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AUDIÊNCIA PRÉVIA
DISPENSA
CONHECIMENTO DO MÉRITO DA CAUSA
CONHECIMENTO DE EXCEÇÃO PERENTÓRIA
DECISÃO SURPRESA
NULIDADE
Sumário
I - Não está prevista legalmente a dispensa da audiência prévia quando o juiz pretenda decidir do mérito da causa ou de alguma exceção perentória; II - A dispensa dessa diligência ao abrigo dos poderes/deveres de gestão e adequação processual deve ser usada com parcimónia, por forma a não permitir soluções que o legislador quis expressamente afastar; III - Tal decisão deve ser antecedida de audição das partes quer sobre tal adequação, quer sobre a possibilidade de decidir, quer sobre o teor da decisão a proferir; IV - A decisão proferida sem prévio contraditório em situações em que não podia ser dispensado é nula, podendo tal nulidade ser arguida em sede de recurso.
Texto Integral
Relator: Luís Miguel Martins
Primeira Adjunta: Paula Ribas
Segunda Adjunta: Conceição Sampaio
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Acordam os Juízes da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
I - RELATÓRIO
AA, propôs a presente ação declarativa de condenação contra EMP01... Inc., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe “ a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de € 558.000,00 de capital, acrescida dos juros vencidos, no montante de € 212.299,40, tudo no total de € 770.299,40 e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei.
(…) montante nunca inferior a € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos, no montante de € 3.329,32, tudo no total de € 8.329,32 e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei.”.
Alegou, em síntese, que é jogador de futebol de nacionalidade portuguesa já retirado, e a ré é uma empresa líder global em entretenimento digital interativo através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à internet, dispositivos móveis e computadores pessoais; que teve conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais, foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados X (também com as designações X ou X Soccer), nas edições 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017; X MANAGER X (inicialmente designado ... Manager), nas edições 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014; e ainda ... – FUT nas edições 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, todos propriedade da ré.; que jamais concedeu autorização expressa, ou sequer tácita, a quem quer que fosse, para ser incluído nos supra identificados jogos eletrónicos, jogos de vídeo e aplicativos, i.e X e X MANAGER e ... – FUT; nem conferiu poderes aos clubes onde jogou para que estes negociassem a licença para o uso da sua imagem e do seu nome, especificamente para jogos eletrónicos, jogos de vídeo, aplicativos, ou quaisquer outros jogos online ou offline, em qualquer tipo de plataforma; que viu a sua imagem ser retratada e o seu nome divulgado, sem o seu consentimento, em milhões de jogos de vídeo; que os jogos eletrónicos são lançados anualmente, pelo que novas versões são lançadas no mercado todos os anos, permitindo atualizações semanais via internet, fazendo com que o público consumidor de tais produtos seja levado a adquirir as novas versões dos jogos; que o dano por si sofrido é renovado a cada ano, paralelamente ao facto de que a ré, com as novas versões, aufere rendimentos, com um consequente crescimento da sua faturação; que a exploração indevida da sua imagem e do seu nome como jogador é renovada todos os anos por via do lançamento de novas versões dos jogos; que a ré está a utilizar indevidamente a imagem e o nome do autor, pelo menos, desde novembro de 2003 (data de lançamento do jogo de vídeo ... MANAGER 2004; que tais jogos, mesmo de anos anteriores, continuam a ser difundidos e vendidos, em Portugal e em todo o mundo, sendo que as versões mais antigas dos jogos X e X MANAGER continuam a ser vendidas em 2019 e, consequentemente, no mercado; que a ré procede ao relançamento de versões mais antigas dos jogos; que os jogos são ainda recorrentemente utilizados para a realização de torneios a nível nacional e internacional, organizados pelas mais diversas entidades.
Em sede de aplicação do direito diz o autor que não há que falar em prescrição, in casu, porquanto o dano por si suportado é continuado, na medida em que novas versões dos jogos são lançadas anualmente e a ré continua a vender as versões antigas dos seus jogos, sendo que os jogos X e X MANAGER ainda hoje estão disponíveis no mercado para compra; o lançamento da nova versão dos jogos, não implica a imediata retirada de circulação do mercado das versões anteriores, pelo que continuam disponíveis para venda até os dias de hoje; para além do dano suportado pelo autor ser continuado e permanente, a ré continuou (e continua) a comercializar as versões dos jogos de que se trata nesta demanda; a violação do direito de imagem e do direito ao nome ocorre cada vez que a mesma é publicada, sem autorização, com o que a violação se renova, de forma continuada; logo, haveria que se contar o prazo, para fins prescricionais, a partir do último ato que viole tais direitos de imagem e ao nome. Os direitos de personalidade que transcendem os direitos civis de natureza meramente patrimonial, são intransmissíveis e irrenunciáveis e, portanto, são imprescritíveis, não estando sujeitos à prescrição para fins do seu exercício através da presente ação.
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A ré contestou, apresentando, além do mais, defesa por exceção, consubstanciada na prescrição do direito invocado pelo autor.
Em concreto, disse a ré, em suma, que:
O regime legal estabelecido pelo art.º 498.º não se refere à natureza instantânea ou continuada da infração, mas ao momento em que o autor conheceu, pôde conhecer ou não lhe era possível ignorar o direito de indemnização, embora com desconhecimento do responsável e da extensão dos danos; quanto ao início da contagem do prazo prescricional, ocorrendo um só ato ou conduta danosa, apurado num dado momento temporal - ocorrendo uma infração instantânea - o prazo da prescrição inicia-se a partir da data em que ocorre o referido evento danoso. Por seu turno, se a infração tiver natureza continuada ou permanente, porque a violação do direito se perpetua no tempo, o prazo da prescrição não se “renova” ininterruptamente no tempo, mas mantém-se iniciado na data em que o lesado, pela primeira vez, tomou conhecimento do seu direito indemnizatório, ainda que desconhecesse da respetiva extensão dos danos; quanto ao conhecimento pelo A. do direito à indemnização, o mesmo refere ter tido “conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados X (também com as designações X ou X Soccer), nas edições 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017; X MANAGER X (inicialmente designado ... Manager), nas edições 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014; e ainda ... – FUT3 nas edições 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 (…)” – artigo 11.º e 109.º da petição inicial. As datas de lançamento destes jogos foram aproximadamente entre ../../2003 e ../../2016, em termos que discrimina; o autor sabia ou não podia desconhecer a data (pelo menos o ano) em que os jogos foram lançados, tal como conhecia o respetivo conteúdo; como também é do conhecimento do autor o conteúdo dos jogos X, dada a reputação à escala mundial que os jogos X têm na sociedade e, em particular, em certos setores específicos, onde o mesmo se insere; os jogos X e o lançamento anual de uma edição constituam factos notórios per se, com especial relevância para estes autos, nos termos do art.º 5.º, n.º 2, alínea c), 1.ª parte do Código de Processo civil, e por isso conhecidos pelo autor; o autor é um caso paradigmático de quem domina o mundo dos videojogos e em particular os de simulação desportiva; acresce que é o próprio autor que menciona que a ré usa a sua imagem desde o lançamento do jogo X MANAGER 04, que o autor situa temporalmente em novembro de 2003 (cfr. artigo 25.º da petição inicial).
E concluiu:
“Em suma, o conhecimento do autor sobre a existência do jogo desde 2003, respetivo lançamento em cada edição e inclusão do autor, resulta assim dos seguintes factos:
a) Notícias e publicações online com intervenção direta do próprio autor sobre os jogos X e respetivo conteúdo;
b) Notoriedade mundial dos jogos X e de cada edição lançada anualmente;
c) Integração do autor na geração que cresceu com o desenvolvimento e alargamento dos computadores e videojogos;
d) O autor foi praticante de futebol desde muito jovem, estando atento ao mundo dos videojogos, onde os jogadores reais dos grandes clubes eram identificados e, a dado momento, ele próprio também;
e) Referência do autor no artigo 25.º da petição inicial à data de lançamento do jogo X MANAGER 04, ocorrida em novembro de 2003; e
f) Regras de experiência comum decorrentes dos factos supra explanados – art.º 349.º do CC.
E disse ainda que:
- O lançamento anual de jogos X não traduz a produção de um novo dano; o dano ocorreu, de acordo com a tese do autor, com a inclusão da sua imagem no primeiro jogo que este refere, o X MANAGER 04 – art. 11.º da petição inicial; todas as edições seguintes do jogo X – como também menciona o autor – correspondem a acontecimentos que se sabe, autor incluído, iriam ocorrer todos os anos – artigo 23.º da petição inicial.
