INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
CONDOMÍNIO
LEGITIMIDADE PASSIVA
LITISCONSÓRCIO
Sumário


I. O recurso ao mecanismo previsto nos artigos 261º e 316º do CPC apenas é admissível (quando tem em vista suprir a excepção dilatória de ilegitimidade passiva) nos casos em que a absolvição da instância ocorreu por preterição de litisconsórcio necessário.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório (feito com base no relatório da decisão apelada).

EMP01... - Compra e venda de Imóveis, S.A., deduzir Incidente de Intervenção Principal Provocada do Condomínio Edifício Rua ..., sito na Rua ..., ..., ..., em ..., representado pela sua administradora.
Para tanto invocou a aplicação dos artºs 261.º, nº 2; e 316.º e segs, do CPC, mais aduzindo que os réus na acção de que os presentes autos constituem apenso vieram arguir na sua contestação a ilegitimidade passiva, argumentando que a acção deveria ter sido instaurada contra o Condomínio, representado pelo seu administrador, tendo sido proferido despacho saneador nesse mesmo sentido e tendo sido os réus declarados partes ilegítimas, pelo que foram absolvidos da instância.
Foi deduzida oposição, considerando, em síntese, ser inaplicável ao caso o disposto nos invocados normativos.
Nessa sequência foi proferida a seguinte decisão:
“Nos autos principais foi proferido despacho saneador no qual se absolveram todos os réus da instância, por se entender que a acção deveria ser dirigida contra o condomínio, representado pela respectiva administração.

Nos termos do disposto no artº 261.º, do C.P.C.:
«1 - Até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou reconvinte chamar essa pessoa a intervir nos termos dos artigos 316.º e seguintes.
2 - Quando a decisão prevista no número anterior tiver posto termo ao processo, o chamamento pode ter lugar nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado; admitido o chamamento, a instância extinta considera-se renovada, recaindo sobre o autor ou reconvinte o encargo do pagamento das custas em que tiver sido condenado.»

Por sua vez, estabelece o artº 316.º, nº 1, que: «[o]correndo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.». E, mais adiante, dispõe o artº 318.º, nº 1, al. a), que: «[o] chamamento para intervenção só pode ser requerido .../... [n]o caso de ocorrer preterição do litisconsórcio necessário, até ao termo da fase dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261.º».
Conforme resulta dos normativos agora referidos, o recurso à possibilidade ínsita no artº 261.º, do C.P.C., só foi pensado para os casos em que a absolvição da instância ocorreu por preterição do litisconsórcio necessário, permitindo ao autor ou reconvinte chamar aos autos a contraparte que originalmente se encontrava em falta, conforme explica Lebre de Freita ("Código de Processo Civil, Anotado", Volume 1, Coimbra Editora, 3.ª Edição, págs. 505 a 507).
Não é este, manifestamente, o caso dos autos, no qual a absolvição da instância dos réus não decorreu da preterição de qualquer litisconsórcio passivo necessário.
Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, julga-se totalmente improcedente o presente incidente.
Custas, na sua totalidade, pela requerente - artºs 527.º, nºs 1 e 2; 539.º; e 607.º, nº 6, todos do C.P.C. - fixando-se o valor do incidente em € 9.603,73 - artºs 296.º; 304.º, nº 1; e 306.º, todos do C.P.C.
Registe e notifique.”.

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Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a requerente, que a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):
III - CONCLUSÕES:

1. Na Douta Sentença recorrida ao indeferir o incidente de intervenção principal provocada, fez o Douto Tribunal “a quo” uma interpretação errónea e violou o disposto nos art.s 33º n.º 2, 261º, 316º e seg.s do CPC, pelo que a mesma deverá ser alterada.
2. Ora, nos autos constam 12 réus, entre os quais a sociedade EMP02..., Unipessoal Lda, o respetivo gerente e os condóminos presentes na referida assembleia.
3. Entende-se que a ilegitimidade passiva, pelo menos, quanto à ré (a EMP02...) sociedade que atualmente efetua a administração do Condomínio, será sanada através do incidente de intervenção principal provocada intentado, nos termos dos art.s 33º. nº2, 261º, 316º e seg.s do CPC.
4. Considerou-se os réus parte ilegítimas, pelo facto de estarem desacompanhados do Condomínio representado pelo seu administrador, nos termos dos artigos 30º do C.P.C.
5. Dispõe o artigo 261º que quando a decisão que julgou ilegítima alguma parte tiver posto termo ao processo, o chamamento pode ter lugar nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado.
6. No incidente intentado chamou-se o Condomínio, representado pela sua administradora, sendo este o titular da legitimidade passiva, neste caso, deverá sempre prosseguir os presentes autos contra a sociedade EMP02... como Ré e o Condomínio.
7. Tal ilegitimidade só se verificará se persistir o vício que a origine e que consiste no facto de não ter sido demandado o Condomínio sito na Rua na Rua ..., freguesia ..., nº 106, em ..., representado pelo sua administradora a sociedade EMP02..., Unipessoal Lda,
8. Pelo que, essa ilegitimidade cessará com a intervenção desta nos presentes autos.
9. Ora, existem duas correntes de jurisprudência predominantes, sendo que uma dessas correntes defende que a ação tendente a obter a anulação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra os condóminos individualmente considerados e que votaram favoravelmente a deliberação anulada, tendo sido esta a orientação adotada na sua petição inicial pela apelante.
10. De acordo com o entendimento jurisprudencial maioritário (pois como se referiu existem duas correntes de jurisprudência) que foi sufragado no saneador-sentença e com o qual a apelante se conformou, nas ações tendentes a apreciar a existência, validade e eficácia de deliberações das assembleias de condómino, como é o caso da presente ação, a legitimidade passiva cabe ao Condomínio, representado pelo administrador e não aos condóminos individualmente considerados e que votaram favoravelmente a deliberação anulada.
11. Tendo sido proferido despacho saneador nesse mesmo sentido e foram os réus declarados partes ilegítimas, pelo que foram absolvidos da instância, tendo sido, ainda mencionado, que sem prejuízo do art-261ºdo CPC.
12. Ora, os sujeitos da relação jurídica material controvertida sobre que versam os presentes autos, no que àquele pedido de nulidade da deliberação da assembleia de condomínio respeita, será a apelante (na qualidade de condómina) e o Condomínio, representada pela sociedade já demandada, sua administradora.
13. Pese embora que, o Condomínio seja formado pelo conjunto dos condóminos de determinado prédio constituído em regime de propriedade horizontal e aquele não dispunha de personalidade e capacidade jurídica, a al. e), do art. 12º do CPC estendeu-lhe personalidade judiciária nos casos que enuncia nessa alínea - como é o caso de ação de anulação de deliberação da assembleia de condóminos, em que, para efeitos dessa ação o Condomínio, representado pelo seu administrador que será parte naquela ação, seja como autor ou como réu.
14. Deste modo, impõe-se concluir que é o condomínio, que tem personalidade judiciária (por expressa extensão legal) que deve ser demandado, mas é ao administrador que incumbe a sua representação,
15. Se como parte legítima surge o Condomínio, sendo o administrador o seu representante em juízo, é nosso entendimento que deve ser concedida oportunidade à autora/apelante de com a intervenção principal provocada requerida sanar a alegada ilegitimidade, pois a administradora do condomínio (a sociedade EMP02..., Unipessoal Lda) já é parte nos presentes autos.
16. Na ação de impugnação de deliberação de assembleia de condomínio, os sujeitos da relação jurídica material controvertida são a apelante (autora) e o Condomínio, representado pela sociedade e como tal entre o Condomínio e a sociedade existe relação litisconsorcial.
17. Entende-se, assim, existir uma relação litisconsorcial necessária natural que legitima que se possa recorrer ao incidente de intervenção principal provocada,
18. Chamando à presente ação o Condomínio, representado pela sociedade demandada, para que aquele Condomínio passe a figurar na presente ação enquanto réu, ao lado da ré originária contra quem a apelante propôs, entre outros, a presente ação (a sociedade EMP02...), de modo a assegurar a legitimidade destes na ação,
19. É que, conforme resulta do que se vem dizendo, mas aqui se reafirma, a sociedade, contra quem o apelante instaurou a presente ação, pedindo a nulidade da supra identificada deliberação da assembleia de condomínio, dispõe de legitimidade passiva para a presente ação no que respeita a esse pedido, porque é titular da relação jurídica material controvertida.
20. Entende a apelante que, a intervenção principal provocada em causa destinava-se a assegurar a legitimidade passiva da ré originária demandada pelo apelante (a sociedade EMP02..., Unipessoal Lda), como é intuito do legislador ao estabelecer a norma do n.º 1, do art. 316º do CPC.
21. É que a apelada sociedade deveria ser julgada parte legítima por ser sujeito da relação jurídica material controvertida que se encontra a ser discutida na presente ação, sendo que o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, como sucede na situação em apreço, isto é, a Ré é parte legítima na ação, pois têm interesse na demanda, tem interesse direto em contradizer, conforme estabelece o art.º art.30º - CPC.
22. E a ação prosseguiria para efeitos de apreciação desse pedido, com um novo réu (o Condomínio, representada pela sua administradora) consequência do incidente de intervenção principal em análise, o que a lei consente.
23. Salvo melhor opinião, deverá colher a alegação da apelante quando defende que com a intervenção principal provocada requerida, esta sanaria a alegada ilegitimidade, pela simples circunstância de que o deferimento desse incidente, nos termos do disposto no art. 316º, n.º 1 do CPC, sanaria a ilegitimidade passiva da apelada EMP02... - Unipessoal Lda.
24. O art. 316º do CPC admite o incidente de intervenção principal provocada aos casos em que entre as partes da ação pendente e o(s) chamado(s) interceda uma relação de litisconsórcio necessário que tenha sido preterido e que se imponha sanar, a fim de se suprir a ilegitimidade ativa ou passiva das partes originárias dessa ação.
25. Por fim, o litisconsórcio necessário pode não ser imposto por lei nem por convenção das partes, mas antes ser imposto pela própria natureza da relação jurídica material controvertida que está a ser discutida numa determinação ação judicial, o que se reconduz ao denominado litisconsórcio necessário natural, o que sucede nos presentes sutos.
26. O Mmo. Juiz do tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, ao proferir a referida sentença violou, por errada interpretação, o disposto nos art.s 30º, 33º n.º 2, 261º e 316º e seg.s do CPC.

