PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DO MENOR
CONFIANÇA PARA ADOÇÃO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Sumário


I - A aplicação das medidas de promoção e proteção enunciadas no artigo 35.º da LPCJP visa afastar o perigo para a segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento da criança, gerado pelos pais, pelo representante legal ou por quem tenha a sua guarda de facto;
II - A aplicação de qualquer medida de promoção e proteção encontra-se sujeita aos princípios orientadores constantes do art.º 4.º da LPCJP, devendo-se em primeiro lugar atentar na defesa do superior interesse da criança;
III- A medida de confiança de um menor a pessoa ou instituição para futura adoção deve ser aplicada quando as restantes medidas elencadas no artigo 35.º da LPCJP não se mostrem suficientes e adequadas para assegurar os interesses do menor e se verifiquem os pressupostos do art. 1978.º do Código Civil.

Texto Integral


Relator: Luís Miguel Martins
Primeira Adjunta: Conceição Sampaio
Segunda Adjunta: Maria Amália Santos

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO

No âmbito do Processo de Promoção e Proteção relativo à menor AA, nascida a ../../2023, filha de BB e de CC, foi proferida, em 19/09/2024, decisão nos seguintes termos:
Nos termos e com os fundamentos expostos, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 35º/1/g), 38º-A/b) e 62º/A/1/3/5), o Tribunal decide aplicar a favor da menor AA a medida de “confiança com vista a futura adopção sob a guarda da família onde se encontra acolhida”.

Inconformado com esta decisão, da mesma veio recorrer o progenitor da menor, formulando as seguintes conclusões:

“1-O Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo aplicar a favor da AA a medida de “confiança com vista à futura adoção sob a guarda da família onde se encontra acolhida”.
2- O tribunal a quo entendeu que se encontram preenchidos os pressupostos das als. c) e e) do n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil.
3-É entendimento do Recorrente que a decisão do Tribunal a quo não acautela os direitos e interesses da menor AA.
4- A menor tem o direito a crescer inserida no meio da sua família biológica e a conhecer os seus pais naturais devendo dar-se preferência à manutenção dos laços familiares e biológicos, aplicando medidas que vão de encontro a esse objetivo (artigo 4 da LPCJP).
5-Encontram-se, pois, violados os princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade, da prevalência da família, previstos no artigo 4 da LPCJP.
6- A medida de confiança de um menor a pessoa ou instituição para futura adoção só pode ser aplicada em última instância e quando as restantes medidas elencadas no artigo 35.º da LPCJP não se mostrem suficientes e adequadas para assegurar os interesses do menor.
7- Não houve qualquer intervenção junto do progenitor para trabalhar as suas competências parentais. No momento presente não se conhece a sua inserção sócio-profissional.
8- A mãe da AA frequenta um curso de Pastelaria e cozinha, auferindo €300,00 por mês. Existindo atualmente um esforço da mãe para criar as “condições físicas e económicas” que lhe permitam cuidar e zelar pelo bem-estar da AA.
9-Neste contexto o Tribunal a quo devia optar por uma medida que não implicasse um corte definitivo da menor com a sua família biológica. Com prevalência da medida de apoio junto dos pais – prevista na alínea a) do artigo 35º, e no art.º 39º da LPCJP – de acordo com o princípio da prevalência da família.
10-De acordo com o artigo 36, nº5 da Constituição da República Portuguesa os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. E o artigo 36, nº6 da Constituição da República Portuguesa estabelece que os filhos não podem ser separados dos pais.
11- O artigo 9.º n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, estabelece que “os Estados Partes garantem que a criança não é separada dos seus pais contra a vontade destes”.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, tendo por base a violação do artigo 36.º n.º 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa, do artigo 4.º al. a), al. e) e al. f) da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, e do artigo 9.º nº1 da Convenção sobre os Direitos da Criança.
Assim decidindo, será feita JUSTIÇA!”.
Apenas o Ministério público apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.

*
II – OBJETO DO RECURSO

Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente, bem como das que forem conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando realçar que, de todo o modo, o tribunal não está adstrito a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, cumpre apreciar:
- Se existe fundamento legal para revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que decida aplicar a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, prevista na al. a) do artigo 35.º e no art.º 39.º da LPCJP, conforme pretendido pelo recorrente.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

São os seguintes os factos considerados provados na decisão recorrida:
“1.º
A menor AA nasceu a ../../2023 e é filha de BB e de CC.
2.º
A progenitora, BB, tinha sido alvo de intervenção judicial protectiva, tal como suas irmãs, pois, em benefício de BB e duas irmãs germanas, correu termos neste Tribunal o PPP n.º 333/08...., tendo a EMAT iniciado o seu acompanhamento em 2008, tendo-lhes sido aplicadas medidas de acolhimento residencial, cujos términos se verificaram por vontade das próprias, ao atingirem os dezoito anos.
3.º
Na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens ... corria termos um Processo de Promoção e Protecção a favor de outra filha de BB, DD, fruto de distinto relacionamento.
4.º
Em 2009 foi instaurado o PPP n.º 333/08...., relativamente a esta irmã uterina da AA, nascida em ..., no âmbito do qual foi aplicada a medida de confiança com vista a futura adopção, com consentimento dos progenitores.
5.º
Em 2021 foi instaurado a favor de EE, irmão uterino de BB, o PPP n.º 1688/21...., que correu termos no J... deste JFM, no qual foi aplicada a medida de confiança com vista à adopção.