Mais refere que subsidiariamente, mesmo que se considere que cada inclusão da imagem do A. em cada edição nova dos jogos X constitui um dano novo – o que, apoiados jurisprudencialmente, se recusa – sempre estaria prescrito o direito de indemnização invocado pelo autor em relação ao uso da imagem pelo menos nos jogos invocados pelo A., X MANAGER 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13 e 14 e X 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12 13, 14, 15, 16 e 17, incluindo o respetivo modo de jogo ....
E por último disse que o que está em causa é a prescrição do direito à indemnização reclamada pelo A. e não a prescrição do seu direito de personalidade.
Pede por isso a sua absolvição do pedido.
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Foi proferido despacho dando oportunidade ao autor para responder às exceções em articulado próprio ao abrigo do art. 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, antes da realização de audiência prévia, o que este fez, em 09/04/2021.
Começou por dizer que mantinha tudo o alegado na petição inicial.
E mais disse que:
“4.º O Autor contesta todos os factos articulados pela ré, que alegadamente servem de suporte às peticionadas excepções, porquanto, ou não são verdadeiros ou é falsa a interpretação que lhes é dada pela ré.
5.º E, bem assim, impugna todos os documentos juntos e que lhe servem de sustentação, porquanto deles não se extraem as consequências pretendidas pela ré.”.
Quanto à matéria da prescrição, disse que estamos perante uma infração pela ré, que se traduz numa série de atos suscetíveis de configurar uma infração de natureza continuada ou permanente na qual o processo de violação do direito de outrem, in casu do autor, se mantém em aberto alimentado pela conduta persistente do infrator (infração continuada). E que há lesão de direitos da personalidade do autor (nome e imagem), categoria de direitos que está salvaguardada na Constituição da República Portuguesa como direitos fundamentais, imprescritíveis. E conclui que não assume qualquer relevância o momento em que o autor teve ou não teve conhecimento dos seus jogos.
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A ré respondeu a este requerimento, reafirmando, em suma, o alegado na contestação e dizendo que o autor não tomou posição expressa sobre a data da utilização da sua imagem nos videojogos, pelo que sendo um facto pessoal deve ser dado como assente que tomou conhecimento em 2003 e por isso ser já declarada a exceção de prescrição.
O autor respondeu também a este requerimento, pugnando pelo seu desentranhamento por ilegal, mas dizendo que impugnou a matéria e documentos que servem de base à exceção de prescrição.
A ré veio mais uma vez pronunciar-se reafirmando que quanto ao conhecimento da inclusão da sua imagem nos jogos X desde 2003 tal matéria não se mostra impugnada, sendo que que em matéria de exceção se aplica o regime consagrado no art. 574.º do Código de Processo Civil, por remissão do art. 587.º, n.º 1 do msmo diploma, quando se trate do autor tomar posição sobre os factos essenciais que densifiquem a invocação de uma exceção.
A 21/09/2023, foi proferido o seguinte despacho:
“Dos articulados pode depreender-se da, manifesta, impossibilidade de conciliação das partes. Deste modo, afigura-se mais adequado dispensar a audiência prévia nos termos do art. 593.º, n.º 1, do CPC, por força daquela impossibilidade. Tudo sem prejuízo, claro está, de ser concedido prazo às partes para alteração dos requerimentos probatórios e para eventuais reclamações aos temas da prova. Além do mais, foram já esgrimidos mais argumentos pela ré que serão levados em linha de conta aquando da prolação do despacho saneador. Assim, notifique os Ilustres mandatários para se pronunciarem. Prazo: 10 dias.”
Nessa decorrência, o autor disse nada ter a opor à dispensa da realização da audiência prévia, defendendo a ré que a mesma se devia realizar.
Foi, entretanto, determinada a apensação dos autos ao processo 3731/21.... do Juízo Central Cível de Braga, Juiz ....
A 20/02/2024, foi agendada audiência prévia, dizendo-se ser o objeto da mesma o constante do art. 591.º do Código de Processo Civil.
Por despacho de 03/05/2024 foi dada sem efeito a audiência prévia devido ao facto de existirem documentos que não se mostravam traduzidos.
A 30/7/2024, a preceder o saneador sentença que julgou procedente a exceção de prescrição, absolvendo o réu do pedido, foi proferido o seguinte despacho: “I. Dispensa da audiência prévia Todas as excepções foram amplamente discutidas. Face ao processado, o tribunal considera-se habilitado a proferir, de imediato, decisão final. Por outro lado, afigura-se que o processo dispensa mais delongas processuais. Isto é, apesar de já ter sido designada data para audiência prévia, consideramos que nova marcação acarretará outra demora que, manifestamente, não se afigura adequada. Face ao exposto, considerando ao fim a que se destinaria, ao abrigo dos princípios da gestão processual e da adequação, bem como da simplificação e celeridade, nos termos dos arts. 6.º, n.º 1 e 547.º do CPC, dispensa-se a realização de audiência prévia.”.
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Inconformado, o autor interpôs recurso apresentando as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
“a) A decisão recorrida é, salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e precipitada, tendo partido de pressupostos errados. b) Entende o Recorrente que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida. c) O ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, entendendo que a mesma padece de vícios, no que à decisão proferida sobre a excepção de prescrição aduzida pela ré na contestação diz respeito, já que não restam dúvidas, desde logo, que a mesma é nula. d) Com efeito, no caso dos autos, o saneador-sentença foi proferido, não tendo este sido precedido da realização de audiência prévia e sem que tenha sido feita menção à discussão de facto e de direito do mérito da causa, seja este por escrito ou oralmente. e) Assim, tendo o tribunal recorrido optado por proferir a decisão de mérito em causa nos autos sem essa discussão de facto e de direito e sem ter consultado previamente as partes quanto a essa possibilidade, estamos perante uma nulidade processual. f) O facto de o despacho recorrido ter sido proferido sem a consulta das partes e sem a discussão oral dos factos e direito aplicáveis aos autos, leva a que a sentença constante de tal despacho peque por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC e, seja, por conseguinte, nula, não sendo possível a sua sanação, nulidade que aqui se argui para os devidos e legais efeitos. g) Deve, pois, ser declarada a nulidade do saneador sentença recorrido, determinando-se a consequente remessa do processo ao tribunal a quo, para que aí sejam, subsequentemente, seguidos os trâmites processuais decorrentes. h) Contudo, caso assim não se entenda, o Tribunal a quo incorre ainda três manifestos erros de julgamento quanto à matéria de facto e quanto às questões de direito esgrimidas nos autos, pelas partes. i) Desde logo, o Tribunal a quo não podia concluir ter “…o autor tem conhecimento desta conduta (que apelida de ilícita) desde 2003. Isto é, desde essa data que a imagem do autor vem sendo utilizada nos jogos denominados X.”, para depois ter por assente que o “…O autor soube da existência destes jogos e da inclusão da sua imagem nos mesmos, no ano do seu lançamento, ou seja, no final do ano antecedente ao do ano a que se refere.”, cfr. parágrafo 3 da matéria dada como assente. j) Essa matéria factual dada como assente nunca poderia ter ocorrido, uma vez que nenhuma prova foi produzida nos autos que a suporte, havendo uma clara violação do preceituado nos artigos 410.º e 607.º, n.ºs 4 e 5, do C.P.C. k) Isto porque em momento algum da petição inicial se mostra alegado pelo Autor que o mesmo teve conhecimento, em 2003, da inclusão da sua imagem, do seu nome e das suas características pessoais e profissionais nos jogos da ré, designadamente, no jogo ... Manager 2004). l) O que o Autor alega (vide artigos 11.º, 25.º e 154.