JUNÇÃO DE DOCUMENTO
RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
REMUNERAÇÃO
AVALIAÇÃO
Sumário


I- Se um determinado documento particular chegou à posse da recorrente após o encerramento da discussão da causa (superveniência subjetiva) e o mesmo é suscetível de contribuir para a boa decisão da causa, pode o documento ser apresentado com as alegações do recurso.
II- No elenco dos factos provados não podem constar juízos apreciativos e conclusões jurídicas diretamente relacionados com o thema decidendum.
III- A trabalhadora que exerce as suas funções de assistente técnica ao abrigo de um contrato individual de trabalho para a Unidade Local de Saúde Zona 1, EPE, e que é associada do SINTAP, tem direito, a partir de 1 de junho de 2018, à alteração do posicionamento remuneratório nos termos aplicáveis aos trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados em carreiras gerais, com as devidas adaptações, por força do Acordo Coletivo entre o Centro Hospitalar Barreiro Montijo, EPE e outros e o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos – SINTAP e outros, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 23, de 22-06-2018.
IV- Logo, se preencher os requisitos exigidos pelo Decreto-Lei n.º 75/2023, de 29 de agosto, beneficia do regime especial de aceleração do desenvolvimento das carreiras dos trabalhadores com vínculo de emprego público previsto neste diploma.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


P. 718/24.2T8PTM.E1


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
AA (autora) intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra Unidade Local de Saúde Zona 1, EPE (ré), na qual formulou o seguinte pedido:
a) Ser reconhecido pela R. que a A. como CIT e face aos acordos coletivos celebrados em 2018, tem os mesmos direitos que os detidos pelos colegas com Contrato de Trabalho em Funções Publicas, incluindo a aplicação do acelerador de progressões, publicado em DR a 29 de Agosto de 2023. (Decreto-Lei nº 75/2023).
b) Ser a R. condenada a aceitar e a atribuir os 10 pontos adquiridos pela A. até ao ano de 2019.
c) Ser a R. condenada a atribuir à A. os restantes seis pontos desde 1 de Janeiro de 2019 até Dezembro de 2023 de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 75/2023 de 29 de Agosto, e consequentemente alterar o posicionamento remuneratório da A.
d) Ser a R. condenada ao pagamento à A. dos acréscimos remuneratórios correspondentes à posição remuneratória em que a mesma deveria ter sido posicionada na sequência da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2018 e legislação subsequente (ou seja 10ª posição remuneratória da categoria de Assistente Técnica), tendo em conta os pontos acumulados pela A. até Dezembro de 2023.
e) Assim deverá a R. ser condenada ao pagamento:
1- Do montante de € 3.158,96 (três mil cento e cinquenta e oito euros e noventa e seis cêntimos) a título de retroativos relativamente ao ano de 2019.- € 225,64 (diferencial relativamente à retribuição base)) X 14 meses.
2-Do montante de € 902,56 (novecentos e dois euros e cinquenta e seis cêntimos) a título de retroativos relativamente aos meses de Janeiro a Abril do ano de 2020.- €225,64 (diferencial relativamente à retribuição base)) x 4 meses.
3- Do montante de € 2.156,40 (dois mil cento e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos) a título de retroativos relativamente aos meses de Maio a Dezembro de 2020. Mais 2 dois meses (subsídios) verifica-se um diferencial relativamente à retribuição base no montante de €215,64 x 10 meses.
4- Do montante de € 215.64 (duzentos e quinze euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de retroativos ,relativamente ao mês de Janeiro de 2021. Diferencial relativamente à remuneração base do referido mês.
5- Do montante de € 2.673,32 (dois mil seiscentos e setenta e três euros e trinta e dois cêntimos) a título de retroativos, relativamente aos meses de Fevereiro a Dezembro de 2021, mais 2 dois meses (subsídios). Diferencial relativamente à retribuição base no montante de €205,64 (duzentos e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos) x 13 meses.
6- Do montante de € 1.395,17 (mil trezentos e noventa e cinco euros e dezassete cêntimos) a título de retroativos, relativamente aos meses de Janeiro a Julho de 2022. Diferencial relativamente à retribuição base no montante de €199,31 (cento e noventa e nove euros e trinta e um cêntimos) x 7 meses.
7- Do montante de € 1.062,32 (mil e sessenta e dois euros e trinta e dois cêntimos) a título de retroativos relativamente aos meses de Agosto a Dezembro de 2022, mais 2 meses (subsídios). Diferencial relativamente à retribuição base no montante de €151,76 (cento e cinquenta e um euros e setenta e seis cêntimos) x 7 meses.
8- Do montante de € 190,16 (cento e noventa euros e dezasseis cêntimos) a título de retroativos, relativamente aos meses de Janeiro a Abril de 2023. Diferencial relativamente à remuneração base no montante de € 47,54 (quarenta e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos) x 4 meses.
9- Do montante de € 389,30 (trezentos e oitenta e nove euros e trinta cêntimos) a título de retroativos, relativamente aos meses de Maio a Dezembro de 2023, mais 2 meses (subsídios). Diferencial relativamente à remuneração base no montante de €38,93 x 10 meses.
Perfazendo o montante total de €11.928,12 (onze mil novecentos e vinte e oito euros e doze cêntimos) a título de retroativos a serem pagos à A. , correspondentes ao início do ano de 2019 até ao final do ano de 2023.
f) A R. ser condenada a efetuar a atualização da remuneração da A. a partir do mês de Janeiro de 2024.
Considerando a atualização da remuneração, e a subida de escalão que a A. tem direito.
De acordo com o disposto na TRU, a mesma deveria estar atualmente no nível remuneratório 10, auferindo a remuneração mensal de € 1.017,56 (mil e dezassete euros e cinquenta e seis cêntimos) e não a de €922,47.
g) Ser a R. condenada ao pagamento do diferencial no montante de €95,09 (noventa e cinco euros e nove cêntimos) mensais relativamente à remuneração base do ano de 2024. Nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2024, a A. deveria ter auferido a remuneração mensal no montante de € 1.017,56, e ao invés auferiu no montante de €922,47.
h) Ser a R. condenada ao pagamento no montante de € 95,09 (noventa e cinco euros e nove cêntimos) por mês, relativamente aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2024, perfazendo o montante total de € 285,27 (Duzentos e oitenta e cinco euros e vinte sete euros).”
