NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL SIMPLES COM PROVA DE DEPÓSITO
REGULARIDADE DA NOTIFICAÇÃO
Sumário

Se o arguido, estando regularmente notificado da data de realização da audiência de julgamento [bastará por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no TIR – art. 196º do CPP], faltar à mesma, sem que tenha comunicado e justificado a falta de comparência, nos termos do art. 117º nº 1, 2 e 3 do CPP, presume-se a falta injustificada (com a inevitável condenação no pagamento de multa e das despesas, conforme prevê o art. 116º do CPP), assim como que o mesmo está regularmente notificado.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1. Nos Autos de Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 298/20.8GBSSB, do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Central Criminal de …, em que é arguido, AA, em 9 de Julho de 2024, foi proferido acórdão, em cujo dispositivo final se fez constar:

“Pelo exposto supra, decidem os Juízes que compõem o presente Tribunal Coletivo:

a) ABSOLVER o arguido AA pelo cometimento, em autoria material e na forma tentada, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, n.º 1 e 145º, n.º 1, alínea a) e 2, com referência ao disposto no artigo 132º, n.º 2, alínea h) do Código Penal;

b) CONDENAR o arguido pela autoria de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, alínea c) e) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (com referência aos artigos 2º, n.º 1, alínea v), e 3º, n.º 2, alínea l), na pena de 2 (dois) anos de prisão;

c) CONDENAR o arguido pelo cometimento, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

d) CONDENAR o arguido pelo cometimento, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 272º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão;

e) Proceder ao cúmulo das penas parcelares indicadas em b, c) e d), condenando-se o arguido na pena única de 6 (seis) anos de prisão efetiva;

f) Custas e encargos penais a cargo do arguido, sendo a taxa de justiça a fixar em 3 (três) UC´s (cfr. artigos 513º, n.º 1, 514º, n.º 1 e 524º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 5 e 16º do Regulamento das Custas Processuais).(…).”

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2. Não se conformando com o teor deste acórdão, dele recorreu o arguido, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões:

“O tribunal a quo, ao não notificar regularmente o arguido, impediu-o de exercer um direito basilar e constitucionalmente garantido: o da defesa. A verdade é que, por facto que não lhe é imputável, o arguido viu-se impossibilitado de comparecer na primeira diligência, agendada para dia 11 de Junho de 2024, mas também na segunda, agendada para dia 13 de Junho de 2024, facto que constitui, smo e com o devido respeito, uma nulidade insanável, prevista na alínea c)do artigo 119º do Código de Processo Penal, que determina a invalidade da audiência realizada e, consequentemente, da sentença que condenou o arguido.

Terminou, requerendo que seja “(…) dado provimento ao presente recurso e, em consequência do mesmo, declarar-se nula a audiência de julgamento, realizada na ausência do arguido, devendo o mesmo tribunal proceder à respetiva repetição (art.º 122.º, n.ºs 1 e 2 do CPP).”

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3. O recurso foi admitido, ao mesmo tendo respondido a Digna Magistrada do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, pugnando pela sua improcedência e extraindo da respectiva resposta as seguintes conclusões:

“1ª – O Recorrente foi notificado para as duas sessões em que veio a desdobrar-se a audiência de discussão e julgamento por via postal simples com prova de depósito, para a morada por si indicada para o efeito no T.I.R. então vigente, tendo as cartas sido depositadas na correspondente caixa do correio sem posterior devolução;

2ª – A notificação para a primeira sessão é de considerar efectuada, à luz do que dispõe o nº 3 do artº 113º do C.P.P.;

3ª – No que concerne à segunda sessão, é o próprio Recorrente a reconhecer que teve conhecimento prévio do dia e da hora da sua realização, inexistindo nos autos evidências de ter comunicado ao tribunal, como afirma, a sua impossibilidade de comparência;

4ª – Por conseguinte, encontrava-se ele regularmente notificado para as duas sessões de julgamento realizadas e em que não compareceu, não se verificando, assim, a nulidade prevista na al. c) do artº 119º do C.P.P..”

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4. Subidos os autos a este tribunal, nele o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, nos termos do qual, secundando a posição da Ex.ª. Colega, junto da 1ª instância, pugnou no sentido de ser negado provimento ao recurso e pela confirmação integral do douto acórdão recorrido.

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5. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º nº 2 do CPP.

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6. Cumpridos os vistos, realizou-se a competente conferência.