6.º
A BB, que apresenta limitações cognitivas, logo após conhecer CC através de um site (...), passados uns dias, decidiu ir para ..., onde o mesmo residia.
7.º
Na sequência dessa decisão, em Março de 2022 BB abandonou a filha DD, nascida a ../../2019, tendo a CPCJ ... aplicado a seu favor a medida de “apoio junto dos pais”, a executar junto do progenitor.
8.º
Em ..., BB passou a coabitar com CC, primeiro em casa dos pais deste, depois num quarto por ele arrendado. Tendo conseguido emprego, o montante que mensalmente auferia entregava ao companheiro, por exigência deste.
9.º
BB partilhou com a Técnica gestora de caso que foi vítima de violência verbal, económica, física e sexual desde o início da coabitação com CC.
10.º
Mencionou que CC a acusava de o querer "envenenar colocando veneno na comida", o que despoletava agressões diárias.
11.º
Em Agosto/Setembro de 2022, BB e CC passaram a residir em ..., em casa do pai dela, de onde saíram por desavenças, tendo ido viver para a casa da mãe de BB, em .... Aí, os problemas familiares mantiveram-se, com um agravamento dos comportamentos persecutórios por parte do CC.
12.º
Por sucessivos desentendimentos, o casal foi transitando entre as habitações dos familiares de BB - casa da avó (que reside numa habitação social e refere não poder exceder a lotação, não podendo acolher a AA), casa da mãe (que, segundo BB, se encontra sem fornecimento de água por falta de pagamento) casa da irmã FF (um apartamento, onde também residia o companheiro desta e o pai dele) e a casa de prima, que BB afirma não ter condições.
13.º
A BB, porque CC continuava a ser violento consigo, apresentou denúncia contra o mesmo na GNR ....
14.º
A progenitora só às 26 semanas se inteirou que estava grávida, e apesar de lhe terem sido sucessivamente agendadas consultas de acompanhamento, nunca compareceu.
15.º
Desde que regressara a ... que BB se encontrava desempregada.
16.º
CC encontrava-se a exercer funções como motorista na empresa "EMP01...". O seu histórico junto da Segurança Social era indicador de grande rotatividade de empregos, precários e esporádicos.
17.º
Por essa altura, o casal residia no apartamento de GG, de 23 anos de idade, que sendo um suporte afectivo para BB, não apresenta competências que contribuíssem para a autonomia da mãe da menor, nem detinha condições, a vários níveis, para acolher a criança.
18.º
Sendo a família materna disfuncional, a retaguarda familiar paterna era inexistente, pois que residiam em ....
19.º
Em 2021, CC, por alegada ruptura familiar, viveu em condições de sem-abrigo.
20.º
Perante este complexo fáctico, aquando do nascimento de AA, a CPCJ reuniu com os progenitores em contexto hospitalar, abordando com os mesmos a sinalização efectuada e as medidas protectivas necessárias a acautelar o bem-estar da filha.
21.º
Tendo ambos consentido na intervenção da Comissão, foi deliberado aplicar à criança a medida de acolhimento residencial, conjuntamente com a mãe, por um período de seis meses.
22.º
Em 02/02/2023, a BB e a filha integraram o Centro de Apoio à Vida da Associação ..., em ....
23.º
Durante o acolhimento, o progenitor visitou a companheira e a filha, porém, o seu comportamento era de tal modo agressivo, autoritário e ameaçador que a equipa técnica temia pela segurança de BB e da criança.
24.º
A progenitora confidenciou que CC a tinha agredido quando estava grávida e que o mesmo consumia diariamente estupefacientes.
25.º
Apesar das advertências que lhe foram feitas, CC manteve os comportamentos desajustados, perturbando inclusivamente a prestação de cuidados à criança, pelo que a CPCJ, em 24/03/2023, deliberou a suspensão das visitas do progenitor à filha em contexto hospitalar e institucional.
26.º
Em 27/03/2023, foi reportado à Comissão pela Técnica HH, da CA, que o progenitor tinha ido visitar a filha ao Hospital ..., onde a criança estava internada, tendo sido violento com a companheira.
27.º
No decurso dessa visita, CC realizou uma videochamada com a mãe, onde rebaixou e denegriu as competências de BB, pedindo-lhe que falasse com a tia para retirar AA à progenitora, acrescentando que ele próprio tinha condições para ficar com a filha, já que o quarto que arrendara dispunha de casa de banho.
28.º
Após se ter ausentado do quarto por cerca de trinta minutos, suspeitando-se que para consumir estupefaciente, regressou ainda mais alterado, exigindo a BB que conversassem, a sós, ao que a mesma se negou.
29.º
CC reagiu com agressividade, agarrou-a e atirou, repetidamente, com o telemóvel dela ao chão, até o partir, a Técnica da CA ali presente procurou acalmá-lo, sem sucesso, tendo pedido o auxílio dos enfermeiros, que, perante o comportamento descontrolado do progenitor, chamaram os seguranças e a entidade policial.
30.º
BB sofreu um ataque de pânico tendo de ser assistida.
31.º
A ocorrência foi participada à PSP ..., dando origem ao inquérito n.º 523/23.....
32.º
Nesse mesmo dia, o progenitor foi informado da decisão da Comissão de suspensão das visitas. Exaltado, referiu que não aceitava a alteração ao acordo de promoção e protecção, o que determinou a remessa do processo à Procuradoria junto deste Tribunal.
33.º
No relatório social junto aos autos em 18/05/2023, deu-se conhecimento que dois dias antes a Equipa Técnica do Centro de Apoio à Vida teve conhecimento que mãe da menor realizava vídeos em directo, pela rede social Facebook, expondo a bebé e a sua situação de acolhimento.