º da petição inicial) é que a ré está a utilizar indevidamente a imagem e o nome do Autor, pelo menos, desde Novembro de 2003 (data de lançamento do jogo de vídeo ... Manager 2004). m) Ou seja, o Tribunal a quo incorre num erro grosseiro de julgamento ao assumir que o momento em que a imagem, o nome e as características pessoais e profissionais do Autor foram introduzidas pela ré pela primeira vez nos seus jogos, e isto terá acontecido em 2003, coincide com o momento em que o Autor terá tido conhecimento que a ré se encontrava a utilizar essa imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais nos seus jogos. n) Essa interpretação/conclusão pelo Tribunal a quo é absolutamente desprovida de qualquer sentido e não encontra nenhum respaldo naquilo que se mostra alegado pelo Autor na petição inicial. o) A ré pode ter introduzido a imagem, o nome e as características pessoais e profissionais do Autor nos seus jogos pela primeira vez em 2003 e o Autor apenas ter tido conhecimento dessa utilização 5, 10 ou 15 anos depois. p) Com efeito, o momento em que o lesado tem conhecimento do direito à indemnização, pode ou não coincidir com o momento de ocorrência do facto ilícito. q) O mesmo se pode afirmar quanto ao conhecimento que o Autor teve, enquanto lesado, do direito à indemnização. r) Acresce ainda que, o facto do Autor ou qualquer outra pessoa ter conhecimento da existência de algum dos jogos da ré, não significa que, consideradas a sua imensa diversidade e as suas respectivas edições, tenha necessariamente de conhecer todos os jogadores que estão incluídos nos mesmos, incluindo a sua própria pessoa. s) Aliás, a verdade é que, nem a própria ré, na contestação apresentada, consegue afirmar – sem ser de forma dúbia – qual o exacto momento em que o Autor terá tido conhecimento da inclusão da sua imagem, nome e demais características nos seus jogos. t) Apenas sendo referido, por aquela, um conjunto de suposições e presunções, sem qualquer suporte factual, consubstanciadas no facto de a ré supor que o Autor terá tido conhecimento da inclusão da sua imagem, nome e demais características, nos seus jogos, no ano de 2003, faz com que estejamos, pois, apenas perante um juízo probatório meramente assente em presunções judiciais e em regras da experiência (cfr. artigo 81.º da contestação), o qual o Autor contesta e não admite. u) Aliás, essa argumentação, relativa à alegada prescrição, pela ré na contestação apresentada nestes autos é em tudo similar à apresentada em outras acções idênticas à presente e já foi alvo da devida apreciação por parte de Tribunais Superiores. v) Nesse sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no que respeita a tal argumentação, que: “A apelante entende, mal, que estamos perante matéria não carecida de prova, quando é a própria que retira a sua conclusão de um juízo probatório meramente assente em presunções judiciais e em regras da experiência (art. 106.º da contestação), juízo este não admitido pelo autor, designadamente em articulado subsequente. Como é evidente, ainda que tal juízo possa (ou não) ser apropriado, o autor pode ainda produzir prova que o contrarie.” Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 7ª Secção, Processo: 4488/20.5T8ALM-B.L1, de 18.11.2023, disponível para consulta in www.dgsi.pt w) Nos presentes autos, estamos, pois e também, perante meras suposições e presunções pela ré – reitera-se sem qualquer suporte factual – quanto à data em que o Autor terá tido conhecimento do lançamento dos jogos e do seu conteúdo. x) Não podia, pois, o Tribunal a quo ter decidido com base em tais suposições presunções. y) Importa, pois, apurar nos autos em que data o Autor teve tido conhecimento do lançamento dos jogos e do seu conteúdo, bem como, quando teve conhecimento, enquanto lesado, do direito à indemnização e cabe, pois, à ré que alegou a prescrição a prova dos factos que a produzem – cfr. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil. z) Por outro lado, e, também, ao contrário do que o Tribunal a quo entendeu, o conhecimento do mérito no despacho saneador apenas deve ter lugar se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito, ou seja, não há que antecipar qualquer solução jurídica e desconsiderar factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos possíveis do objecto da acção. aa) No caso dos autos, está alegado na petição inicial e é admitido na contestação que os jogos em causa foram comercializados a partir do seu lançamento e surgiram até, entretanto, novas versões, ou seja, há factos novos, consubstanciados nos múltiplos atos de comercialização dos jogos, os quais se prolongaram no tempo, sublinhando-se que ainda hoje é possível adquirir as versões dos jogos da ré onde o Autor se mostra incluído. bb) Está contestada a existência de facto ilícito, porquanto se invoca a autorização para a utilização da imagem do jogador, assim como está contestada a existência e a quantificação do dano, sendo essencial a delimitação destes aspetos factuais para se apreciar a exceção da prescrição, atentas as diversas orientações possíveis acima expostas. cc) Tal delimitação apenas poderá resultar da prova produzida em audiência de julgamento, cabendo, tal como já referido anteriormente, à ré que alegou a prescrição a prova dos factos que a produzem – cfr. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil. dd) Deste modo, não poderia o Tribunal a quo ter deixado de concluir, à luz das alegações vertidas na petição inicial e admitidas na contestação, que os jogos em causa continuaram a ser vendidos após o seu lançamento e foram até feitas novas versões, sendo que ainda hoje é possível adquirir as versões dos jogos da ré onde o Autor se mostra incluído, que a questão de direito consubstanciada na prescrição deveria sempre ser relegada para final, por existirem várias soluções plausíveis para a mesma e por ser essencial a produção de prova dos factos alegados pelo Autor e pela ré para apreciar essa excepção. ee) Devia, pois e ao contrário do que o Tribunal a quo decidiu, ter sido relegada para final o conhecimento da excepção de prescrição, porque é desta que se trata neste momento, por manifesta falta de elementos, e, nesse sentido, ordenado o prosseguimento dos autos para julgamento, proferindo despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, conforme previsto no artigo 596.º, n.º 2 do CPC. a) E ainda tendo por referência, que a questão de direito consubstanciada na prescrição deveria sempre ser relegada para final, por existirem várias soluções plausíveis para a mesma, chegamos ao terceiro aspecto que o tribunal a quo ignorou ostensivamente, com a decisão agora proferida e de que se recorre. b) Conforme resulta dos autos, a pretensão do Autor radica na violação ilícita do direito de personalidade, concretamente no direito ao nome e à imagem, e ainda no enriquecimento sem causa (enriquecimento por intervenção). c) O instituto do enriquecimento sem causa, no qual o Autor fundamenta o seu pedido subsidiário vem regulado nos artigos 473.º ss. do C. Civil e não podemos deixar de ter em conta que o artigo 474.º do C. Civil vem consagrar a natureza subsidiária do enriquecimento sem causa. d) E, atenta a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, o prazo da prescrição previsto no artigo 482.º do C. Civil não se inicia enquanto o empobrecido tem outro meio ou fundamento que justifique a indemnização ou restituição – vd. neste sentido o Acórdão do TRG de 20 de maio de 2021 no proc. 6269.20.7T8PRT-A.G1 in www.dgsi.pt onde ainda se refere: “Por conseguinte, vários são os arestos em que se defende que o prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, porque só se conta a partir da data em que o empobrecido teve conhecimento do direito que lhe compete, não abarca o período em que, com boa fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado ou restituído.”. e) Ou seja, “…o prazo de prescrição do direito de restituição por enriquecimento sem causa, porque só se conta a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete conforme dispõe o artº 482º do Cód. Civil, não abarca, o período em que, com boa fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado,…”. Neste sentido, v. ainda Ac. STJ de 27/11/2003 no processo 3 091/03 da 2ª secção; Ac. STJ de 26/02/2004 no processo 03B3798 in www.dgsi.pt f) De tudo o que antecede resulta à saciedade que, mais uma vez ao contrário do que o Tribunal a quo decidiu, indubitavelmente, nunca poderia ter operado o prazo prescricional inerente ao pedido de ressarcimento alicerçado em enriquecimento sem causa, visto que só com o trânsito em julgado da decisão que declarou prescrito o direito do Autor com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, é que se iniciará a contagem daquele prazo, já que, assumindo, no âmbito dos presente autos, o pedido em causa, carácter subsidiário, só após reconhecida a impossibilidade de uso de outro meio de exercício do direito é que poderá ocorrer a permissão legal para o exercício do direito com base no enriquecimento sem causa. Neste sentido, v. ainda Ac. Relação Évora de 22/01/1998 in Col. Jur. tomo 1, 260. g) Logo, no caso dos autos ainda que se entendesse que o direito do Recorrente a ser indemnizado com base em responsabilidade civil já estivesse prescrito — o que não se concede e apenas se admite por mera cautela de patrocínio — o Recorrente teria sempre direito ao ressarcimento do seu empobrecimento à luz do instituto jurídico do enriquecimento sem causa. h) Teria, assim e relativamente ao pedido subsidiário baseado enriquecimento sem causa, sempre de ter sido, pelo Tribunal a quo, determinado o prosseguimento dos autos, com vista à fixação dos factos assentes e da base instrutória, para efeitos de apreciação da excepção de prescrição, aduzida pela ré, na contestação. i) Por tudo o que se deixa dito, não pode, pois, o Autor acompanhar a decisão sob recurso. j) A sentença em crise violou o disposto nos artigos 3.º, n.ºs 3 e 4, 7.º, 8.º, 9.º-A, 131.º, 195.º, n.º 1, 410.º, 413.º, 574.º, 584.º, 587.º, 591.º, n.º 1, alínea b), 592.º, 593.º, 595.º, 596 n.º 2, 597.º, 607.º, nº 4, parte final e 615.º, n.º 1, alínea d) (parte inicial), todos do Código de Processo Civil e ainda os artigos 218.º, 306.º, 342.º, 363.º, 473.º, 474.º, 479.º, 482.º e 498.º, todos do Código Civil. Termos em que deverá o presente recurso proceder, por provado, e, em consequência, ser declarada nula a decisão recorrida e determinada a consequente remessa do processo ao tribunal a quo, para que aí sejam, subsequentemente, seguidos os trâmites processuais decorrentes. Caso assim não se entenda – o que não se concede e apenas se admite por mera cautela de patrocínio – sempre deve ser revogada a decisão recorrida e, em consequência, ser determinado o prosseguimento dos autos, relegando para a decisão final a apreciação da verificação da excepção de prescrição. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
