REGISTO COMERCIAL
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
TERCEIRO
Sumário


- a presunção decorrente do art. 11º do Código de registo comercial pode ser ilidida por prova em contrário, não dependendo da declaração de nulidade do registo (nem, por isso, da declaração judicial desta nulidade).
- pode discutir-se se a tutela do terceiro que o art. 22º n.º4 do Código de registo comercial prevê, em caso de nulidade de acto de registo comercial, pode abranger acto sujeito a registo predial que foi praticado com apoio naquele registo comercial.
- porém, ainda que assim seja, tal protecção não abrange os casos em que o registo comercial assenta em facto inexistente (falsificação material do título do facto registado), em que o titular do direito em causa não teve qualquer intervenção no facto registado nem no acto negocial subsequente.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Proc. 2954/18.1T8PTM.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

I. Bellehome – Investimentos Imobiliários e Turísticos, SA, instaurou a presente acção contra AA, e EMP01... Unipessoal, Lda, alegando, no essencial, que:
- o primeiro R. falsificou actas da assembleia geral da A. e com elas inscreveu-se no registo comercial como administrador daquela, qualidade que depois usou para vender fracções da A. (fracções 1... e 2... do prédio identificado) à R. EMP01..., Lda.
- o preço nunca foi por si recebido.
Formulou, a final, os seguintes pedidos:
a) Deve ser declarada a nulidade das compras e vendas realizadas pela R. EMP01... UNIPESSOAL, LDA. à A. BELLEHOME – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS E TURÍSTICOS, S.A. das frações autónomas do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, situado no Local 1, Local 2, Urbanização 1, freguesia Local 1, Concelho Local 3, descrito na Conservatória do Registo Predial Local 3 n.º ...29, inscrito atualmente na matriz predial urbana da União das freguesias do Local 3 e Local 1 sob o artigo ...29, da fração autónoma designada pela letra 1..., piso um, apartamento número ...0 e a fração autónoma designada pela letra 2... a que corresponde o piso três, apartamento n,º ...3, frações estas inscritas e descritas nas fichas da freguesia Local 1, Concelho Local 3 n.º 1529/19... e 1529/19..., com as devidas consequências legais;
b) Deve ser ordenado o cancelamento do registo da aquisição a que corresponde a apresentação 3093 de 2018/04/09 da ficha 1529/19... e da mesma apresentação 3093 de 2018/04/09 da ficha 1529/19..., ambas da freguesia Local 1, Concelho Local 3;
c) Devendo o R. AA, ser condenado a pagar à R. EMP01... UNIPESSOAL, LDA. a quantia que dela recebeu pela compra e venda das frações autónomas identificadas.
A R. EMP01... Unipessoal, Lda, contestou, alegando, no essencial, que:
- comprou as fracções a quem, segundo o registo comercial, representava a A. e que por isso vinculou a A..
- a presunção estabelecida no registo só pode ser ilidida mediante acção de declaração de nulidade desse registo.
- a nulidade do registo (que se não discute na acção) não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade, de acordo com o art. 22º n.º 4 do Código do Registo Comercial, o que beneficia a R..
Deduziu reconvenção, para o caso de proceder a acção, alegando que a nulidade deveria levar a A. a restituir à R. a quantia paga pela R., acrescida de juros de mora comerciais, formulando o seguinte pedido:
- a Autora deve ser condenada a pagar à Ré EMP01... a quantia de € 340.610,00 (trezentos e quarenta mil e seiscentos e dez euros), a que acrescem juros de mora comerciais vencidos desde o dia 3 de Abril de 2018, data da escritura pública outorgada, até à presente data, no valor de € 33.706,39 (trinta e três mil setecentos e seis euros e trinta e nove cêntimos), e vincendos até integral pagamento, no total de € 374.316,39 (trezentos e setenta e quatro mil trezentos e dezaseis euros e trinta e nove cêntimos).

Foi depois determinada a apensação do proc. 529/19.7T8PTM, correspondente a acção intentada pela Caixa Económica Montepio Geral, SA, contra Bellehome – Investimentos Imobiliários e Turísticos, SA, e EMP01... Unipessoal, Lda, na qual aquela CEMG, SA, alegou, no essencial, que concedeu à Bellehome SA empréstimo garantido por hipoteca sobre as fracções 1... e 2... (em causa no presente processo), empréstimo esse depois ampliado e garantido, na ampliação, por nova hipoteca; o registo dessas hipotecas foi cancelado com base em documento falsificado, que não foi emitido pela A. CEMG, SA.
Terminou formulando os seguintes pedidos:
- Declarar-se a nulidade das apresentações n.ºs 1241, 1242 e 1243, referentes aos pedidos de cancelamento das apresentações 2510, 2755 e 9037, sobre fracções autónomas 1... e 2... do prédio ...29, do prédio urbano, denominado Aparthotel, sito no Local 2, “Urbanização 1”, freguesia Local 1, Concelho Local 3, descrito na Conservatória do Registo Predial Local 3, sob o n.º ...29 e inscrito na matriz sob o artigo ...29 e consequente nulidade dos averbamentos de cancelamento dessas hipotecas; e
- Ser ordenado o cancelamento dos respectivos registos de cancelamento dessa mesma hipoteca e reabilitando-se os anteriores registos de hipoteca.
Nessa acção apenas a EMP01..., Lda, contestou, tendo, em súmula, alegado que adquiriu as fracções em causa de forma regular, ignorando a situação invocada pela A. CEMG, SA.

