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EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
VALOR DA CAUSA
Sumário
1. Os requisitos de despedimento por extinção do posto de trabalho são cumulativos e incumbe ao empregador o ónus da sua prova, determinando a falta de qualquer deles a ilicitude do acto. 2. Nesta forma de despedimento, o critério básico ou nuclear da justa causa reside na impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho, exigindo, assim, a formulação de um juízo objectivo de inviabilidade de recolocação em posto de trabalho alternativo, com análise da cadeia de decisões do empregador que conduziu à cessação do contrato de trabalho. 3. Não cumpre esse critério a decisão que: - não fundamenta a escolha do específico posto de trabalho ocupado pela trabalhadora para extinção; - não demonstra a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional da trabalhadora, em toda a estrutura organizativa da empregadora; - não efectua qualquer esforço comparativo com os demais postos de trabalho existentes na instituição e compatíveis com a categoria profissional da trabalhadora – em especial, quando revela que o está realmente em causa é a reversão da admissão da trabalhadora, decidida por uma anterior direcção; - não descreve qualquer diligência adoptada com vista à recolocação da trabalhadora. (Sumário elaborado pelo relator)
Texto Integral
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
No Juízo do Trabalho de Santarém, AA impugnou o despedimento por extinção do posto de trabalho decidido pela empregadora Associação …, IPSS.
Realizada a audiência prévia, sem conciliação das partes, a empregadora apresentou articulado motivador do despedimento, o qual mereceu a contestação da trabalhadora, formulando pedido reconvencional no sentido da declaração de ilicitude do despedimento e pagamento de indemnização substitutiva da reintegração, no valor de € 3.604,50, acrescida dos juros.
Após resposta da empregadora, realizou-se julgamento e a sentença julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a empregadora do pedido.
A trabalhadora recorre e conclui:
(…)
A resposta sustenta a manutenção do decidido.
Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ao recurso ser negado provimento.
Cumpre-nos decidir.
Da impugnação da matéria de facto
Afirmando, previamente, que a Recorrente cumpre minimamente os requisitos de impugnação da matéria de facto estabelecidos pelo art. 640.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – e tendo em atenção que “o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, como se decidiu no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2023[1] – procedamos à análise da matéria de facto impugnada no recurso.
*
Nos pontos 19, 20, 22 e 23, a sentença recorrida declarou demonstrado o seguinte: 19. “Constatando uma situação de desequilíbrio financeiro, a necessidade de melhorar as condições das valências compreendidas dentro do objecto social da ASSOCIAÇÃO …, apostando no cumprimento dos desígnios pelos quais foi constituída e a redução de os custos por forma a manter-se no mercado, a Comissão Administrativa Provisória concluiu inexistirem funções que possam ser atribuídas à Autora e, bem assim, que a mesma nunca esteve afecta ao desempenho das funções para as quais foi contratada, e, assim, pela manutenção de um posto de trabalhado com a categoria de auxiliar de acção educativa. 20. O Clube dos Saberes (actividade de ocupação para idosos), onde a Autora exerceu funções, encerrou em Agosto de 2023, porque era deficitário o seu funcionamento em cinco dias por semana, perspectivando-se, caso a Ré decida pela sua reabertura, o seu funcionamento apenas num dia por semana.
(…) 22. A Ré não dispunha, na sua estrutura, de qualquer outro posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional, perspectivando-se que os seus recursos humanos diminuam nas áreas em que tal seja possível e recomendável, quer por força das necessidades sentidas, quer por força da política perfilhada ao nível da contenção de custos. 23. A reestruturação da Ré implicou a necessidade de ajustar o quadro de pessoal, permitindo, a breve trecho, reduzir custos, combater prejuízos e reposicionando a Instituição, a par com as demais, fortalecendo as valências de forma sustentada e sustentável no futuro.”
A Recorrente afirma que a sentença recorrida não podia chegar a estas conclusões, pois nenhuma testemunha demonstrou qualquer conhecimento sobre a matéria referente à situação financeira da Ré, nem foi apresentado qualquer documento demonstrativo dessa situação.
