para pressionar o Executado a pagar por uma obra que não se encontra concluída e forçar o mesmo a aceitar uma solução que não foi devidamente ponderada nem objeto de decisão dos condóminos.--
3) Conforme supra se alegou, o Executado em momento algum foi convocado para as alegadas assembleias de condomínio que deram origem às atas n.ºs 6, 7 e 8.-
4) O Executado nunca foi questionado sobre a sua disponibilidade e concordância quanto à realização das obras.--
5) Para a assembleia realizada no dia 12.05.2023, o embargante foi convocado via email no dia 24.04.2023, a seu pedido, por ser mais fácil a sua notificação por se encontrar a residir no estrangeiro, conforme documento nº 1, junto com o requerimento executivo.—
6) Para a assembleia realizada no dia 04.10.2021, o embargante foi convocado no dia 24.09.2021, conforme documento nº 3, junto com o requerimento executivo.--
7) Para a assembleia realizada no dia 14.05.2022, o embargante foi convocado no dia 10.05.2022, conforme documento nº 2, junto com o requerimento executivo. --
8) O embargante procedeu à colocação do seu ar condicionado na fachada do edifício sabendo ser contra as regras do condomínio e por isso foi informado para proceder à retirada do mesmo.--
9) Em 06.07.2023 foi-lhe remetido via email o extrato de conta corrente com indicação de todos os valores em divida.--
10) As obras da fachada encontram-se concluídas.”
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- Consta da sentença quanto “ à fundamentação de direito”, sob o item “ litigância de má fé”
“(…)
No caso em apreço, decorre dos factos provados que o executado alegou um facto que sabia não ser verdadeiro, já que, o mesmo junta um documento por si elaborado que o contradiz.—
Assim, o embargante alega, no ponto 77º da petição de embargos, que “Pelo que, conforme supra se alegou o executado também não foi notificado das deliberações resultantes das reuniões de condóminos”.---
E em oposição (frontal) a tal afirmação o mesmo embargante junta aos embargos de executado, como doc. nº 1, um documento onde refere “(…) após ter conhecimento da acta que me foi enviada via email no dia 22.06.2023(…)”.---
O executado não alega que não lhe foi explicado o conteúdo ou que não o percebeu. Nem alega que não lhe foram enviadas todas as cartas.—
Alega que não foi notificado das deliberações.—
E depois infirma essa alegação juntando um email do qual resulta que recebeu a acta via email, que, na verdade, a mesma chegou ao seu conhecimento!--
Pelo exposto, impõe-se ao Tribunal condená-lo como litigante de má-fé, em multa e indemnização (uma vez que foi pedida) – cfr. art. 542º, nº 1, do Cód. Proc. Civil.-
A multa a que se reporta o art. 542º, nº 1, do Cód. Proc. Civil deve fixar-se entre 2 e 100 Ucs (art. 27º, nº 3, do RCP).---
Considerando a natureza dos autos e a falta de consequências graves da actuação do executado, considera-se adequada a multa no valor de 3 (três) UCs.----
Quanto à indemnização, peticionam os exequentes a fixação da mesma em €: 2000, o que se nos afigura exagerado.—
De toda a forma, entendemos que a actuação da executada é censurável e desleal.—
Assim, tendo em conta tudo o supra enunciado e considerando a multa fixada, julgamos adequada a fixação da indemnização em €: 300 (trezentos euros)”.
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IV- Do mérito do recurso:
Insurge-se o ora recorrente contra a sentença recorrida na parte em que condenou o embargante como litigante de má-fé, alegando que:
- não resultou como provado que o recorrente, tenha agido com má fé processual, sendo certo que quando “o Embargado alegou que não foi notificado das convocatórias para as assembleias e das respetivas deliberações delas resultantes, fê-lo num contexto de arguição de vícios procedimentais, cometidos pelo Exequente/Condomínio, requerendo que o Tribunal extraísse as devidas consequências de tal atuação; “Se a deliberação em causa chegou ao conhecimento do Embargante foi porque o mesmo a solicitou, após ter sido notificado de uma carta de cobrança por parte do Condomínio, sem qualquer documento justificativo ou deliberação.”, não consubstanciando tal envio de email a notificação legal que a lei prevê para se dar conhecimento de deliberações do condomínio.
Vejamos se lhe assiste razão.