O R. AA foi citado editalmente. Citado o MP, não apresentou contestação.
A A. Bellehome SA apresentou réplica, contrariando os argumentos da R. EMP01..., Lda, e pugnando pela improcedência da reconvenção.
Efectuou-se o saneamento da causa, foi admitida a reconvenção, e efectivadas a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
LC Asset 2, SARL, requereu a sua habilitação na posição da Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A., o que foi admitido.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
a) declara-se a ineficácia quanto à Bellehome das compras realizadas pela R. EMP01... Unipessoal, Ldª das frações autónomas do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, situado no Local 1, Local 2, Urbanização 1, freguesia Local 1, Concelho Local 3, descrito na Conservatória do Registo Predial Local 3 n.º ...29, inscrito atualmente na matriz predial urbana da União das freguesias do Local 3 e Local 1 sob o artigo ...29, da fração autónoma designada pela letra 1..., piso um, apartamento número ...0 e a fração autónoma designada pela letra 2... a que corresponde o piso três, apartamento n,º ...3, frações estas inscritas e descritas nas fichas da freguesia Local 1, Concelho Local 3 n.º 1529/19... e 1529/19...;
b) ordena-se o cancelamento do registo da aquisição a que corresponde a apresentação 3093 de 2018/04/09 da ficha 1529/19... e da mesma apresentação 3093 de 2018/04/09 da ficha 1529/19..., ambas da freguesia Local 1, Concelho Local 3;
Absolvem-se a EMP01... e o R. AA do demais peticionado pela Bellehome.
Julga-se a reconvenção deduzida pela EMP01... improcedente, da mesma se absolvendo a Bellehome.
(…)
Julga-se procedente o peticionado pela CEMG e:
a) declara-se a ineficácia quanto à CEMG, atualmente substituída ela LC Asset, das apresentações nºs 1241, 1242 e 1243, referentes aos pedidos de cancelamento das apresentações 2510, 2755 e 9037, sobre frações autónomas 1... e 2... do prédio ...29, do prédio urbano, denominado Aparthotel, sito no Local 2, “Urbanização 1”, freguesia Local 1, Concelho Local 3, descrito na Conservatória do Registo Predial Local 3, sob o n.º ...29 e inscrito na matriz sob o artigo ...29 e consequente nulidade dos averbamentos de cancelamento dessas hipotecas; e
b) ordena-se o cancelamento dos respetivos registos de cancelamento dessa mesma hipoteca e reabilitando-se os anteriores registos de hipoteca.
Absolve-se a Bellehome do peticionado pela CEMG.
Desta sentença interpôs a R. EMP01..., Lda, recurso, formulando as seguintes conclusões:
I. Com efeito, o registo por transcrição é nulo quando tiver sido feito com base em títulos falsos, dispõe o artigo 22.º n.º 1 alínea a) do Código do Registo Comercial.
II. A nulidade do registo só pode, porém, ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado, determina o artigo 22.º n.º 3 do Código do Registo Comercial.
III. Ora, a Recorrida Bellehome, na sua petição inicial, não pediu a nulidade e o consequente cancelamento dos registos de nomeação e de destituição de administrador único para ilidir a presunção legal prevista no artigo 11.º do Código do Registo Comercial.
IV. A prova produzida não tem a virtude de afastar a presunção prevista no artigo 11.º do Código do Registo Comercial uma vez que não foi pedida a declaração de nulidade do registo de nomeação do Réu AA como administrador único da Recorrida Bellehome.
V. O artigo 16.º n.º 1 al. a) do Código do Registo Predial preceitua que o registo é nulo quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos.
VI. Por sua vez, nos termos do artigo 17.º n.º 2 do mesmo diploma, a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da ação de nulidade.
VII. As invalidades referidas no artigo 17.º n.º 2 do CRPredial não se resumem apenas às que são decorrentes somente do acto de registo propriamente dito.
VIII. Entre o entendimento de que os campos de aplicação dos artigos 291.º n.º 1 do CC e artigo 17.º nº 2 do CRP são estanques e diferenciados e o entendimento que defende que a disposição normativa constante do CRP, em articulação com o artigo 16.º n.º 1 al. a) do mesmo diploma, também se aplica às nulidades substantivas, optamos, ao contrário da douta sentença recorrida, por este último entendimento.
IX. Com efeito, este entendimento é o mais claro e consonante com a letra e o espiríto da lei, aplicando-se o artigo 291.º aos casos em que não há registo prévio e o artigo 17.º n.º 2 aos casos em que esse registo existe, protegendo-se mais favoravelmente o terceiro que confiou nesse registo do que o terceiro, ao contrário do caso em que não há registo e o terceiro deixa de estar protegido no prazo de 3 anos (artigo 291.º n.º 2 do CC).
X. Pelo exposto, consideramos que a Recorrente na qualidade de terceiro de boa fé não pode ser prejudicada no caso em apreço, por força do disposto no artigo 17.º n.º 2 do Código do Registo Predial, devendo a douta sentença recorrida ser revogada, pois, só assim se fará Justiça.
A LC Asset 2, SARL respondeu, sustentando a manutenção da sentença recorrida.

II. O objecto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».
Assim, importa verificar:
- se a recorrente beneficia da presunção registal quanto ao representante da A., presunção que só poderia ser ilidida pela declaração de nulidade do registo (nulidade declarada por decisão judicial transitada).
- se a recorrente beneficia da protecção do art. 17º n.º2 do CRPredial, em termos de ficar consolidada a sua aquisição da propriedade das fracções.