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A R. apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes conclusões:
“a) Nestes autos, o autor peticiona a condenação da ré no pagamento de indemnização, pela utilização da sua imagem nos jogos X desde 2003, há 17 (dezassete) anos, invocando a violação do seu direito de personalidade. b) Esta ação, tendo em conta a causa de pedir descrita na PI, o petitório e inclusive a indicação aposta no formulário de submissão da PI no Citius (“Objecto de Acção: Factos ilícitos”) foi configurada como uma ação de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, nos termos do art.º 483.º do CC. c) Tendo sido invocada, pela ré, a exceção de prescrição do direito que o autor pretende exercer e discutida pelas partes em vários articulados – desde a PI (isto porque logo aí o autor abordou a prescrição), contestação, pronúncia do autor sobre as exceções, resposta da ré a esta pronúncia e requerimentos posteriores de ambas as partes sobre a prescrição –, uma vez terminados os articulados, o Tribunal a quo entendeu que podia apreciar o mérito desta exceção. d) O saneador-sentença declarou o direito do autor prescrito pelo decurso de mais de três anos desde que o autor soube, em 2003, da utilização da sua imagem nos jogos X e entendeu não demandar a ré nos três anos seguintes, só o fazendo em 2020, volvidos 17 (dezassete) anos. e) O autor, quer na PI, quer na sua pronúncia expressa sobre as exceções, opôs sempre e apenas a alegação de que, até aos dias de hoje, se mantém a produção de danos, por força das edições lançadas anualmente dos jogos X, bem como de se manterem à venda versões anteriores dos jogos. f) O autor, tendo tido oportunidade para isso, não afastou a data de 2003, invocada pela ré como sendo a data do conhecimento do direito indemnizatório que pretende exercer nesta ação. g) A assunção desta realidade funda-se em duas razões: (i) Alegação do próprio autor na PI; (ii) Admissão por acordo, nos termos dos art.º 574.º, n.º 2 e 587.º, n.º 1, ambos do CPC, como a ré invocou na 1.ª instância. h) Sendo irrelevante a alegada natureza continuada do facto ilícito ou da produção de danos, como fixado no AUJ de 15.06.2023: –– “O termo inicial do prazo prescricional, estabelecido no art.º 498.º do Código Civil, do direito de indemnização, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual (…) deverá coincidir com o momento em que o lesado adquira conhecimento dos factos que integram os pressupostos legais do direito invocado, independentemente de, à data de início da contagem daquele prazo, ainda não ter cessado a produção dos danos que venham a ser reclamados.” – Documento n.º 1. i) Posição que já anteriormente tinha adesão unânime na nossa jurisprudência: – Acórdão do STJ de 18.04.2002, Proc. n.º 02B950; – Acórdão do STJ de 14.10.2021, Proc. n.º 1292/20.4T8FAR-A.E1.S1; – Acórdão do STJ de 21.06.2018, Proc. n.º 1006/15.0T8AGH.L1.S1; – Acórdão do STJ de 23.06.2016, Proc. n.º 54/14.2TBCMN-B.G1.S1; – Acórdão do TRL de 16.06.2011, Proc. n.º 3448/07.6TVLSB.L1-6; – Acórdão do TRL de 26.01.2016, Proc. n.º 6097/13.6TBSXL.L1-7; e – Acórdão do TCAN de 19.06.2015, Proc. n.º 00436/09.1BEMDL. j) O conhecimento do autor, em 2003, do direito que invoca, neste pleito, é por isso um facto assente que decorre do seguinte: (i) da sua própria alegação na PI (entre outros: art.º 11.º, 25.º, 35.º, 40.º, 154.º); (ii) na invocação e suporte probatório junto pela ré na sua contestação (art.º 21.º a 111.º e respetivos documentos); e (iii) na aplicação das cominações processuais face à não tomada de posição do autor sobre um facto pessoal seu e que é igualmente facto essencial densificador da exceção de prescrição (art.º 574.º, n.º 1 e 2 e 587.º, n.º 1, ambos do CPC). k) Mostrando-se bem fundada a conclusão do Tribunal a quo em determinar 2003 como a data em que o autor tomou conhecimento do direito que pretende exercer nestes autos. l) Sendo seguro que a alegada natureza continuada do facto ilícito ou da produção de danos não impede, nos termos do art.º 306.º, n.º 1 do CC, o início da contagem do prazo prescricional de três anos consagrado no art.º 498.º, n.º 1 do CC – tal como entendido no AUJ de 15.06.2023 e na sentença em crise. m) A inclusão da imagem do autor em edições posteriores a 2003 dos jogos X é uma situação previsível para o autor, como o mesmo reconhece na PI, no art.º 23.º: – “…os jogos electrónicos são lançados anualmente, pelo que novas versões são lançadas no mercado todos os anos…” n) E enquanto situação previsível, não constitui um dano novo, como se refere na sentença: – “Ora, regressando aos autos, dúvidas não se oferecem que os danos que o autor alegadamente vem sofrendo são homogéneos (não se apurou qualquer dano imprevisível face aos que se vem gerando desde a data de lançamento dos jogos). E o autor na data do lançamento dos jogos teve conhecimento do direito que, alegadamente, lhe competia. Porém, a presente acção apenas deu entrada em Julho de 2021 (e a citação ocorreu em Setembro de 2021). Vale dizer que, com o decurso do tempo e com a inércia do titular quanto ao exercício do seu direito, acaba por conduzir, decorrido o prazo legal de três anos, à sua prescrição.” o) Entendimento totalmente alinhado com o sentido jurisprudencial dos Tribunais Superiores: – “…para que seja admitida a invocação de danos para além do prazo de três anos em que o facto danoso foi conhecido (danos novos) não é suficiente a demonstração de que os danos se produziram em momento posterior; os novos danos são apenas aqueles que constituem uma consequência do ato lesivo não conhecida ou cognoscível por um homem médio (pessoa razoável e diligente). Se os danos, embora ocorrendo em momento posterior ao ato lesivo, constituírem um mero desenvolvimento normal e objetivamente previsível da lesão inicial não estaremos perante danos novos.” (acórdão do TCAN de 19.06.2015, Proc. n.º 00436/09.1BEMDL). p) Destarte, as conclusões alcançadas na sentença para declarar prescrito o direito do autor não padecem de qualquer erro de facto ou de direito, mostrando-se de acordo com a lei aplicável e harmonizadas com o sentido jurisprudencial praticamente unânime neste âmbito. q) Quanto à invocação do autor, em sede de recurso, de uma nova e surpreendente tese – não ocorrência de prescrição à luz do instituto do enriquecimento sem causa – a improcedência decorre de duas razões fundamentais: (i) Não há trânsito em julgado sobre a improcedência do direito do autor à luz da responsabilidade extracontratual; (ii) Não foram alegados os factos essenciais típicos do regime do enriquecimento sem causa para preencherem, em abstrato, os quatro requisitos cumulativos deste instituto: – Existência de um enriquecimento e sua medida; – Ausência de causa justificativa para este enriquecimento; – Enriquecimento obtido à custa do empobrecimento do autor; e – Inexistência legal de outro instituto jurídico que permita ao autor ser indemnizado. r) A invocação do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária perante todos os demais institutos jurídicos existentes, sendo seu pressuposto primeiro, neste caso, a solução definitiva da apreciação do direito do autor ao abrigo do instituto da responsabilidade civil extracontratual, para lhe ser lícito lançar mão do instituto do enriquecimento sem causa. s) Mantendo-se em aberto, nestes autos recursivos – e sempre se manterá mesmo após a prolação de acórdão já que o mesmo não transitará prontamente –, a prescrição ao abrigo do art.º 498.º, n.º 1 do CC, quer ao Tribunal de 1.