A decisão condenatória (da má fé) foi assim fundamentada, em resumo, e após ter assumido seguir a tese de que “não é na acção executiva que se apreciará da regularidade das deliberações (e das assembleias em que foram tomadas)”:
“ decorre dos factos provados que o executado alegou um facto que sabia não ser verdadeiro, já que, o mesmo junta um documento por si elaborado que o contradiz.— Assim, o embargante alega, no ponto 77º da petição de embargos, que “Pelo que, conforme supra se alegou o executado também não foi notificado das deliberações resultantes das reuniões de condóminos”.--- E em oposição (frontal) a tal afirmação o mesmo embargante junta aos embargos de executado, como doc. nº 1, um documento onde refere “(…) após ter conhecimento da acta que me foi enviada via email no dia 22.06.2023(…)”.--- O executado não alega que não lhe foi explicado o conteúdo ou que não o percebeu. Nem alega que não lhe foram enviadas todas as cartas.— Alega que não foi notificado das deliberações.— E depois infirma essa alegação juntando um email do qual resulta que recebeu a acta via email, que, na verdade, a mesma chegou ao seu conhecimento! Pelo exposto, impõe-se ao Tribunal condená-lo como litigante de má-fé, em multa e indemnização (uma vez que foi pedida) – cfr. art. 542º, nº 1, do Cód. Proc. Civil”) (…) …entendemos que a actuação da executada é censurável e desleal.”
Ora, desde já, dir-se-á que não padece a decisão recorrida de qualquer nulidade por falta de fundamentação nos termos do art. 615º, nº1, al. b) do CPC, porquanto, bem ou mal, a decisão encontra-se devidamente fundamentada de facto e de direito.
Desde logo e, além do mais, menciona a disposição legal em causa-art. 542º, nº1 do CPC.
É bem certo sem concretizar qualquer alínea do nº2 do art. 542º do CPC, nos termos do qual se prevê algumas das atuações ilícitas da parte.
Sem embargo, quando se lê o seguinte segmento “ decorre dos factos provados que o executado alegou um facto que sabia não ser verdadeiro, já que, o mesmo junta um documento por si elaborado que o contradiz.” para se concluir pela litigância de má fé apenas uma interpretação se poderá fazer: a sentença entendeu pelo menos, que o embargante faltou à verdade, adotando conduta censurável ou desleal, ou seja, verdadeiras atuações ilícitas nos termos daquele nº2, al. b).
Assim sendo, improcede, neste particular o recurso, não se verificando qualquer nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação.
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E quanto à bondade da decisão?
O recorrente argumenta que “ quando o Embargado alegou que não foi notificado das convocatórias para as assembleias e das respetivas deliberações delas resultantes, fê-lo num contexto de arguição de vícios procedimentais, cometidos pelo Exequente/Condomínio, requerendo que o Tribunal extraísse as devidas consequências de tal atuação; Se a deliberação em causa chegou ao conhecimento do Embargante foi porque o mesmo a solicitou, após ter sido notificado de uma carta de cobrança por parte do Condomínio, sem qualquer documento justificativo ou deliberação; questão diferente é o vício na convocatória, cometido pelo Exequente/condomínio ao não remeter, automaticamente e sem necessidade de interpelação e dentro do prazo legal, tal convocatória ao condómino/embargante”.
Conclui assim que “ trata-se de uma questão de cariz técnico jurídico e não da alegação de quaisquer factos contraditórios”; “ o Embargante demonstrou o incumprimento, por parte do Condomínio/Exequente do cumprimento dos procedimentos legais em matéria de convocação das assembleias e do envio das respetivas deliberações aos condóminos, o que equivale à sua falta”; “Nos termos gerais de direito, se uma notificação for realizada em violação das regras legais, equivale à sua falta, Princípio esse que tem plena aplicação à situação dos autos, não obstante nem sequer se poder apelidar o envio, por e-mail, da deliberação (a pedido do próprio Embargante) meses depois da realização da assembleia de “notificação”.(sublinhado nosso)
Salvo o devido respeito, cremos que o apelante tem, no essencial, razão.
Antes de analisarmos o caso concreto, importa rever as noções básicas sobre esta temática.
De facto, exige-se que as partes ajam com probidade processual nas ações por si propostas ou contestadas, ou seja, não devem fazer “um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão” – cfr. artº 542º nº2 al. d) do CPC.