III. Estão dados como provados os seguintes factos:

1- A A. adquiriu as seguintes frações autónomas de prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, situado no Local 1, Local 2, Urbanização 1, freguesia Local 1, Concelho Local 3, descrito na Conservatória do Registo Predial Local 3 n.º ...29, inscrito atualmente na matriz predial urbana da União das freguesias do Local 3 e Local 1 sob o artigo ...29:
- a fração autónoma designada pela letra 1... do dito artigo matricial piso um, apartamento número ...0, que corresponde a um apartamento tipo T3, destinado a habitação, com a área coberta de 133m2, vd. doc. 1 e 2;
- a fração autónoma designada pela letra 2... do dito artigo matricial a que corresponde o piso três, apartamento n.º ...3 que corresponde a um apartamento tipo T3, destinado a habitação com a área coberta de 141.º m2 e descoberta de 51 m2 (artº 1º da p.i. da Bellehome).
2- As referidas e supra identificadas frações autónomas do prédio urbano foram compradas pela sociedade R. EMP01... no dia 3 de abril de dois mil e dezoito (artº 2º da p.i. da Bellehome).
3- Porém, a A. não esteve representada pelo seu legal representante nas compras e vendas das ditas frações autónomas (artºs 3º da p.i. da Bellehome e 1º da resposta da Bellehome à contestação da EMP01...).
4- Existe uma “acta número ...6”, de assembleia geral da Bellehome com a data aposta de 30 de dezembro de 2017, e que tem a ordem de trabalhos composta de:
i) ponto único: nomeação de cargo de administrador único, e
ii) ponto segundo: recondução de todos os elementos da Assembleia Geral e Fiscalização (artºs 4º da p.i. da Bellehome e 2º da resposta da Bellehome à contestação da EMP01...).
5- Nessa ata da Assembleia Geral, diz-se que estava representada a integralidade do capital social e que por unanimidade se delibera a cessação da administração anterior e nomeia-se como sendo administrador único o R. AA (artºs 5º da p.i. da Bellehome e 3º da resposta da Bellehome à contestação da EMP01...).
6- Consta também dessa ata que foi por unanimidade aprovada a recondução de todos os elementos da Assembleia Geral e Fiscalização, “que se organizam da forma já exposta em anterior ata, nomeadamente a de 24 de março de 2011 e subsequente” (artºs 6º da p.i. da Bellehome e 1º da resposta da Bellehome à contestação da EMP01...).
7- Datada de 9 de março de 2018 outra vez com a representação da totalidade do capital social, sob o ponto único de adenda à ata n.º ...6, nomeadamente quanto a eleição e/ou recondução do Órgão de Fiscalização, novamente por unanimidade já manifestada na ata ...6, foi “aprovada a eleição de todos os elementos da Assembleia Geral e Fiscalização que se organizam da seguinte forma e que desempenharão as suas funções para o triénio de 2017 a 2020”, sendo o administrador único o R. AA (artºs 7º e 8º da p.i. da Bellehome e 1º da resposta da Bellehome à contestação da EMP01...).
8- A ata e a adenda, juntas aos autos como documentos nºs 6 e 7 da p.i. da Bellehome, encontram-se assinadas pelo Presidente e Secretária da Mesa da Assembleia Geral, BB e CC (artºs 9º da p.i. da Bellehome e 1º da resposta da Bellehome à contestação da EMP01...).
9- Essa assembleia geral e a continuação que foi denominada de adenda à assembleia geral nunca ocorreram e nunca a totalidade do capital social esteve representada nessa assembleia e continuação, sendo ainda que, apesar de constar dos documentos a assinatura do Presidente BB e CC, a verdade é que nunca qualquer uma destas pessoas aí esteve presente nem assinou as ditas ata e adenda (artº 10º da p.i. da Bellehome).
10- E da lista de presenças consta, como sendo o dono de todas as ações, DD, como presente e como tendo assinado a lista, sendo também ela falsa por o senhor DD não ter estado presente e não ter assinado o que quer que fosse (artº 11º da p.i. da Bellehome).
11- Com base na ata 16 e adenda (sendo que a verdadeira ata nº 16 da A. corresponde a uma ata de 22 de setembro de 2012), o R. AA procedeu ao registo da ata e passou a figurar inscrito no registo como administrador único da sociedade Bellehome (artºs 12º da p.i. da Bellehome e 15º e 36º da contestação da EMP01... à sua p.i.).
12- Com base nessa ata falsificada, duma assembleia geral que não existiu, e que não foi assinada pelas pessoas que constam como a tendo assinado, o R. AA, em falsa
representação da Bellehome e sem poder para tal, por não ser legal representante da sociedade, vendeu à R. EMP01... UNIPESSOAL, LDA., representada por EE, no Cartório Notarial 1, em Local 4, sito na Rua 1, Código Postal 1 Local 4, as frações autónomas propriedade da A. e do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, situado no Local 1, Local 2, Urbanização 1, freguesia Local 1, Concelho Local 3, descrito na Conservatória do Registo Predial Local 3 n.º ...29, inscrito atualmente na matriz predial urbana da União das freguesias do Local 3 e Local 1 sob o artigo ...29, a fração autónoma designada pela letra 1..., piso um, apartamento número ...0 pelo montante de € 167.020,00 (cento e sessenta e sete mil e vinte euros) e a fração autónoma designada pela letra 2... a que corresponde o piso três, apartamento n,º ...3 pelo montante de € 173.590,00 (cento e setenta e três mil e quinhentos e noventa euros), frações estas inscritas e descritas nas fichas da freguesia Local 1, Concelho Local 3 n.º 1529/19... e 1529/19..., sendo que o R. AA declarou que vendia, livre de ónus ou encargos, à Ré EMP01..., os ditos imóveis e o representante da Ré EMP01... declarou que aceitava a transmissão das frações, nos termos exarados, livre de ónus ou encargos (artºs 13º da p.i. da Bellehome e 4º a 8º, 10º, 27º, 28º e 54º da contestação da EMP01... à p.i. da Bellehome e 2º e 8º a 15º da contestação da EMP01... à p.i. da CEMG).
13- As frações autónomas foram vendidas por quem usou do ardil de se fazer passar por legal representante da Bellehome, sem ter poderes de representação da mesma (artº 14º da p.i. da Bellehome).
14- Apesar de constar da escritura de compra e venda que o pagamento foi efetuado no dia 22 de março de 2018 com os cheques sacados sob o Banco Santander com os números ...24 e ...25, o dinheiro das compras e vendas nunca foi usado na sociedade, nem entrou na caixa social da A., sendo que o R. AA não lhe pagou o dinheiro, das compras e vendas (artºs 17º da p.i. da Bellehome e 5º a 7º da resposta da Bellehome à contestação da EMP01...)
15- A A. soube deste episódio por informação de terceiros e intentou de imediato processo-crime (artº 18º da p.i. da Bellehome).
16- À data da venda, na certidão permanente da Bellehome constava como administrador único o Réu AA, designação que foi registada
pela apresentação n.º 156 de 1 de março de 2018 (artºs 12º, 15º e 36º da contestação da EMP01... à p.i. da Bellehome).
17- Consta da certidão permanente da Bellehome que esta se vincula pela assinatura do administrador único (artº 13º da contestação da EMP01... à p.i. da Bellehome).
18- Consta também da certidão permanente da Bellehome junta nos autos com a petição inicial como documento nº 9 que o R. AA cessou as suas funções de administrador único da Bellehome no dia 20 de julho de 2018, a tal correspondendo a apresentação n.º 187 de 25 de julho de 2018, estando mencionado em tal documento encontrar-se ainda “pendente” o registo de cessação de funções e não se
mencionando a causa dessa cessação (artºs 16º a 19º da contestação da EMP01... à p.i. da Bellehome).
19- O Réu AA invocou essa qualidade de administrador único com a exibição da certidão permanente da Bellehome onde constava a sua designação (artºs 27º e 28º da contestação da EMP01... à p.i. da Bellehome).
20- A Bellehome é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras atividades, à compra e venda de prédios urbanos e a revenda dos adquiridos para esse fim, conforme se pode aferir pela análise da certidão permanente (artºs 29º e 30º da contestação da EMP01... à p.i. da Bellehome).
21- No âmbito da sua atividade de instituição de crédito, a Caixa Económica Montepio Geral celebrou com a Bellehome um contrato de mútuo com hipoteca e fiança (artº 1º da p.i. da CEMG).
22- Através do qual a Caixa Económica Montepio Geral concedeu à Bellehome, a título de mútuo, o montante de € 800.000,00 (oitocentos mil euros), destinado à aquisição de oito frações e outros investimentos (artº 2º da p.i. da CEMG).
23- Pelo prazo de 4 (quatro) anos a contar da data de outorga do contrato (26 de junho de 2014) (artº 3º da p.i. da CEMG).
24- Tendo sido constituídas, para garantia do aludido empréstimo, hipotecas a favor da Caixa Económica Montepio Geral, designadamente, entre outras, sobre as frações
autónomas “I” e “Q” (artº 4º da p.i. da CEMG).
25- Frações autónomas estas, que fazem parte do prédio urbano, denominado Aparthotel, sito no Local 2, Urbanização 1, freguesia Local 1, Concelho Local 3, descrito na Conservatória do Registo Predial Local 3, sob o número ...9 - Local 1, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...29 (artº 5º da p.i. da CEMG).
26- Sobre o qual já incidia uma hipoteca a favor da Caixa Económica Montepio Geral (Ap. ...10, de 02/05/2013, que se manteve) (artº 6º da p.i. da CEMG).
27- Tendo o mútuo celebrado sido objeto de um adicional, celebrado entre a Caixa Económica Montepio Geral e a Bellehome em oito de abril de dois mil e quinze (artº 7º da p.i. da CEMG).
28- Em cujos termos a CEMG ampliou o crédito concedido à Bellehome, em € 132.500,00 (cento e trinta e dois mil e quinhentos euros), passando o mútuo concedido à
Bellehome a ser no montante de € 932.500 (novecentos e trinta e dois mil e quinhentos euros) (artº 8º da p.i. da CEMG).
29- Tendo sido constituída, para garantia da ampliação do montante mutuado, nova hipoteca sobre várias frações, designadamente as frações 1... e 2..., como consta dos documentos nºs 3 e 4 que se juntaram com a petição da CEMG (Ap. ...37, de 22/04/2015) (artº 9º da p.i. da CEMG).
30- Sobre a já referida hipoteca impende averbamento de cancelamento parcial no que respeita às frações autónomas 1... e 2... do prédio ...29 (artº 10º da p.i. da CEMG).
31- Cancelamento esse resultante das seguintes apresentações:
a. Ap. ...41 (referente à Ap. ...10);
b. Ap. ...42 (referente à Ap. ...55); e
c. Ap....43 (referente à Ap. ...37);
d. Todas de 08/01/2018 (artº 11º da p.i. da CEMG).
32- Porém, nem a Caixa Económica Montepio Geral recebeu o pagamento devido pelo alegado cancelamento das hipotecas pendentes sobra as aludidas frações – cujo valor, à altura das apresentações referidas, seria de € 1.004.974,35 (um milhão, quatro mil, novecentos e setenta e quatro euros e cinco cêntimos) (artº 12º da p.i. da CEMG).
33- Pagamento esse que seria condição sem a qual a CEMG não concederia o distrate parcial das hipotecas em causa (artº 13º da p.i. da CEMG).
34- Quantia aquela em que a Caixa Económica Montepio Geral se encontra prejudicada, cifrando-se à data de apresentação da p.i. da CEMG, no montante de € 1.074.127,34 (um milhão, setenta e quatro mil, cento e vinte e sete euros e trinta e quatro cêntimos) (artº 14º da p.i. da CEMG).
35- A Caixa Económica Montepio Geral não emitiu qualquer termo de cancelamento dessas hipotecas, que permitisse proceder ao respetivo registo junto da competente Conservatória, fosse pela EMP01..., que o apresentou, fosse por qualquer terceiro (artº 15º da p.i. da CEMG).
36- Não obstante, foi apresentado junto da Conservatória do Registo Predial Local 5 [Espaço de Registos Local 5 (Local 6)], um termo de cancelamento de hipoteca,
referentes às indicadas frações autónomas 1... e 2... do prédio ...29, supostamente assinado, que o não foi, pelo Vogal do extinto Conselho de Administração Externo da Caixa Económica Montepio Geral, Dr. FF (artº 16º da p.i. da CEMG).
37- Constando desse termo de cancelamento um reconhecimento notarial de assinatura daquele Vogal, na qualidade de procurador da Caixa Económica Montepio Geral, com poderes para o ato (artº 17º da p.i. da CEMG).
38- Reconhecimento esse efetuado por GG, “(…) inscrito na Ordem dos Notários com o n.º ...5, devidamente autorizado para este ato pela notária Lic. HH (…)”, titular daquele Cartório Notarial (artº 18º da p.i. da CEMG).
39- A Caixa Económica Montepio Geral indagou, junto da aludida Notária, em que termos e condições esse documento teria sido apresentado junto dos seus serviços (artº 19º da p.i. da CEMG).
40- Tendo a mesma informado que o documento se trataria de uma falsificação, bem como que GG nunca fora colaboradora daquele Cartório Notarial (artº 20º da p.i. da CEMG).
41- Mais se verificando do termo de cancelamento constante do documento junto pela CEMG com o nº 8 que o mesmo:
a. Não apresenta a identificação da CEMG em conformidade;
b. O carimbo aposto no suposto termo de cancelamento não é utilizado nos
serviços da Caixa Económica Montepio Geral;
c. A firma utilizada da CEMG, no pretenso termo de cancelamento, não corresponde à firma registada à data da sua emissão (que seria, desde 14/07/2017, “Caixa
Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A.”, com o capital social de € 2.420.000.000,00);
d. No canto inferior direito consta a menção “montepio.pt”, a qual não é utilizada
nos termos produzidos pela Caixa Económica Montepio Geral;
e. A assinatura do suposto representante da Caixa Económica Montepio Geral (Dr. FF), aparenta não ser do próprio, não obstante existir um
documento de reconhecimento notarial;
f. No final do documento existem referências numéricas, supostamente referentes ao n.º do pedido, ao n.º do contrato e ainda ao n.º da conta caução, que não coincidem com qualquer operação ativa na CEMG (n.ºs ...53, 120-30.00079-8 e 120-91....
constantes do termo de cancelamento fabricado) nem tão pouco do cliente em referência;
g. No que ao n.º do pedido – ...53 – diz respeito, à data de dezembro de 2017, a Caixa Económica Montepio Geral estaria a emitir termos de cancelamento com numeração na ordem dos ...00 (artº 21º da p.i. da CEMG).
42- A Caixa Económica Montepio Geral não emitiu por si ou por qualquer seu funcionário, qualquer documento hábil à prossecução dos verificados cancelamentos parciais da hipoteca pendente sobre as frações autónomas 1... e 2... do identificado prédio ...29 (artº 22º da p.i. da CEMG).
43- Os documentos que serviram de título aos supra referidos cancelamentos, foram emitidos de forma astuciosa e mediante falsificação (artº 23º da p.i. da CEMG).
44- Com recurso aos aludidos documentos falsos foram canceladas as hipotecas a favor da Caixa Económica Montepio Geral sobre as supra referidas frações autónomas 1... e 2... (artº 25º da p.i. da CEMG).
45- E posteriormente registada a aquisição das mesmas frações (Ap. ...93 de 09/04/2018, a favor da sociedade EMP01... Unipessoal, Lda. (Doc. 11., que se
junta), com base em negócio e título que a Caixa Económica Montepio Geral desconhece (artºs 26º e 27º da p.i. da CEMG).
46- O actual gerente da Ré EMP01..., II, foi nomeado para o cargo no dia 14 de setembro de 2018, conforme se pode constatar pela análise da sua certidão permanente (artº 16º da contestação da EMP01... à p.i. da CEMG).