Alegou, em resumo, que celebrou contrato de trabalho a termo certo com a ré em setembro de 2003 para desempenhar funções de auxiliar de ação médica. Esse contrato foi sendo sucessivamente renovado, tendo continuado a prestar funções como auxiliar de ação médica até 30-09-2015. Sem nunca ter deixado de prestar funções à ré, no dia 21-10-2015 celebrou contrato de trabalho por tempo indeterminado para desempenhar, a partir de 1-10-2015, tarefas da categoria de assistente técnica. Começou a desempenhar funções de técnica superior, mas nunca foi celebrado contrato correspondente a essas funções. Encontra-se na Carreira de Assistente Técnica, anteriormente esteve integrada na carreira de Auxiliar de Ação
Médica, e somando as duas situações laborais completou mais de 18 anos de antiguidade até 30-08-2023.
Sucede que passaram a ser aplicados aos trabalhadores com contrato individual de trabalho acordos coletivos que lhes dão os mesmos direitos que os detidos pelos trabalhadores em funções públicas, incluindo o acelerador de progressões (DL 75/2023) e a autora reúne os requisitos para ser abrangida por este regime especial.
Acrescenta que ao contrário dos trabalhadores das outras categorias profissionais ao serviço da ré que, no mês de janeiro de 2024, conforme previsto nas circulares informativas enviadas, receberam conjuntamente com o processamento salarial do mês de janeiro o valor correspondente ao processamento da remuneração base e a respetiva atualização remuneratória, não foi contemplada com a atualização dos seus direitos.
A ação seguiu a tramitação constante dos autos, para a qual se remete.
No despacho saneador, o valor da ação foi fixado em € 12.213,39.
Em 24-05-2024, foi prolatada sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, consequentemente, absolveu a ré do pedido.

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Inconformada, a autora interpôs recurso para esta Relação, concluindo:
«A sentença que julgou a ação instaurada pela recorrente totalmente improcedente, e consequentemente, absolver a recorrida da totalidade do peticionado, salvo melhor opinião, é desprovida de fundamento no que diz respeito à fundamentação de facto alegada pelo tribunal “a quo”
Vejamos,
A- Na douta sentença foi dado como provado que a A. exerce tarefas inerentes á categoria de Assistente Técnica;
B- Na douta sentença foram dados como provados os factos constantes do ponto 1.18 (e seus subpontos) atendendo aos documentos juntos pela A. na P.I, e no início do julgamento, ou seja foi dada como provada a avaliação de desempenho da A. desde o ano 2008 até ao biénio de 2021/2022;
C- Na sequência do documento junto no início da audiência de julgamento, foi feita prova que a A. no biénio de 2021/2022 obteve a classificação qualitativa de “relevante” e quantitativa de 4,5;
D- Foi dada como provado que no mês de Junho de 2023 a Administração Central do Sistema de Saúde, através de circular informativa deu a conhecer que promoveu a alteração da estrutura remuneratória das carreiras gerais de Técnico Superior, de Assistente Técnico e de Assistente Operacional;
E- Foi dado como provado na douta que em Novembro e Dezembro de 2023 a recorrida deu a conhecer as circulares informativas da Administração Central do Sistema de Saúde e Direção Geral do Tesouro e Finanças, na qual é dada informação acerca do pagamento dos acréscimos remuneratórios a que o trabalhador venha a ter direito por força da alteração do posicionamento remuneratório; apuramento de pontos acumulados; cálculos dos valores retroativos;
F- A R. na sua douta contestação, nos pontos 63, 64, 65, 66, 67 e 68, confessa que a A. reúne os critérios para beneficiar do regime de aceleração do desenvolvimento das carreiras com vínculo de emprego público, plasmado no DL nº 75/2003 de 29 de Agosto, por reunir os vários requisitos legais, nomeadamente, porque a A. em 2024 tem mais de 6 pontos, tem 18 ou mais anos de exercício de funções(aqui sim são contabilizadas todas as carreiras) e trabalhou no período de 30/08/2005 e 01/01/2011 a 31/12/2017.
G) Nos termos do disposto no DL nº 75/2003 de 29 de Agosto, podem adicionar-se ambas as carreiras da A. e contabilizar-se o total dos anos.
H) A A. tem assim direito à progressão e a receber os retroativos com efeitos a 01/01/2024.
I- Nos termos do disposto no artigo 352 do Código Civil” Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”
J)- A confissão da R. atribui à A. o direito ao peticionado na ação, nas alíneas a), c), f), g) e h.
K -A R. nos termos do disposto no nº 1 do artigo 356º do Código Civil levou a cabo uma confissão judicial espontânea.
L- A lei nos termos do disposto no nº1 do artigo 358º do código Civil, atribui força probatória plena à confissão.
M- O tribunal “ a quo” ao contrário do alegado não baseou a sua convicção numa análise ponderada e conjugada de todos os elementos de prova postos á sua consideração, bem como na posição assumida nos articulados.
N- O Tribunal “a quo” desconsiderou um meio de prova a que a lei atribui força probatória plena (confissão-artigo 358º nº 1, do CC), decidindo considerar não provado os respetivos factos.
O- O Tribunal “a quo” violou a lei ao não considerar como provados os factos confessados pela R, os quais consubstanciam parte do peticionado pela A. na ação instaurada.
P- O vício que afeta a decisão da matéria de facto e que acaba também por refletir um verdadeiro erro de direito, deverá ser sanado.
Q- Sendo sanado o vício, deverão os factos confessados pela R. passarem a constar do elenco dos factos provados na douta sentença recorrida.
R- Na motivação da decisão de facto deveria igualmente o tribunal ”a quo” ter tido em consideração o depoimento da testemunha comum à A. e à R, Dra. BB, Diretora do departamento de Recursos Humanos da R, e não o fez ao considerar a ação totalmente improcedente e, absolver a R. da totalidade do peticionado.
S- Com a sanação do vício que afeta a decisão da matéria de facto e que acaba também por refletir um verdadeiro erro de direito, deverá a douta sentença recorrida ser alterada, deixando a mesma de ser totalmente improcedente.