Para se imputar a uma pessoa a qualidade de litigante de má-fé, imperioso se torna que se evidencie, com suficiente nitidez, que a mesma tem um comportamento processualmente reprovável, isto é, que com dolo ou negligência grave, deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devesse ignorar ou que altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes ou, ainda, que tenha praticado omissão grave do dever de cooperação, de acordo com o artº 542º nº2 do CPC.
Com efeito, o dever de litigar de boa-fé, isto é, com respeito pela verdade, mostra-se como um corolário do princípio do dever de probidade e de cooperação, fixados nos artºs 7º e 8º do CPC para além dos deveres que lhe são inerentes, imposto sempre às respetivas partes.
Já antes da expressa consagração de um dever de boa fé processual no art. 266º-A do CPC de 1961, escrevia Alberto dos Reis “ as partes têm o dever de conscientemente, não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade, não requerer diligências meramente dilatórias, numa palavra têm o dever de proceder de boa fé” ( CPC Anotado, Vol II, p. 263).
Se a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má-fé material, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar - má-fé instrumental -, deve ser condenada como litigante de má-fé.
Mas tem-se entendido que tal sanção apenas pode e deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, cujo fim último é a busca em descobrir a verdade e cumprir a justiça, como também ao seu antagonista no processo.
E esta atuação da parte, conforme se vinha entendendo na doutrina e Jurisprudência, exige que haja dolo ou negligência grave do atuante.
Assim, não podemos confundir litigância de má-fé com lide meramente temerária ou ousada, com pretensão de dedução ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova e de não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento, na eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, ou com discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou até na defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer (Vide Ac. TRP de 09/03/2006 disponível em www.dgsi.pt).
A litigância de má fé configura-se “ como um instituto em que o pretendido não é ou não é predominantemente, o acautelar de posições privadas e particulares das partes, mas sim um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela própria justiça. Conforme referia a propósito Paulo Cunha, num passo recordado também por Luso Soares e Menezes Cordeiro, todo o processo tende à obtenção de uma decisão donde resulta em última análise o sujeito passivo da má fé será sempre o tribunal. A proibição de litigância de má fé apresenta-se, assim, como um instituto destinado a assegurar a moralidade e eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça. O dolo ou má fé processual não vicia vontades privadas nem ofende meramente interesses particulares das partes envolvidas. A virtualidade específica da má fé processual é outra bem diversa e mais grave: a de transformar a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial” (in Pedro de Albuquerque, “ Responsabilidade Processual por litigância de má fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo”, p. 55, 56).
Esta conclusão é confirmada pela análise da nossa jurisprudência e de que dá eco o mesmo autor ( in ob cit, p. 56 a 58).
Contudo, o julgador deve ser especialmente cauteloso e prudente na aferição das situações passíveis de constituírem litigância de má fé, apenas devendo determinar a condenação se se patentearem as condutas típicas e, bem assim, o dolo ou a grave negligência na sua prática.
Por outro lado, conforme se lê no AC do STJ de 15.06.1993 ( Martins da Costa): “ a condenação por litigância de má fé importa uma atuação dolosa ou maliciosa que, em matéria de direito, raramente poderá ocorrer” ( neste sentido, AC STJ de 1-3-2007 (Salvador da Costa) 11-10-2007 (Salvador da Costa)).
No caso presente, a sentença fundamenta a decisão de condenação do embargante como litigante de má fé considerando os seguintes factos dados como provados: “ h) O embargante junta aos embargos de executado, como doc. nº 1, um documento onde refere “(…) após ter conhecimento da acta que me foi enviada via email no dia 22.06.2023(…)”.--- i) O embargante alega, no ponto 77º da petição de embargos, que “Pelo que, conforme supra se alegou o executado também não foi notificado das deliberações resultantes das reuniões de condóminos”.
Como se referiu integram-se na previsão da lei condutas que digam respeito a ofensas cometidas no exercício da atividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo.
Ora, resulta dos factos provados que o embargante se apresentou a exercer a sua defesa no âmbito de um direito que lhe assiste e com tutela legal e não decorre dos factos apurados que tenha agido no convencimento da falta de fundamento da sua pretensão.
Com efeito, a respeito da matéria em causa- da notificação regular ou não das deliberações da assembleia de condóminos e que contende com a matéria da validade ou não e anulabilidade/ineficácia das deliberações em causa e plasmadas no título dado à execução- atas de condomínio-, a pretensão deduzida apenas não foi acolhida ( e nem sequer alvo de análise concreta) por se ter seguido uma tese da jurisprudência e doutrina, nos termos da qual “não é na ação executiva que se apreciará da regularidade das deliberações (e das assembleias em que foram tomadas)”[i].