Analisando a impugnação, estes pontos do elenco fáctico contêm afirmações conclusivas, relativas a constatações da Comissão Administrativa Provisória acerca da existência de “uma situação de desequilíbrio financeiro” – conclusão desse órgão, mas não demonstrado por qualquer documento financeiro junto ao procedimento de despedimento ou aos presentes autos – de “inexistirem funções que possam ser atribuídas à Autora”, do funcionamento do Clube de Saberes ser “deficitário” – sem que exista qualquer documento ou cálculo financeiro que o demonstre – da Ré não dispor “na sua estrutura, de qualquer outro posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional”, e que “a reestruturação da Ré implicou a necessidade de ajustar o quadro de pessoal, permitindo, a breve trecho, reduzir custos, combater prejuízos…”.
Helena Cabrita ensina que “os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta.”[2]
Está em causa nos autos um despedimento por extinção do posto de trabalho, sendo que um dos motivos invocados para esse efeito é o previsto no art. 359.º n.º 2 al. b) do Código do Trabalho – consideram-se “b) Motivos estruturais – desequilíbrio económico-financeiro…” – cabendo à empregadora alegar e demonstrar perante a trabalhadora esse desequilíbrio, quer em sede de procedimento para despedimento, quer prová-lo na respectiva acção judicial impugnatória, nos termos gerais do art. 387.º n.º 3 do Código do Trabalho.
O mesmo se diga quanto à alegação de funcionamento deficitário do Clube de Saberes, nada mais que outra conclusão, não demonstrada por qualquer documento ou cálculo financeiro justificativo de tal asserção.
Por outro lado, a inexistência de funções que possam ser atribuídas à trabalhadora, de não existência na estrutura da Ré de qualquer outro posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional, e a necessidade de ajustar o quadro de pessoal, não são mais que conclusões obtidas pelo mesmo órgão, sem que nos autos estejam alegados os factos-base que as permitam obter, nomeadamente a descrição dos postos de trabalho existentes na Ré, o quadro de pessoal existente e a impossibilidade de enquadrar a trabalhadora em qualquer outro posto de trabalho compatível com a respectiva categoria profissional.
Ouvindo os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em audiência, em especial BB, membro da direcção da Ré que contratou a A. e que cessou funções em Agosto de 2023, CC, directora de serviços da Ré desde Agosto de 2023, e DD, membro da Comissão Administrativa Provisória entre 25.08.2023 e 10.11.2023, verifica-se que a discussão fundamental incidiu acerca das circunstâncias de contratação da trabalhadora em Novembro de 2022, se esta devia ou não ter sido contratada – a primeira testemunha justificou que existia posto de trabalho destinado à A. na data da sua contratação, pois as duas estagiárias existentes ainda não tinham vínculo laboral, enquanto as restantes declararam que o posto de trabalho não estava disponível à data da contratação, por estar ocupado pelas referidas estagiárias.
Sem prejuízo de se afirmar que os contratos de formação profissional ou de estágio não geram relações de trabalho subordinado – assim decidiu esta Relação de Évora no seu Acórdão de 14.09.2023 (Proc. 1410/21.5T8BJA.E1), publicado na DGSI – o certo é que estas testemunhas nada revelaram acerca da situação financeira da Ré na data em que foi iniciado o procedimento de despedimento, nem foi junto aos autos qualquer documento financeiro ou contabilístico demonstrativo dessa situação.
O que temos são, apenas, conclusões obtidas pela Comissão Administrativa Provisória, que iniciou o procedimento de despedimento em 25.10.2023, semanas após ter celebrado contrato de trabalho com as estagiárias EE e FF – em 02.10.2023, mas reportando a antiguidade a 12.10.2022, e aproveitando essas contratações para extinguir o posto de trabalho da A..
Entendendo-se, pois, que os pontos 19, 20, 22 e 23, devem ser alterados, reflectindo apenas as conclusões da Comissão Administrativa Provisória, determina-se que passem a constar com a seguinte redacção:
19. A Comissão Administrativa Provisória da Ré concluiu que existia uma situação de desequilíbrio financeiro, que havia a necessidade de melhorar as condições das valências compreendidas dentro do objecto social da ASSOCIAÇÃO …, que devia apostar no cumprimento dos desígnios pelos quais foi constituída e na redução de custos por forma a manter-se no mercado, e concluiu também que não existiam funções que pudessem ser atribuídas à Autora e que esta nunca esteve afecta ao desempenho das funções para as quais foi contratada.