T- A douta sentença recorrida, proferida pelo tribunal ”a quo” deverá ser alterada, e passar constar na mesma que:
a)- A A. reúne os critérios para beneficiar ,do regime de aceleração do desenvolvimento das carreiras com vínculo de emprego público, plasmado no DL nº 75/2003 de 29 de Agosto, por reunir os vários requisitos legais.
b) A A. em 2024, detém mais 6 pontos, tem 18 ou mais anos de exercício de funções, sendo contabilizadas todas as carreiras, e trabalhou no período de 30/08/2005 e 01/01/2011 e 31/12/2007.
c) A A. tem direito à progressão da carreira nos termos plasmados no DL nº 75/2003 de 29 de Agosto, porque aqui são contabilizadas todas as carreiras, sem diferenciação.
d) No âmbito do referido diploma podem adicionar-se ambas as carreiras e contabilizar-se o total dos anos.
e) A A. tem direito à progressão com efeitos a 01/01/2024.
f) A A. tem direito a receber os retroativos a Janeiro de 2024 para efeitos de acelerador de carreira.
g) Por tudo o exposto, decide-se julgar a presente ação parcialmente improcedente e, consequentemente, absolver parcialmente a ré ”Unidade Local de Saúde Zona 1, E.P.E.” do peticionado pela autora AA.
U- A fundamentação de direito da sentença recorrida, salvo melhor opinião, é igualmente desprovida de fundamento,
Vejamos,
a) O tribunal “a quo” na sua fundamentação de direito faz referência a legislação e a acórdãos que não são aplicáveis à A.
b) À A. não é aplicável legislação específica dos enfermeiros, nem a mesma poderá ser considerada profissional de saúde.
c) O tribunal “a quo” ao contrário da confissão da R. e do depoimento da testemunha comum à A. e à R que confirma a posição assumida pela R. e o peticionado pela A, considera não ser aplicável à A. o DL 75/2023, segundo o qual, a A. nos termos do artigo 2º reúne os critérios para beneficiar do regime de aceleração do desenvolvimento das carreiras com vínculo de emprego público.
d) O tribunal “ a quo” de acordo com o disposto no artigo 156º, nº 7, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, conjugado com o disposto no artigo 50º da Lei 66-B/2007, de 28 de Dezembro, fundamenta que a A. desde 2018 acumulou duas classificações intermédias (o que equivaleria a 1,5+1,5) e uma pontuação máxima (que equivaleria a 2 pontos), pelo que não está preenchido o requisito do artigo 3º, nº 1, do DL 75/2023, de 29 de Agosto, devendo assim, improceder a pretensão da A.
e) O tribunal ”a quo” fez uma interpretação errada da matéria de direito, pois não existem classificações intermédias a serem aplicadas à A., e por outro lado desvaloriza a tabela de contabilização de pontos apresentada pela R. no ponto 31 da sua douta contestação, a qual atribui à A 7 pontos.
f) O documento junto e pela A. em sede de audiência de julgamento confirma a avaliação de desempenho relevante com a pontuação de 4, 75, relativamente ao biénio de 2021/2022. A esta avaliação de desempenho relevante são atribuídos 4 pontos.
g) A audiência de Julgamento realizou-se no dia 20 de Maio de 2024 e, no dia 21 de Maio de 2024, a A. recebeu a comunicação de pontos ao abrigo das orientações das Circulares Conjuntas DGTF e ACSS, I.P( Carreiras Gerais- Assistente Técnico), segundo a qual a mesma desde o ano de 2015 e até 01/01/2023 obteve 9 pontos.
h) O documento recebido confirma a errada fundamentação de direito levada a cabo pelo tribunal a quo” relativamente ao número de pontos acumulados pela A., pois em vez dos 5 pontos considerados pelo mesmo, a A. acumulou 9 pontos.
i) A junção ao recurso do referido documento, é necessária em virtude da douta sentença proferida, ora recorrida.
J)Face a tudo o supra exposto a A. impugna a matéria de direito da decisão recorrida, pois, a mesma conduziu a que fosse proferida uma sentença parcialmente desfavorável à A.
K) A. A., ao não ter uma sentença de condenação nos termos supra referenciados por parte do tribunal “a quo”, mesmo havendo confissão por parte da R. relativamente a parte do peticionado pela A., poderá correr o risco de não serem os seus direitos reconhecidos pela R.
L) A não existência de uma sentença parcialmente condenatória, nos termos referenciados, poderá prejudicar seriamente os interesses da A.
TERMOS em que o presente recurso, deverá ser julgado procedente, devendo a sentença recorrida ser alterada nos termos e com os fundamentos alegados, proferindo-se acórdão que considere a ação parcialmente improcedente, e consequentemente, absolver parcialmente a recorrida.” Unidade Local de Saúde Zona 1, E.P.E “ do peticionado pela recorrente, com o que se fará JUSTIÇA».
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A ré apresentou contra-alegações, mas, por despacho datado de 02-10-2024, foi ordenado o seu desentranhamento.
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A 1.ª instância admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Já na Relação, a digníssima procuradora-geral adjunta emitiu parecer favorável à confirmação da sentença recorrida.
Não foi oferecida resposta.
Mantido o recurso, foi elaborado o projeto de acórdão e foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, em conferência, apreciar e decidir.

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II. Questão prévia: junção de documento
Juntamente com as alegações do recurso, apresenta a recorrente um documento.
Trata-se de um documento particular composto por 3 páginas, correspondendo a primeira a uma impressão de um email enviado, em 21-05-2024, pela Unidade de Valorização de Capital Humano da ré, que tem como assunto “Comunicação de Pontos - Hospital de Local 1” e as duas restantes à informação disponibilizada sobre os pontos que a recorrente acumulou ao longo dos anos, num total de 9 pontos. Estas duas últimas folhas foram emitidas em 17-05-2024 e, conjugadamente com o teor do email, terão sido entregues à recorrente a partir de 21-05-2024.
Se bem compreendemos, a recorrente pretende que o mesmo seja junto ao processo para permitir avaliar a errada fundamentação de direito constante da sentença recorrida relativamente ao número de pontos acumulados pela autora, pois em vez dos 5 pontos considerados, a autora acumulou 9 pontos conforme foi comunicado através de email.
Apreciemos.
De harmonia com o disposto no artigo 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força dos artigos 1.º, n.º 2, alínea a), e 87.º, n.º 1, ambos do Código de Processo do Trabalho, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento da 1.ª instância.
O n.º 2 do preceito estipula que as partes podem juntar ainda pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.
Em relação ao mencionado artigo 425.º, estipula-se, nesta norma, que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Considerando o documento apresentado com o recurso (documento particular), apenas releva o n.º 1 do mencionado artigo 651.º, conjugado com o artigo 425.º.
São então duas as situações em que é possível a junção de documentos, à luz destes dispositivos legais:
(i) quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva);
(ii) quando a sua junção apenas se revela necessária por virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
A superveniência objetiva ou subjetiva tem necessariamente de se relacionar com um facto atendível, relevante, que a parte não domina, que demonstre cabalmente que só no momento da interposição do recurso, por razões que são alheias ao interveniente processual, foi possível a junção do documento.