Foram considerados não provados:
- os artºs 19º da p.i. da Bellehome, 11º e 25º da contestação da EMP01... à p.i. da Bellehome e 3º, 6º e 18º a 20º da contestação da EMP01... à p.i. da CEMG.

IV.1. Em primeiro lugar, a recorrente partindo dos efeitos do registo comercial (presunção) no que à inscrição do R. AA como administrador da A. Bellehome, SA, respeita, e ao regime dos vícios dos actos registais comerciais, e apelando ainda ao valor dos documentos autênticos, afirma que «a presunção estabelecida no registo só pode ser ilidida mediante acção de declaração de nulidade desse mesmo registo», o que não ocorreu, e assim a presunção de que o R. AA foi administrador (único) da A. Bellehome, SA, não foi ilidida nos termos previstos na lei.
De acordo com o art. 11º do CRCom., o registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida.
De acordo com o art. 22º n.º1 do CRCom., o registo é nulo nas situações elencadas nas várias alíneas daquele número, aditando o n.º3 do mesmo artigo que a nulidade do registo só pode, porém, ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado.
Como se alcança pela literalidade das normas em causa, a invocação (ou, o que vale o mesmo, a eficácia) da nulidade do registo é que depende da sua declaração por decisão judicial, nada se dizendo de semelhante quanto ao afastamento da presunção derivada do registo. A assimilação sustentada pela recorrente carece, pois, de literal apoio legal.

2. O que se confirma a partir da compreensão dos diversos âmbitos das normas em causa. Com efeito, entre estes dois regimes (art. 11º e art. 22º do CRCom.) vai pressuposta uma distinção entre o efeito do acto registal e a validade do próprio acto registal.
O efeito do registo diz respeito à garantia (relativa, porque ilidível, como se verá) que do registo deriva quanto à existência do facto registado, facto este que se não confunde com o próprio acto registal (a transcrição, no caso [1]), e facto no qual terceiros poderão, em princípio, confiar. Disso trata aquele art. 11º do CRCom., «da presunção de verdade dos factos registados».
A validade do acto registal já respeita às condições, intrínsecas ao próprio acto registal, que garantem a sua perfeição (validade). Mesmo quando se admita que os vícios substantivos do acto registado viciam o registo (máxime, nos casos do art. 22º n.º1 al. a) e, eventualmente, al. b) do CRCom.), o que está directamente em causa é a natureza viciada do acto de registo (ainda que viciado por contaminação do acto substantivo registado) e não os efeitos que a lei atribui ao acto registal. Desta viciação do registo trata o art. 22º do CRCom..
Por isso que discutir o efeito presuntivo do registo e discutir a validade (a nulidade) do registo corresponda a questões diversas, com pressupostos e condições também diversas, não havendo razão nenhuma para transpor uma condição legal de um destes regimes para o outro.