NESTES TERMOS e nos melhores de direito que V. Exas doutamente Suprirão, deve ao presente recurso ser concedido provimento, sendo revogada a Decisão proferida nos presentes autos e proferido Acórdão que declare que se verifica litisconsórcio necessário natural entre o Condomínio, que a Recorrente chamou a intervir, e a sua Administradora, Ré originária, com o que farão V.Exas inteira Justiça!”.
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Não houve contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito suspensivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal, consiste em saber se é de admitir a requerida intervenção principal provocada.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos relevantes para a decisão a proferir são os que constam do relatório supra.
Da tramitação electrónica dos autos, há ainda a considerar o seguinte:
Na acção principal, de que estes autos são apenso, e no que para a economia desta decisão releva, foi proferida, no despacho saneador, a seguinte decisão, a 17.11.2023:
“Na sua contestação os réus defendem-se, além do mais, por excepção dilatória, invocando, a sua ilegitimidade passiva para os termos da presente acção, sustentando que as ações tendentes à anulação das deliberações tomadas nas assembleias de condóminos devem ser propostas contra condomínio, estribando a sua posição em jurisprudência que citam e concluindo pela procedência da arguida exceção e consequente absolvição da instância.
Convidada para o efeito veio a autora responder, invocando, em síntese, que existem duas correntes de jurisprudência predominantes, sendo que uma das duas correntes defende que a ação tendente a obter a anulação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra os condóminos individualmente considerados e que votaram favoravelmente a deliberação anulada, sendo que a autora entende ser a mais correta a aplicar à presente situação em apreço, na medida em que o administrador do condomínio não tem legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, devendo tais acções ser propostas contra os condóminos, pelo que, defende, não deverá ser seguida a corrente/orientação que entende que a ação deve ser instaurada contra o condomínio, representado pelo seu administrador. De todo o modo, acrescenta, entre os réus está a administração do condomínio e o respetivo gerente, pelo que entende que inexiste ilegitimidade passiva quanto à Ré (a EMP02...) sociedade que atualmente efetua a administração do Condomínio, do que extrai que, caso se entenda que a presente ação deverá ser instaurada contra o condomínio, representado pelo seu administrador, sendo estes o titular da legitimidade passiva, neste caso, deveram sempre prosseguir os presentes autos contra a EMP02... como Ré. Ainda que assim não seja, mais aduz, a propositura de acção inserida no âmbito dos poderes do administrador por quem o não seja, configura um caso de irregularidade de representação, que é sanável mediante a intervenção do titular do órgão executivo do condomínio, sem que daí derive qualquer modificação subjetiva da instância, considerando por isso que deve ser dada oportunidade à Autora de, através da apresentação de nova petição inicial, eliminarem as ambiguidades atrás mencionadas e de assim afastarem a situação de ilegitimidade passiva que dela poderia decorrer, o que se fará com apoio no disposto nos artºs 590.º, nº 2, al. a); e 6.º, nº 2, do C.P.C., através da apresentação de nova petição inicial, eliminando ambiguidades/irregularidades de representação verificadas afastando a situação de ilegitimidade passiva que dela poderá decorrer, pelo que, deverá a autora ser notificada para aperfeiçoar a sua petição inicial.
Decidindo
Nos termos do disposto no artº 30º, do C.P.C., o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer (nº 1), aferindo-se o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha (nº 2), sendo que, na falta de indicação da lei em contrário, e para efeitos da legitimidade, são titulares do interesse relevante os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (nº 3).
Relativamente à matéria da legitimidade passiva nas acções de anulação de deliberações em assembleia de condomínio era recorrente encontrar duas correntes jurisprudenciais – a) por um lado a corrente que defende que a acção tendente a obter a anulação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra os condóminos individualmente considerados que votaram favoravelmente a deliberação anulanda; b) por outro lado a corrente que entende dever a acção ser instaurada contra o condomínio, representado pelo seu administrador.
O signatário já foi subscritor da primeira das mencionadas correntes jurisprudenciais.
