EMBARGOS DE EXECUTADO
FALTA DE CITAÇÃO
CITAÇÃO EDITAL
NULIDADE
Sumário


I- Verifica-se nulidade por falta de citação do réu quando se tenha empregado indevidamente a citação edital (art. 188/1-c do CPC), nomeadamente se tiver sido omitida a citação através de contacto pessoal pelo agente de execução, nos termos do art. 231º do CPC.
II- Não constando dos autos qualquer referência feita pelo agente de execução ou pela secretaria, verbalmente ou por escrito, de que o réu na ação se encontrava em parte incerta, não podia ser ordenada a citação edital sem, previamente, serem feitas as averiguações competentes, e tendo sido referido pelo autor a residência do réu em França, deveriam ter sido colhidas informações junto das entidades competentes, nomeadamente embaixada ou consulados.
III- Tendo-se procedido à citação edital, foi-o de forma indevida (porque poderiam ter sido feitas outras diligências a averiguar do paradeiro do réu), o que consubstancia nulidade por falta de citação.
IV- O art.º 729.º do CPC ao elencar os casos em que pode haver lugar a oposição à execução quando esta se funda em sentença, prevê na sua al. d) que o executado pode opor-se quando tenha existido “Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.”
V- Estamos perante um caso em que há uma falta absoluta de intervenção do R. no processo declarativo onde foi proferida a sentença dada à execução, como é exigência do corpo da al. e) do art.º 696.º do CPC, quando o R. aí não foi devidamente citado, o que tem como consequência a procedência dos embargos deduzidos ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 729º do CPC, declarando-se nula a citação efetuada no âmbito da ação declarativa, e, em consequência, extinta a ação executiva (cfr. artigo 732º n.s 4 e 5, do C.P.C.).

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório:

Por apenso à execução de sentença instaurada por AA contra BB, veio o executado deduzir oposição por embargos pedindo a procedência dos embargos e a improcedência da execução.
Alegou, em suma, que na ação declarativa o ali Autor, ora Exequente, indicou morada como sendo a do Réu, ora Embargante, bem sabendo que ali não reside e onde apenas se desloca sazonalmente, o que determinou que tenha sido citado editalmente e indevidamente.
Mais alegou que o exequente não efetuou os trabalhos para os quais foi contratado, deixando a obra incompleta e com deficiências graves.

Terminou formulando o seguinte pedido:
“Termos em que deve proceder a nulidade da citação efectuada, dando-se sem efeito os actos posteriores à mesma. Se assim se não entender, devem os Embargos proceder e ser dados como provados e, em sequência, ser levantada a penhora entretanto efectuada, devendo o Exequente ser condenado como litigante de má-fé em multa e indemnização.”
O Embargado contestou alegando, em suma, a regularidade a citação do ora Embargante na ação declarativa.
Alegou ainda que realizou todos os trabalhos não tendo o Embargante pago o valor que devia.
Pediu a improcedência dos Embargos e a condenação do Embargante como litigante de má fé.

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Sem ser cumprido o princípio do contraditório em relação ao pedido de condenação do Embargante e do embargado, respetivamente, como litigantes de má fé, e não tendo sido efetuada qualquer notificação às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de conhecimento de mérito em sede de saneamento, foi, desde logo, proferido saneador-sentença que julgou os Embargos improcedentes nos seguintes termos:
O título executivo consiste em sentença proferida por este tribunal, em cujos autos o Executado foi citado editalmente para a acção, tendo sido representado para todos os efeitos legais pelo Ministério Público.
Não tendo sido arguida a irregularidade da citação edital, são indiferentes os factos invocados pelo Embargante.
Pelo exposto, o Tribunal julga improcedentes os presentes embargos.
Custas a cargo do Executado.
Valor da acção: o da execução.
Notifique.”