3. Decerto, a nulidade do registo afecta o valor presuntivo desse registo. Mas tal não ocorre por a invalidade ser dirigida àquele efeito presuntivo derivado do registo, mas por se destruir a própria base da presunção, que é o acto registal (sem este não há, obviamente, presunção). Por isso que se pode distinguir entre a destruição da presunção e o seu afastamento. Este supõe a vigência do registo mas a demonstração de realidade contrária àquele, aquela supõe a eliminação do próprio registo (pela declaração da sua nulidade).
Aliás, esta distinção está na base da razão de ser e do alcance da exigência de declaração judicial (transitada em julgado) da nulidade registal. Ao se exigir a declaração judicial da nulidade (transitada em julgado) visa garantir-se que o efeito presuntivo do registo se mantenha enquanto vigorar o registo, registo que só deixa de vigorar quando a nulidade for afirmada com segurança jurídica (através de decisão judicial transitada em julgado). Neste sentido, o regime em causa permite salvaguardar a presunção registal face à nulidade (não judicialmente declarada) do registo, mas já não visa regular aquela presunção em si nem criar condições específicas de afastamento da presunção, afastamento que pode ocorrer independentemente daquela nulidade e das condições de regime desta. Tal afastamento é questão de que o regime da nulidade registal não cuida.

4. Deste modo, o regime regulativo do afastamento da presunção do art. 11º do CRCom. tem que derivar de outras normas que não o art. 22º n.º3 do CRCom..
Esse regime deriva, de um lado, do próprio art. 11º do CRCom., na medida em que desta norma não decorre a existência de qualquer restrição legal à forma de afastamento da presunção que estabelece. E não existe outra norma reguladora desta presunção no CRCom.. De outro lado, aquele regime regulativo decorre também do art. 350º n.º1 e 2 do CC, o qual permite o afastamento da presunção mediante prova em contrário (do facto presumido), salvo nos casos em que a lei o proibir. Como não existe disposição legal proibitiva, é permitida a ilisão da presunção registal mediante prova em contrário. Trata-se, aliás, de asserção que se julga indisputada, quer no âmbito do registo comercial quer no âmbito do registo predial (onde a questão se coloca exactamente nos mesmos termos) [2]. E daí que se afirme também que «não existem dúvidas que as mesmas (as presunções de que o direito existe e pertence ao titular inscrito) são ilidíveis (artigo 350.º do Código Civil)» e por isso «as presunções decorrentes do registo predial [o que vale igualmente para o registo comercial] não asseguram ao titular registal a efectiva titularidade do direito publicitado» [3].

5. Ora, a A. conseguiu fazer a prova do contrário do facto registado, demonstrando que o R. AA não era seu administrador. E desta forma afastou (ilidiu) a presunção registal, ficando por isso a recorrente impedida de dela se prevalecer.
É certo que o fundamento do afastamento da presunção (falsidade material do acto registado, que equivale a uma verdadeira inexistência de tal acto) é também fundamento de nulidade do registo mas nada impede que se invoque o vício substantivo sem invocar o vício registal. Pretender o contrário equivalia a considerar indistinguíveis os dois planos (substantivo e registal) e a confundir a ilisão da presunção com a nulidade do registo e, sem razão bastante, impedir que a presunção fosse ilidida nos casos (de vício substantivo mais grave, correspondente a verdadeira inexistência) em que mais se justifica.
Assim, em termos liminares, não pode a recorrente invocar o registo do R. AA como administrador da A. Bellehome, SA, para sustentar a imputação do negócio realizado a esta A. (e assim para a vincular ao negócio). Ao invés, afastada a presunção, fica cabalmente revelado que a A. Bellehome, SA, não teve qualquer intervenção no negócio, que é para ela res inter alios acta (e por isso ineficaz) [e, apesar de posições diversas, não chega a existir um negócio inválido por falta de legitimidade do disponente pois o putativo disponente, a A. Bellehome, SA,, tem legitimidade dispositiva; sucede é que, diferentemente, ela não intervém no negócio, sendo este pura e simplesmente ineficaz - art. 268º n.º1 do CC].

6. Em segunda linha, a recorrente invoca a sua qualidade de terceira para efeitos do art. 17º n.º2 do CRPredial.
A invocação deste regime assenta num equívoco, segundo se julga.
De acordo com o n.º1 e 2 daquele art. 17º do CRPredial,
1 - A nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado.
2 - A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade.
São conhecidas as dificuldades interpretativas que rodeiam este regime, particularmente quanto ao seu âmbito de aplicação (no que vai incluída a sua delimitação face ao regime do art. 291º do CC).
Não obstante e para o que nesta sede monta, é pacífico que a regra do art. 17º n.º2 do CRPredial tutela o terceiro [4] cujo direito, registado, é afectado pela nulidade de registo anterior. Nessa medida se afirma que aquele regime «visa proteger um terceiro subadquirente, cuja posição adveio da celebração de um negócio jurídico com o titular inscrito com registo nulo» [5]. Ou seja, pressupõe-se uma situação linear, em que ao registo nulo se segue outro registo, registo este dependente do anterior registo nulo (estando com ele, aplicando um princípio registal, numa relação de trato sucessivo, significando que o direito do segundo registo foi adquirido a partir do direito inscrito no registo antecedente, nulo). E é este direito inscrito no registo subsequente que o regime em causa visa tutelar. Desta forma, o art. 17º n.º2 do CRPredial protegeria a recorrente apenas se o seu direito registado tivesse origem num precedente registo predial nulo, registo este do qual o direito da recorrente dependesse ou no qual se apoiasse. Mas não é isso que ocorre pois não se verifica a nulidade de um registo predial prévio ao registo da recorrente. Aliás, o registo que poderia estar viciado [6] é o registo de aquisição da própria recorrente, pois é nele que se projecta o vício, identificado e não impugnado, da ineficácia do negócio que titula o direito registado. Como refere Mónica Jardim, aquele «preceito visa proteger os terceiros titulares registais, adquirentes a título oneroso e de boa fé, perante a nulidade de um registo anterior que haja suportado a feitura do seu», o que não ocorre no caso, «nunca perante a invalidade própria ou não consequencial do seu próprio registo» [7], a admitir-se que também o registo a favor da recorrente é nulo.
Assim, e deste ponto de vista, a invocação tout court do regime do art. 17º n.º2 do CRPredial não é ajustada ao caso nem idónea a tutelar a posição da recorrente (razões análogas tornam também inaplicável o art. 291º n.º1 do CC pois o acto substantivo autonomamente viciado é o próprio acto em que a R. intervém, enquanto aquele art. 291º n.º1 supõe uma sequência de transmissões na qual se protege o acto subsequente ao acto viciado [8], e não o próprio acto viciado - decerto por isso a recorrente não invoca este artigo como título de protecção).