No entanto, atendendo aos mais recentes desenvolvimentos por banda do S.T.J. (de que são exemplo, entre outros, o Acórdão de 4/05/2021, Relator Fernando Samões, processo 3107/19.7T8BRG.G1.S1 – disponível em https://www.direitoemdia.pt/search/show/f6d249979da0f8f861eb0065c150438b672521b678a1c4f13e4 e8d33e76a239a; o Acórdão de 25/05/2021, Relatora Maria Clara de Sottomayor, processo 7888/19.0T8LSB.L1.S1 – disponível em https://www.direitoemdia.pt/search/show/2618adc61d11ddd0abd78c9d289ca8eac311f779b124a43faf2 fa3aa69129de9; e Acórdão de 28/09/2023, Relatado por Ana Resende, processo 1338/22.1T8MTS.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), dos quais resulta o entendimento de que a deliberação da assembleia de condóminos exprime a vontade do grupo que constitui o condomínio, e não dos condóminos individualmente considerados, ou dos que aprovaram a deliberação, pois as controvérsias respeitante à impugnação de uma deliberação só satisfazem necessidades coletivas, sem a atinência direta com o interesse individual ou exclusivo de um dos condóminos, com a consequência da atribuição da legitimidade.
Ademais, é necessário enquadrar, e dar o devido realce enquanto instrumento interpretativo, as alterações introduzidas pela Lei 8/2022, de 10/01, na redacção dos artºs 1436.º e 1437.º, ambos do C.C., este último, significativamente, alterando a respectiva epígrafe para «representação do condomínio em juízo.
A esse propósito cabe considerar que se tem entendido que quando o nº 6 do artº 1433.º, do C.C. faz referência a condóminos, o legislador incorreu em alguma incorrecção de expressão, dizendo menos do que queria, pois parece ter tido em mira uma entidade colectiva – a assembleia de condóminos –, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador. Acrescenta-se que se ao administrador compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do artº 1436.º, al. h), do C.C., por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio. Por conseguinte, entende-se que o mencionado nº 6 do artº 1433.º, do C.C., deve ser objecto de uma interpretação actualista (substituindo a expressão condóminos pela palavra condomínio), tendo em conta que a norma, derivada do DL 267/94 de 25/10, foi redigida numa época em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, que apenas lhe foi conferida com a reforma do Código de Processo Civil levada a cabo pelos DL nºs 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09. Neste sentido, de uma interpretação actualista do artº 1433.º, nº 6, do C.C., pronunciam-se, entre outros, Aragão Seia (“Propriedade Horizontal”, Almedina, 2.ª edição, pág. 216/217), Miguel Mesquita (“A Personalidade Judiciária do Condomínio nas Ações de Impugnação de Deliberações da Assembleia de Condóminos”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 35, julho/setembro 2011, pág. 41 a 46) e Sandra Passinhas (“A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina 2.ª Edição, pág. 346). E, a favor da legitimidade do condomínio deverá convocar-se, precisamente, além dos referidos argumentos, a alteração da redacção do artº 1437.º, do C.C., introduzida pela Lei nº 8/2022, de 10/01 (que substituiu a epígrafe «legitimidade do administrador» por «representação do condomínio em juízo», alterando a redacção do preceito), sustentando que veio clarificar a questão ou dissipar as dúvidas, acentuando a ideia de que o condomínio é a parte legítima e que a sua representação em juízo cabe ao respectivo administrador, assumindo tal lei natureza de lei interpretativa, integrando-se na lei interpretada e sendo por isso aplicável retroactivamente às situações jurídicas anteriormente constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor (acórdão do T.R.L. de 11/5/2023, proc. 25642/21.7T8LSB.L1-8 e acórdãos do T.R.P. de 8/5/2023, proc. 4878/22.9T8VNG-B.P1 e 10/3/2022, proc. 54/21.6T8PPFR.P1, disponíveis em www.dgsi.pt). Ou seja, recentemente, tem-se verificado uma tendência jurisprudencial maioritária no sentido da segunda tese apontada, que atribui legitimidade passiva ao condomínio nas acções de impugnação de deliberações condominiais, sendo esta tese a que melhor se coaduna com o conceito de legitimidade plasmado no artº. 30.º, do C.P.C., na medida em que expressando a deliberação da assembleia de condóminos a vontade do condomínio, enquanto grupo de condóminos (e não dos condóminos individualmente considerados ou dos que aprovaram a deliberação), é o condomínio, dotado de personalidade judiciária (artº 12.º, al. e), do C.P.C.), que tem interesse em contestar a acção de anulação da deliberação, além de que esta se apresenta como a solução mais acertada tendo em conta a unicidade do sistema jurídico (artº 9º, nº 1, do C.C.), considerando o regime jurídico da propriedade horizontal no seu todo, em conjugação com a extensão de personalidade judiciária conferida ao condomínio pelo artº 12.