34.º
Aconselhada a não voltar a expor a criança, nem o contexto, BB passou a dirigir verbalizações agressivas e ameaças às outras utentes por considerar que a tinham denunciado.
35.º
Simultaneamente, e apesar da boa evolução registada nos primeiros tempos, a progenitora começou a manifestar um retrocesso nas suas competências, deixando de estar centrada nos cuidados à AA, delegando-os nas funcionárias da CA.
36.º
Começou igualmente a demonstrar interesse em estar com a sua família, nomeadamente a mãe, a irmã e a filha DD, deixando de manter o foco em AA.
36.º
Verbalizava pretender sair para passear, tendo sido apurado, junto das outras utentes, que essa pretensão estaria relacionada com o seu desejo de se encontrar com pessoas do sexo masculino, o que assumiu.
37.º
BB passou a adoptar comportamentos desregulados, arremessando objectos, no seu quarto, na presença da filha, e ameaçou que "esganava" AA, o que obrigou as monitoras de serviço a intervirem, com a retirada imediata da criança da presença da mãe.
38.º
A progenitora admitiu ter tido o mesmo comportamento (apertar o pescoço) com a filha mais velha, quando a mesma tinha poucos meses de vida, mas a avó paterna interveio e acalmou o choro da criança.
39.º
BB, que tinha o reinício do tratamento à tuberculose agendado para 2905, uma vez que o abandonara pouco antes de começar a viver com o pai de AA, verbalizou pretender sair da CA.
40.º
Afirmava querer voltar a residir com o pai de AA, apesar de não saber do seu paradeiro, para "juntos lutarem pela filha”.
41.º
CC mantinha a morada em ..., recusando-se a alterá-la nos serviços de identificação civil.
42.º
Contactada a DGRSP, foi informado que a equipa de Reinserção Social de ..., não tinha logrado efectuar a sua avaliação, em processo de violência doméstica e condução de veículo em estado de embriaguez, por não o conseguirem localizar.
43.º
O progenitor apresenta dificuldades de gestão emocional e comportamental, assumindo comportamentos violentos sempre que as suas pretensões não são satisfeitas.
44.º
Segundo BB, o mesmo consome "pó branco e erva''.
45.º
Dado o contexto, entendeu a EMAT que a medida protectiva que melhor salvaguardava o superior interesse da criança era a de acolhimento familiar, logrando-se, junto da Associação ..., a indicação de uma família de acolhimento disponível para acolher AA.
46.º
Por despacho proferido em 25/05/2023, foi aplicada à criança, a título cautelar a medida de acolhimento familiar, pelo período de seis meses.
47.º
Após sair da CA, BB regressou a casa da irmã FF, sita em ..., ..., no entanto a mesma não tinha rotinas estruturadas.
48.º
Em 30/06/2023 BB voltou a coabitar com CC. Logo nos dias seguintes, contactou, por várias vezes, a irmã, quer de dia, quer de noite, pedindo-lhe, a chorar, que a fosse buscar, por continuar a ser maltratada pelo companheiro. De seguida, dizia que estava "tudo bem".
49.º
BB foi informada do local e horário para efectuar a primeira visita a AA, a qual foi agendada pata 02/06/2023, pelas 14h30. Apresentou-se depois das 16h30, inviabilizando a visita.
50.º
Em 16 e 23 de Junho de 2023 ocorreram visitas, tendo a equipa que as monitorizou constatado que a progenitora continuava a não apresentar competências adequadas às necessidades da bebé, não sabendo gerir os momentos das mudas das fraldas e da toma do biberão, denotando dificuldades em tarefas básicas.
51.º
Em 14/07, BB contactou, via Whatsapp, a Associação .... "porque perdeu o papel com o registo das datas das visitas. Supunha ter faltado a visitas." Não confirmou se iria continuar a comparecer, porque "dependente da disponibilidade e vontade" do pai da menor. Faltou à visita agendada para aquele dia.
52.º
A fim de se planearem acções conducentes ao desenvolvimento de competências maternas, a EMAT articulou-se com o Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social (SAAS) do Centro Comunitário ..., tendo acordado que a equipa procederia ao acompanhamento psicossocial de BB, com vista à intervenção em diferentes áreas da sua vida (saúde, emprego, habitação, apoios sociais).
53.º
A par dessa intervenção, decorreriam acções de acompanhamento e educação sociofamiliar.
54.º
Porém, a progenitora recusou o acompanhamento do SAAS, bem como de qualquer outro serviço.
55.º
A partir de 23/06/2023, BB não voltou a visitar AA, não mais a tendo visto ou manifestado interesse em dela saber.
56.º
CC nunca contactou o Tribunal, a EMAT ou a Associação ... com vista a ver ou saber da filha.
57.º
Do mesmo modo, nenhum elemento da família materna ou paterna encetou qualquer contacto a demonstrar interesse em conviver com a criança ou sobre ela se inteirar.
58.º
À data da conferência que ocorreu a 25/09/2023, CC referiu que: “se encontrava trabalhar na “EMP02..." e que vivia, num quarto, com BB. Embora afirmasse não saber a morada, disse tratar-se de uma casa, sita em ..., que dispunha de câmaras de vigilância, tendo cinco quartos, todos arrendados. Declarou que não via a filha desde que a mesma tinha dois meses e meio, "achando " que estava proibido de a ver. Disse ser natural de ..., onde tem os pais, o avô e uma tia. Afirmou que os pais não tinham condições para ficar com AA, por serem doentes. Relatou que a mãe é doente renal e faz hemodiálise e que o pai sofre de doença pulmonar, necessitando de andar com uma "máquina” que lhe fornece oxigénio.