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Inconformado, apelou o Embargante, apresentando as seguintes Conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pela Mma. Juiz a Quo, que determina que “Não tendo sido arguida a irregularidade da citação edital, são indiferentes os factos invocados pelo Embargante. Pelo exposto, o Tribunal julga improcedentes os presentes embargos.”
2. Ao contrário do que se determina em sentença, o recorrente argui a nulidade/falta de citação.
3. Aliás, alega taxativamente no seu requerimento inicial “A nulidade/irregularidade da citação implica que todos os actos posteriormente realizados sejam inexistentes, devendo ser declarada a nulidade, e o Executado ser notificado para contestar a acção instaurada”, pedindo a fim “Termos em que deve proceder a nulidade da citação efectuada, dando-se sem efeito os actos posteriores à mesma.”
4. O paradeiro do recorrente era conhecido no meio onde tem moradia, inclusivamente pelo recorrido.
5. O recorrido tem o contacto telefónico francês do recorrente sabendo que o mesmo se desloca a Portugal sazonalmente.
6. A lei ordinária dá primazia à citação pessoal (por via eletrónica, pelo correio ou, por contacto pessoal, conforme art. 225º, nº 2, do CPC).
7. Assim que, só em último recurso se deve fazer uso da citação edital.
8. O processo de citação edital implica o cumprimento de várias etapas, com vista à garantia do contraditório: i) a secretaria procura a efetiva citação pessoal por via postal ou por contacto direto (art.º 226.º, n.º 1, do CPC); ii) frustradas as modalidades de citação pessoal do réu em território nacional ou estrangeiro e persistindo a situação de ausência em parte incerta, a secretaria efetua oficiosamente as diligências julgadas pertinentes, junto de qualquer entidade ou serviço, dirigindo-se diretamente a essas entidades por ofício ou qualquer outro meio de comunicação (art.º 236.º e 172.º do CPC); iii) mantendo-se a incerteza quanto ao paradeiro, a secretaria fará o processo concluso ao juiz; iv) confrontado com os elementos constantes do processo, pode o juiz: determinar nova tentativa de citação pessoal, solicitar outros elementos ou, em casos indispensáveis, requisitar informações às autoridades policiais (art.º 236.º, n.º 1 do CPC);
9. Só não se superando a situação de incerteza do paradeiro, deve o juiz ordenar a citação edital.
10. Empregue indevidamente a citação edital, há falta de citação, conforme art. 188º, nº 1 al. c), do CPC.
11. Dispõe o nº 4 do art. 239º, do CPC que, “4 - Estando o citando ausente em parte incerta, procede-se à sua citação edital, averiguando-se previamente a última residência daquele em território português e procedendo-se às diligências a que se refere o artigo 236.º”.
12. Nos factos provados não se refere sequer as medidas tendentes à descoberta do paradeiro dos citandos para efetivação da citação pessoal.
13. Não se pode considerar desaparecido alguém que tem uma moradia em Portugal, que paga impostos, e que não tem a sua residência ao abandono!!!!!!!
14. As medidas tendentes a levar a cabo a citação pessoal foram claramente insuficientes.
15. O AE ainda devia ter averiguado, junto das pessoas que contactou, ainda tendo em vista o disposto naquele artigo 235, se o Réu tinha o costume de se ausentar por um certo período de tempo ou se aquela ausência era uma situação inusual.
16. E não o tendo feito o AE, devia-o ter feito a secretaria, por força do art. 236/1, 1.ªparte, do CPC, ao menos por contacto telefónico.
17. Nos termos do 187/-a do CPC “a falta de citação tem como consequência a nulidade de tudo o que se processe depois da petição inicial, que se salva, mas continua a não produzir efeitos em relação ao réu (art. 259/2 do CPC) […]”
18. Por outro lado, é a sentença nula nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC havendo uma sentença sem prévio cumprimento de ato que a lei prescreve, e como tal, verifica-se nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC.
19. Ainda, verifica-se nulidade por falta de citação do réu porque se empregou indevidamente a citação edital (art. 188/1-c do CPC), nomeadamente se tiverem sido omitidas as diligências de averiguações previstas no art. 236º do CPC.
