I - Se o representante actuar dentro dos limites formais dos poderes conferidos, mas de forma contrária à finalidade da representação ou às indicações do representado, verifica-se abuso de representação, sendo igualmente ineficaz em relação a este último, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.
II - Por esse motivo, não é relevante, para obter a declaração da ineficácia da sentença homologatória da desistência do pedido, a alegação no sentido de que o mandatário se enganou e não obedeceu às instruções dos mandantes.
III - A questão colocar-se-á no âmbito do (in)cumprimento do contrato de mandato, sendo que o mandatário está adstrito à observância nomeadamente de deveres de zelo e de dedicação, recorrendo, para executar as suas funções, ao estudo e experiência adquirida, sempre com independência técnico-jurídica.
Relatora: Anabela Andrade Miranda
Adjunto: Ramos Lopes
Adjunto: João Diogo Rodrigues
Sumário
………………………………………
………………………………………
………………………………………
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I—RELATÓRIO
AA, BB, CC, DD, EE e FF, intentaram a presente ação, com processo comum, contra GG, HH, II, JJ e KK, pedindo que seja
A) julgada ineficaz a decisão sobre a desistência do pedido por parte dos Autores, pois a mesma foi só possível por manifesto abuso de representação, que não representa a vontade real e conhecida dos Autores.
E por via disso,
B) que seja reconhecido aos Autores o direito de propriedade sob o prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., sob o número ...87 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o número ...00 da aludida freguesia e fixados os limites e as confrontações do mesmo;
C)Consequentemente, condenar os Réus a restituírem, aos Autores, a referida propriedade sobre o prédio supracitado;
D) Sejam os Réus solidariamente condenados a pagar aos Autores a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora até integral e efetivo pagamento a título de pagamento do valor correspondente aos pinheiros e eucaliptos que se encontravam no prédio e que foram indevidamente cortados e vendidos pelos Réus.
Para tanto, alegaram, em resumo, que o mandatário, na acção ...57/...7.7T8ESP interposta contra os aqui Réus, agiu por mero lapso desistindo do pedido, ou seja, laborou em erro e a confusão instalou-se, o mandato não foi executado na perfeição – o que também não foi comunicado aos Autores. O resultado foi uma deficiente execução do mandato, embora os Autores acreditem que tenha sido involuntária, mas com negligência, uma vez que, não obstante os poderes especiais de desistência e de transigir estarem expressamente conferidos, ficou acordado, de forma expressa e sem qualquer margem para erro na declaração de vontade expressa dos mandantes, que o mandatário forense estava obrigado a contactar, anteriormente à tomada de uma posição, os mandantes (aqui Autores), o que não fez, pelo que actuou em abuso de representação.
Mais invocam os RR. a excepção do caso julgado e da ofensa à autoridade e eficácia do caso julgado, porquanto é seu entendimento que os AA. levantam uma questão que já foi decidida por sentença transitada em julgado.
Acrescentam a incompatibilidade de pedidos que gera ineptidão da petição inicial com a consequente anulação de todo o processado.
Terminam pedindo a procedência das excepções invocadas e, em consequência, a sua absolvição.
Caso assim não se entenda, concluem pela improcedência da acção.
Pedem ainda a condenação dos AA. em abuso de direito e em má-fé.
Em sede de acta datada de 4/12/23 os AA. vieram responder, alegando, em resumo, o seguinte: “
« (…) Os autores alegaram a existência de abuso de representação no âmbito de um contrato de mandato e eu gostaria de recordar que este abuso de representação pressupõe ao contrário do que dizem os réus de duas dimensões, a dimensão formal e a dimensão substancial, e de facto nós conseguimos perceber que aquilo que existe nestes autos, existe uma atuação dentro dos limites formais conferidos pelo contrato de mandato mas substancialmente diverge com aquilo que é vontade do dominus, isso na minha modesta opinião encontra-se presente documentalmente. O anterior mandatário Dr. LL fez constar exatamente essa mesma menção por mero lapso acabou por desistir do pedido quando o que pretendia efetivamente era desistir da instância. E como nós sabemos estando consagrada a figura de abuso de representação a consequência jurídica será necessariamente a ineficácia. Existindo ineficácia existe por consequência a inoponibilidade da decisão relativamente aos autores. Nessa perspetiva e entendendo o Tribunal que de facto se encontra verificada a questão de abuso de representação parece-me de facto não existir a execução de caso julgado. Para concluir tenho que fazer esta pequena observação parece-se que este processo cronologicamente é demasiado moroso e parece-me também que em momento algum se apreciou ou julgou a relação controvertida, tem-se esbarrado sucessivamente naquilo que é o direito. Ora é demarcação ora é ação de reivindicação e facto é se me permitem como é que se vai demarcar um terreno sem se aferir onde é que ele está, qual é a área e a quem ele pertence. Parece-me de facto que apesar de serem assuntos diversos estão relacionados um com o outro. Parece-me muito difícil decidir-se sem se apreciar toda esta matéria. Ora compreendo a questão dos pedidos mas na nossa modesta opinião estão necessariamente interligados. Nesta medida concluo as minhas observações e se for caso disso peço justiça».”.