59.º
Referiu ter uma tia, residente em ..., ..., que teria condições para ficar com a AA. Porém, há cerca de um ano que não a via.
60.º
Não prestou consentimento à adopção da criança.
61.º
BB confirmou que estava a viver com CC. Disse estar desempregada, pretendendo arranjar emprego e criar condições para ficar com AA. Disse que não visitava a filha por não ter transporte.
62.º
Não prestou consentimento à adopção da criança.
63.º
Por mensagem electrónica veiculada para os autos em 29/09/2023 pela avó paterna da criança, o progenitor veio requerer que se "adiasse o processo de adoção" da filha, alegando que se encontrava sozinho, sem o apoio da mãe da AA, e que a "situação" estava a afectá-lo psicologicamente, pois não queria perder a filha.
64.º
Mencionava que a sua mãe estava "num pranto de desgosto", dizendo que os seus pais "pedem para ficar com e AA na qualidade de avós paternos e podem pedir guarda de responsabilidade parental".
65.º
Notificado para informar se, face ao alegado e ao que declarara aquando da conferência, pretendia que se averiguasse a situação de seus pais ou de sua tia, CC, em 23/10, informou que não estava a conseguir entrar em contacto com a tia, pelo que os seus "...pais colocaram-se ao dispor a minha mãe enviou um email para vocês a responsabilizar. ".
66.º
Informou-se a EMAT com vista a que fosse encetada a avaliação das condições dos avós paternos da criança.
67.º
Em relatório datado de 18/01/2024, a EMAT informou que em 07/11/2023 BB contactou, via WhatsApp, o Serviço de Apoio à Vítima, do Grupo de Ação Social Cristã, ..., solicitando apoio para se ausentar do local onde se encontrava a residir, alegando ser vítima de violência por parte de CC.
68.º
A Guarda Nacional Republicana de ... deslocou-se ao local, mas BB já não se encontrava. Posteriormente, soube-se que "tinha conseguido fugir para casa da mãe” em ..., ....
69.º
Apresentou queixa contra CC junto da PSP ....
70.º
Nesse lnquérito, FF foi convocada para prestar declarações, uma vez que CC começou a fazer chantagem com BB, divulgando vídeos, através de meios eletrónicos (tendo também enviado para FF) que efectuou quando mantinha relações sexuais com a companheira.
71.º
O apartamento onde BB passou a residir com a sua mãe, é pertença da família materna, mas alegadamentre decorre processo para venda do imóvel, dado o acumular de dívidas resultantes de falta de pagamento das despesas do condomínio.
72.º
Por residentes no local, foi solicitada a intervenção de Equipa de Saúde Pública devido a cheiro nauseabundo que provinha da habitação, onde se encontram vários gatos e cães e não há abastecimento de água.
73.º
A avaliação das condições e disponibilidade da família paterna para acolher a AA, foi solicitada ao Núcleo de Infância e Juventude de ..., área de residência dos pais de CC, II e JJ.
74.º
Em 29/11/2023, nas instalações da EMAT de ... foi efectuada entrevista conjunta, com a Técnica Gestora de Caso a acompanhar a diligência através de videochamada.
75.º
A avó e o avô de AA apresentavam limitações físicas e evidenciavam elevado desgaste físico, cansaço, dificuldades respiratórias e dificuldades de locomoção.
76.º
O avô desloca-se com uma garrafa de oxigénio, dado que sofre de doença pulmonar obstrutiva crónica, hipertensão arterial, síndrome de apneia de sono, moderada, insuficiência respiratória globla-, necessitando de oxigenoterapia permanente. Encontra-se com acompanhamento clínico.
77.º
Está impossibilitado de realizar tarefas laborais desde Dezembro de 2022, ainda que mantenha vínculo efectivo à Câmara Municipal ..., onde exerceu funções como varredor. O valor da baixa é de €545,00.
78.º
A avó paterna encontra-se reformada por invalidez, desde 2021, por apresentar um grau de incapacidade de 80%, realizando hemodiálise três vezes por semana, devido a nefroangiosclerose hiperativa. Encontra-se em avaliação para transplante renal. Já foi submetida a duas intervenções cirúrgicas à tiroide, em 2022 e 2023. Beneficia de consultas/acompanhamentos de nefrologia, endocrinologia, e de cardiologia/cirurgia vascular. Aufere uma pensão de €540,00.
79.º
Ao longo da entrevista II foi evidenciando a necessidade de realizar hemodiálise como principal dificuldade para se poder deslocar, nomeadamente para ver a neta, que só "conhece por fotografia e vídeos enviados por BB.
80.º
No que concerne ao filho, referiram que CC, aos 3 anos de idade, começou a revelar alguma instabilidade emocional, que se traduzia num comportamento inquieto e desafiador, tendo tido acompanhamento por pedopsiquiatria, no Hospital ..., em ..., com diagnóstico de hiperactividade.
81.º
O seu processo desenvolvimental foi marcado por dificuldades na aceitação de regras, agressividade paru com colegas e familiares, abandono escolar, tendo frequentado a escola apenas ate ao 7.º ano de escolaridade.
82.º
Aos 16 anos começou a trabalhar, revelando nos diferentes trabalhos atitudes de irresponsabilidade e desobediência. Apresentava consumos de haxixe e, com menor incidência, de bebidas alcoólicas.
83.º
Começou também a revelar um discurso hostil e comportamentos manipuladores e de oposição para com a família e com elementos externos.