20. Nos termos do art. 189º e 198º, nº 2, do Código de Processo Civil, a nulidade (falta) da citação (nulidade principal) deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (artºs 189º e 198º, nº 2, do Código de Processo Civil).”
21. Foi precisamente o que fez o recorrente, arguindo a nulidade assim que tomou conhecimento do processo e na sua primeira intervenção processual.
22. Existe absoluta falta de citação e/ou assim não se entendendo, nulidade do recorrido que se verifica desde o processo declarativo que serve de título à execução dos autos.
23. Isto porque, “Nos termos do que dispõe o artigo 729º, alínea d) do Código de Processo Civil, fundando-se a execução em sentença, a oposição pode ter por fundamento a falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo.
24. O processo correu totalmente à revelia do Réu.
25. Transitada em julgado a sentença proferida no processo declarativo e verificada a revelia da ré, a nulidade pela falta de citação ou nulidade da citação, pode ainda ser invocada, mas apenas na oposição à execução da sentença. (ac RG de 17-02-2022)
26. Nos termos do que dispõe o artigo 729º, alínea d) do Código de Processo Civil, fundando-se a execução em sentença, a oposição pode ter por fundamento a falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo.
27. Haverá falta de citação quando a mesma não existiu de todo ou ocorreu erro de identidade do citando, e nos demais casos taxativamente plasmados do art. 188º.
28. Existirá nulidade da citação prevista no artigo 191º quando na sua realização não tiverem sido respeitadas as formalidades prescritas na lei.
29. Quando o réu não tenha sido citado é nulo, tudo o que se processe depois da petição inicial (artigo 187º a)) do CPC, podendo ser conhecida oficiosamente e arguida em qualquer estado do processo enquanto não se considerar sanada (189º e 198º n.2 do CPC).
30. Assim, a decisão nos presentes autos, mais que nula é inconstitucional por violação do artigo 20º CRP.
31. O recorrente não está nem nunca esteve em parte incerta.
32. Vem regularmente a Portugal, onde ademais tem casa(aliás o processo declarativo refere-se precisamente a obras feitas em moradia sua).
33. Mais, mesmo assim não se entendendo, foram alegados factos impeditivos, modificativos e extintivos da obrigação que o recorrido se arroga, nomeadamente o pagamento em excesso, factos que poderão consistir na impossibilidade de imputar ao devedor a falta de cumprimento ou na inexigibilidade da obrigação ou na execução da prestação.
34. O recorrente invoca defeitos da obra executada pelo recorrido, bem como o facto da mesma estar inacabada

Termos pelos quais,
A) Deverá ser a decisão declarada nula por excesso de pronúncia nos termos do artigo (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), pronunciando-se a Mma. Juiz a quo acerca da decisão demérito sem a realização do acto omitido, a citação do Recorrido;
B) Deverá ser declarada a nulidade de falta de citação do processo declarativo não produzindo o mesmo efeitos para o recorrido nos termos do artigo 259º/2 (nulidade de falta de citação - art.195º -, ou a nulidade stricto sensu da citação - art.198º, 188º e 187º a) )
C) Deverá proceder os embargos sendo declarada artigo 729º, alínea d) do Código de Processo Civil a falta ou nulidade da citação para a acção declarativa na medida em que o réu não interveio no processo (por violação do artigo 236º, 172º 239º.
D) Assim não se entendendo, o que se admite academicamente, deverá a sentença ser revogada, prosseguindo a oposição à execução, sendo apreciados os fundamentos e requerimentos de prova.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido, por despacho de 16 de outubro de 2024, como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
- Nulidade da sentença;
- Se foi empregada indevidamente a citação edital do Réu, ora Embargante, na ação declarativa onde foi proferida a sentença dada à execução.
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III. Fundamentação de facto.