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7. O objecto do recurso versa a apreciação das seguintes questões:

- Da nulidade insanável, prevista no artigo 119.º, al. c), do Código de Processo Penal, por, invocadamente, o arguido não se encontrar regularmente notificado da data designada para a realização da audiência de discussão e julgamento, designadamente das sessões referentes aos dias 11 e 13 de Junho de 2024;

- Da violação do direito de defesa do arguido.

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8. Apreciando:

Veio o arguido recorrente defender que se verifica a nulidade prevista na al. c) do artº 119º do Código de Processo Penal (CPP), por não se encontrar regularmente notificado para as duas sessões agendadas para a audiência de discussão e julgamento, designadamente os dias 11 e 13 de Junho de 2024.

Na primeira das datas, invoca o recorrente que a morada para a qual foi expedida a notificação está incorrecta, pelo que a não recebeu; na segunda data, por ter recebido a correspondente notificação no próprio dia da diligência.

Requer, consequentemente, que seja declarada a nulidade do julgamento realizado e que se proceda à sua repetição, ao abrigo do artº 122º nºs 1 e 2 do C.P.P..

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Para a apreciação das suscitadas questões importa considerar como assentes os seguintes factos, resultantes dos autos:

- O arguido prestou Termo de Identidade e Residência, em 19 de dezembro de 2023, indicando como residência a Rua … n.º …, ….

- Em 5 de Março de 2024, foi enviada notificação ao arguido, por via postal simples, para a Rua …, …, para comparecer, em tribunal, no dia 11 de Junho de 2024, às 9h15, para ser ouvido, em sede de audiência de julgamento.

- O arguido não compareceu, nessa data, à audiência de discussão e julgamento e não justificou a sua falta, tendo sido multado.

- Em 11 de Junho de 2024, foi enviada notificação ao arguido, por via postal simples, para a Rua … n.º…,… a fim de ser ouvido, em sede de audiência de julgamento, no dia 13 de Junho de 2024, às 14h30.

- O arguido recebeu a carta, nesse mesmo dia 13 de Junho, não tendo comparecido, nessa data, à audiência de discussão e julgamento, nem justificado a sua falta.

- Foi designado o dia 9 de Julho de 2024, pelas 13.30h, para leitura do acórdão.

- Foi enviada notificação ao arguido, por via postal simples, para a Rua … n.º …, …, a fim de comparecer no tribunal, nessa data, 9 de Julho de 2024, tendo o arguido comparecido a essa sessão de audiência de discussão e julgamento.

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Apreciando:

Veio o recorrente alegar que não recebeu a notificação para comparecer na sessão de julgamento, designada para o dia 11 de Junho de 2024, pelas 09h15, na medida em que a morada, para a qual a notificação foi dirigida, se mostrar incorrecta, afirmando, para o efeito, que o último dos algarismos do correspondente código postal, constante do Termo de Identidade e Residência, que oportunamente prestou, se encontra errado.

Não lhe assiste qualquer razão, pois a notificação, por via postal simples, foi expedida para a exacta morada, por ele indicada, para efeitos de notificação, no T.I.R. (fls. 549), que prestou nos autos, não tendo, posteriormente, vindo indicar nova residência, ou qualquer erro à morada que havia, anteriormente, feito constar do TIR prestado.

A notificação por via postal simples, foi depositada na caixa de correio correspondente a essa morada (a indicada no TIR), em conformidade com o disposto no nº 3 do artº 113º do C.P.P. (fls. 563 e verso), e não foi devolvida, pelo que se considera que o arguido se mostrava regularmente notificado para a data agendada para a realização do julgamento [11 de Junho de 2024].

Se, como alega o recorrente, o último dos algarismos do correspondente código postal, constante do Termo de Identidade e Residência, que, oportunamente, prestou, se mostrava errado, tal erro, só ao mesmo pode ser imputado, pois foi ele quem o indicou, para efeitos de notificação.

Se o arguido, estando regularmente notificado da data de realização da audiência de julgamento [bastará por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no TIR – art. 196º do CPP], faltar à mesma, sem que tenha comunicado e justificado a falta de comparência, nos termos do art. 117º nº 1, 2 e 3 do CPP, presume-se a falta injustificada (com a inevitável condenação no pagamento de multa e das despesas, conforme prevê o art. 116º do CPP), assim como que o mesmo está regularmente notificado.

Refere-se, a propósito, no Ac do STJ de 31.01.2008, proc 07P3272, in www.dgsi.pt: “(…) A notificação por via postal simples nos termos indicados não ofende o núcleo essencial do direito de defesa do arguido, pois as garantias de que o legislador fez rodear a possibilidade de o arguido ser notificado por essa via são de molde a considerar-se como tendo chegado à esfera de conhecimento do arguido a notificação dos actos fundamentais do processo, nomeadamente aqueles em que se exige a sua presença, máxime, o julgamento, e que, se deles não tomou conhecimento foi por culpa sua, estando ciente das suas consequências.”.