84.ª
CC manteve comportamentos de violência verbal dirigida à mãe, e violência verbal e física dirigida ao pai, sendo necessária, em momentos de maior descontrole, a intervenção de forças policiais.
85.º
Algumas ocorrências originaram processos por crimes de violência doméstica, nos quais nunca foi ouvido, porque mantém a morada da família como forma de não receber as convocatórias.
86.º
Ao longo do tempo, CC começou a evidenciar receio de ser envenenado, de lhe colocarem comprimidos na refeição para o envenenarem, hipervigilância, sentimentos persecutórios, acusações infundadas e agravamento do comportamento agressivo, o que originou a suspeita de patologia psiquiátrica, aventando-se a possibilidade de sofrer de esquizofrenia ou bipolaridade, o que a família referenciou às entidades de saúde.
87.º
A mãe e o pai referem que CC recusou sempre, ser sujeito a qualquer tipo de avaliação e/ou acompanhamento clínico. Em períodos de maior conflitualidade, CC saiu de casa, ficando numa situação de sem abrigo, e/ou em casa de amigos. Nunca foi capaz de definir e manter um projecto de vida estável.
88.º
Os pais de CC consideram que este não tem capacidade para cuidar da AA, sozinho. Mas nutrem a esperança que a criança possa ser uma alavanca motivacional paru o pai passar a adequar comportamentos, deixar de ser violento, deixar de consumir bebidas alcoólicas e vir a ser “um bom pai e bom filho".
89.º
Verbalizaram acreditar que, se AA residir com eles, não se voltarão a registar o ambiente de constante conflituosidade com CC.
90.º
Durante a entrevista não questionaram como a AA se encontra, não solicitaram visitas e foram peremptórios a referir que não têm condições de saúde para realizar em deslocações.
91.º
Não identificaram qualquer outro elemento da família alargada com disponibilidade para acolher a AA.
92.º
Junto do avô da criança, apurou-se que a tia a que CC aludiu, que reside em ..., ..., chama-se KK, e recusa colaborar neste processo de promoção e protecção.
93.º
Sobre BB, II referiu que a mesma evidenciou "grande fragilidade emocional", dificuldades em operacionalizar diferentes tarefas da vida diária" e "revelou pouca capacidade de mudança".
94.º
Perante as condições de vida dos progenitores, e na falta de outros familiares com idoneidade e/ou capacidade para cuidarem da criança, a medida de promoção e protecção de acolhimento familiar aplicada a AA tem sido revista e mantida.
95.º
Entretanto, a criança cresce sem qualquer figura de referência que não sejam os actuais cuidadores.
96.º
A inexistência de laços afectivos com os progenitores compromete o desenvolvimento psicológico, afectivo e social da criança.
97.º
Os progenitores nada sabem acerca das necessidades da AA, nem diligenciaram por se inteirar, tão pouco lhes foi percepcionada preocupação pelo bem-estar da filha, não havendo menção nos autos a qualquer contacto para se inteirarem do seu estado e percurso desenvolvimental.
98.º
Tão pouco a família alargada da criança alguma vez expressou vontade de a conhecer ou de dela saber.
99.º
Actualmente, não é conhecida inserção sócio-profissional do progenitor.
100.º
A BB, em Maio de 2024 inscreveu-se numa Formação na área da Pastelaria e Cozinha, mas têm-lhe sido registadas faltas de pontualidade. Recebe desde julho, €300,00 mensais, desconhecendo-se qual a sua fonte de subsistência até aquela data.”.
*
Mais foram considerados como não provados os seguintes factos:

“1) A progenitora, durante a pendência do presente processo, tentou estabilizar a sua vida, envidando esforços no sentido de reunir condições físicas, pessoais e económicas para ter a filha consigo.
2) A avó materna da AA tem condições para apoiar e cuidar da menor.
3) A família da progenitora apoia-a financeira e socialmente.”.
*
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Alega a Recorrente que a decisão recorrida viola o disposto artigo 36.º n.º 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa, do artigo 4.º al. a), al. e) e al. f) da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, e do artigo 9.º nº1 da Convenção sobre os Direitos da Criança.
Não contesta que a sua filha AA esteja em situação de perigo provocada por si pela mãe da menor, nos termos do art. 3.º da LPCJP, apenas discordando da medida aplicada, que no entender não deve ser a de confiança com vista à futura adoção sob a guarda da família onde se encontra acolhida, mas sim de uma medida que não implicasse um corte definitivo da menor com a sua família biológica, com prevalência da medida de apoio junto dos pais – prevista na alínea a) do artigo 35º, e no art.º 39º da LPCJP – de acordo com o princípio da prevalência da família.
 Assenta o recorrente a sua pretensão, em suma, na alegação genérica que os filhos não podem ser separados dos pais e que a medida que foi adotada é uma medida residual, que apenas pode ser aplicada em última instância quando as restantes medidas elencadas no art. 35.º da LPCJP não sejam suficientes e adequadas para assegurar os interesses da menor.
Em termos concretos diz que não houve qualquer intervenção junto do progenitor para trabalhar as suas competências parentais, não se conhecendo a sua inserção sócio-profissional e que a progenitora frequenta um curso de pastelaria auferindo € 300 mensais, existindo atualmente um esforço da mesma para criar condições físicas e económicas que lhe permitam cuidar e zelar pelo bem-estar da AA.
 Apreciando.
 Vejamos então se a decisão recorrida viola aquelas normas jurídicas e concomitantemente indagar da pertinência a factualidade invocada pelo recorrente para os fins por si pretendidos.