Para além do que consta no relatório supra, ressuma da consulta ao processo eletrónico, o seguinte ( que irá ser elencado nos termos infra referidos e ao abrigo dos poderes conferidos a este Tribunal da Relação em face da regra da substituição do tribunal recorrido ( cfr. art. 665º,nº2 do CPC):

1. A execução baseia-se em sentença de 20-12-2023, sobre a qual não recaiu recurso, proferida no processo declarativo n.º 304/22...., apenso, sentença essa cujo dispositivo é o seguinte:
« Nestes termos, o Tribunal decide:
▪ Julgar totalmente procedente, por provada, a presente acção e, consequentemente, condenar o Réu no pagamento da quantia de 4.170,00€ (quatro mil, cento e setenta euros) acrescido de IVA e de juros, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;
▪ Condenar o(a)(s) Réu no pagamento das custas processuais.».
2. No relatório da aludida sentença fez-se constar o seguinte:
Por ser desconhecido o paradeiro do Réu este foi citado editalmente (arts. 225º, nº 6, 240º 241º do Código de Processo Civil).
Foi cumprido o art. 21.º, n.º1 do CPC.
Em representação do ausente o Ministério Público deduziu contestação – cfr. 03-05-2023 -
<b>Contestação</b> [...67]”.
3. Na referida sentença foram além do mais julgados provados os seguintes factos:
« 1. O A. dedica-se à actividade de construção civil;
2. Nesta qualidade, acordou com o R. o contrato de empreitada pelo preço de
25.000,00€, acrescido de IVA, trabalhos e fornecimentos destinados à casa de
habitação do Réu;
3. Os trabalhos e fornecimentos contratados foram devidamente terminados e a obra
entregue ao Réu no mês de Dezembro de 2020;
4. As partes acordaram que o preço seria pago em quatro prestações da seguinte forma:
1ª prestação ----7 500,00€;
2ª prestação----7 500,00€;
3ª prestação----7 500,00€;
4ª prestação----2 500,00€;
5. O Réu efectuou os seguintes pagamentos:
1.ª prestação – pagou integralmente;
2.ª prestação – pagou 6.000,00€;
3.ª prestação - pagou integralmente;
4.ª prestação – não pagou;
Total ……………. 21.000,00€
6. O Autor pagou ainda o preço respeitante aos interruptores dos estores e respectiva mão
de obra de colocação dos mesmos, tudo no montante de 170,00€».
4. No processo declarativo referido em 1. foi expedida, em 24.05.2022, carta registada com AR para citação do ora embargante, para a ..., ..., ... (morada indicada na petição inicial).
5. A carta referida no ponto anterior foi devolvida, em 13-06-2022, com a menção “Objeto não reclamado”.
6. Em 05-07-2022 foi junto um ofício enviado do processo de execução nº ...5 a solicitar a penhora do crédito do aqui autor/exequente sobre o réu/executado.
7. Em 06-07-2022 é proferido o seguinte despacho “ proceda-se em conformidade. Notifique”.
8. Deste despacho é notificado um solicitador “ CC” e o mandatário do autor.
9. Em 12-07-2022 é feito pedido de citação do réu a um solicitador DD, e na morada da petição inicial.
10. Em 14.07.2022, este solicitador juntou aos autos notificação ao mandatário do autor para que procedesse ao pagamento da provisão necessário para a realização do ato de citação, sob cominação “ Tendo em consideração o disposto no n.º 3 do artigo 721.º do Código do Processo Civil (CPC) o processo é declarado extinto decorrido o prazo de 30 dias sem que se mostre pago o valor devido.”.
11. Em 12-09-2022, o tribunal solicita ao agente de execução que informe sobre a citação.
12- Em 14-09-2022, juntou o agente de execução a seguinte informação: “ DD, Agente de execução nos presentes autos, vem por este meio e devido a não ter outro, em resposta à V. notificação de 12-09-2022, com a V/Referência: ...18, informar que ainda não procedeu à citação/notificação do Réu, devido ao Autor ainda não ter efetuado o pagamento da provisão pedida já em 14-07-2022.”.