Sobre a previsão contida na parte final do n.º 1 do artigo 651.º do Código de Processo Civil, tem-se pronunciado a jurisprudência, nos seguintes termos:
- «A necessidade da junção “em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância” tem lugar quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto pelo tribunal ou em preceito com cuja a apreciação as partes não tivessem justificadamente contado.» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-01-2005, Rec. n.º 3689/04-4.ª: Sumários, Jan./2005;
- «I - Os casos em que a junção de documentos se torna necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância são apenas aqueles em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida.» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-11-2019, disponível em www.dgsi.pt.
Retornemos ao caso dos autos.
O que se infere do documento apresentado é que a comunicação dos pontos (págs. 2 e 3) foi emitida 17-05-2024, pelo que já existia antes do encerramento da discussão da causa, que ocorreu em 20-05-2024.
Logo, não se verifica superveniência quanto à sua emissão (superveniência objetiva).
Extrai-se, porém, do teor do email que a autora apenas teve acesso à comunicação dos pontos a partir de 21-05-2024, pelo que se reconhece a existência de superveniência subjetiva, no sentido de que a autora, por razões que não lhe são imputáveis, apenas obteve a mencionada comunicação após o encerramento da discussão da causa.
Nesta conformidade, e admitindo que o documento é suscetível de contribuir para a boa decisão da causa, admite-se a junção do mesmo, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 651.º, n.º 1 e 425.º, ambos do Código de Processo Civil.
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III. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, suscitam-se no recurso as seguintes questões:
1.ª Impugnação da decisão da matéria de facto;
2. ª Existência de fundamento para a procedência dos pedidos formulados nas alíneas a), c) f), g) e h) da petição inicial.

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IV. Matéria de Facto
A 1.ª instância julgou provada a seguinte factualidade:
1.1 A autora, no dia 16 de Setembro de 2003 celebrou com Hospital Zona 1, S.A (atualmente designado por Unidade Local de Saúde Zona 1, E.P.E) contrato de trabalho a termo certo, pelo período de um ano, renovável, para desempenhar, sob a autoridade, gestão e orientação da Ré tarefas inerentes à categoria profissional de Auxiliar de Ação Médica.
1.2 Mediante a remuneração mensal base de €492,98.
1.3 A autora prestava serviço no Hospital Zona 1, S.A, unidade de Local 1.
1.4 O contrato de trabalho foi sendo sucessivamente renovado, tendo a autora prestado serviços de Auxiliar de Ação Médica na referida unidade até ao dia 30 de Setembro de 2015.
1.5 A autora licenciou-se em Direito, e a partir desse momento candidatou-se para prestar serviços na referida Unidade Hospital como Assistente Técnica.
1.6 A autora, sem nunca ter deixado de prestar serviços à Ré, no dia 21 de Outubro de 2015 celebrou contrato de trabalho por tempo indeterminado com o Centro Hospitalar Zona 1, E,P.E (antes denominado Hospital Zona 1 S.A), tendo no entanto sido admitida ao serviço no dia 1 de Outubro de 2015, para desempenhar, sob a autoridade, gestão e orientação da Ré tarefas inerentes à categoria profissional de Assistente Técnica.
1.7 Mediante a remuneração mensal base de € 683,13.
1.8 A autora continua a exercer as suas funções na unidade hospitalar de Local 1.
1.9 No final do ano de 2019, a autora auferia a remuneração mensal de €683,13 e estava na posição remuneratória 5.
1.10 Nos meses de Maio a Dezembro de 2020 a autora auferiu a remuneração mensal base no montante de €693,13.
1.11 No mês de Janeiro de 2021, a autora auferiu igualmente a remuneração mensal base de €693,13.
1.12 Nos meses de Fevereiro a Dezembro de 2021 a autora auferiu a remuneração mensal base no montante de €703,13.
1.13 Nos meses de Janeiro a Julho de 2022 a autora auferiu a remuneração mensal base de €709,46.
1.14 Nos meses de Agosto a Dezembro de 2022 a autora auferiu a remuneração mensal base de €757,01.
1.15 Nos meses de Janeiro a Abril de 2023 a autora auferiu a remuneração mensal base de €861,23.
1.16 Nos meses de Maio a Dezembro de 2023 a autora auferiu a remuneração mensal base de €869,84.
1.17 No ano de 2024 a autora aufere uma remuneração base no montante de €922,47.
1.18 A ré atribuiu à autora as seguintes avaliações de desempenho:
1.18.1 Em 2008 a classificação qualitativa de “relevante” e a quantitativa de “5,000”;
1.18.2 Em 2009 a classificação qualitativa de “relevante” e a quantitativa de “5,000”;
1.18.3 Em 2010 a classificação qualitativa de “relevante” e a quantitativa de “4,500”;
1.18.4 No biénio 2017/2018 a classificação qualitativa de “adequado” e a quantitativa de “3,750”;
1.18.5 No biénio 2019/2020 a classificação qualitativa de “adequado” e a quantitativa de “3,750”.
1.18.6 No biénio de 2021/2022 a classificação qualitativa de “relevante” e a quantitativa de “4,500”.
1.19 No mês de Junho de 2023 a Administração Central do Sistema de Saúde, através de circular informativa deu a conhecer que promoveu a alteração da estrutura remuneratória das carreiras gerais de Técnico Superior, de Assistente Técnico e de Assistente operacional.
1.20 Em Novembro e Dezembro de 2023 a ré deu a conhecer as circulares informativas da Administração Central do Sistema de Saúde e Direção Geral do Tesouro e Finanças, na qual é dada a informação acerca do pagamento dos acréscimos remuneratórios a que o trabalhador venha a ter direito por força da alteração do posicionamento remuneratório; apuramento de pontos acumulados; cálculo dos valores retroativos.
1.21 No dia 5 de Janeiro de 2024, a Ré através de Circular informativa, informa que a atualização remuneratória conforme Decreto-Lei 108/2023 de 22 de Novembro, será processada conjuntamente com o processamento salarial de mês de Janeiro de 2024.
1.22 Uma trabalhadora ao serviço da Ré, igualmente com a categoria de Assistente Técnica, recebeu retroativos no mês de Dezembro de 2023.
1.23 A autora é associada do SINTAP.
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E julgou como não provado que:
a) A trabalhadora que recebeu retroativos em Dezembro tem menos tempos de antiguidade ao serviço da ré.