ª instância, quer a este Tribunal sempre estaria vedado abordar a prescrição do direito do autor, à luz do regime do enriquecimento sem causa. t) Quanto à segunda ordem de razões, verifica-se uma verdadeira situação de ineptidão da PI e manifesta improcedência do petitório à luz do instituto do enriquecimento sem causa: o autor não alegou que a ré obteve um enriquecimento pela inclusão da sua imagem e muito menos o quantificou ou invocou qualquer critério para esse efeito. u) Não consta da PI a alegação de ausência de causa justificativa na esfera de titularidade da ré, limitando-se o autor a afirmar que não licenciou, o que é frontalmente diverso de invocar que a ré não tinha causa, não tinha razão para utilizar a imagem do autor. v) Não foi alegado na PI qualquer facto para demonstrar que, na exata medida de um eventual enriquecimento a favor da ré, existiu um empobrecimento na esfera do autor. w) Basta, de resto, verificar que o pedido do autor é manifestamente desligado de qualquer valor que traduza o seu eventual empobrecimento ou enriquecimento da ré. O autor pretende, sim, uma indemnização, invocando a violação do seu direito de personalidade. x) Como decorre de toda a PI e respetivos fundamentos de facto e de direito, o autor exerce a sua pretensão indemnizatória à luz do instituto da responsabilidade civil extracontratual, pelo que não pode socorrer-se do enriquecimento sem causa que refere apenas como conclusão jurídica. y) Estes institutos jurídicos em confronto são bastante diversos, com os seus pressupostos fácticos e jurídicos específicos: – “São de outro tipo os factos que constituem o direito à restituição fundada no enriquecimento sem causa. A questão não é agora a violação ilícita dum direito ou interesse alheio, ou o incumprimento duma obrigação contratual, mas uma deslocação patrimonial, que aumenta um património à custa de outrem e se pode traduzir na poupança duma despesa, caso em que “consiste na subtração a um encargo que outrem indevidamente teve de suportar”. Para que de enriquecimento sem causa se possa falar, é preciso que hajam ocorrido factos que integrem os seus três requisitos: o enriquecimento de alguém, isto é, a obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial; a falta de causa justificativa do enriquecimento, que, tratando-se duma prestação, se traduzirá na falta de relação jurídica em que ela se funde; a sua obtenção à custa de quem requer a restituição, que por via dela empobrece (art. 473-1 CC).” (acórdão do STJ de 13.10.2020, Proc. n.º 995/16.2T8AVR.P1.S1 – destaque nosso). z) Não é suficiente, com base nos mesmos factos, causa de pedir e petitório, invocar os institutos da responsabilidade civil extracontratual e, subsidiariamente, o enriquecimento sem causa, afiançando singelamente que também este segundo instituto se mostra verificado, sendo imperativo alegar os pressupostos fácticos e jurídicos próprios do enriquecimento sem causa: – “O facto de os recorrentes terem qualificado juridicamente os factos alegados, invocando o enriquecimento sem causa, de forma diferente da qualificação jurídica efetuada na anterior ação (responsabilidade contratual), não faz alterar a causa de pedir nem afasta a exceção do caso julgado, porquanto a causa de pedir é o ato ou facto jurídico donde o autor pretende ter derivado o direito a tutelar e não a valoração jurídica que ele entende atribuir-lhe.” (acórdão do TRE de 27.01.2022, Proc. n.º 341/20.0T8ELV.E1). aa) Quando ambos os institutos são convocados pelo autor, a partir da mesma alegação factual, determinando-se a improcedência à luz da responsabilidade extracontratual, não haverá de proceder a ação com base no enriquecimento sem causa se os factos invocados são os mesmos: – “I – Julgado improcedente pedido reconvencional onde se pedia a condenação dos Autores/reconvindos no pagamento de uma quanta a título de responsabilidade contratual, os factos que sustentavam esse pedido não podem voltar a ser discutidos entre as mesmas partes. II - Se depois da decisão referida em 1), com base nos mesmos factos, os outrora Réus/reconvintes intentam nova ação em que formulam igual pedido, agora sustentado no seu empobrecimento e enriquecimento injustificado dos Réus, existe caso julgado que impede a apreciação desse pedido.” (acórdão do TRP de 05.11.2020, Proc. n.º 1169/19.6T8PVZ.P1). bb) A alusão na PI ao instituto do enriquecimento sem causa está desgarrada de qualquer suporte fáctico próprio específico, traduzindo um caso de verdadeira ineptidão da PI por ausência de factos, matéria de conhecimento oficioso – art.º 186.º, n.º 1 e 2, alínea a) e b) do CPC. cc) Sem uma causa de pedir autónoma e respetivos factos essenciais densificadores do instituto do enriquecimento sem causa, não há qualquer viabilidade na pretensão do autor neste âmbito, devendo por isso improceder também este segmento do recurso. dd) Refira-se, por fim, ser de rejeitar a nulidade assacada pelo autor à sentença, não existindo qualquer excesso de pronúncia, nem violação do princípio do contraditório ou decisão-surpresa. ee) Os autos são particularmente ilustrativos do exercício do direito de discussão de facto e de direito sobre a prescrição: (i) 20.08.2020: Petição inicial, onde o autor abordou antecipadamente a prescrição à luz do art.º 498.º, n.º 1 do CC – art.º 36.º a 60.º da PI.º, entre outros; (ii) 09.02.2021: Contestação, onde a ré invocou que o direito do autor estava prescrito – art.º 21.º a 111.º; (iii) 12.02.2021: Notificação ao autor da contestação e respetivos documentos, alguns dos quais relativos ao conhecimento do autor logo em 2003; (iv) 31.05.2023: Pronúncia do autor sobre as exceções – art.º 6.º a 21.º; (v) 20.06.2023: Resposta da ré à pronúncia do autor sobre as exceções– art.º 3.º a 27.º; (vi) 19.04.2024: Requerimento da ré, nos autos principais, também dirigido a esta ação, juntando documentos em matéria de prescrição; (vii) 02.05.2024: Resposta do autor ao requerimento da ré de 19.04.2024. ff) A sentença limitou-se a decidir uma exceção invocada pela ré e que expressamente se requereu que fosse conhecida, possibilidade que o autor pôde representar, senão antes, quando foi notificado do requerimento da ré de 20.06.2023; não reagindo, o autor conformou-se com essa possibilidade. gg) Igual entendimento foi já alcançado por outros tribunais portugueses e vertido em 6 (seis) outras decisões judiciais, proferidas em processos em que jogadores ou ex-jogadores profissionais de futebol, todos eles representados pelo mesmo mandatário, demandaram a ré, sob os mesmos fundamentos – todas juntas como Documentos n.º 2 a 6. hh) As partes discutiram esta questão em sede de articulados, tendo sido o próprio autor a “dar o pontapé de saída” quando abordou, logo na PI, a prescrição e a procurou afastar com base na tese do dano continuado, não ocorrendo, assim, qualquer nulidade ou prolação de decisão-surpresa. ii) Em conclusão, todos os fundamentos do recurso de apelação deverão ser rejeitados in totum. Nestes termos, requer-se a Vossas Exas., face a tudo o que foi adrede expendido, que se dignem considerar improcedente o recurso, confirmando a decisão do Tribunal a quo.”
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No despacho de admissão do recurso, o tribunal recorrido pronunciou-se sobre a arguida nulidade, nos seguintes termos:
“O autor suscita a nulidade da decisão. A nosso ver, a questão da prescrição encontra-se de tal modo discutida nos autos que não se vislumbra o que mais se poderia realizar quanto à mesma. Assim, e face ao exposto, fundamentamos, oportunamente, a dispensa da realização da audiência prévia.”.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º e 639.º do Código de Processo Civil), as questões a decidir no presente recurso de apelação são as seguintes – por ordem lógica de conhecimento:
- A de saber se a decisão proferida é nula, por violação do princípio do contraditório;
- E, se assim não for entendido, saber se se pode conhecer da prescrição do direito invocado pelo autor;
- E, na hipótese de se entender que se pode conhecer da exceção de prescrição, conhecer da mesma, indagando se se verifica a exceção de prescrição e quais as suas consequências.
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III- MATÉRIA DADA POR ASSENTE
O Tribunal a quo entendeu que o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação e a decisão da exceção da prescrição invocada pela ré, e nessa medida considerou provados os seguintes factos:
“Factos assentes para apreciação desta excepção:
“A ré EMP01... Inc., através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, é uma empresa que se dedica ao entretenimento digital interactivo. O Autor teve conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados X (também com as designações X ou X Soccer), nas edições 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017; X MANAGER X (inicialmente designado ... Manager), nas edições 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014; e ainda ... – FUT nas edições 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017; todos propriedade da Ré. O autor soube da existência destes jogos e da inclusão da sua imagem nos mesmos, no ano do seu lançamento, ou seja, no final do ano antecedente ao do ano a que se refere. As novas versões dos jogos electrónicos X e X MANAGER são lançadas anualmente, permitindo actualizações semanais via internet, com a utilização da imagem e do nome do autor. Estes jogos continuam a ser difundidos e vendidos em Portugal e em todo o mundo. O autor não concedeu autorização expressa ou tácita à ré, para ser incluído nestes jogos. A presente acção foi instaurada em Agosto de 2020. A ré foi citada para os termos da presente acção em Dezembro de 2020.”.