13- Notificado desta informação, o mandatário do autor, em 22-09-2022 veio juntar requerimento nos seguintes termos “ expor e requerer a V. Exa. o seguinte: Não foi conseguida a citação do réu naquela que era a sua residência habitual.
E chegou agora ao conhecimento do autor que o réu se encontra em parte incerta de França.
Assim, R. a V. Exa. que se digne ordenar a citação edital do réu, o qual teve a última
residência no país no lugar ..., ..., ... ..., ....”.
14- Em 29-09-2022 foi proferido despacho a mandar cumprir o disposto no art. 236º do CPC.
15- Após as consultas à base de dados, e constatando ser a mesma morada da citação postal levada a cabo e frustrada, a secretaria concluiu ao sr. Juiz que proferiu o seguinte despacho em 09-01-2023: “ Mostram-se esgotadas as diligências encetadas com vista a apurar o actual paradeiro do citando.
Proceda à citação edital do réu, em conformidade com o disposto nos arts. 225º, nº 6, 240º 241º do Código de Processo Civil.”
16. Em cumprimento do despacho referido no ponto anterior, em 12.01.2023 foi emitida certidão de afixação de um edital na porta da última residência conhecida da ora embargante, a saber, “ ..., ..., ... ...”.
17. No dia 12-01.2023, foi publicado anúncio da citação edital da ré
18. No dia 11-04.2023, foi citado o Digníssimo Magistrado do MP, em representação do réu, ora embargante, para contestar a ação, no prazo de 30 dias.
10. O MP apresentou contestou a ação em representação do ora embargante.
22. Após foi dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, assim como o despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova.
23. Teve lugar a audiência final e foi proferida a sentença referida em 1..
26. A aludida sentença foi notificada ao MP e ao autor, na pessoa do mandatário.
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Da consulta eletrónica dos autos de execução a que os presentes embargos estão apensos, resulta ainda:
- Em 04-04-2024, o autor/exequente AA intentou contra o embargante BB a execução de sentença a que os embargos de executado estão apensos.
- Na execução, foi  o executado EE, citado por carta registada com A.R. na morada indicada pelo exequente (cfr. requerimento executivo e comprovativo da citação junto em 30-04-2024).
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IV- fundamentação de direito:

- Da nulidade da sentença:
Da alegada nulidade da sentença recorrida por violação do disposto na alínea d), do nº 1 do art. 615º do C. P. Civil, por excesso de pronúncia ( “ não conhecendo a MMa Juiz a quo da nulidade da citação conforme arguida, sentenciando e conhecendo de matéria sem a realização do acto omitido (ou, pela positiva, conhecer de algo de que só podia conhecer).
Vejamos.
Dispõe o artigo 615º, nº1, alínea d), do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta nulidade está diretamente relacionada com o artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Tal norma reporta-se à falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar e não de argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos pelas partes, aos quais não tem de dar resposta especificada ou individualizada, conforme tem vindo a decidir uniformemente a nossa jurisprudência.
Daí que possa afirmar-se que a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras).
Com efeito, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes.
Como já ensinava Alberto dos Reis, ob. cit., p. 143, “ São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”
Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado (cfr. nomeadamente Acs. da Relação de Lisboa de 10.2.2004, e de 6.3.2012, acessíveis em www.dgsi.pt).
            No que tange ao excesso de pronúncia (segunda parte da alínea d) do artigo 615º), o mesmo ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objeto do litígio.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.12.2012, disponível em www.dgsi.pt, à luz do princípio do dispositivo, há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, não podendo o julgador condenar, além do pedido, nem considerar a causa de pedir que não tenha sido invocada.
Contudo, quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas, não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia suscetível de integrar nulidade (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2011, disponível em www.dgsi.pt).