º nº 1, al. e), do C.P.C. Sublinhe-se que a necessidade de tal interpretação não deixa de se verificar pela entrada em vigor das alterações decorrentes do Lei 8/20222, de 10/1, na exacta medida em que tal diploma não alterou a redacção do referido art.º 1433.º, do C.C. (desde logo o seu nº 6), mas apenas (no que aqui releva) a redacção do artº 1437.º do C.C., para que este preceito legal não mais se referisse à representação em juízo do condomínio (isto é, à sua capacidade judiciária) como se se tratasse do pressuposto da legitimidade processual do seu administrador. Por isso, de resto, se compreende que o legislador substituiu a epígrafe «legitimidade do administrador» pela epígrafe «representação do condomínio em juízo», na medida em que deixou (há muito) de estar em causa que o condomínio não pudesse estar em juízo (activa ou passivamente), enquanto conjunto organizado dos condóminos e, por isso, carecendo de ser estabelecida a sua representação orgânica, em juízo. Ou, dito de outra forma, por não estar em causa a actuação do administrador do condomínio, em nome próprio, mas apenas no exercício dessas funções de representação, nenhum sentido fazia falar da legitimidade processual do administrador, já que tal pressuposto processual havia de se reportar à entidade com personalidade judiciária (o condomínio, segundo o art.º 12.º, do C.P.C.), e sendo aferida nos termos do artº 30.º, do C.P.C. Ora, como da nova redacção do nº 2, do artº 1437.º do C.C. resulta que tal representação do condomínio em juízo corresponde à representação da universalidade dos condóminos, esclarecida passou a estar, através da acção do legislador e por esta via interpretativa autêntica, a dúvida sobre quem deve ser demandado nas acções a que respeita o artº 1433.º do C.C., tomando o mesmo legislador partido no sentido de dever ser o condomínio, entidade com personalidade judiciária e correspondente ao universo de condóminos, representado pelo seu administrador (ou pela pessoa que a assembleia de condóminos designar). Por último, é de sublinhar que a solução aqui defendida tem a vantagem de agilizar o direito de acção, ao afastar os problemas resultantes da obrigatoriedade de demandar, em litisconsórcio necessário, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida, atendendo ao elevado número de condóminos de certos edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal, sem olvidar a dificuldade de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor da deliberação (neste sentido, vide Miguel Mesquita, ob. cit., pág. 41/56). No sentido ora exposto podem ver-se, entre muitos outros, o Acórdão do T.R.L., de 26/09/2023 (Processo 26149/22.0T8LSB.L1-7, relatado por Ana Mónica Pavão), os Acórdão do T.R.P. de 27/06/2022 (processo 17683/21.0T8PRT.P1, relatado por José Eusébio Almeida) e de 10/03/2022 (processo 54/21.6T8PFR.P1, relatado por Paulo Duarte Teixeira), e do T.R.C., de 30/05/2023 (processo 5636/21.3T8CBR.C1, relatado por Cristina Neves), assim como os Acórdãos do S.T.J. de 4/05/2021 (processo 3107/19.7T8BRG.G1.S1, relatado por Fernando Samões), de 25/05/2021 (processo 7888/19.0T8LSB.L1.S1, relatado por Maria Clara Sottomayor), e de 28/09/2023 (processo 1338/22.1T8MTS.P1.S1, relatado por Ana Resende, em que, lapidarmente, depois de percorridas duas tendências, se concluiu que: «Na ação de impugnação de uma deliberação de assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respetivo administrador.» [itálico, sublinado e negritos ora acrescentados) todos disponíveis em www.dgsi.
Acresce por fim, que não vê o tribunal qualquer possibilidade de reaproveitar a petição inicial apresentada, nos termos pretendidos pela autora, precisamente porque, tal como refere o Acórdão pela mesma citado, no caso vertente, não nos encontramos perante uma situação em que se possa extrair a ideia de que mais do que demandar a sociedade administradora a autora pretendia demandar o Condomínio representado pela administradora, pois que, claramente, a autora dirige o pedido contra todos os réus, incluindo a corré EMP02..., sendo esta na sua própria pessoa e não enquanto representante do condomínio.
Pelo exposto, tudo visto e considerado, julgo verificada a excepção dilatória da ilegitimidade passiva dos réus, absolvo os mesmos da instância, ao abrigo do disposto nos artºs 30.º, nº 2; 278.º, nºs 1, al. d), e 3; 576.º, nºs 1 e 2; 577.º, al. e); e 578.º, todos do C.P.C., sem prejuízo do disposto no artº 261.º, do C.P.C.
Custas, na sua totalidade, pela autora – artº 527.º; e 607.º, nº 6, ambos do C.P.C.
Registe e notifique.”.
Tal decisão transitou em julgado, pois que não foi objecto de recurso.
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IV. Fundamentação de direito.