20. O Clube dos Saberes (actividade de ocupação para idosos), onde a Autora exerceu funções, encerrou em Agosto de 2023, porquanto a Comissão Administrativa Provisória concluiu que era deficitário o seu funcionamento em cinco dias por semana.
(…)
22. A Comissão Administrativa Provisória concluiu que a Ré não dispunha, na sua estrutura, de qualquer outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional da A..
23. A Comissão Administrativa Provisória decidiu reestruturar a Ré, ajustando o quadro de pessoal, pretendendo assim reduzir custos.
Fica assim estabelecida a matéria de facto provada:
1. A Ré Associação …, IPSS é uma instituição particular de solidariedade social, que tem como principais objectivos o apoio à infância, juventude, incluindo as crianças e jovens em perigo, à família, às pessoas idosas, à integração social e comunitária, a protecção social dos cidadãos nas eventualidades da doença, velhice, invalidez e morte, bem como em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou capacidade de trabalho, promoção da igualdade de género, prevenção e combate às discriminações, prevenção e combate à violência doméstica, e, como objectivos secundários a edução e formação profissional.
2. A Autora AA foi admitida ao serviço da Ré, mediante contrato de trabalho sem termo, reduzido a escrito, datado de 07-11-2022, para o exercício das funções correspondentes à categoria profissional de auxiliar de acção educativa e outras que lhe fossem afins ou funcionalmente ligadas, contra o pagamento da retribuição mensal, por último, no valor de € 801,00.
3. Aquando da sua contratação, a Ré sabia que a Autora não detinha formação profissional específica certificada para a categoria profissional para a qual foi contratada, tendo sido contratada pela sua experiência profissional e as boas referências que tinha sobre o seu desempenho.
4. A então vice-presidente da Ré, BB, amiga da Autora, informou-a que, tendo em conta que, à data, tinha dois contratos de estágio para a mesma função de auxiliar de acção educativa, até ao final dos referidos estágios, a Autora iria cumular as funções de auxiliar de acção educativa com outras funções e, a partir do fim dos estágios, passaria a exercer as funções de auxiliar de acção educativa a tempo inteiro.
5. Autora e Ré acordaram, no contrato reduzido a escrito, que, durante a vigência do contrato de trabalho, o local de trabalho seria predominantemente nas instalações da Ré em GG, podendo a Autora ser transferida para outras instalações da Ré localizadas em zona diferente sempre que necessário ao exercício da actividade e o interesse da instituição o exija.
6. A decisão de contratação da Autora não foi decidida nem apreciada em reunião de Direcção, não constando de qualquer acta, decisão ou informação que justifique ou motive a sua contratação.
7. A contratação da Autora não foi objecto de qualquer negociação ou protocolo com o IEFP, não tendo sido recebido qualquer subsídio ou incentivo para o efeito.
8. Aquando da contratação da Autora, vigoravam dois contratos de estágio profissionais celebrados entre a Ré e FF e EE, respectivamente, celebrados no dia 12/10/2022, iniciados nessa data e pelo período de 9 meses, ou seja, até 11/07/2023, para desenvolverem estágio na área de auxiliar de cuidados de crianças na creche da Ré localizada em GG.
9. A Autora prestou a sua actividade fazendo o acompanhamento da então vice-presidente da Direcção nas suas deslocações, quer no âmbito do Clube dos Saberes, quer nas deslocações com os idosos.
10. A Autora também prestou a sua actividade no economato, apenas conseguindo realizar as funções através do preenchimento manuscrito, uma vez que não sabia utilizar o computador.
11. No âmbito das referidas funções, foi proposta à Autora formação profissional em informática, o que a mesma recusou.
12. Por escrito datado 12/07/2023, a Ré e EE celebraram contrato de trabalho a termo, pelo período de 3 meses, dado o aumento do número de utentes crianças no cento de férias da Ré no período do Verão, para aquela prestar a sua actividade profissional de ajudante de educação, na creche de GG ou noutro estabelecimento situado no concelho de Santarém ou nos concelhos limítrofes, com efeitos a partir do dia 12/07/2023.