Resulta do disposto pelo art. 36.º, n.ºs 5 e 6, da Constituição da República Portuguesa que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, e que os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
Por seu lado, o art. 67.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa estabelece que a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.
Já o art. 68º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa refere que os pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.
E o art. 69.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma constitucional diz que as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições. O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.
Nos termos do disposto no art.º 1.º da Lei n.º 147/99 de 1/9 (LPCJP), esta tem por objeto a promoção dos direitos e proteção das crianças e dos jovens em perigo de forma a garantir o seu bem-estar e o seu desenvolvimento integral.
A intervenção para a promoção dos direitos e para proteção da criança deve ocorrer designadamente sempre que “ os pais, (…) puserem em perigo a sua [da criança ou do jovem] segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento” (cfr. artigo 3.º da LPCJP).
De acordo com o n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP:
“Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a)-Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b)-Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c)-Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d)-Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e)-É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f)-Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g)-Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
h)-Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.”.
O art. 4.º da LPCJP estabelece os princípios orientadores de intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem.
Entre esses princípios realçam-se o do interesse superior da criança e do jovem, o da intervenção precoce, o da intervenção mínima, o da proporcionalidade e atualidade, o da responsabilidade parental e o da prevalência da família (cfr. art. 4.º, als. a), c), d), e), f) e g), da mesma LPCJP).
Em primeiro lugar surge o interesse superior da criança, como critério basilar e nuclear a orientar qualquer decisão relativamente a crianças ou jovens. A intervenção deve, assim, “atender prioritariamente, aos interesses e direitos da criança, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade de interesses presentes no caso concreto.” (art.º 4.º alínea a) da LPCJP).
No mesmo pendor se orienta a Convenção sobre os Direitos da Criança (Nova Iorque, 26-01-1990, ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90) ao referir que:
“Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.” (cfr. art.º 3.º n.º1.).
Estabelece também a al. e) do citado art.º 4.º que é igualmente critério orientador da intervenção a proporcionalidade e atualidade, ou seja, “a intervenção deve ser necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança se encontra, no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade.”.
O critério orientador da responsabilidade parental pressupõe ainda que “a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança.”. (alínea f).
Deve ser ainda respeitado o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, ou seja, a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante (alínea g).
Outro princípio orientador da intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança, é o da prevalência da família, o que quer dizer que “na promoção dos direitos e na protecção da criança deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adopção”. (alínea h).
As finalidades das medidas de promoção são o afastamento do perigo em que estão incursos os jovens e crianças, a criação de condições que permitam proteger e promover a segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (art.º 34º).
Assim, a intervenção ao nível da promoção e proteção deve apontar para o equilíbrio entre todos estes princípios aplicados no contexto único da criança, de onde possa ser encontrada a medida adequada à mesma, de forma a cumprir o objetivo de garantir o seu bem-estar e o seu desenvolvimento integral.
Nestes termos, se é certo que o critério prioritário é a defesa do superior interesse da criança, também é certo, que de acordo com o apontado enquadramento constitucional vigente, a valorização do papel da maternidade e da paternidade conduz-nos à conclusão de que tal defesa passa também pela proteção e apoio das mães e dos pais biológicos, no sentido de exercerem a sua “insubstituível” ação em relação aos filhos.
Assim, a intervenção do Estado tem de observar e ponderar os todos os referidos critérios e princípios.
No caso vertente, impõe-se indagar se o tribunal a quo ao ter aplicado aos menores a medida de confiança a família de acolhimento, respeitou tais princípios e normas legais.
Em primeiro lugar, diga-se que o recorrente não põe em causa a existência de situação de perigo para a crianças, que justifica a aplicação de medida de promoção e proteção, discordando, no entanto, da concreta medida aplicada pelo tribunal.
Mas sem qualquer razão, como se passa a explicitar.
    A decisão recorrida pondera e muito bem que a medida de confiança tendo em vista a adoção é uma medida residual, dizendo que o artigo 36.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, consagra o princípio-regra de inseparabilidade dos filhos dos pais, que a institucionalização ou a aplicação de medida com vista à futura adoção devem ser perspetivadas pelo Tribunal como soluções terminais num processo de progressiva exclusão das medidas a efetuar no meio natural de vida.
Mais refere que de um modo geral, por consideração sistemática do artigo 1918.º do Código Civil, tais hipóteses surgem quando os progenitores dos menores, e na ausência de família alargada capaz, não demonstram ter capacidades parentais para a assunção dos poderes que derivam dessa qualidade, designadamente porque, através da sua ação ou omissão, põem em perigo a vida, a saúde física ou mental dos filhos.
Ora analisando a matéria de facto, não quedam dúvidas de que os pais ou a família alargada possam ficar com a AA, exercendo as responsabilidades parentais, prevalecendo aqui o superior interesse da criança para afastar aplicação de uma medida de apoio junto dos progenitores ou qualquer outra em meio natural de vida.
Ficou assente matéria que afasta de todo em todo qualquer possibilidade de os pais poderem exercer as responsabilidades parentais, que se mostram refletidas em última instância no total desinteresse que revelam pela filha de ambos.
Assim, a progenitora já em março de 2022 abandonou a sua filha DD, nascida a ../../2019, para ir viver com o recorrente. Aliás esse passado de desinteresse, refletiu-se logo na gravidez da AA, pois que apesar de lhe terem sido sucessivamente agendadas consultas de acompanhamento jamais compareceu.