Ora, o embargante quando alega que não foi notificado das deliberações em causa no art. 77º da petição de embargos, deduz tal alegação na sequência da anterior alegação: art. 76º, nos termos da qual afirma “ Tanto mais que as deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes por carta registada com aviso de receção, no prazo de 30 dias conforme dispõe o artigo 1432º nº 9 do C. Civil”; para concluir no art. 78º subsequente: “ Assim, a falta de envio da ata ou da comunicação das deliberações da assembleia dos condóminos, a todos os condóminos ausentes (e não representados), produz a ineficácia das deliberações da assembleia de condóminos relativamente a eles, coartando-lhes o direito de comunicarem à assembleia dos condóminos o seu assentimento ou a sua discordância.”.
Por outro lado, juntou o doc.1 com a petição de embargos para ilustrar a ineficácia da comunicação via email e que o próprio condescende e alega que nessa altura- junho de 2023- teve conhecimento, mas na sequência do seu pedido de informação, concluindo que tal irregularidade e não conformidade legal nos trâmites equivale a uma falta de notificação.
Em suma: neste ponto, afigura-se que o embargante procurou defender o seu entendimento jurídico sobre a temática da forma que lhe terá parecido a melhor, o que, outrem certamente colocado na mesma posição, procuraria atuar, sem se vislumbrar qualquer má fé– ainda para mais porque, embora preponderante, se poderia configurar, como admissível e não descabida, a interpretação jurídica sobre a problemática das formalidades no cumprimento das notificações das deliberações de condomínio serem anuláveis por não terem seguido a forma legalmente prevista para o efeito, ocorrendo uma causa de anulabilidade das deliberações. Ponto diverso é saber se tal questão jurídica pode ou não ser discutida no âmbito dos embargos à execução baseada em tais títulos executivos.
Como diz o recorrente “ Trata-se de uma questão de cariz técnico jurídico e não da existência de quaisquer factos contraditórios”, ou, dizemos nós- de qualquer falta de verdade ou alteração da verdade dos factos.
Ora, a condenação por litigância de má fé apenas deve operar, como vimos, quando os autos forneçam elementos seguros de conduta dolosa ou gravemente negligente, o que pressupõe a prudência do julgador.
Nestes moldes, a alegação da anulabilidade ou ineficácia das deliberações constantes das atas de condóminos dadas à execução por falta de regular notificação/comunicação, considerando o embargante que a comunicação ocorrida via email corresponde a uma falta de notificação regular, ainda se encontra no núcleo de exercitação admissível do direito de ação ou de defesa no âmbito da oposição à execução, porquanto entende-se que a ousadia de apresentação duma determinada construção jurídica, ainda que para uns manifestamente errada no seu núcleo principal, não revela, por si só, que o embargante a apresentou de forma contraditória e que falseou a verdade e, em violação dos princípios da boa fé e da cooperação, havendo por isso que ser-se prudente no juízo a fazer sobre a má fé processual.
A condenação do embargante como litigante de má fé não pode, pois, subsistir devendo, neste conspecto, ser revogada a decisão do Tribunal recorrido.
VI- Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente o recurso intentado pelo embargante, quanto à sua condenação por litigância de má-fé, revogando a sentença recorrida quanto a esta condenação.
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Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo o Apelante obtido vencimento no recurso interposto, e não tendo a Apelada Exequente acompanhado o despacho recorrido ou apresentado contra-alegações, não são devidas custas ( nem sequer na vertente de custas de parte, por outras também não haver- igualmente não são devidas na vertente da taxa de justiça, nem dos encargos).
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Guimarães, 28 de novembro 2024
Relatora: Anizabel Sousa Pereira
Adjuntos: Elizabete Coelho de Moura Alves
José Manuel Flores
[i] Lê-se no sumário do AC da R.P de 4-6-2019 e citado na decisão recorrida “ I- Dependendo a nulidade de deliberação e a omissão de notificação para Assembleia de Condóminos de arguição de anulabilidade, recaía sobre os Recorrentes/embargantes o ónus de alegação e prova da impugnação das deliberações em causa. II - Esta doutrina é aplicável mesmo nas situações em que não haja prova nos autos de que o condómino faltoso tenha efectivamente sido notificado do teor da Acta respectiva."