7. O que se verifica é que o registo anterior que estaria viciado não seria um registo predial aquisitivo (máxime, o registo aquisitivo prévio ao registo da recorrente) mas um registo comercial. Seria, com efeito, o registo (por transcrição) do R. AA como administrador da Bellehome, SA, que estaria viciado por assentar em documentos falsos (art. 3º n.º1 al. m), 53º-A n.º 1 e 3 al. a), esta alínea a contrario, e 22º n.º1 al. a) do CRCom).
A protecção que desse registo viciado poderia advir para a recorrente estaria prevista no referido n.º4 daquele art. 22º do CRCom. (norma que a recorrente ainda invoca mas cuja mobilização está de qualquer modo contida nos poderes do tribunal), com redacção idêntica à da norma paralela do art. 17º n.º2 do CRPredial: A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade.
Trata-se de situação em que, existindo um registo nulo, um terceiro (de boa fé) adquire (onerosamente) com base nele direitos: a inscrição comercial dotada de fé pública faz correr contra o seu beneficiário os riscos de toda a subsequente negociação comercial [9]. Como refere J. Engrácia Antunes, «sempre que um terceiro atue juridicamente com base num direito ou facto registado, desde que tal atuação seja realizada a título oneroso e no desconhecimento da desconformidade registal com a realidade substantiva subjacente (v.g., por ter sido efetuado com base em documentos falsos, enfermar de omissões ou inexatidões), aquele poderá prevalecer-se do registo nulo (art. 22.º do CRC) ou meramente inexato (art. 23.º do CRC) com fundamento na pura aparência registal (salvo se o registo da ação de nulidade for anterior ao registo do ato desse terceiro)» [10].
Este regime, como, aliás, o regime do art. 17º n.º2 do CRPredial, supõe que o facto aquisitivo subsequente, atinente ao terceiro de boa fé, está também sujeito a registo e foi registado, pois é este registo que protege o terceiro. Também porque, a não ser registado (ou registável), o registo da acção de nulidade tende a impedir o efeito derivado daquele art. 22º n.º4 do CRCom.. É o registo subsequente ao registo nulo que consolida a posição do adquirente.

8. Quanto à delimitação deste registo subsequente consolidante, o alcance daquele art. 22º n.º4 do CRCom. pode suscitar reservas.
São possíveis duas formas distintas de entender este art. 22º n.º4 do CRCom..
Uma, partindo do sentido literal e sobretudo sistemático da norma, e na linha do significado do art. 17º n.º 2 do CRPredial (lugar paralelo análogo), entende aquele art. 22º n.º4 do CRCom. a partir da relação a estabelecer entre dois actos registais sucessivos, dentro do registo comercial, em que o segundo é efeito da transferência do direito inscrito no primeiro. A relação estabelecia-se assim entre actos registais comerciais que traduziam a transferência do mesmo direito (ou facto jurídico) de um titular para outro, tutelando-se aquele que viu o registo do seu direito afectado pela invalidade do registo precedente desse direito (registo esta a favor do transmitente). Tratar-se-ia de uma relação de filiação directa entre registos, em que o registo salvaguardado constituía o resultado registal da transferência do direito (ou facto jurídico) constante do anterior registo invalidado. Neste sentido, a norma apenas protegia os actos de aquisição onerosa por terceiros de boa fé de direitos indevidamente inscritos no registo comercial. A ser assim, é evidente que a norma em causa não protege a recorrente pois o registo viciado (nomeação de administrador) não incorpora o direito de propriedade que aquela quer ver consolidado, pelo que este direito e o seu registo, situado fora do registo comercial, não tem uma relação directa com o registo comercial viciado (não derivam directamente dele) e não se mostra por isso tutelado por aquele art. 22º n.º4.

9. Podia ainda fazer-se uma leitura mais ampla e actualista daquele art. 22º n.º4 do CRCom., admitindo-se uma relação entre os registos em causa que não exigisse a existência de uma relação de filiação estrita entre registos (e factos registados), bastando uma relação de dependência em sentido amplo, admitindo igualmente que o novo facto subsequente podia ter natureza diversa [e registo diverso] do facto anterior cujo registo se mostra viciado. Isto levando em conta que o âmbito do registo comercial é muito diferente do campo do registo predial (e assim da norma paralela do art. 17º n.º2 do CRCom.). Enquanto o registo predial visa publicitar a situação jurídica de prédios, tendo um âmbito bem definido (só interessam actos, e certos actos, que se projectam necessariamente em prédios determinados numa sequência precisa de registos), aquele registo comercial constitui essencialmente um «registo de pessoas que se organiza a partir da consideração dos sujeitos singulares ou coletivos por ele abrangidos» (Engrácia Antunes), envolvendo uma grande diversidade de actos, com naturezas muito diversas, podendo projectar-se em factos externos ao registo comercial muito variados. Todos aqueles actos estão sujeitos a registo como condição de eficácia em relação a terceiros. Não obstante, apenas parte deles, os actos registáveis por transcrição, gozam do efeito presuntivo do registo (art. 53º-A n.º1 e 14º do CRCom.). Em conformidade, dada a actual limitação da nulidade registal aos actos registados por transcrição, e atento o carácter limitado destes actos (mesmo art. 53º-A n.º1 do CRCom.), são difíceis de descortinar situações que, neste âmbito limitado, envolvam terceiros, i. é, em que terceiros adquiram direitos registáveis no registo comercial por efeito da transmissão da posição contida em acto anterior (trato sucessivo) [11]. Ou seja, não é, no âmbito do registo comercial por transcrição (nas sociedades comerciais [12]), fácil antecipar situações típicas de subadquirente (análogas ao registo predial) [13], tendo os factos registais por transcrição uma irradiação mais ampla e difusa [14]. Considerando também que o art. 22º n.º4 em causa não limita os seus efeitos aos actos sujeitos a registo comercial, não distingue em função da natureza ou tipo do acto negocial subsequente ou do registo consolidante, nem existe regra clara que delimite esses efeitos em termos estritamente comerciais, poderia admitir-se que no regime do art. 22º n.º4 do CRCom. não está em causa uma pura relação entre actos sujeitos a registo comercial, podendo dele beneficiar actos registáveis no registo predial, que encontrem ainda fundamentação no acto comercial registado (ao que a noção de terceiro para o registo comercial, entendendo o terceiro como aquele que não seja parte no facto sujeito a registo viciado [15], se não oporia).
A ser assim, e diversamente do que ocorre no registo predial, em que a relação se estabelece entre actos registais sucessivos, aqui a correlação podia estabelecer-se entre o acto comercial registado e actos negociais subsequentes que se filiam naquele, pois nele encontram legitimação. Estes actos subsequentes podem dar lugar a actos registáveis (donde, aliás, a ressalva da parte final do art. 22º n.º4 do CRCom.), mormente actos negociais sujeitos a registo predial, actos estes que poderiam ser afectados pelo vício do registo comercial: também aqui, o vício de um registo afectaria um registo que dele, em sentido amplo, derivou.
Deste modo, a aparência criada pelo registo de nomeação de administrador da A. Bellehome, SA, poderia beneficiar a recorrente, que adquiriu os bens com base nesse facto registado: sendo terceira face ao registo viciado (por não ser parte no facto sujeito a registo) não lhe seria oponível a nulidade do registo (de nomeação), e assim poderia consolidar-se a sua aquisição por esta se mostrar assente no facto registado que garantia que quem vendeu representava e vinculava a A. Bellehome, SA..
Mas também esta leitura, a admitir-se, não conseguiria suportar a pretensão da recorrente.