Logo em contexto, hospitalar, aquando do nascimento da AA, a CPCJ reuniu com os progenitores e estes reconhecendo as suas incapacidades e limitações  aceitaram a aplicação da medida de  acolhimento residual, sendo quem em 02/02/2023, a progenitora e a criança passaram a integrar instituição em .... Durante o acolhimento o progenitor visitou a mãe e a criança, mas com um comportamento agressivo e autoritário, que fez temer pela segurança da progenitora e da AA, tendo mantido estes comportamentos desviantes, que levou a que as visitas fossem suspensas, em 24/02/2023, pela CPCJ em contexto hospitalar e institucional. Apesar disso, não se inibiu de visitar a companheira em contexto hospitalar, agredindo-a, tendo gerado uma situação anárquica, havendo necessidade de chamar os seguranças e a entidade policial. A partir desta altura também a progenitora se começou a alhear das suas obrigações parentais, dizendo que pretendia sair para passear a fim de se encontrar com pessoas do sexo masculino, passando a adotar comportamentos desregulados, chegando ameaçar que “esganava” a AA, o que obrigou nessa altura à retirada da criança da mãe. Aliás a mesma já tinha tido o comportamento a todos os títulos execrável de ter apertado o pescoço da sua filha mais velha, pelo que a sua amaça era credível e passível de concretização.
Quanto ao progenitor assume comportamentos violentos sempre que não obtém o que quer, a que não será alheio a dependência de drogas que lhe é imputada pela progenitora.
Perante este quadro catastrófico no que ao exercício das responsabilidades parentais concerne, foi aplicada em 25/03/2023 em benefício da AA a medida cautelar de acolhimento familiar.
Mas mais, para além de ter ficado ainda assente que o casal se separa e junta de uma forme rotineira, há também a considerar que a BB é maltratada pelo recorrente, desvalorizando, porém, os comportamentos agressivos do CC.
Por outro lado, em 02/06/2023, a BB falhou a primeira visita à sua filha, por chegar mais de duas horas atrasada, apenas a tendo visitado em 16 e 23 de junho de 2023, mas denotando não apresentar competências adequadas às necessidades da bebé, não sabendo gerir os momentos das mudas das fraldas e da toma do biberão, denotando dificuldades em tarefas básicas. A partir desta altura nunca mais a BB visitou a filha e também o recorrente nunca mais quis saber da filha, o melhor dito, em rigor, dos autos emerge nunca quis saber da filha desde que ela nasceu, não a vendo desde os dois meses e meio.
Para além de outros episódios, temos ainda que o recorrente começou a fazer chantagem com BB, divulgando vídeos, através de meios eletrónicos que efetuou quando mantinha relações sexuais com a companheira.
Além de se furtar às notificações dos vários processos de que é alvo, nomeadamente de natureza criminal por violência doméstica, começou a evidenciar receio de ser envenenado, de lhe colocarem comprimidos na refeição para o envenenarem, hipervigilância, sentimentos persecutórios, acusações infundadas e agravamento do comportamento agressivo, o que originou a suspeita de patologia psiquiátrica, aventando-se a possibilidade de sofrer de esquizofrenia ou bipolaridade.
Nem os pais do recorrente acreditam nele, pois consideram não ter capacidade de por si cuidar da filha, tendo ainda sido dado como provado que os mesmos referem que CC recusou sempre, ser sujeito a qualquer tipo de avaliação e/ou acompanhamento clínico. E em períodos de maior conflitualidade,  saiu de casa, ficando numa situação de sem abrigo, e/ou em casa de amigos, nunca tendo sido capaz de definir e manter um projeto de vida estável.
Por fim, apurou-se que perante as condições de vida dos progenitores, e na falta de outros familiares com idoneidade e/ou capacidade para cuidarem da criança, a medida de promoção e proteção de acolhimento familiar tem sido revista e mantida, enquanto a criança cresce sem qualquer figura de referência que não sejam os atuais cuidadores, bem como que a inexistência de laços afetivos com os progenitores compromete o desenvolvimento psicológico, afetivo e social da criança, sendo que os progenitores nada sabem acerca das necessidades da AA, nem diligenciaram por se inteirar, tão pouco lhes foi percecionada preocupação pelo bem-estar da filha, não havendo menção nos autos a qualquer contacto para se inteirarem do seu estado e percurso desenvolvimental, sendo ainda que igualmente a família alargada da criança alguma vez expressou vontade de a conhecer ou de dela saber, para além da falta de condições para a receberem.
 Da panóplia factual apurada resulta à saciedade que a criança está abandonada pelos progenitores, que não querem saber e não se preocupam com a mesma sendo que há mais de um ano que a não visitam, sendo quase desde o nascimento no caso do progenitor, isto é há mais de um ano e meio, a que acresce que não revelam quaisquer competências parentais constituindo um risco e um perigo para a saúde, integridade física e moral, educacional e projeto educacional da menor.
Diz o recorrente que não houve qualquer intervenção junto de si para trabalhar as suas competências parentais. Trata-se de matéria que não se mostra apurada (não houve impugnação da matéria de facto nos termos do art. 640.º do Código de Processo Civil), antes tendo ficado provado que em sentido oposto que o recorrente apesar de não residir em ..., mantinha essa mora como sendo a sua mora, recusando-se a alterá-la nos serviços de identificação civil, sendo ainda que contactada a DGRPS, a mesma informou que não foi possível localizá-lo para fazer uma avaliação no âmbito de processos criminais. Acresce que não se percebe que competências pretende que sejam desenvolvidas se o mesmo não visita a sua filha desde praticamente o seu nascimento, numa altura em que a mesma se apresta para completar os dois anos de idade. Julga-se de todo o modo, em face da descrita factualidade, o mesmo se aplicando à progenitora, que o recorrente não tem capacidades nem vontade ou habilidade de as adquirir no domínio das responsabilidades parentais.