É sabido que um dos princípios basilares da lei processual civil é o princípio da estabilidade da instância, consagrado no artigo 260º do CPC, que estabelece que citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
Assim, a citação tem o efeito de fixar os elementos essenciais da acção, que são as partes, o pedido e a causa de pedir.

Como se afirma no Ac. da Relação do Porto de 19.03.2015, disponível em www.dgsi.pt, esta limitação advém da necessidade de balizar convenientemente os termos do conflito para que as partes possam actuar na acção com segurança e sem equívocos e o processo adquira a perenidade indispensável para viabilizar uma decisão correta e oportuna do conflito.
Tal princípio da estabilidade da instância não tem, contudo, natureza absoluta, posto que sofre as excepções consignadas na lei e que podem dizer respeito ao pedido, à causa de pedir ou às partes.
Quanto à modificação das partes no processo, a lei processual permite que, em diversas situações, quem não sendo parte na instância, no início da acção, venha a adquirir essa qualidade.
Como ensinam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, In Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª Edição, pág. 382, a intervenção de terceiros, traduz-se num incidente que leva à integração na lide de alguém que aí deveria ou poderia estar desde o início, em regime de litisconsórcio necessário ou conjugal (artigos 33º e 34º), ou litisconsórcio voluntário (artigo 32º).
O art. 311.º do CPC, com a epígrafe “intervenção de litisconsorte”, define o âmbito da intervenção principal espontânea (que serve de referência à intervenção provocada), estabelecendo que “estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º”.