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O Tribunal a quo apresentou a seguinte motivação, restrita à parte que aqui nos interessa para a apreciação do objeto do recurso:
“O prazo de prescrição iniciou-se no momento em que o autor teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito, na sua perspectiva, à indemnização pelos danos que sofreu. Cite-se a título exemplificativo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 1646/06.9TBCTB.C1, de 28-4-2010: O prazo de prescrição não deixa de correr mesmo que o lesado não saiba quem é que lhe causou o dano. O lesado, enquanto não souber quem é o responsável pelo dano, não está impedido de fazer valer o direito que considera que lhe assiste. O art 498º/1 Código Civil deverá interpretar-se no sentido de que o desconhecimento do responsável pelos danos não impede que decorra o prazo de prescrição, mesmo que esse desconhecimento não resulte de negligência ou incúria do lesado. Ora, apurou-se que o autor o Autor teve conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados X (também com as designações X ou X Soccer), nas edições 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017; X MANAGER X (inicialmente designado ... Manager), nas edições 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014; e ainda ... – FUT nas edições 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017; todos propriedade da Ré. Sendo que soube da existência dos jogos X e da inclusão da sua imagem nos mesmos, no ano do seu lançamento, ou seja, no final do ano antecedente ao do ano a que se refere. Assim, o autor tem conhecimento desta conduta (que apelida de ilícita) desde 2003. Isto é, desde essa data que a imagem do autor vem sendo utilizada nos jogos denominados X. Pergunta-se, porém, se o carácter continuado ou duradouro do acto lesivo de que emerge o direito de indemnização poderá levar a concluir que a contagem do prazo de prescrição de 3 anos possa ser postergada até ao cometimento da última conduta? A nosso ver, o critério de contagem do prazo da prescrição adoptado pelo legislador é objectivo e, como tal, afasta qualquer consideração pelo eventual carácter continuado ou duradouro do acto lesivo de que emerge o direito de indemnização. Assim, a nosso ver, uma vez fixado o termo inicial do prazo prescricional na data do conhecimento, pelo lesado, de que dispõe do direito à indemnização, é juridicamente irrelevante a natureza continuada ou duradora do facto ilícito. Afinal, a lei não distingue entre ilícitos de produção instantânea e ilícitos de produção continuada, pelo que não cabe ao intérprete fazê-lo. A não se entender desta forma, redundaria tal numa dilação do início do prazo da prescrição ou, se quisermos, na criação artificial de um prazo prescricional maior do que o definido pelo legislador, o que, sendo contrário ao propósito do legislador, seria uma interpretação contra legem – neste sentido cf. Acórdão do STJ, de 14.10.2021, processo n.º 1292/20.4T8FAR-A.E1.S1, aresto que acompanhámos de perto. Aliás, é no seguimento deste acórdão que vem a ser proferido um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, o qual ainda não transitou em julgado, e onde se decide que o termo inicial do prazo prescricional, estabelecido no artigo 498, n.º 1, do Código Civil, do direito de indemnização, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual decorrente da ocupação ilícita de imóvel, deverá coincidir com o momento em que o lesado adquira conhecimento dos factos que integram os pressupostos legais do direito invocado, independentemente de, à data do início da contagem daquele prazo, ainda não ter cessado a produção dos danos que venham a ser reclamados. Neste aresto ressalva-se, porém, a ocorrência de um dano novo ou dano futuro, isto é, o dano que ainda não se verificou no momento da apreciação da situação do lesado pelo tribunal e não previsível. Neste caso, a contagem do prazo inicia-se com a produção deste dano imprevisível. Cita-se aí o acórdão do STJ, de 22-9-2009, processo n.º 180/2002.S2, onde se sustentou que, para efeitos de prazo prescricional, há que distinguir entre o agravamento previsível, a estabilização da extensão de um dano verificado e a ulterior verificação de novos danos previsíveis, por um lado, e os danos novos não previsíveis, por outro lado: Na primeira hipótese estar-se á perante um caso de formulação de pedido genérico, a concretizar por meio de liquidação, em que é conhecido o dano - um único dano que se vai prolongando e manifestando no tempo, eventualmente com agravamento -, apenas se ignorando a sua extensão e evolução, justificando-se a prescrição de caso curto; Na segunda, porém, ocorrem novos factos constitutivos ou modificativos do direito a alegar e provar pelo autor - sobrevém um novo dano ao facto ilícito ou o dano revelado por ocasião da prática desse facto -, que escapam ao âmbito da liquidação (salvo havendo acção pendente e possibilidade de oferecimento de articulado superveniente – art. 506º CPC). E conclui que o conhecimento da conduta lesiva inicial torna irrelevante o prolongamento no tempo dos danos, posto que radicando sempre na data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete. Assim, o entendimento de que o início do prazo da prescrição, em face de um facto ilícito e consequente dano continuado, só corre do conhecimento da produção efectiva desse dano, prolongaria um prazo que se pretendeu curto, geraria insegurança jurídica e premiava a inércia do credor que a Lei visou manifestamente obviar. Quanto ao dano continuado resultante do facto ilícito com essa natureza, é um dano previsível, não é um dano não previsível, posto que não é fundado numa outra e distinta lesão de que se veio a tomar conhecimento apenas no momento da respectiva ocorrência, não se trata de dano revelado depois do facto ilícito e imprevisível à data deste. Ora, regressando aos autos, dúvidas não se oferecem que os danos que o autor alegadamente vem sofrendo são homogéneos (não se apurou qualquer dano imprevisível face aos que se vem gerando desde a data de lançamento dos jogos). E o autor na data do lançamento dos jogos teve conhecimento do direito que, alegadamente, lhe competia. Porém, a presente acção apenas deu entrada em Agosto de 2020 (e a citação ocorreu em Dezembro de 2020). Vale dizer que, com o decurso do tempo e com a inércia do titular quanto ao exercício do seu direito, acaba por conduzir, decorrido o prazo legal de três anos, à sua prescrição. De referir, por fim, que o carácter imprescritível dos direitos de personalidade em nada se confunde com a prescrição do direito de indemnização. Aquela característica o que nos diz é que o direito de personalidade não prescreve pelo seu não exercício – cfr. art. 298.º, n.º 1, do CC. Isto é, o autor mantem intactos os seus direitos de personalidade. Porém, o direito de indemnização, o ressarcimento pelos danos sofridos é que prescreve. Deste modo, o alegado direito de indemnização do autor já prescreveu. Assim, procede a excepção peremptória invocada pela ré, pelo que esta tem de ser absolvida do pedido nos termos do disposto no art. 576.º, n.º 3, do CPC. Pelo exposto, absolvo a ré do pedido. Custas pelo autor. Registe e notifique.”.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no art. 591.º, n.º 1 do Código de Processo final, na parte que ora importa reter, findos os articulados, concluídas as diligências prévias à prolação do saneador, é convocada audiência prévia destinada a alguns dos fins aí previstos, designadamente o que consta da al. b), parte final, e que consubstancia em facultar às partes a discussão de facto e de direito quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte do mérito da causa.
A decisão sob escrutínio, consubstanciada na declaração de procedência da exceção de prescrição, foi proferida sem a realização de audiência prévia e sem que tenha sido referido em despacho autónomo que era intenção do julgador conhecer desde logo da exceção de prescrição e muito menos tendo indicado quais as razões por que se entendia ser possível conhecer dessa matéria e nessa decorrência não se permitindo a discussão de facto e de direito do mérito da causa.
Analisemos, pois, cada um dos segmentos supra referidos.
Conforme já supra se deixou dito, o Sr. Juiz de Direito, em decisão contemporânea da prolação de saneador-sentença, disse não convocava a audiência prévia invocando que as exceções foram amplamente discutidas. E disse ainda que o processo dispensava mais delongas processuais pois, apesar de já ter sido designada data para audiência prévia, considerou que nova marcação acarretaria outra demora. Assim, considerando que a audiência prévia destinaria a discutir as exceções, invocado os princípios da gestão processual e da adequação, bem como da simplificação e celeridade, nos termos dos arts. 6.º, n.º 1 e 547.º do Código de Processo Civil, decidiu dispensar a realização de audiência prévia.
Mas fê-lo, diga-se, desde já, mal, por falta adequado arrimo legal para o efeito.
Do teor de tal despacho extrai-se que o Sr. Juiz de Direito perfilha o entendimento que nestes casos, em que se pretende conhecer imediatamente do mérito da causa, a convocação da audiência prévia é obrigatória, pois caso contrário não teria necessidade invocar os princípios de gestão e adequação processual para a dispensar.