Conforme resulta dos deveres do arguido, constantes do TIR, o mesmo tem a obrigação de comparecer perante o tribunal, ou de se manter à disposição dele, sempre que a lei o obrigar, ou para tal for devidamente notificado, e comunicar àquele qualquer mudança de residência, sendo consequência desse incumprimento poder ser julgado na ausência, onde será representado pelo seu defensor (arts. 196º nº 3 al a), b) e d) e 333º de CPP).

Com efeito, o arguido tem o direito de estar presente em todos os actos processuais que lhe disseram respeito, nos termos do disposto no art. 61º nº 1 al a) do CPP, mas tal direito, se não for por ele exercido (1), não impede que se proceda a julgamento na sua ausência, desde que aquele se mostre regularmente notificado, como é o caso dos autos, sendo, para o efeito, representado pelo seu defensor (art. 196º nº 3 al d) do CPP).

Acresce, por outro lado, que é o próprio recorrente a admitir ter efectivamente recebido a notificação da data designada para a continuação do julgamento [segunda sessão – agendada para as 14.30h, do dia 13 de Junho de 2024], que se verifica ter sido dirigida para a mesma morada - a constante do TIR – cfr. Refª Citius … e fls. 601, o que, desde logo, contradiz, o por si invocado, relativamente ao erro constante na morada, para onde teria sido remetida a notificação da primeira data agendada para a realização da audiência de discussão e julgamento, impeditivo da sua convocação para tal acto.

A alegação do arguido da circunstância de a notificação para a continuação da audiência de discussão e julgamento, agendada para o dia 13 de Junho de 2024, ter sido feita, nessa mesma data, o que se afere da respectiva prova de depósito, de onde resulta que a carta foi depositada na caixa do correio, do ora recorrente, no próprio dia 13 de Junho de 2024, o certo é que, como o próprio reconhece, teve conhecimento prévio do seu teor e, contrariamente ao que invoca, não existem, nos autos, evidências de ter comunicado ao tribunal a sua impossibilidade de comparência.

Relativamente à data designada para a leitura do acórdão, mais uma vez se observa que a notificação, por via postal simples, foi dirigida para a mesma morada constante do TIR, sessão à qual o arguido compareceu, sem invocar qualquer irregularidade das notificações, anteriormente feitas para a mesma morada, desde logo, por ser, claramente, a que indicou no TIR que prestou, nos autos, assim como não requereu a sua audição, nessa sessão, nos termos previstos nos arts. 312º nº 2 e 333º nº 3 do CPP.

Com efeito, ainda que se tenha iniciado a audiência de julgamento, sem a presença do arguido [regularmente notificado, como já vimos], nos termos e para os efeitos do disposto no art. 333º nº 1 e 2 do CPP, a sua Ilustre Defensora Oficiosa não só nunca invocou a falta, ou qualquer irregularidade, na notificação do mesmo, relativamente às datas designadas para a sua realização, como não requereu que ele fosse ouvido na segunda data designada pelo tribunal, para continuação do julgamento, nos termos do nº 3 do referido preceito legal [art. 333º do CPP], nem, como já vimos, na sessão seguinte, à qual o próprio arguido, voluntariamente, compareceu, não se verificando, assim, qualquer violação do seu direito de defesa, tal como constitucionalmente consagrado no art. 32º da CRP.

Segundo o disposto no Ac do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 9/2012, de 08.03.2012, in D.R de 10.12.2012: “Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do nº 1 do art. 333º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do nº 3 do mesmo artigo.”

Em suma, no caso, como já vimos, não só o arguido se mostrava regularmente notificado das datas designadas para realização do julgamento, como, em nenhuma delas, o seu Ilustre Defensor fez uso da faculdade, prevista no nº 3 do art. 333º do CPP, termos em que não se verifica, por isso, a nulidade prevista na al. c) do artº 119º do C.P.P, nem qualquer violação do seu direito de defesa, cumprindo concluir pela total improcedência do recurso.

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- Decisão:

Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando-se o douto acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Ucs. *

(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)

Évora, aos 16 de Dezembro de 2024

Os Juízes Desembargadores

Anabela Simões Cardoso

Carla Oliveira

Edgar Valente

1 Trata-se de um direito disponível, conforme resulta do preceituado no art. 61º nº 4 do CPP.