13. Por escrito datado 12/07/2023, a Ré e FF celebraram contrato de trabalho a termo, pelo período de 3 meses, dado o aumento do número de utentes crianças no cento de férias da Ré no período do Verão, para aquela prestar a sua actividade profissional de ajudante de educação, na creche de GG ou noutro estabelecimento situado no concelho de Santarém ou nos concelhos limítrofes, com efeitos a partir do dia 12/07/2023.
14. EE, no ano escolar 2012/2013, terminou o 3.º ano com equivalência ao 12.º ano do Curso Técnico de Apoio à Infância.
15. FF, no ano escolar 2017/2018, concluiu o Curso Profissional de Técnica de Apoio à Infância e obteve o ensino secundário e certificação profissional de Técnico de Apoio à Infância.
16. A Autora apenas desempenhou as funções correspondentes à categoria para a qual foi contratada durante duas semanas no mês de Julho, na creche de GG, em que esteve a substituir uma colega em período de férias.
17. A referida Vice-Presidente da Ré, BB, e toda a Direcção apresentaram demissão em Agosto de 2023.
18. A Comissão Administrativa Provisória (CAP), entretanto, nomeada em substituição da Direcção demissionária, foi confrontada com a necessidade de restruturar os serviços em função da efectiva necessidade, em cumprimento dos protocolos estabelecidos com o Instituto de Segurança Social (Entidade Tutela), com rácios de trabalhadores por valência.
19. A Comissão Administrativa Provisória da Ré concluiu que existia uma situação de desequilíbrio financeiro, que havia a necessidade de melhorar as condições das valências compreendidas dentro do objecto social da ASSOCIAÇÃO …, que devia apostar no cumprimento dos desígnios pelos quais foi constituída e na redução de custos por forma a manter-se no mercado, e concluiu também que não existiam funções que pudessem ser atribuídas à Autora e que esta nunca esteve afecta ao desempenho das funções para as quais foi contratada.
20. O Clube dos Saberes (actividade de ocupação para idosos), onde a Autora exerceu funções, encerrou em Agosto de 2023, porquanto a Comissão Administrativa Provisória concluiu que era deficitário o seu funcionamento em cinco dias por semana.
21. A Ré não podia adoptar critérios de redução de postos de trabalho dos trabalhadores afectos ao cumprimento das tarefas inerentes ao desenvolvimento do objecto social, porquanto a actividade de cariz social promovida por essas valências está protocolada com o Instituto da Segurança Social, tendo de cumprir os rácios de funcionários afectos a cada uma das valências, sendo que o posto de trabalho da Autora excede os rácios dos referidos protocolos.
22. A Comissão Administrativa Provisória concluiu que a Ré não dispunha, na sua estrutura, de qualquer outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional da A..
23. A Comissão Administrativa Provisória decidiu reestruturar a Ré, ajustando o quadro de pessoal, pretendendo assim reduzir custos.
24. O processo de restruturação interno, no seguimento da demissão de todos os elementos anteriores da Direcção, foi conhecido dos trabalhadores e associados da Ré.
25. Posteriormente ao facto referido em 16., a Autora foi colocada no Centro de Férias, apenas em funcionamento no período das férias escolares.
26. Entretanto, esse Clube de férias encerrou, não perspectivando a Ré a sua reabertura, dado o decréscimo na procura desta valência.
27. Desde então, a Autora ficou afecta à Creche do HH, executando tarefas de auxiliar de serviços gerais, uma vez inexistirem funções como auxiliar de acção educativa para lhe atribuir.
28. A Autora, sempre teve conhecimento que nunca possuiu um posto de trabalho concreto na Instituição e que o quadro do pessoal estava completo.
29. Por escrito datado 02/10/2023, a Ré e EE celebraram contrato de trabalho por tempo indeterminado, para esta prestar a sua actividade profissional de ajudante de acção educativa de 3.ª – Nível XV, na creche de GG ou noutro estabelecimento situado no concelho de Santarém ou nos concelhos limítrofes, com efeitos a partir do dia 12/10/2023, mas com antiguidade reportada ao dia 12/10/2022 por via do referido contrato de estágio profissional realizado pela trabalhadora, contra o pagamento da retribuição mensal de € 801,00.