E diga-se que se concorda com tal posição, aliás na esteira do que vem sendo entendido doutrinalmente e jurisprudencialmente (na doutrina, cfr. v.g. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 3ª edição, págs. 737, Rui Pinto in Notas ao Código de Processo Civil, 1ª edição, págs 369; Francisco Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, vol. I, 2ª edição, págs 473; Jorge Pais de Amaral in Direito Processual Civil, 13ª edição, págs 278; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3ª edição, págs. 641 e 650; João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira in Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código e Processo Civil de 2013, 2013, págs. 73; Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 2014, págs. 230-231; e na jurisprudência, a título de exemplo, os Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/09/2015, no processo 128/14.0T8PVZ.P1, de 27/09/2017, no processo 136/16.6T8MAI-A.P1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/05/2015, no processo 1386/13.2TBALQ.L1-7, de 19/10/2017, no processo 155421-14.5YIPRT.L1-8, de 08/02/2018 no processo 3054/17.7T8LSB-A.L1-6, do Tribunal da Relação de Évora de 30/06/2016, no processo 309/15.9T8PTG-A.E1 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 17/01/2019, no processo 4833/15.5T8GMR-A.G3 e de 24/04/2024, no processo 6498/22.9T8BRG.G1, todos consultáveis in www.dgsi.pt).
Efetivamente, a audiência prévia não se realiza apenas nas circunstâncias do art. 592.º do Código de Processo Civil, ou seja nas ações não contestadas que devam prosseguir (al. a)) e quando o processo findar no despacho saneador, pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.
De acordo com o art. 593.º, n.º 1 do mesmo diploma adjetivo, nas ações que hajam de prosseguir, pode ainda ser dispensada a audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas als. d), e) e f) do n.º 1 do referido art. 591.º, e não já, por exclusão de partes, nomeadamente, quando estejam em causa os fins da al. b), onde se contempla, como vimos, o conhecimento do mérito da causa.
Porém, sendo a audiência prévia obrigatória nestes casos, o tribunal proferiu despacho a dispensá-la, convocando os “princípios da gestão processual e da adequação, bem como da simplificação e celeridade, nos termos dos arts. 6.º, n.º 1 e 547.º do Código de Processo Civil.”.
Sucede que a exercitação dos deveres de gestão processual e de adequação formal não deve ser realizada de tal modo que descaracterize a lei adjetiva, isto é, não pode o julgador substituir-se ao legislador criando uma tramitação absolutamente divergente da legalmente prevista e com que as partes não podiam sequer contar, sendo que jamais a adequação processual consistente na alteração da tramitação legalmente prevista (no caso tratou-se de uma ablação de diligência que o legislador instituiu como obrigatória) pode ser realizada sem que, também sobre ela, seja facultado contraditório.
Mas mais, não só não foi concedido o contraditório sobre a não realização da audiência prévia, como não se permitiu às partes discutir de facto e direito na perspetiva de terem conhecimento que se pretendia conhecer de mérito.
Aliás, toda a tramitação e os sucessivos despachos proferidos apontavam em sentido distinto, isto é que os autos não forneciam elementos suficientes para se conhecer de fundo.
Senão vejamos.
A 21/09/2023, foi proferido o seguinte despacho:
“Dos articulados pode depreender-se da, manifesta, impossibilidade de conciliação das partes. Deste modo, afigura-se mais adequado dispensar a audiência prévia nos termos do art. 593.º, n.º 1, do CPC, por força daquela impossibilidade. Tudo sem prejuízo, claro está, de ser concedido prazo às partes para alteração dos requerimentos probatórios e para eventuais reclamações aos temas da prova. Além do mais, foram já esgrimidos mais argumentos pela ré que serão levados em linha de conta aquando da prolação do despacho saneador. Assim, notifique os Ilustres mandatários para se pronunciarem. Prazo: 10 dias.”
Ou seja, neste despacho, pressupôs-se que se estava perante uma das hipóteses do art. 593.º, n.º1 do Código de Processo Civil, ou seja que o processo teria de prosseguir, tendo-se elucidado nesse sentido que as partes poderiam alterar os requerimentos probatórios e poderiam reclamar quanto aos temas de prova, mais decorrendo de tal despacho que não se pretendia conhecer de mérito, pois caso contrário não se teria realizado a referência a tal normativo.
Porém, após pronúncia favorável do autor e oposição da ré quanto à dispensa da audiência prévia, a 20/02/2024, foi agendada audiência prévia sem concretizar qual o seu objeto, remetendo em bloco para o art. 591.º, n.º 1, onde estão contempladas em abstrato todas as finalidades da audiência prévia. De todo o modo, poder-se-ia retirar da conjugação de ambos os despachos que os fins da audiência prévia seriam os das als. d) a f) do art. 591.º, ou aqueles que constam do art. 593.º, n.º 1, que estabelece ser nestes casos dispensável a audiência prévia, tendo o julgador optado por não dispensar a audiência prévia, talvez por ter havido oposição da ré, embora o segundo despacho também seja omisso a esse respeito.
Porém, a audiência prévia entretanto agendada, foi dada sem efeito, por despacho de 03/05/2024, com a justificação de existirem documentos que não se encontravam traduzidos.
E, eis que a 30/0/2024, de forma surpreendente (na plenitude da aceção do termo, como adiante melhor explicitaremos), decide-se dispensar a audiência prévia, dizendo-se que a nova marcação acarretará demora que não se afigura adequada.
Só neste despacho contemporâneo com a sentença que julgou procedente a exceção perentória de prescrição se disse que o tribunal se considera habilitado a conhecer de mérito sem que as partes se pudessem pronunciar sobre essa possibilidade, contraditoriamente com o anterior processado.
Feita e rememoração do périplo processual que culminou na dispensa da audiência prévia, nítido se torna que aquando da prolação do despacho que a dispensou, as partes não podiam manifestamente contar nem com a decisão de dispensa da audiência prévia, nem com a decisão de mérito que veio a ser proferida – pois que jamais tal lhes foi anunciado, antes pelo contrário, os despachos proferidos sempre se orientaram no sentido do prosseguimento dos autos com a elaboração do despacho saneador e enunciação dos temas de prova.
Aduza-se que tribunal a quo não antecedeu a sua decisão de adequação processual de consulta das partes, tendo dispensado a audiência prévia sem que previamente aquelas tenham sido ouvidas sobre tal alteração à tramitação legalmente prevista, sendo que inclusivamente já se havia mostrada agendada a audiência prévia para finalidades que nada tinham a ver com o conhecimento do mérito da causa, como não facultou o contraditório sobre a possibilidade de vir a decidir o mérito.
Temos assim que a decisão em recurso é uma decisão surpresa ou, melhor dizendo de dupla surpresa.
Ora, o julgador tem que observar o princípio do contraditório, quando pretenda adotar medidas de adequação formal, conforme ressalta do art. 6.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, o que não foi de todo feito.
Aliás, tal já decorreria do princípio geral consagrado no art. 3.º, nº 3 do Código de Processo Civil, que estabelece que:
“O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido oportunidade de sobre elas se pronunciarem.”.
Está assim vedado ao juiz a prolação de qualquer decisão surpresa sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que, previamente, tenha sido conferido às partes, a efetiva possibilidade de sobre a mesma se pronunciar.
O princípio do contraditório deve ser entendido como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. Reconhece-se, assim, o direito da parte à sua audição antes de ser tomada qualquer decisão e o direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas, o que decorre, aliás, do princípio do processo justo e equitativo (cfr. neste sentido Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, págs. 46 e 47).
Em suma, ainda que se aceitasse que no caso em apreço pudesse haver adequação processual, com a supressão da realização da audiência prévia, para o conhecimento de uma matéria que se revela de alguma complexidade, a verdade é que não foi observado o contraditório sobre a dispensa da audiência prévia para conhecimento de mérito como não foi dado conhecimento às partes sobre quais as razões pelas quais se entendia que já se podia conhecer de mérito para sobre as mesmas se pronunciarem. E, diga-se, tudo isto devia ser realizado à partida no âmbito de uma audiência prévia, com dialeticidade e discussão que poderia inclusivamente levar o julgador a mudar de opinião quanto à possibilidade de conhecer de mérito, ou seja deveria ter concedido às partes a utilização do mecanismo processual previsto no art. 591.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, que consubstancia na possibilidade discussão de facto e de direito quando o juiz tencione conhecer do mérito da causa.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2021, proferido no âmbito do processo 4260/15.4T8FNC-E.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
“VII - A dispensa pelo juiz da realização da audiência prévia, nos casos em que é obrigatória, nos termos do artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, como forma de proporcionar às partes o exercício de faculdades processuais concedidas por lei, está ela própria igualmente sujeita ao contraditório, evitando-se assim decisões surpresa, expressamente vedadas pelo artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil.