10. Assim é porque a declaração judicial (transitada em julgado) de nulidade do registo viciado constitui condição primeira ou inicial do funcionamento do regime em causa (por isso começa a norma por se referir à declaração de nulidade de um registo como evento desencadeador da sua estatuição), e tal declaração de nulidade não existe.
Como refere M. Cordeiro, «o terceiro que pretenda prevalecer-se da nulidade do registo, invocando-a, terá que munir-se da sentença prevista no art. 22.º/3» do CRCom. [16]. É certo que se admite que a nulidade do registo possa ser invocada na própria acção em que se quer fazer valer [17], mas não é o caso pois aquela nulidade não foi invocada para efeitos de ser declarada judicialmente. E também se admite que possa ser invocada por via de excepção, incidentalmente em acção pendente, com vista a ilidir a presunção registal [18]. Tal solução pode mostrar-se ajustada, mas concita duas observações. De um lado, para reiterar que a ilisão da presunção registal não depende, como se referiu, da declaração de nulidade do registo, bastando a demonstração dos factos que contrariam tal presunção (ainda que através da demonstração de vício do negócio registado que configure simultaneamente uma causa de nulidade do registo). É certo que deste modo a regra da ininvocabilidade, salvo declaração judicial, da nulidade do registo se torna menos premente mas este é o efeito natural do vício do facto registado (distinto do acto registal) e da natureza da presunção. De outro lado, e a pretender-se ir mais longe (sustentando a possibilidade de uma declaração incidental da nulidade, por via de excepção, em acção em que simultaneamente se pretende aproveitar os efeitos de tal nulidade), essa declaração teria que ser obtida no quadro do art. 91º n.º2 do CPC. Pois, caso contrário, a apreciação da nulidade registal não formaria caso julgado material [19], não sendo objecto de declaração judicial e assim não serviria para eliminar o registo, e abria-se a brecha no sistema registal que a regra do art. 22º n.º3 do CRCom. quer evitar: a nulidade do próprio registo podia ser invocada, sem declaração judicial e sem a formação de título que permitisse eliminar o registo (criando-se uma situação de incerteza, em que o registo - diferente do facto registado - era simultaneamente válido em geral, porque subsistente, e inválido em particular, no âmbito das partes da acção). Condição esta que corresponde também à obrigatoriedade do registo da acção de nulidade decorrente dos art. 9º al. f) e 15º n.º5 do CRCom..
É que a lógica inerente ao sistema pretende que o registo produza todos os seus efeitos até ser declarado nulo por decisão judicial (transitada em julgado), devendo ser como tal discutido: antes daquela decisão, a nulidade é irrelevante, valendo o registo como se de nenhum vício padecesse, embora o seu efeito presuntivo possa ser ilidido.
A recorrente, embora invoque repetidamente o art. 17º do CRPredial, nunca pediu a declaração de nulidade do registo (comercial) - sendo que, aparentemente, a recorrente até pretendeu beneficiar da falta de invocação dessa nulidade (v. art. 50º da contestação, onde sustenta que a nulidade do registo não se discute nesta sede, afirmação que repete nas alegações do recurso).
Ora, sem a declaração de nulidade do registo, não apenas falta uma condição de funcionamento do art. 22º n.º4 do CRCom., como tudo se passa como se este registo fosse válido. A proibição da invocação da nulidade sem decisão transitada em julgado visa justamente garantir a vigência do registo, com os efeitos inerentes, até àquela declaração. Assim, o registo permanece válido e apenas se discute a presunção que dele decorre.

11. É certo que consta do registo comercial que foi inscrita (rectius, averbada) a cessação de funções do R. AA como administrador da Bellehome, SA, [20] mas tal circunstância não impedia a declaração de nulidade do registo de nomeação pois aquele registo de cessação de funções não elimina a prévia nulidade registal e, sobretudo, a declaração desta nulidade teria efeitos que excedem o registo da mera cessação de funções.

12. Também se nota que não consta dos factos provados (nem foi factualmente alegado, embora existam, na alegação, várias referências à boa fé) que a recorrente desconhecia, sem culpa, a situação subjacente ao registo comercial, essencial à caracterização da sua boa fé [21], enquanto requisito da sua protecção enquanto terceiro.

13. De todo o modo, e em termos que se têm por decisivos, entende-se também que a protecção facultada pelas normas registais não cobre as situações, como a vertente, em que o facto substantivo ocorre à revelia do titular da situação jurídica - trata-se, na verdade, de verdadeira inexistência, porque o facto registado (a nomeação de administrador) nunca existiu. Seguindo-se que o negócio aquisitivo subsequente é também completamente estranho ao titular do direito, e à face de quem é, por isso, ineficaz, tudo se passando como se não existisse (é, como já se referiu, res inter alios acta: o proprietário não pode ser afectado por acto no qual não é parte).
Com efeito, o âmbito do registo, e a razão da tutela de terceiros, não pode ir ao ponto de impor ao proprietário absolutamente estranho ao acto viciado, e ao registo de tal acto, a perda do seu direito por mero efeito do registo. Tratar-se-ia, como refere Maria Clara Sottomayor, de uma forma de expropriação que a mera aparência registal não pode suportar [22]. Nestas situações, a dilucidação da questão não pertence ao regime registal mas ao regime civil. Como nota Mónica Jardim, o regime da causa (o vício substantivo) não pode ser suplantado pelo regime da consequência (o vício registal) e a inexistência nunca pode servir para conceder direitos [23]. Asserção corroborada pela consideração de outros pontos que atribuem ao registo um efeito atributivo [24]. Assim com o art. 5º n.º4 do CRPredial, do qual deriva que a tutela do registo opera contra proprietário interveniente nos actos, e, sobretudo, com o art. 291º n.º1 do CC, do qual resulta que a protecção registal só opera perante actos negociais nulos ou anuláveis (e não ineficazes) e assim, por definição, perante actos nos quais intervenha o proprietário desprotegido. Ou seja, este efeito atributivo do registo opera com base em intervenções, ainda que viciadas, do titular inscrito ou do proprietário, sendo esta intervenção que legitima a intervenção atributiva do registo. Sem ela, a atribuição seria abusiva (não parece que alguém possa acordar um dia e descobrir que, sem qualquer intervenção sua, perdeu a sua casa porque alguém falsificou a venda, a registou e revendeu a casa a terceiro, de boa fé - e sem que o proprietário tenha sequer forma de se proteger: ninguém se pode acautelar contra falsificações e, consumada a situação, inexistiria mecanismo que o tutelasse). Nunca se pretende, pois, constituir tal efeito como efeito estranho e contrário ao proprietário.
Estas considerações partem dos dados do registo predial mas valem também na situação vertente, e de forma mais acentuada, dado o distanciamento do acto registal viciado (comercial, nomeação de administrador) face aos elementos do registo predial (e seria a inscrição predial que acabaria por beneficiar da tutela derivada do art. 22º n.º4 do CRCom.). Nesta situação nem existe conexão imediata de actos registais, diferenciados e distantes, nem uma relação linear e sucessiva, tornando mais difusa a tutela que do registo comercial se queira retirar.
Assim, o art. 22º n.º4 do CRCom. protege a posição do terceiro que confiou no registo contra o vício desse registo (a declaração da sua nulidade) mas não contra a disparidade absoluta entre o registo e a situação substantiva.
Em último termo, um registo intrinsecamente nulo porque assente em facto falso (inexistente), e como o facto inscrito não chegou a ocorrer, nunca pode atribuir direitos já que o titular pode invocar a todo o tempo a inexistência do facto (e para a A. Bellehome, SA, tudo se passa como se o facto não existisse já que nenhuma relação tem consigo) e opor-se ao registo predial da R. [25]. Como o registo não pode garantir a bondade dos títulos inscritos ou do próprio acto de inscrição, a tutela destas situações resultaria na negação da finalidade de segurança jurídica das relações jurídicas que a ele preside. Como sustenta Carvalho Fernandes, «ninguém estaria seguro de não vir a perder os seus direitos, mesmo que tivesse diligentemente registado os respectivos factos constitutivos, por alguém conseguir registar um título falso e de seguida alienar o respectivo direito a terceiro. A presunção fundada no registo não pode ir tão longe» [26].
Em suma, o efeito presuntivo do registo não é absoluto. Por isso também que ninguém pode confiar em absoluto no registo. A tutela da confiança pode ser mais forte nas referidas situações tipificadas porquanto em todas elas ocorre um vício radicado na esfera jurídica do proprietário preterido (no art. 5º n.º4 do CRPredial, o primeiro adquirente não registou; no art. 291º n.º1 do CC, ocorreu um vício no negócio no qual o titular preterido intervém). O reforço do valor do registo justifica-se ainda por existir esta intervenção do titular, que o torna mais sensível ao registo. Já na hipótese do acto inexistente e do subsequente título ineficaz, a que o proprietário é absolutamente estranho, tudo se passa à revelia da sua intervenção e da sua esfera jurídica. Aqui, o reforço da tutela registal não é coerente com o absoluto distanciamento do proprietário, e proprietário que tomou medidas para se proteger registalmente e nada fez para perder essa protecção. Razões valorativas impedem que ocorra a aludida expropriação [27]. Uma sobrevalorização do registo (comercial) perante a realidade substantiva redundaria em incerteza e prejuízo do tráfico, contrariando a própria segurança que o registo visa, pois os proprietários podiam perder direitos independentemente de qualquer actuação própria (e sem qualquer forma viável de se prevenirem). Tal já não ocorre quando são sujeitos do processo que culmina na consolidação registal de direito incompatível com o seu.