30. Por escrito datado 02/10/2023, a Ré e FF celebraram contrato de trabalho por tempo indeterminado, para esta prestar a sua actividade profissional de ajudante de acção educativa de 3.ª – Nível XV, na creche de HH ou noutro estabelecimento situado no concelho de Santarém ou nos concelhos limítrofes, com efeitos a partir do dia 12/10/2023, mas com antiguidade reportada ao dia 12/10/2022 por via do referido contrato de estágio profissional realizado pela trabalhadora, contra o pagamento da retribuição mensal de € 801,00.
31. No dia 25-10-2023, a Ré comunicou à Autora a intenção de proceder à extinção do seu posto de trabalho, por meio de carta (datada de 23-10-2023), entregue em mão própria.
32. A Ré comunicou a referida intenção, por escrito, entregue em mão própria no dia 26-10-2023, à delegada sindical atenta a inexistência de comissão de trabalhadores, e, bem assim, à comissão sindical, por meio de carta datada de 25-10-2023, remetida no dia 27-10-2023.
33. Pela comissão sindical e delegada sindical, não foram emitidos pareceres.
34. A Autora solicitou a intervenção da Autoridade para a condições do Trabalho, o que comunicou à Ré por meio de carta datada de 31-10-2023, recebida no dia 03-11-2023.
35. No dia 08-11-2023, o senhor Inspector da ACT, (…), deslocou-se ao posto de trabalho da Autora, efectuando a respectiva inspecção.
36. No mesmo dia, deslocou-se à sede da Ré onde procedeu à notificação para entrega de todos os contratos de trabalho das trabalhadoras com a categoria profissional de auxiliar de acção educativa e auxiliares de educação, dos comprovativos das habilitações académicas e profissionais de todas as trabalhadoras, e, bem assim, da avaliação de desempenho.
37. No dia 09-11-2023, a Ré remeteu à ACT todos os documentos solicitados, esclarecendo que não se encontra implementado sistema de avaliação de desempenho das funcionárias.
38. No dia 13-11-2023, a Autora apresentou resposta escrita, não requerendo qualquer diligência de prova.
39. No dia 17-11-2023, a ACT notificou a Ré do teor da verificação dos requisitos para a extinção do posto de trabalho da Autora, emitindo o seguinte parecer: (a sentença recorrida reproduz o parecer, o que nos dispensamos aqui de o fazer, por irrelevante à decisão do recurso).
40. Por decisão de 20-11-2023, a Ré decidiu proceder ao despedimento da trabalhadora por extinção do posto de trabalho, com efeitos a partir do dia 21-12-2023 e mediante o pagamento da compensação de € 394,72, por meio de transferência bancária a efectuar nesse dia.
41. Por carta registada com aviso de recepção, remetida no dia 21-11-2023 e recebida pela A. no dia 27-11-2023, a Ré comunicou-lhe a referida decisão do seu despedimento por extinção do seu posto de trabalho com o seguinte teor: (a sentença recorrida reproduz a dita decisão, por cópia).
42. A Ré comunicou a referida decisão, por escrito, entregue em mão própria no dia 24-11-2023, à delegada sindical atenta a inexistência de comissão de trabalhadores, e, bem assim, ao sindicato por carta datada de 20-11-2023, remetida no dia 21-11-2023 e recebida no dia 22-11-2023.
43. E ainda comunicou à ACT, por meio de carta datada de 20-11-2023, remetida no dia 21-11-2023 e recebida no dia 22-11-2023.
44. A Ré pagou à Autora a retribuição mensal, demais completos legais e compensação no valor de € 394,72, por transferência bancária realizada no dia 21-12-2023.
45. A Autora procedeu à devolução da compensação em 04-12-2023, por meio do cheque número 8340609151, no valor de € 394,72, datado de 02-01-2024, emitido sob a Caixa Geral Depósitos, o qual não foi apresentado a pagamento pela Ré.
APLICANDO O DIREITO Dos requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho
O art. 368.º n.º 1 do Código do Trabalho estabelece quatro requisitos, cumulativos, para o despedimento por extinção do posto de trabalho, cujo ónus de prova incumbe ao empregador, determinando a falta de qualquer deles a ilicitude do acto.[3]
Dedicaremos a nossa atenção, em especial, ao primeiro e ao segundo, pois os constantes das als. c) e d) do n.º 1 do art. 368.º – inexistência de contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto e inaplicabilidade do despedimento colectivo – não suscitam qualquer discussão face ao manancial fáctico recolhido nos autos.