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Em virtude da admissão do documento junto com o recurso, que não foi impugnado, este tribunal, ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil, adita ao elenco dos factos provados o ponto 1.24, com a seguinte redação:
- Em 21 de maio de 2024, a ré comunicou à autora que, desde 2015 e até 01-01-2023, a mesma tinha acumulado 9 pontos, assim distribuídos:
2015/2016 – 1 ponto
2017/2018 – 2 pontos
2019/2020 – 2 pontos
2021/2022 – 4 pontos.
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V. Impugnação da decisão de facto
No que concerne à impugnação da decisão fáctica, alegou a autora/recorrente que a ré na contestação, designadamente nos pontos 63 a 68, confessou que a autora reúne os critérios para beneficiar do regime de aceleração do desenvolvimento das carreiras com vínculo de emprego público, plasmado no Decreto-Lei n.º 75/2003, de 29 de agosto, por reunir os vários requisitos legais, nomeadamente porque a autora em 2024 já tinha 18 ou mais anos de exercício de funções (sendo de contabilizar todas as carreiras) e trabalhou no período de 30-08-2005 e 01-01-2011 a 31-12-2017.
E nos pontos 69 e 70 referiu que apesar desse reconhecimento, ainda não foi possível efetivar as progressões decorrentes deste “acelerador” a nenhum dos trabalhadores, porque embora o processo de contagem das várias carreiras esteja em curso, não está concluído, mas será aplicado ao universo ULS e, consequentemente, à autora, beneficiando, oportunamente, a mesma dos retroativos que lhe são devidos.
A recorrente sustentou que existindo uma confissão judicial espontânea dos factos alegados nos pontos 63 a 68, e tendo essa confissão força probatória plena, deverão os factos confessados passar a constar do elenco dos factos provados.
Ademais, o confessado foi acompanhado pela testemunha comum Dra. BB, Diretora do Serviço do Capital Humano da ré. Indicou os excertos das gravações deste depoimento a que se reporta.
Consideramos que nas circunstâncias concretas o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nesta parte[2], foi devidamente observado, pelo que nada obsta ao conhecimento da impugnação.
Apreciemos.
Os pontos 63 a 68 da contestação da ré têm a seguinte redação:
«63. Todavia, a A. reúne os critérios para beneficiar do regime especial de aceleração do desenvolvimento das carreiras com vínculo de emprego público, plasmado no D.L nº 75/2023 de 29 de Agosto, por reunir os vários requisitos legais.
64. Nomeadamente, porque a A. em 2024 detém mais de 6 pontos, tem 18 ou mais anos de exercício de funções (aqui sim, são contabilizados todas as carreiras) e trabalhou nos período de 30/08/2005 a 31/12/2007 e de 01/01/2011 a 31/12/2017.
65. Não havendo, neste caso, qualquer óbice relativamente à alteração de carreiras, porque são contabilizadas todas as carreiras, sem diferenciação.
66. Para este diploma, em particular, podem adicionar-se ambas as carreiras e contabilizar-se o total de anos.
67. Razão pela qual, a Ré assim contabilizará relativamente à A.
68. O que lhe confere a progressão com efeitos a 01.01.2024.».
Afigura-se-nos resultar evidente que o plasmado nos citados pontos não corresponde a “factos”, mas antes a juízos apreciativos e conclusões (algumas com valor jurídico relacionado com o thema decidendum).
Ora, é consabido que a decisão sobre a matéria de facto deve incidir sobre factos.
É certo que, como refere Alberto Augusto Vicente Ruço, in Prova e Formação da Convicção do Juiz, Almedina-Coletânea de Jurisprudência, 2016, pág. 55, não obstante a referência constante nas leis processuais a factos, estas não definem o que são os factos.
Mas, continua este autor: «No entanto, quando aludimos a factos, o senso comum, diz-nos que nos referimos a algo que aconteceu ou está acontecendo na realidade que nos envolve e percecionamos.»
Nesse sentido intuitivo captado pelo senso comum, poderemos afirmar, reproduzindo as palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, págs. 406-408, que os factos para efeitos da decisão sobre a matéria de facto «abrangem as ocorrências concretas da vida real».
Explicitam estes autores:
«Dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, diretamente captável pelas perceções do homem – ex propiis sensibus, visus et audictus), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do individuo (v.g. vontade real do declarante (…); o conhecimento dessa vontade pelo declaratário; (…) o conhecimento por alguém de determinado evento concreto (…); as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria».
Ora, contendo os pontos 63 a 68 da contestação juízos apreciativos e conclusivos diretamente relacionados com o thema decidendum, naturalmente que os mesmos não podem integrar o acervo fáctico.
Aliás, conforme tem sido defendido pela jurisprudência os juízos de valor e as conclusões que sejam proferidos no âmbito da decisão sobre a matéria de facto devem, inclusive, ser considerados como não escritos pelo Tribunal da Relação, por constituírem uma deficiência do julgamento da matéria de facto que há que suprir – cf. acórdãos da Relação do Porto de 09-07-2014 (Proc. n.º 833/11.2TVPRT.P1) e de 02-03-2015 (Proc. n.º 1099/12.2TVPRT.P1), publicados em www.dgsi.pt.
Em suma, não sendo possível, pelas razões expostas, integrar o conteúdo dos pontos 63 a 68 da contestação no elenco dos factos provados, claudica, consequentemente, a impugnação apresentada.
Nesta conformidade, julga-se totalmente improcedente a impugnação quanto aos referidos pontos.
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A determinada altura das alegações do recurso, a recorrente refere que não é sindicalizada ao contrário do que consta mencionado no ponto 1.23 do elenco dos factos provados.
Todavia, não impugna especificamente este facto nas conclusões do recurso – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-05-2016 (Proc. n.º 324/10.9TTALM.L1.S1) e de 16-05-2018 (Proc. n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1), ambos publicados em www.dgsi.pt.
Também não desenvolve qualquer argumentação para pôr em causa a prova considerada pelo tribunal a quo para dar como demonstrado o facto em causa.
Logo, se a sua intenção era impugnar o ponto 1.23, certo é que não cumpriu os ónus previstos no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, pelo que nos termos do mencionado artigo nunca a impugnação deste ponto poderia ser admitida e apreciada.

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VI. Da alegada existência de fundamento para a procedência dos pedidos formulados nas alíneas a), c) f), g) e h) da petição inicial
Com fundamento na visada alteração da matéria de facto, veio a recorrente argumentar que a ré reconheceu que a autora tem direito ao peticionado nas alíneas a), c), f), g) e h) da petição inicial, pelo que a sentença recorrida deve, nesta parte, ser revogada e devem ser reconhecidas estas pretensões da autora e a ré deve ser condenada em conformidade.