14. Donde que mesmo uma leitura ampla daquele art. 22º n.º4 do CRCom. não sustentaria a pretensão da recorrente.

15. No que toca aos cancelamentos dos averbamentos de cancelamento das hipotecas registadas, a decadência do direito da recorrente (e do respectivo registo) torna inútil discutir a sua tutela face a tais actos registais: não sendo titular de direito atingido pelas hipotecas, também os cancelamentos dos cancelamentos (ou seja, a recuperação registal das hipotecas) não o afectam nem deles pode ser protegido (porque nada há a proteger).

16. Assim, improcede o recurso.

17. Decaindo, suporta a recorrente as custas do recurso (art. 527º n.º1 do CPC).

V. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Notifique-se.

Évora, 16-12-2024
António Fernando Marques da Silva
Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto
Susana Cabral

(Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico, ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redacção original).
__________________________________________________
[1] Por oposição ao depósito, outra modalidade do registo comercial e que, dada sua natureza, não tem efeito presuntivo (art. 11º do CRCom.).
[2] E seria por isso fastidioso enumerar opiniões doutrinais ou posições jurisprudenciais; não se conhece fonte que afirme o contrário do referido no texto (especificamente para o registo comercial, por exemplo, Jorge Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. I, Almedina 2011, pág. 196, ou M. Cordeiro, Manual de Direito Comercial, vol. I, Almedina 2001, pág. 329).
[3] Mónica Jardim, Estudos de direitos reais e registo predial, Anotação, Gestlegal 2018, pág. 432.
[4] A noção de terceiros não pode ser, pese embora opiniões contrárias, única para todos os efeitos registais - basta ver que o art. 5º n.º4 do CRP supõe uma relação triangular a partir de um disponente único ou comum, enquanto o art. 17º do CRPredial (e o art. 291º n.º1 do CC) supõe uma relação de actos linear (numa linha consecutiva); assim, para esta norma, terceiro será, numa formulação despida de elementos controversos, aquele que, integrando-se numa cadeia sucessiva de actos registados, vê o seu registo afectado pela invalidade do registo anterior, no qual se baseou (v., em geral, Paulo Videira Henriques, Terceiros para efeitos do artigo 5º do Código do registo predial, BFDUC, volume comemorativo, 2003, pág. 418 nota 74).
[5] Rui Ataíde, Os efeitos substantivos do registo predial, Estudos de direito civil, AAFDL 2020, pág. 207.
[6] A considerar-se que o acto que titula o registo seria falso na medida em que afirma uma representação da vendedora que não existe, embora tal não pareça corresponder ao regime do art. 372º n.º2 do CC, para a falsidade ideológica (pois tudo o que a autoridade afirma com base na sua percepção ou actuação ocorreu), e não esteja em causa uma falsidade material. Poderia ainda, em certa interpretação (em que a insuficiência do título inclui os vícios substantivos), invocar-se o disposto no art. 16º al. b) do CRPredial, dada a ineficácia do título.
[7] Mónica Jardim, Estudos de direitos reais … cit., pág. 428. Trata-se de posição pacífica (v. por exemplo José Alberto Vieira, Direitos Reais, Coimbra Editora 2008, pág. 303).
[8] O acto subsequente também está viciado (se não estivesse não necessitaria de protecção) mas esse vício assenta exclusivamente na falta de legitimação do transmitente resultante do vício substantivo do acto prévio (pelo qual o transmitente adquire o direito que transmitiu ao terceiro).
[9] M. Cordeiro, Manual de direito comercial cit., pág. 333/334.
[10] O registo comercial, ROA I-II, 2017, pág. 343.
[11] Aliás, o princípio do trato sucessivo foi eliminado do registo comercial, com a revogação do seu art. 31º.
[12] Onde ainda se podiam encontrar com mais facilidade situações elegíveis seria no âmbito dos actos registáveis do EIRL.
[13] A situação mais típica correspondia à transmissão de participações sociais, mas esta é agora registada por depósito.
[14] V. als. a), m), o), r), s) e t) do art. 3º n.º1, ex vi do art. 53º-A n.º5 al. a), a contrario, do CRCom..
[15] V. J. Engrácia, op. cit., pág. 342 nota 70.
[16] Op. cit., pág. 335.
[17] V. Ac. do STJ proc. 3696/15.5.T8AVR in 3w.dgsi.pt.
[18] V. Ac. do STJ proc. 2392/13.2TBSTB.P1.S1, in 3w.dgsi.pt.
[19] V. Miguel Mesquita in RLJ 150/89; subsistiria apenas o caso julgado formal (R. Pinto, Pareceres e consultas, AAFDL 2024, pág. 205).
[20] Facto alegado pela recorrente (art. 16º e 17º da contestação) e que consta de certidão junta ao processo. Não estando embora descrito nos factos provados, e como se usa a título argumentativo, não se mostra necessária a sua inclusão naquele elenco de factos provados.
[21] Entendida em sentido ético (desconhecimento sem culpa) e não meramente subjectivo (pois a negligência não serve para garantir a protecção). A asserção não é, porém, pacífica.
[22] Invalidade e registo, Almedina 2010, pág. 717/718 (para o art. 17º n.º2 do CRPredial mas em termos inteiramente válidos nesta sede).
[23] Op. cit., pág. 458 e 463.
[24] A expressão não será rigorosa porque o direito não deriva apenas do registo mas também do facto registado; mas tem valor descritivo e é comummente usada.
[25] Assim, para o registo predial, Mónica Jardim, op. cit., pág. 463.
[26] Lições de Direitos Reais, Quid Juris 1997, pág. 132.
[27] Também assim, Mafalda M. Barbosa, Aquisição, sucessão e protecção de terceiros: considerações a propósito dos arts. 291.º e 2076.º do CC e 17.º n.º2 do CRPred, CDP 80, pág. 17.