Quanto ao primeiro requisito – ausência de imputação culposa dos motivos invocados à conduta culposa do empregador ou do trabalhador – nada está apontado nos autos quanto ao incumprimento de deveres laborais por parte da trabalhadora. No que diz respeito à empregadora, “exige-se uma imputação a título de culpa, envolvendo um juízo valorativo de censura ou reprovação da actuação da entidade empregadora. Não basta a simples constatação de que as razões justificativas da eliminação do posto de trabalho se ligam à vontade do empresário. Aliás, a própria natureza dos motivos invocados envolve, as mais das vezes, a sua directa imputação à vontade do empregador.”[4]
Ora, no caso dos autos a decisão de extinguir um posto de trabalho, face à invocada situação de desequilíbrio financeiro, não pode ser considerada imprudente, arbitrária ou irrazoável[5], ou sequer totalmente inapta para, em conjunto com outras soluções, corrigir a situação vivida pela instituição.
O segundo requisito – seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – é complementado pelo n.º 4 do art. 368.º, esclarecendo que, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador.
A Lei 27/2014, de 8 de Maio, repôs a redacção original do art. 368.º n.º 4 do Código do Trabalho, depois da alteração que lhe havia sido introduzida pela Lei 23/2012, de 25 de Junho, ter sido declarada inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2013, por violação da proibição de despedimentos sem justa causa consagrada no art. 53.º da Constituição.
Para melhor compreensão do carácter nuclear deste requisito no cumprimento daquela proibição constitucional, cita-se o seguinte excerto do supra referido aresto: «O conceito constitucional de “justa causa” abrange a possibilidade de rescisão unilateral do contrato de trabalho, pela entidade patronal, com base em certos motivos objectivos, mas apenas quando estes “não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador” e “tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral” (cfr. o Acórdão n.º 64/91). Como já foi referido, decorre desta exigência que o despedimento por causa objectiva seja configurado como uma ultima ratio, o que não é compatível com a dispensa do dever de integrar o trabalhador em posto de trabalho alternativo, quando este exista. Nem é compatível, acrescente-se, com uma cláusula aberta que deixe nas mãos do aplicador-intérprete a possibilidade de casuisticamente concretizar, ou não, um tal dever. Dito de outro modo, a cláusula geral da “impossibilidade prática da subsistência do vínculo laboral” – que, no plano infraconstitucional concretiza a ideia de ultima ratio – só é constitucionalmente conforme quando se apresente negativamente delimitada, no sentido de excluir a possibilidade de dar como verificada tal impossibilidade em casos em que exista posto de trabalho alternativo e adequado ao trabalhador em causa.»
Conclui, ainda, o referido aresto que os “motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos” invocados pelo empregador para fundamentar a decisão de extinção de um posto de trabalho, «mostram-se incapazes, só por si, de fundamentar a impossibilidade da subsistência de uma concreta relação de trabalho que, em consequência daquela decisão de extinção do posto de trabalho, se mostre afectada.»
Embora se possa afirmar que não existe um dever de a entidade empregadora criar novos postos de trabalho ou proceder à reconversão profissional do trabalhador, o despedimento por causa objectiva é, por exigência constitucional, uma ultima ratio, impondo um dever de integrar o trabalhador em posto de trabalho alternativo, aproveitando ao máximo os trabalhadores excedentários. “No fundo, trata-se de afirmar algo que já resulta de princípios e regras gerais, impondo que o empregador procure, na medida das possibilidades consentidas por uma gestão racional da organização, reafectar os trabalhadores excedentários a outros postos de trabalho de que eventualmente disponha.”[6]
No caso, apurou-se que a trabalhadora despedida foi inicialmente contratada para exercer as funções de auxiliar de acção educativa, mas como existiam duas estagiárias – logo, não eram ainda trabalhadoras subordinadas da Ré – até ao final dos estágios a A. iria cumular com outras funções, o que fez no Clube dos Saberes, nas deslocações de idosos e no economato.
As duas estagiárias viram os seus estágios terminar em 11.07.2023 e foi nesse mês de Julho de 2023 que a A. desempenhou as funções de auxiliar de acção educativa, em duas semanas, substituindo uma colega de férias.