Por último importa não confundir a nulidade por falta ou excesso de conhecimento com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz não decide acertadamente, por decidir «contra legem» ou contra os factos apurados [vd A. dos Reis, In “Código de Processo Civil”, Anotado, Volume V, pg. 130].
Ora, no caso em apreciação, o tribunal recorrido não conheceu de questão de que não devesse conhecer. Precisamente ao conhecer da questão da “ irregularidade” da citação edital, questão suscitada pelo Recorrente e de que cabia conhecer, aduziu a argumentação de que “ não tendo sido arguida a irregularidade da citação edital, são indiferentes os factos invocados pelo Embargante”, para logo “julgar improcedentes os embargos”.
Ou seja, conheceu da questão negando a sua invocação.
Dito de outro modo: entendeu-se não apreciar sequer a nulidade ou irregularidade da citação edital por se considerar não ter sido arguida a mesma, pelo que, bem ou mal, justificou-se a razão pela qual considerou-se, a contrario, válida a citação realizada no âmbito do processo declarativo que culminou com a sentença dada à execução, não ocorrendo, assim, qualquer excesso de pronúncia por não se ter conhecido de questão que não devesse conhecer.
Igualmente, a eventual não resposta à factualidade alegada pela parte na decisão da matéria de facto não gera uma nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, podendo originar, sim, um vício da decisão da matéria de facto e que irá ser colmatada por este tribunal ad quem, elencando-se os factos relevantes para a decisão da causa e que ressumam do processo eletrónico.
Não se verifica, pois, a nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia, nem por omissão de pronúncia.
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Assim sendo, nos termos do art. 665º,nº2 do CPC importa que este Tribunal da Relação conheça das questões suscitadas pelas partes e que o tribunal a quo julgou prejudicadas, uma vez que se entende que os autos contêm todos os elementos necessários para a decisão.
Ora, a matéria de facto a ter em conta para a decisão da causa, elencou-se conforme ressuma do processo eletrónico e supra referida.

Vejamos.
Chegados aqui impõe-se analisar a seguinte questão:
- Se existe e qual o vício da citação do réu (ora embargante) no âmbito do processo declarativo donde emerge a sentença que constitui título executivo.
Ora, estamos perante uma oposição à execução mediante embargos de executado, deduzidos na ação executiva em que foi apresentado como título executivo a sentença condenatória do Réu, ora Embargante, a pagar ao Embargado determinada quantia certa.
O Embargante foi citado editalmente e nunca teve qualquer intervenção na ação declarativa.
Porém, nos presentes embargos de executado vem suscitar a questão da irregularidade/nulidade da sua citação.
E pode fazê-lo, porquanto é fundamento da oposição por meio de embargos de executado nos termos consignados no artigo 729.º, alínea d), do CPC, onde se prevê que pode ser deduzida oposição mediante embargos de executado quando haja «Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e), do artigo 696.º do CPC.».
Vejamos, então, se na ação declarativa foi usada indevidamente a citação edital.
Quid iuris?
Em primeiro lugar, dir-se-á que se avançou para a citação edital por se ter considerado que a situação processual era a de «ausência do citando em parte incerta», no quadro do disposto no art.º 236.º do CPCiv..
Estabelece este preceito legal (no seu n.º 1) que:
«Quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da citação edital, junto das autoridades policiais.».
Assim, por considerada «ausência do citando em parte incerta», mostrava-se, naquela ótica da decisão em causa, «impossível a realização da citação», restando, então, aberta a perspetiva da citação edital, como última ratio.
Lê-se no sumário do AC do STJ de 15-02-2022 ( relator Jorge Silva):
I- A citação edital é remedeio para evitar a paralisação dos processos, pelo que, apenas, dela deve lançar-se mão quando seja impossível o contacto pessoal com o citando, ou contacto direto por outro meio, dada a multiplicidade de meios de contacto na atualidade.