VIII – O respeito pelo princípio do contraditório, genericamente consagrado no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, não depende de um juízo subjectivo do juiz quanto à necessidade, segundo o seu entendimento pessoal, de ouvir ou não ouvir as partes, aquilatando se elas ainda têm algo a dizer-lhe que ache relevante para o que há a decidir, mas é, bem pelo contrário, substantivamente assegurado pela imposição do dever processual, que especialmente lhe incumbe, de garantir às partes o direito (que lhes assiste) de dizer aquilo que, no momento processualmente adequado (definido previamente pela lei), ainda entenderem ser, do seu ponto de vista, relevante.”.
Conforme também expende Delgado de Carvalho in “A dispensa da audiência prévia como medida de gestão processual: para lá dos receios do legislador”, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2016/06/a-dispensa-da-audiencia-previa-como.html:
“(…) quando o juiz pretenda, no despacho saneador, conhecer imediatamente de questão substancial que põe termo ao processo, as partes podem ser notificadas para habilitarem o juiz a conhecer do mérito da causa, de modo a influenciarem a sua decisão. A notificação das partes, com a finalidade de estas poderem influenciar o juiz na discussão do mérito da causa, dispensa a realização da audiência prévia, se as partes concordarem com essa dispensa.
A dispensa da audiência prévia, para garantia da equidade processual e a igualdade das partes, fica, contudo, dependente de o juiz prevenir as partes, de forma fundamentada, sobre a solução do litígio, o que implica a enunciação das questões a solucionar e a sua comunicação às partes, como decorrência da boa-fé processual e da recíproca cooperação entre as partes e o juiz. A comunicação da visão perspetivada pelo juiz é também importante para permitir confirmar ou infirmar a existência de condições para, sem mais provas, o juiz poder conhecer do mérito da causa.”.
Assim e em suma, podem-se alinhar as seguintes ideias fortes:
- Não está prevista a dispensa da audiência prévia quando o juiz pretenda decidir do mérito da causa ou de alguma exceção perentória;
- A dispensa dessa diligência ao abrigo dos poderes/deveres de gestão e adequação processual deve ser usada com parcimónia, por forma a não permitir soluções que o legislador quis expressamente afastar;
- Tal decisão deve ser antecedida de audição das partes quer sobre tal adequação, quer sobre a possibilidade de decidir, quer sobre o teor da decisão a proferir. (cfr. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/01/2024, consultável em www.dgsi.pt).
A questão agora é a de saber se a decisão surpresa é uma nulidade processual nos termos nos termos previstos no artigo 195º, n.º 1 do Código de Processo Civil ou uma nulidade da sentença, prevista no artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil. Mas é algo que no presente caso se mostra indiferente, pois a consequência será precisamente a mesma – a nulidade da sentença quer por via direta quer por via subsequente, nos termos do art. 195.º, nº 2 do citado diploma processual, podendo em ambos os casos ser arguida nas alegações de recurso, como foi feito.
Rui Pinto, em artigo de maio de 2020, intitulado “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º)” disponível na Revista Julgar Online, pág. 31 (https://julgar.pt/os-meios-reclamatorios-comuns-da-decisao-civil-artigos-613-o-a-617-o-do-cpc/)] afirma que “como qualquer outro ato processual, a própria decisão judicial pode padecer das nulidades inominadas do artigo 195, n.º 1. Assim, suponha-se que a sentença ou decisão é proferida parcialmente no início da audiência de julgamento, antes da produção de prova ou das alegações, ou que constitui uma decisão surpresa, com violação do artigo 3.º, n.º 3, ou que se trata de um despacho que ordena a citação do requerido para um procedimento cautelar que não admite citação prévia (cf. artigo 378). A decisão não pode deixar de ser nula.” (…) “Porém, o juiz não pode conhecer da arguição da nulidade de decisão surpresa, pois esta é atinente ao objeto da causa, salvos os casos em que esta também constitua excesso de pronúncia. Efetivamente, quando isto não suceda – nomeadamente por a “surpresa” se situar em matérias de conhecimento oficioso, como, por ex., factos instrumentais e a qualificação jurídica (cf. artigo 5.º, n.ºs 2 e 3) – trata-se de nulidade inominada do artigo 195.º, por violação do princípio do contraditório do artigo 3.º, n.º 3. Identicamente, o juiz não pode conhecer da nulidade da decisão que ordenou a citação em procedimento de restituição provisória da posse pois diz respeito à validade do objeto desse mesmo despacho de citação. Nestas segundas eventualidades, a nulidade apenas poderá ser invocada como fundamento de recurso, nos termos gerais, caso ele seja admissível.”.
Já Miguel Teixeira de Sousa, em comentário a Acórdão da Relação do Porto, de 02/03/2015, refere, diferentemente, que “o proferimento de uma decisão-surpresa é um vício que afecta esta decisão (e não um vício de procedimento e, portanto, no sentido mais comum da expressão, uma nulidade processual) ” (…) “o vício que afecta uma decisão-surpresa é um vício que respeita ao conteúdo da decisão proferida; a decisão só é surpreendente porque se pronuncia sobre algo de que não podia conhecer antes de ouvir as partes sobre a matéria.”. Cfr. publicação de 23/03/2015, consultável em https://blogippc.blogspot.com/2015/03/jurisprudencia-105.html.
Como se refere no Acórdão do STJ de 13/10/2020, no âmbito do processo 392/14.4.T8CHV-A.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt: “seja qual for a perspectiva que se adopte - a consunção da nulidade processual pela nulidade da decisão por excesso de pronúncia - ou a consideração de apenas um vício, o da decisão, será sempre este último que deverá ser atacado.”.
Embora propendamos para a solução inicialmente perspetivada da nulidade processual que inquina os atos subsequentes (tal como por exemplo sufragada no Acórdão desta Relação, de 15/06/2022, no processo 194/09.0TBAVV-A.G1), a verdade é que, repete-se, no caso vertente, o desfecho é idêntico.
No caso, a omissão de audição das partes estende-se à decisão saneador/sentença cuja nulidade é invocada, como aliás foi invocada a nulidade do despacho que a precedeu dispensando a audiência prévia.
Verifica-se, deste modo, a nulidade, por violação do princípio do contraditório, pelo que procedem as alegações de recurso, devendo os autos prosseguir os seus tramites normais, eventualmente com o agendamento da audiência prévia, caso se persista no entendimento que é desde já possível conhecer de mérito.
Diga-se a este propósito que este Tribunal, nos termos que se deixaram expostos, entende que o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso ficam prejudicadas e que de todo o modo, se fosse o caso, jamais poderia conhecer de mérito ao abrigo do plasmado no art. 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, por duas ordens de razões:
- primeira: é preciso previamente à decisão fazer observar o contraditório, nos termos que já se deixaram explanados, maxime através da convocação de audiência prévia;
- segunda: a matéria relativa à exceção de prescrição mostra-se controvertida, dado que foi expressamente impugnado o conhecimento da lesão dos seus alegados direitos pelo autor, que contesta todos os factos articulados pela ré, que alegadamente servem de suporte à peticionada exceção, dizendo que ou não são verdadeiros ou é falsa a interpretação que lhes é dada pela ré e ainda que impugna todos os documentos juntos e que lhe servem de sustentação, porquanto deles não se extraem as consequências pretendidas pela ré (cfr. arts. 3.º a 5.º do requerimento de 09/04/2021, em que se pronunciou, para além do mais, sobre a matéria de exceção vertida pela ré na sua contestação).
Saliente-se ainda que o autor jamais referiu quando tomou conhecimento de que os seus nome e imagem estavam a ser usados nos jogos, não se lhe impondo que apresentasse uma versão factual diversa, dado o ónus de alegação e prova da exceção que incide sobre a ré.
Ora, a matéria que serve de base à presunção da ré quanto ao conhecimento está impugnada.
O que significa que também por esta via não seria possível dar integral cumprimento ao disposto art. 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Torna-se, pois, impossível apreciar as demais questões levantadas pelo recorrente.
Ficando a recorrida vencida, deve suportar as custas do recurso –art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Sumário:
I - Não está prevista legalmente a dispensa da audiência prévia quando o juiz pretenda decidir do mérito da causa ou de alguma exceção perentória;
II - A dispensa dessa diligência ao abrigo dos poderes/deveres de gestão e adequação processual deve ser usada com parcimónia, por forma a não permitir soluções que o legislador quis expressamente afastar;
III - Tal decisão deve ser antecedida de audição das partes quer sobre tal adequação, quer sobre a possibilidade de decidir, quer sobre o teor da decisão a proferir;
IV - A decisão proferida sem prévio contraditório em situações em que não podia ser dispensado é nula, podendo tal nulidade ser arguida em sede de recurso.
*
V - DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, conceder provimento à apelação e declarar nulo o despacho que dispensou a audiência prévia e a subsequente sentença que julgou verificada a exceção de prescrição e absolveu a ré do pedido, determinando-se assim o prosseguimento dos ulteriores termos processuais, retomando a fase do saneamento do processo.
Custas a cargo da recorrida.