Por sua vez, o art. 316º estatui quanto ao âmbito da intervenção provocada que:
“1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor”.

Destes normativos resulta claramente que o campo de aplicação da intervenção principal está circunscrito às situações de litisconsórcio: só pode intervir na acção, assumindo a posição de parte principal, um terceiro que por referência ao objeto da lide esteja em relação à parte a que se vai associar numa situação de litisconsórcio.
Numa situação de litisconsórcio voluntário, a acção pode ser proposta por um ou por todos contra um ou contra todos os interessados. Se apenas um dos titulares intervier, o tribunal deve conhecer apenas da quota-parte do seu interesse ou responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade, mas se a lei ou o negócio jurídico consentir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação seja exigida a um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade, devendo nesse caso o tribunal conhecer da totalidade do interesse ou responsabilidade (artigo 32.º do CPC).
Nas situações em que o litisconsórcio é necessário, exige-se a intervenção de todos os titulares para assegurar a legitimidade processual. Tal ocorre quando a lei ou o negócio exigem especialmente a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, mas também quando, pela própria natureza da relação jurídica, a intervenção de todos é necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, isto é, seja capaz de regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado – art. 33.º do CPC (cfr. neste sentido, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2º Ed., pág. 165).
Por seu lado o art. 261.º do CPC refere que “até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou reconvinte chamar essa pessoa a intervir nos termos dos artigos 316.º e seguintes.”.
Ora, da conjugação destes normativos resulta que o recurso ao mecanismo previsto nos artigos 261.º e 316.º do CPC apenas é admissível (quando tem em vista suprir a excepção dilatória de ilegitimidade passiva) nos casos em que a absolvição da instância ocorreu por preterição de litisconsórcio necessário. Ou seja, por faltar na acção determinada pessoa que se encontra numa relação de litisconsórcio necessário com o primitivo réu.
No caso dos autos temos que, por decisão proferida no processo principal e transitada em julgado, foi considerado que nesta acção de impugnação de deliberação de assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respetivo administrador, razão pela qual foi julgada verificada a excepção dilatória da ilegitimidade passiva dos réus, e absolvidos os mesmos da instância.
Partindo deste pressuposto (que a apelante não pode querer discutir novamente, visto o trânsito em julgado da referida decisão), temos que nenhuma razão lhe cabe ao impugnar a decisão apelada.
É que, como bem nela se refere e resulta das considerações jurídicas acima assinaladas, o recurso à possibilidade ínsita no artº 261.º, do CPC, só foi pensado para os casos em que a absolvição da instância ocorreu por preterição do litisconsórcio necessário, permitindo ao autor ou reconvinte chamar aos autos a contraparte que originalmente se encontrava em falta, conforme explica Lebre de Freitas in "Código de Processo Civil, Anotado", Volume 1, Coimbra Editora, 3.ª Edição, págs. 505 a 507.
Não sendo este, manifestamente, o caso dos autos, no qual a absolvição da instância dos réus não decorreu da preterição de qualquer litisconsórcio passivo necessário, não há que ser admitida a requerida intervenção.
Improcede, pois, a apelação.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):
 I. O recurso ao mecanismo previsto nos artigos 261º e 316º do CPC apenas é admissível (quando tem em vista suprir a excepção dilatória de ilegitimidade passiva) nos casos em que a absolvição da instância ocorreu por preterição de litisconsórcio necessário.
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V. Decisão.

Perante o exposto, acordam os Juízes que constituem este Colectivo da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação improcedente, em consequência do que confirmam a decisão apelada.
Custas pelos apelantes.
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Guimarães, 28 de Novembro de 2024

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Luís Miguel Martins
Anizabel Sousa Pereira

(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das citações/transcrições efectuadas que o sigam)