II - A Constituição, consagrando o respeito pelo direito de defesa, no art. 20º, pretende alcançar a garantia de que o réu/demandado tenha efetivo conhecimento do processo contra ele instaurado.”.
Assim concordamos também com o expandido no Ac. da Rel. do Porto de 29/4/2019, no Proc. nº 18180/16.1T8PRT-B.P1, “O processo de citação edital implica o cumprimento de várias etapas, com vista à garantia do contraditório: i) a secretaria procura a efetiva citação pessoal por via postal ou por contacto direto (art.º 226.º, n.º 1, do CPC); ii) frustradas as modalidades de citação pessoal do réu em território nacional ou estrangeiro e persistindo a situação de ausência em parte incerta, a secretaria efetua oficiosamente as diligência julgadas pertinentes, junto de qualquer entidade ou serviço, dirigindo-se diretamente a essas entidades por ofício ou qualquer outro meio de comunicação (art.º 236.º e 172.º do CPC); iii) mantendo-se a incerteza quanto ao paradeiro, a secretaria fará o processo concluso ao juiz; iv) confrontado com os elementos constantes do processo, pode o juiz: determinar nova tentativa de citação pessoal, solicitar outros elementos ou, em casos indispensáveis, requisitar informações às autoridades policiais (art.º 236.º, n.º 1 do CPC); v) não se superando a situação de incerteza do paradeiro, deve o juiz ordenar a citação edital
Mas se, no caso sub judicio, a situação era essa – de frustração da citação por via postal e nunca tendo sido tentado o contacto pessoal (cfr. art.º 231.º do NCPCiv.), até porque conforme ressuma dos autos o autor nunca pagou a provisão ao agente de execução para realização da citação pessoal, então impunha-se, primeiro, a tentativa de contacto pessoal na morada conhecida e, posteriormente e caso fosse negativa a informação, a obtenção, por quem tinha a tarefa da realização da citação, de informações sobre o último paradeiro ou residência conhecida do citando ausente em parte incerta, como estabelece o citado art.º 236.º do CPC, designadamente, se absolutamente indispensável, até junto das autoridades policiais.
Ora, no caso sub judicio, ressuma dos autos que nunca o AE se deslocou sequer à morada indicada na pi e não existiu nos autos qualquer informação de que ninguém se encontrava em casa, não tendo sido colhidas informações, no terreno, onde o réu estaria a viver, se em Portugal ou no estrangeiro.
Ou seja, nem sequer se deu cumprimento ao disposto no art. 231º,nº1 do CPC, nos termos do qual se prevê: “ frustrada a via postal, a citação é efetuada mediante contacto pessoal do agente de execução com o citando
Sem embargo, apenas em face do requerimento do mandatário do autor a consignar que o réu estaria em parte incerta- pasme-se- “ parte incerta de França”, país que nunca tinha sido ventilado ser morada do autor, é que o tribunal de primeira instância ordenou o cumprimento do art. 236º do CPC.
Apenas, nessa sequência, foram consultadas algumas das entidades das previstas no artigo 236º do CPC, a segurança social e registo automóvel, a autoridade tributária, os serviços de identificação civil, e sendo a mesma a morada onde havia sido frustrada a citação postal, a secção, conforme despacho judicial, procedeu à citação edital, sem curar de averiguar pessoalmente na morada em causa do paradeiro do réu.
Diga-se que em face da nova informação do autor- quando fala da parte incerta do réu em França- nem sequer se procurou averiguar junto das outras entidades a sua residência em França, nomeadamente junto dos consulados ou embaixadas ( vide neste sentido AC RL de 09.09.2021 ( relator Pedro Martins) e nosso Ac. do TRG de 15-12-2022 e citado pelo recorrente.).
Isto é, até para o autor, conforme se lê naquele requerimento, não estava afastada a possibilidade de o mesmo residir noutra morada ( em França).
Conclusão esta que deixa instável – como logo tem de inferir-se – o dito entendimento de que se tratava de um caso de ausência do citando em parte incerta, posto essa ausência ainda não poder ter-se por seguramente demonstrada.