Entretanto, a Ré decidiu celebrar contratos a termo certo de três meses com as duas estagiárias, o que fez em 12.07.2023, e depois celebrar com as mesmas contratos de trabalho por tempo indeterminado, com efeitos a partir de 12.10.2023 mas fazendo a antiguidade reportar um ano antes, a 12.10.2022.
Ou seja, no momento da contratação da A. não existiam outras trabalhadoras que ocupassem o lugar para onde foi contratada, mas apenas duas estagiárias, cuja integração nos contratos da Ré foi uma decisão posterior desta, como também o foi a de fazer retroagir a sua antiguidade à data de celebração dos contratos de estágio (e assim colocando a A. na situação de menor antiguidade, sendo esse factor invocado na decisão de extinção do seu posto de trabalho, tomada no mesmo mês em que aquelas trabalhadoras foram admitidas nos quadros da instituição, com antiguidade retroagida a um ano).
De todo o modo, a decisão de despedimento nada diz acerca de quais os critérios que levaram especificamente à escolha do posto de trabalho da A. para extinção, nem efectua qualquer exercício justificativo da inexistência de outro posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional.
Note-se que está demonstrado que a A. foi admitida para exercer as funções de auxiliar de acção educativa, que esse posto de trabalho estava disponível quando foi admitida, e que desde o encerramento do Clube de Saberes e do Clube de Férias, estava afecta à creche de HH, executando tarefas de auxiliar de serviços gerais.
Ademais, a decisão de despedimento, no que respeita à inexistência de posto de trabalho compatível com a categoria e funções da trabalhadora, é conclusiva, pois não realiza qualquer tarefa de pesquisa de outros postos de trabalho na instituição que possam ser compatíveis, nem explica porque não podem ser ocupados pela trabalhadora.
Compete à empregadora o ónus de prova de todos os requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho, sendo que o relativo à impossibilidade prática de manutenção da relação de trabalho é nuclear no cumprimento da proibição constitucional de despedimentos sem justa causa, impondo a exclusão de considerar como verificada tal impossibilidade em casos em que exista, na estrutura organizativa da empregadora, posto de trabalho alternativo e adequado ao trabalhador em causa.
Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que «o cumprimento dos critérios legais exigidos para a extinção do posto de trabalho não é suficiente para garantir a licitude do despedimento, sendo, também, necessário que o empregador prove a impossibilidade da manutenção do vínculo laboral, através do dever que impende sobre ele, por ser seu ónus, de demonstrar a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador», em toda a sua estrutura organizativa.[7]
O despedimento por extinção do posto de trabalho é o culminar de “uma cadeia de decisões do empregador situadas em diferentes níveis mas causalmente interligadas: esquematicamente, uma decisão gestionária inicial, uma decisão organizativa intermédia (a extinção do posto de trabalho) e uma decisão contratual terminal (a do despedimento). (…) Mas a apreciação da justa causa reveste-se aqui de importantes particularidades. Ela incidirá (…) no nexo sequencial estabelecido entre a extinção do posto de trabalho e a decisão de extinguir o contrato, tendo de permeio o insucesso de diligências tendentes à recolocação do trabalhador. É em relação a esse nexo e a cada um dos seus elementos que deve fazer-se a verificação dos requisitos fundamentais (…), em especial a da impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho (…).”[8]
No despedimento por extinção do posto de trabalho, o critério básico ou nuclear da justa causa reside na impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho, exigindo, assim, a formulação de um juízo objectivo de inviabilidade de recolocação em posto de trabalho alternativo, com análise da cadeia de decisões do empregador que conduziu à cessação do contrato de trabalho.
No caso em apreço, a cadeia de decisões do empregador iniciou-se pela afirmação da necessidade de redução de um posto de trabalho, face a desequilíbrios financeiros detectados.
Porém, a decisão de despedimento nada concretiza acerca da situação financeira da Ré, afirmando meras generalidades, como o encerramento de serviços e a necessidade de reestruturação, mas revelando que, acima de tudo, o que está em causa é o arrependimento pela contratação da A., admitida pela anterior Direcção e que a nova Comissão Administrativa Provisória, em funções desde 25.08.2023, pretendeu reverter.