Ora, não tendo sido julgada procedente a deduzida impugnação da decisão fáctica, naturalmente que a relação causa-efeito estabelecida pela recorrente não pode proceder.
Ainda assim há que apreciar se, com arrimo nos factos provados, os pedidos formulados nas alíneas a), c), f), g) e h) da petição inicial devem proceder.
Os pedidos em causa são os seguintes:
«a) Ser reconhecido pela R. que a A. como CIT e face aos acordos coletivos celebrados em 2018, tem os mesmos direitos que os detidos pelos colegas com Contrato de Trabalho em Funções Publicas, incluindo a aplicação do acelerador de progressões, publicado em DR a 29 de Agosto de 2023. (Decreto-Lei nº 75/2023).
c) Ser a R. condenada a atribuir à A. os restantes seis pontos desde 1 de Janeiro de 2019 até Dezembro de 2023 de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 75/2023 de 29 de Agosto, e consequentemente alterar o posicionamento remuneratório da A.
f) A R. ser condenada a efetuar a atualização da remuneração da A. a partir do mês de Janeiro de 2024.
Considerando a atualização da remuneração, e a subida de escalão que a A. tem direito.
De acordo com o disposto na TRU, a mesma deveria estar atualmente no nível remuneratório 10, auferindo a remuneração mensal de € 1.017,56 (mil e dezassete euros e cinquenta e seis cêntimos) e não a de €922,47.
g) Ser a R. condenada ao pagamento do diferencial no montante de €95,09 (noventa e cinco euros e nove cêntimos) mensais relativamente à remuneração base do ano de 2024. Nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2024, a A. deveria ter auferido a remuneração mensal no montante de € 1.017,56, e ao invés auferiu no montante de €922,47.
h) Ser a R. condenada ao pagamento no montante de € 95,09 (noventa e cinco euros e nove cêntimos) por mês, relativamente aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2024, perfazendo o montante total de € 285,27 (Duzentos e oitenta e cinco euros e vinte sete euros).».

Com relevância, escreveu-se na sentença recorrida:
«A autora celebrou com o hospital integrado na ora ré um contrato individual de trabalho em 2003. De acordo com a alegação feita, tal contrato teve por objeto o desenvolvimento de tarefas de auxiliar de ação médica (sem, no entanto, na sua alegação se concretizarem quais e sem tal concretização fosse possível pela prova produzida).
Em 2015 as partes celebraram novo contrato de trabalho (que ainda vigora) e que se rege, em primeiro lugar, pelo Código do Trabalho.
Embora não tenha existido qualquer interrupção na ligação entre as partes, a verdade é que, seguindo a alegação feita, este novo contrato surgiu após novas qualificações da autora (ver ponto 1.5) e passou a ter por objeto a realização de diferentes tarefas (ver ponto 1.6), pelo que passou a autora a ter novas funções.
Em Junho de 2018 foi publicado no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE n.º 23, de 22/06/2018) Acordo Coletivo que tem aplicação a esta relação laboral (como ambas as partes defendem).
No entanto, tal IRCT apenas entrou em vigor a 1/07/2018 de acordo com o disposto nas suas cláusulas 2.ª, n.º 1, e 35.ª (estipulação que está em consonância com o artigo 519.º, n.º 1, do Código do Trabalho) e, sobretudo, apenas tem aplicação para o futuro.
Como se decidiu no Acórdão da Relação de Évora de 12/01/2023 (processo n.º 3594/21.3T8FAR.E1, acessível em www.dgsi.pt), citando Maria do Rosário Palma Ramalho:
“«Como qualquer outro instrumento normativo, os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho apenas dispõem para o futuro. Neste sentido e em consonância com o regime geral (art. 12.º nº 1 do CC), o artigo 478.º n.º 1 c) do CT estabelece que estes instrumentos não podem conferir eficácia retroativa às suas cláusulas. A exceção a esta regra geral são as cláusulas de «natureza pecuniária», que podem ter efeito retroativo.» A mesma autora identifica o que se deve entender por cláusulas de natureza pecuniária: «De facto, o que está aqui em causa são apenas as cláusulas de conteúdo retributivo (i. é., cláusulas sobre retribuição em sentido estrito e respetivos complementos de natureza retributiva ou meramente remuneratória) e não outras cláusulas que tenham também conteúdo ou efeitos pecuniários (por exemplo, cláusulas sobre categorias profissionais ou cláusulas sobre sanções pecuniárias ou com efeitos pecuniários associados)».”.
Não sendo aplicável esse instrumento retroativamente, também a avaliação de desempenho aí prevista só passa a ser aplicada para o futuro, ou seja, a partir de 1/07/2018.
Nesse sentido, decidiu-se no Acórdão da Relação de Guimarães de 16/03/2023 (processo 247/22.9T8BCL.G1, acessível em www.dgsi.pt):
“O desenvolvimento da carreira estava apenas prevista para trabalhadores com vínculo de emprego público, consagrando-se quanto a eles um direito de desenvolvimento de carreira por alteração de posicionamento ou promoção (“…4 - Todos os trabalhadores têm direito ao pleno desenvolvimento da respetiva carreira profissional, que pode ser feito por alteração de posicionamento remuneratório ou por promoção.”- art. 82º; “Os trabalhadores estão sujeitos ao regime de avaliação do desempenho constante do diploma próprio …”-89º; “Para além dos efeitos previstos no diploma que a regulamenta, a avaliação do desempenho dos trabalhadores tem os efeitos previstos na presente lei em matéria de alteração de posicionamento remuneratório na carreira,…”- 91º LGTFP).
O diploma referente ao sistema integrado de avaliação de desempenho dos trabalhadores da Administração Pública consagra que: “1 - A avaliação do desempenho individual tem, designadamente, os seguintes efeitos:… e) Alteração de posicionamento remuneratório na carreira do trabalhador e atribuição de prémios de desempenho, nos termos da legislação aplicável”)- art. 52º Lei 68-B/2007, de 28-12.
Mas o diploma só é aplicável os trabalhadores da Administração Pública com relação jurídica de emprego público e, ademais, exclui do seu âmbito de aplicação as entidades públicas empresariais - art 2º, nº 3, e nº 4, c), Lei 68-B/2007, de 28-12.
Não é assim extensível aos AA.