Quanto à mãe da AA, diz que frequenta um curso de Pastelaria e cozinha, auferindo €300,00 por mês. E que se bem percebemos por isso existe atualmente um esforço da mãe para criar as “condições físicas e económicas” que lhe permitam cuidar e zelar pelo bem-estar da AA. Ora tal juízo conclusivo, salvo o devido respeito, não tem sentido, apontando-se inclusivamente em sentido oposto, como é evidente, pois se alguém recebe 300 euros num curso de formação, não tem quaisquer condições físicas e económicas para sustentar uma filha. Mas como vimos tal é de todo em todo irrelevante, pois que a progenitora, alheou-se da existência da sua filha.
Além disso, cumpre lembrar, que não tendo sido impugnada a matéria de facto foi dado como não provado que: “A progenitora, durante a pendência do presente processo, tentou estabilizar a sua vida, envidando esforços no sentido de reunir condições físicas, pessoais e económicas para ter a filha consigo.”
 Note-se, ademais, que a mesma se conformou com a decisão proferida em primeira instância, não tendo também interposto recurso da decisão recorrida.
Perante este impressivo e lastimosos quadro fáctico descrito, nítido se torna em primeiro lugar que se verifica perigo previsto no artigo 3.º, n.º 1, da LPCJP, por referência às circunstâncias descritas no n.º 2, maxime as constantes das als. b), c) e f), algo que, repete-se o recorrente nem sequer questiona.
Com efeito, a menor, previamente à intervenção da CPCJ, estava sujeita a comportamentos que punham em causa a sua segurança, saúde, educação e desenvolvimento, sendo que a partir de março de 2023 deixou de ser visitada pelo pai e a partir de junho do mesmo ano pela mãe, demitindo-se em absoluto das suas responsabilidades parentais, que se mostram de todo em todo incapazes de exercer.
Assim sendo, é de refutar em absoluto, ainda que com apoio, o regresso da menor para junto dos seus pais, constituindo tal um risco insuscetível de ser corrido, pois que tal com muita elevada probabilidade afetaria o seu bem- estar físico e psíquico, a sua segurança e a sua estabilidade psíquica e afetiva e em última instãncia, o seu futuro.
Chamando agora de novo à colação os supra referidos princípios, com particular destaque para o da prevalência do interesse da criança, temos que tal como se disse em primeira instância é de refutar liminarmente a aplicação da medida de apoio junto dos progenitores ou qualquer outra em meio natural de vida, já que inexistem também quaisquer familiares da menor com disponibilidade e capacidade para a acolher.
Nestes termos, não se mostrando qualquer outra adequada e suficiente, concorda-se com a necessidade da aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção, prevista no artigo 35.º n.1, al. g), da LPCJP, cuja aplicação foi determinada pela decisão recorrida, por se verificarem todos os pressupostos legais para o efeito, como a seguir demonstraremos.
De acordo com o art. 38º-A, da LPCJP, tal medida deve ser objeto de aplicação quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978º do Código Civil.
Rege o n.º 1 de tal normativo que:
“O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:
a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;
b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;
c) Se os pais tiverem abandonado a criança;
d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;
e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
Dispõem, ainda, os n.ºs 2 e 3, do citado inciso legal, que, na verificação das situações previstas no n.º 1, o Tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e aos interesses da criança, e que se considera que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e promoção dos direitos dos menores.
A remissão para a legislação de promoção e proteção de menores, consubstancia-se basilarmente no art. 3.º da LPCJP, cujos pressupostos já considerámos verificados.
Ora, no caso dos autos, os progenitores, demitiram-se absolutamente das suas funções, não velando pela segurança e saúde, não procedem ao seu sustento, nem tão pouco dirigir a sua educação com promoção do desenvolvimento físico, intelectual e moral da filha, conforme o impõem os arts. 1878.º e 1885.º, n. 1 do Código Civil, bem pelo contrário, constituem um perigo para a segurança, saúde, educação e desenvolvimento da sua filha, não estando dotados de competências mínimas, não se vislumbrando que alguma vez as venham a adquirir, pelo que tendo além disso demonstrado total desinteresse pela menor, não a vendo há mais de um ano mostram-se irremediavelmente quebrados os vínculos afetivos.
   Verificam-se, deste modo, as hipóteses previstas nas als. c), d) e e) do transcrito art. 1978.º do Código Civil.
 Por todo o exposto, não se verifica a imputada violação de qualquer dispositivo legal, pelo que se conclui pela total improcedência da apelação e confirmação da decisão recorrida.
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Sumário:
I - A aplicação das medidas de promoção e proteção enunciadas no artigo 35.º da LPCJP visa afastar o perigo para a segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento da criança, gerado pelos pais, pelo representante legal ou por quem tenha a sua guarda de facto;
II - A aplicação de qualquer medida de promoção e proteção encontra-se sujeita aos princípios orientadores constantes do art.º 4.º da LPCJP, devendo-se em primeiro lugar atentar na defesa do superior interesse da criança;
III-  A medida de confiança de um menor a pessoa ou instituição para futura adoção deve ser aplicada quando as restantes medidas elencadas no artigo 35.º da LPCJP não se mostrem suficientes e adequadas para assegurar os interesses do menor e se verifiquem os pressupostos do art. 1978.º do Código Civil.
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V- DECISÃO

Face ao exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas.
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Guimarães, 28/11/2024