Por isso, foi prematuro avançar para a citação edital, último recurso dos instrumentos de citação, visto que não estaria claro que a situação fosse de ausência do citando em parte incerta.
Em suma, dos autos ressuma que outras diligências poderiam e deveriam ter sido levadas a cabo, com vista a apurar do paradeiro do réu, nomeadamente a sua citação pessoal junto da morada em causa e que nunca foi levada a cabo, nos termos do artt. 231º,nº1 do CPC.
E, julgando que o réu estaria em França, conforme informação avançada pelo próprio autor, podiam ter sido feitas averiguações junto das entidades competentes, nomeadamente embaixada ou consulado.
Sendo que perentoriamente ninguém afirmou (agente de execução ou secretaria), verbalmente ou por escrito, que o réu na ação se encontrava em parte incerta, apenas o mandatário do autor em requerimento(!).
Atendendo à verificada incerteza sobre o paradeiro do citando ou se estava ausente em parte incerta, devendo prevalecer a perspetiva do cabal exercício do contraditório e possibilidade de utilização dos inerentes meios de defesa do réu, parece-nos que a situação dos autos justificava claramente que se explorassem outras diligências.
Só então, com mais detalhada informação, se poderia decidir, sem ameaça para o direito de defesa do citando, sobre a justeza/necessidade da citação edital.
Donde que seja inelutável a conclusão de que foi prematura a ocorrida adesão à citação edital e ordenada por despacho, verificando-se assim nos termos do art. 188º, nº1, al. c) do CPC nulidade por falta de citação por se ter empregue indevidamente a citação edital.
Nos termos do art. 189º e 198º, nº 2, do Código de Processo Civil, a nulidade (falta) da citação (nulidade principal) deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (artºs 189º e 198º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Como referia o Prof. A. dos Reis (Comentário, vol. 2º, pág. 446/447 e CPC Anot., I, 3ª ed., pág. 313) “para a arguição da falta de citação não há prazo; enquanto o réu se mantiver em situação de revelia, ou melhor, enquanto se mantiver alheio ao processo, está sempre a tempo de arguir a falta da sua citação, só perdendo o direito de o fazer se intervier no processo e não reagir imediatamente contra ela”.
Relevante será, pois, e antes de mais, definir o que deve entender-se por intervenção da parte na causa, sendo que é na primeira intervenção processual que deve ser “logo” arguida a falta de citação.
No caso sub judicio, o embargante/executado (embora, mais uma vez, citado na execução na morada em causa ), logrou intervir na execução e deduzir a sua oposição por embargos (sanando o vício da sua citação na execução), exercendo nesta, ao abrigo dos mecanismos que a lei lhe concede, mormente do disposto no artigo 729º al. d) do CPC, o seu direito de oposição à execução de sentença que contra si foi intentada, fundando-a na nulidade da sua citação na ação declarativa.
Por tudo o exposto, a apelação é procedente, restando revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que declare a procedência dos embargos deduzidos ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 729º do CPC, declarando-se nula a citação efetuada no âmbito da ação declarativa, e, em consequência, julga-se extinta a ação executiva (cfr. artigo 732º n.s 4 e 5, do C.P.C.).
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do RCP, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Uma vez que a pretensão recursória do recorrente merece provimento, as custas (na vertente de custas de parte) ficam cargo do exequente/embargado/recorrido, parte vencida no recurso.
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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam as Juízes desta 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida e em sua substituição, declara-se a procedência dos embargos deduzidos ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 729º do CPC, declarando-se nula a citação efetuada no âmbito da ação declarativa, e, em consequência, julga-se extinta a ação executiva (cfr. artigo 732º n.s 4 e 5, do C.P.C.).
As custas ficam a cargo do exequente/recorrido.
Notifique.
Guimarães, 28 de novembro de 2024

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Sandra Melo e
Paula Ribas