Se a ré fez algumas avaliações anteriores a alguns dos AA [no caso, a todos os autores],fê-lo sem obrigatoriedade legal e nenhuma consequência daí se pode extrair, à falta de outros elementos, sendo um instrumento de gestão empresarial e na sua disponibilidade.”
Com efeito, a cláusula 10.ª do ACT de 2018 cuja aplicação se vem fazendo estabelece:
“A avaliação de desempenho dos trabalhadores abrangidos pelo presente AC fica sujeita, para todos os efeitos legais, incluindo a alteração do posicionamento remuneratório, ao regime vigente para os trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados em carreiras gerais, com as devidas adaptações.”
Ora, fica sujeita precisamente porque até então não o estava, isto é, não havia norma legal (lato sensu) que o impusesse.
E porque assim é, só pode regular as avaliações que se realizaram/venham a realizar desde a respetiva data de entrada em vigor – 01.07.2018 – para futuro.
Donde, a razão da ré ao pretender que para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório, os pontos obtidos no âmbito do processo de avaliação de desempenho se contarão apenas a partir da data da entrada em vigor do ACT.
Aliás, se assim não fosse, abrir-se-ia seguramente o flanco a novas situações de injustiça relativa pois aqueles trabalhadores a quem a entidade empregadora (a aqui ré ou outra entidade subscritora do mesmo ACT) não tivesse efetuado as mencionadas avaliações ficariam prejudicados relativamente aqueles a quem a entidade empregadora, embora não obrigada, tivesse realizado avaliações de desempenho de acordo com o regime vigente para os trabalhadores com vínculo de emprego público e por isso obtido os pontos necessários à alteração do posicionamento remuneratório.”
Assim, apesar de a ora ré ter procedido a classificação da autora em 2008, 2009, 2010 e biénio de 2017/2018, a verdade é que só a partir de 2018 a autora passou a estar sujeita a classificação, pelo que os pontos obtidos anteriormente não são contabilizáveis.
A partir de 2008, a progressão na carreira e na remuneração dos trabalhadores com contratos de trabalho em funções públicas passou a reger-se pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (diploma que não prevê alterações automáticas pelo decurso do tempo, pois as alterações do posicionamento remuneratório estavam dependentes de regras especiais de opção gestionária, avaliação de desempenho e outras). Mas só a partir de 2018 essas regras passaram a aplicar-se aos trabalhadores com contrato individual de trabalho.
E, ao contrário do defendido pela autora, ao seu caso particular não se aplica o regime da reconstituição e progressão estabelecida no artigo 23.º da Lei n.º 114/2017 de 20 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2018). Como se decidiu no citado Acórdão da Relação de Évora de 12/01/2023:
“antes do AE de 2018, não existia IRCT que estabelecesse qualquer direito de progressão obrigatória na carreira dos Apelantes, contratados em regime de contrato individual de trabalho.
Tal progressão também não se mostrava prevista em qualquer lei, regulamento interno ou nos próprios contratos de trabalho. Por conseguinte, não se verificava qualquer situação de congelamento da carreira a que se aplicasse o artigo 23.º da LOE/2018”.
Neste sentido ver, também, Acórdão da Relação de Coimbra de 08/09/2021 (processo n.º 4227/19.3T8VIS.C1, acessível em www.dgsi.pt): “o artigo 23.º e, igualmente, o artigo 18.º, da LOE/2018, «inscrevem-se no chamado descongelamento das carreiras públicas que se encontravam congeladas desde a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011)»”.
A pretensão da autora no sentido de ser a Ré condenada ao pagamento dos acréscimos remuneratórios correspondentes à posição remuneratória em que a mesma deveria ter sido posicionada na sequência da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2018 não pode, por isso, merecer acolhimento.
Não está, por outro lado, preenchido o requisito de aplicação dos artigos 24.º, n.º 1, e 270.º do Código do Trabalho, na medida em que não se provou estar a trabalhadora identificada (ver ponto 1.22 dos factos provados) em igualdade de situação com a autora, designadamente em relação à antiguidade e, sobretudo, às funções desempenhadas, pelo que com esse fundamento também não pode proceder a pretensão da autora.
Por outro lado, para produzir efeitos a 1/01/2024 (e entrada em vigor a 30/08/2024), foi publicado o D.L. 75/2023, de 29 de Agosto que estabeleceu uma redução do número de pontos necessários para alteração obrigatória do posicionamento remuneratório dos trabalhadores com vínculo de emprego público.
Este regime, por força de anterior IRCT (já referido), poderia abranger a autora: a mesma tem mais de 18 anos de exercício ininterrupto de funções para a ré, como esta não deixa de reconhecer (apesar de a autora, como parece claro, não estar integrada numa carreira desde o início).
No entanto, de acordo com o disposto no artigo 156.º, n.º 7, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (aprovada pela Lei 35/2014, de 20 de Junho), conjugado com o disposto no artigo 50.º da Lei 66-B/2007, de 28 de Dezembro, perante o que resultou provado (ver ponto 1.18 dos factos provados) a autora desde 2018 (data em que, por força do IRCT referido, se passa a aplicar o sistema de avaliação) acumulou duas classificações intermédias (o que equivaleria a 1,5 + 1,5 pontos) e uma classificação máxima (que equivaleria a 2 pontos), pelo que não está preenchido o requisito do artigo 3.º, n.º 1, do D.L. 75/2023, de 29 de Agosto.
Deve, por isso, improceder a sua pretensão.»

Vejamos,
O Decreto-Lei n.º 75/2023, de 29 de agosto, veio estabelecer um regime especial de aceleração do desenvolvimento das carreiras dos trabalhadores com vínculo de emprego público e começou a produzir efeitos a partir de 1 janeiro do presente ano de 2024.
Eis o que prescreve o diploma:
«Artigo 1.º
Objeto
O presente decreto-lei estabelece um regime especial de aceleração do desenvolvimento das carreiras dos trabalhadores com vínculo de emprego público.
Artigo 2.ª
Âmbito
São abrangidos pela medida especial a que se refere o artigo anterior os trabalhadores com vínculo de emprego público integrados em carreira que, à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, reúnam os seguintes requisitos cumulativos:
a) Efetuem a alteração obrigatória de posicionamento remuneratório em razão de pontos acumulados nas avaliações do desempenho;
b) Detenham 18 ou mais anos de exercício de funções integrados em carreira ou carreiras, abrangendo os períodos compreendidos entre:
i) 30 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007;
ii) 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017.