A mesma decisão de despedimento também não identifica os diversos postos de trabalho existentes e equivalentes com o da A. nem concretiza o motivo pelo qual se optou pela extinção do seu posto de trabalho – tanto mais que está demonstrado que existiam vagas disponíveis no momento de admissão da trabalhadora, as quais foram ocupadas por duas estagiárias, depois admitidas como trabalhadoras e com antiguidade retroagida a um ano.
Também não efectuou qualquer esforço comparativo com os demais postos de trabalho existentes na instituição e compatíveis com a categoria profissional da trabalhadora, nem racionalizou, de forma fundamentada, a escolha daquele específico posto de trabalho para extinção.
Finalmente, a decisão de despedimento não descreveu qualquer diligência adoptada com vista à recolocação da trabalhadora, nem concretizou, também de forma fundamentada, a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional, em toda a estrutura organizativa da instituição.
Ponderando que o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento – art. 387.º n.º 3 do Código do Trabalho – é desde logo patente que a decisão comunicada à trabalhadora não demonstra o cumprimento do requisito constante do art. 368.º n.º 1 al. b) e n.º 4 daquele diploma – ser praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – o que torna o despedimento ilícito.
Como tal, reconhece-se a ilicitude do despedimento, nos termos do art. 384.º al. a) do Código do Trabalho.
Visto a antiguidade da trabalhadora ser inferior a três anos – foi admitida em 07.11.2022 – a indemnização substitutiva da reintegração, conforme opção logo realizada da contestação, corresponderá a três meses da retribuição base (art. 391.º n.º 3 do Código do Trabalho), que não pode ser inferior à actual retribuição mínima garantida, pelo que equivale a € 820,00 x 3 = € 2.460,00.
Do valor da causa
Finalmente, revogando a Relação a sentença recorrida e julgando ilícito o despedimento, com condenação da empregadora no pagamento dos créditos decorrentes, deve dar cumprimento ao disposto no art. 98.º-P n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, fixando no acórdão o valor da causa, por só então a utilidade económica do pedido estar definida.[9]
Quanto ao valor a atribuir, aplicando a norma especial prevista no art. 98.º-P n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, deve o valor da acção ser fixado em € 2.460,00 por ser essa a utilidade económica do pedido, atendendo ao valor da indemnização reconhecida – cf. Acórdãos da Relação de Évora de 25-05-2023 (Proc. n.º 150/22.2T8SNS.E1) e de 12-10-2017 (Proc. n.º 1667/16.3T8STB.E1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt e artigo com o título “O valor da causa e o regime de custas na acção especial de impugnação judicial da regularidade e da licitude do despedimento”, de Tiago Figo, acessível www.julgar.pt.
DECISÃO
Destarte, concede-se parcial provimento ao recurso interposto pela trabalhadora, declarando-se a ilicitude do despedimento e condenando-se a empregadora a pagar-lhe uma indemnização substitutiva da reintegração no valor de € 2.460,00, acrescida de juros de mora, à taxa a que se refere o art. 559.º n.º 1 do Código Civil, desde a citação e até integral pagamento.
O valor da causa fixa-se em € 2.460,00.
Custas por trabalhadora e empregadora, na proporção do decaimento.
Évora, 16 de Dezembro de 2024
Mário Branco Coelho (relator, o qual declara que ficou vencido apenas quanto à questão do valor da causa, que teria fixado pelo montante de € 3.604,50, por ser essa a quantia certa pedida, em aplicação do disposto no art. 297.º n.º 1 do Código de Processo Civil). João Luís Nunes Paula do Paço __________________________________________________
[1] Publicado no DR, I Série, de 14.11.2023, com o sumário rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 25/2023, de 28.11.2023.
[2] In A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, 2015, págs. 106-107.
[3] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., 2016, pág. 909.
[4] Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª ed., 2017, pág. 296.
[5] Idem, ibidem, pág. 298.
[6] Pedro Furtado Martins, loc. cit., pág. 305.
[7] Acórdão de 06.04.2017 (Proc. 1950/14.2TTLSB.L1), publicado em www.dgsi.pt.
[8] António Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.ª ed., 2006, págs. 591/592, em análise a norma idêntica do art. 403.º n.º 3 do Código do Trabalho de 2003.
[9] Neste sentido, cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.10.2015 (Proc. 478/11.7TTVRL.G1-A.S1) e de 08.05.2019 (Proc. 714/15.0T8BRR.L2.S1), ambos em www.dgsi.pt.