Artigo 3.º
Redução do número de pontos necessários para alteração obrigatória do posicionamento remuneratório
1 - Os trabalhadores que, no ano de 2024 ou seguintes, acumulem seis ou mais pontos nas avaliações do desempenho relativas às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram alteram o seu posicionamento remuneratório para a posição remuneratória seguinte à detida.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, quando os trabalhadores tenham acumulado mais do que seis pontos, os pontos em excesso relevam para efeitos de futura alteração do seu posicionamento remuneratório.
3 - A redução do número de pontos necessários para a alteração obrigatória do posicionamento remuneratório a que se refere o n.º 1 é aplicável apenas uma vez a cada trabalhador.
4 - A alteração do posicionamento remuneratório produz efeitos a 1 de janeiro do ano em que o trabalhador acumule o número de pontos necessários para a alteração obrigatória do posicionamento remuneratório a que se refere o n.º 1.
Artigo 4.º
Produção de efeitos
O presente decreto-lei produz efeitos a partir de 1 de janeiro de 2024.».
Nos termos do citado artigo 2.º, para que os trabalhadores possam beneficiar do mecanismo de aceleração mostra-se necessário que os requisitos aí previstos sejam cumulativamente preenchidos.
No caso que se aprecia, com arrimo nos factos provados, resulta evidente que a recorrente em 01-01-2024 já detinha 18 anos de exercício de funções integradas em duas sucessivas carreiras (Auxiliar de Ação Médica e Assistente Técnica), e trabalhou nos períodos de 30-08-2005 a 31-12-2007 e de 01-01-2011 a 31-12-2017.
Ademais, por força do Acordo Coletivo entre o Centro Hospitalar Barreiro Montijo, EPE e outros e o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos – SINTAP e outros, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 23, de 22-06-2018, passou a ter direito, a partir de 1 de junho de 2018, à alteração do posicionamento remuneratório nos termos aplicáveis aos trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados em carreiras gerais, com as devidas adaptações – cf. artigos 10.º e 35.º do AC – o que justifica que o Decreto-Lei n.º 75/2023 lhe é aplicável.
Resta então apreciar se em razão dos pontos acumulados pela recorrente nas avaliações de desempenho ocorre a obrigatória alteração do posicionamento remuneratório – alínea a) do artigo 2.º.
Antes de mais, importa referir que por força do estipulado no AC, a recorrente apenas tem direito à avaliação de desempenho para efeitos de progressão na carreira a partir de 01-06-2018 por força do estipulado no AC, uma vez que este não tem aplicação retroativa – cf. acórdãos da Relação de Évora de 12-01-2023 (Proc. n.º 3594/21.3T8FAR.E1), de 28-06-2023 (Proc. n.º 442/22.0T8TMR.E1), de 14-09-2023 (Proc. n.º 2989/21.7T8STR.E1) e acórdão da Relação de Coimbra de 23-02-2024 (Proc. n.º 1428/23.3T8CBR.C1), consultáveis em www.dsgi.pt.
E em função desta circunstância e conforme o disposto no artigo 50.º do regime instituído pela Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro (Sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na administração pública – SIADAP), até 01-01-2024, a mesma acumulou 8 pontos, ao abrigo do artigo 156.º n.º 7, da LTFP, na redação dada pela Lei n.º 35/2014:
. classificação do biénio 2017/2018 (Adequada): conferiu-lhe 2 pontos;
. classificação do biénio 2019/2020 (Adequada): conferiu-lhe 2 pontos;
. classificação do biénio 2021/2022 (Relevante): conferiu-lhe 4 pontos.
Aliás, constata-se que estes pontos lhe foram atribuídos pela ré/recorrida - cf. ponto 1.24 do elenco dos factos provados.
Nesta conformidade, a recorrente tem direito à progressão em razão dos pontos acumulados na avaliação de desempenho, de harmonia com o regime especial previsto no Decreto-Lei n.º 75/2023, com efeitos a 01-01-2024, devendo, desde então, ser-lhe paga a retribuição atualizada resultante da aludida progressão.
Resulta dos factos provados que em dezembro de 2023 a autora auferia a retribuição mensal no valor de € 869,84, que corresponde à 1.ª posição, nível 7, da carreira de Assistente Técnica[3].
Em função da “aceleração, a mesma a partir de 01-01-2024 passou a ocupar a 2.ª posição, nível 8, cujo vencimento mensal previsto para 2024 é de € 961,40[4].
Ficou demonstrado que desde janeiro de 2024 a recorrente se encontra a receber a retribuição mensal de € 922,47 (ponto 1.17), pelo que lhe é devida uma diferença salarial mensal de € 38,93, que perfaz até ao momento o valor de e 428,23 (38,93 x 11 meses).
Em suma, os pedidos formulados nas alíneas a), c), f), procedem, mas não há fundamento para procederem os pedidos apresentados nas alíneas g) e h) da petição inicial.
Destarte, o recurso procede parcialmente.
As custas do recurso serão suportadas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento- artigo 527.º do Código de Processo Civil.
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VII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida e declara-se parcialmente procedente a ação, condenando-se a ré:
a) A reconhecer que a autora como Centro Hospitalar Barreiro Montijo, EPE CIT e face ao Acordo Coletivo entre o e outros e o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos – SINTAP e outros, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 23, de 22-06-2018, tem, desde 01-06-2018, direito à avaliação de desempenho para efeitos de progressão na carreira em moldes idênticos ao dos seus colegas com contrato de trabalho em funções públicas, incluindo a aplicação do acelerador de progressões, previsto no Decreto-Lei n.º 75/2023, de 29 de agosto.
b) A alterar o posicionamento remuneratório da autora em razão dos pontos de avaliação de desempenho que a mesma detinha em 01-01-2024 e a atualizar a sua retribuição mensal, em conformidade com a referida alteração, para o valor de € 961,40, sendo devido à autora a diferença salarial mensal de € 38,93, que perfaz até ao momento o valor de e 428,23 (38,93 x 11 meses).
Quanto ao demais, confirma-se a sentença recorrida.
Custas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.
Notifique.

Évora, 16 de dezembro de 2024
Paula do Paço
João Luís Nunes
Emília Ramos Costa
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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa
[2] Referimos deliberadamente “nesta parte” porque mais adiante iremos apreciar uma “aparente impugnação” referida nas alegações do recurso quanto ao ponto 1.23 do elenco dos factos provados.
[3] Cf. https://www.dgaep.gov.pt///upload/catalogo/SRAP__2023_V1_nov.pdf.
[4] Cf. https://www.dgaep.gov.pt///upload/catalogo/SRAP_2024_V24_06_05_jun.pdf