Conclusões
1ºVêm o presente Recurso de Apelação interposto da Sentença proferida pelo Tribunal a Quo, cuja notificação data de 30.04.2024, na parte que julga verificada a exceção de caducidade prevista no artigo 287º do Código Civil, absolvendo, em consequência os Réus da Instância.
2º Decisão com a qual não se pode concordar e que se pretende ver reapreciada e revertida.
Assim,
3º Em 12.01.2023 os Recorrentes, intentaram uma ação declarativa de processo comum, contra os supra identificados Recorridos, estando na génese do petitório a reivindicação de uma propriedade que consideram sua, direito que versa sobre o prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o nº ...87 e descrito na Conservatória do Registo Predial de espinho, sob o nº ...00 da aludida freguesia ..., reclamando, nestes termos, e sinteticamente, a fixação dos limites e confrontações do mesmo, o reconhecimento da propriedade e a sua correspondente restituição e que se crê ter sido ilicitamente ocupado pelos Recorridos.
4º Um dos principais fundamentos invocados para assegurar a regularidade da instância, prendeu-se na figura do abuso de representação por parte do ilustre Mandatário à data constituído pelos Recorrentes, prezando estes, na presente ação, pela produção das adequadas e inerentes consequências jurídicas que decorrem da existência daquela figura.
5ºAbuso de representação esse, o qual se renova, ter ficado plenamente demonstrado no decurso do pleito jurídico.
Assim, passa-se à sintetização cronológica dos factos:
6º Por óbito de MM, ocorrido em 20 de julho de 2003 e do seu cônjuge, NN, ocorrido em 13 de abril de 2009, foi aberta a correspondente sucessão, tendo-lhes sucedido como únicos herdeiros, os seus descendentes, que figuram como aqui Recorrentes e Autores da causa principal.
7ºOra, da suprarreferida herança, ainda indivisa, faz parte, entre outros bens:
- Um prédio rústico composto por terreno de pinhal e mato com a área de 500 metros quadrados sito no Lugar ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica da aludida freguesia sob o número ...87 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o número ...00 da freguesia ..., a confinar do lado Norte com OO e outro, do Sul com PP, de Nascente com um caminho e de Poente com PP.
Sucede que,
8º Por escritura pública, celebrada a 29 de janeiro de 1996, no Cartório Notarial de Espinho, QQ, casada com RR, e SS, casada com TT, venderam a PP um imóvel que confina do lado Norte com o prédio que integra o acervo da herança indivisa dos aqui Recorrentes.
9º O imóvel vendido corresponde a um prédio rústico composto por terreno de pinhal e mato, com área de trezentos e noventa metros quadrados, sito no Lugar ..., a confinar do Norte com ..., do Sul com UU (avô dos Autores), de nascente ... e Caminho e de poente com PP, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o n.º ...51 e omisso na Conservatória, conforme consta aliás de cópia da matriz predial rústica em vigor à da referida aquisição.
10º É de todo relevante mencionar, para uma melhor compreensão dos factos, que os prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos ...87 e ...51 confinam entre si respetivamente.
11º Isto é, o artigo ...51 confinava com o prédio dos Recorrentes a Sul, não obstante existir uma desconformidade na descrição dessa confrontação, como supra se evidenciou.
12º Por seu turno, o prédio inscrito sob o artigo ...87 confinava a Norte com o prédio adquirido por PP.
13º Em ../../2005 faleceu PP, tendo os seus herdeiros procedido à partilha dos seus bens por escritura pública de partilha, lavrada de fls. 96 a fls. 101 do Livro ... de Notas para Escrituras Diversas, celebrada em 30.08.2006, no Cartório Notarial de Santa Maria da Feira do Dr. VV.
14º No âmbito dessa partilha, o imóvel correspondente ao artigo matricial que havia sido adquirido originariamente por PP, foi adjudicado a WW e XX.
15º Foi igualmente objeto dessa partilha outro prédio que fazia parte do acervo hereditário e que confinava a Sul com o prédio dos Recorrentes, inscrito na matriz predial rústica sob o n.º ...49, mas que, entretanto, havia sido atravessado pela IC..., alterando-se, assim, a sua realidade física por via dessa fragmentação.
16º Da supra referida expropriação, resultou, também, a divisão do artigo ... em duas parcelas.
17º Ou seja, passou o prédio dos Recorrentes, inscrito na matriz sob o artigo ...87, a estar no meio dos dois citados prédios pertencentes aos Recorridos.
Neste sentido,
18º E, no âmbito das partilhas efetuadas por óbito dos pais dos Recorridos (YY e PP), a Primeira Recorrida, cabeça de casal da referida Herança, requereu, à descrição matricial, a retificação de vários prédios rústicos, entre os quais os referidos ... e ...51 da freguesia ..., adulterando a verdade histórica, a verdade documental e a realidade física descrita.
19º Tendo declarado que o artigo ..., ao invés dos 3400 m2que originalmente tinha e em virtude da expropriação efetuada pelo Instituto de Estradas de Portugal para a construção da IC..., passou a ter a área de 1762 m2, a confrontar de Norte com ZZ, ..., Sul AAA e Poente Caminho da Variante IC....
20º De acordo com as declarações prestadas pela cabeça de casal da herança supra, o artigo ...51, em virtude de erro na mediação das avaliações gerais à propriedade rústica, passou a ter a área de 638m2 (contrapondo com os prévios 390m2) e a confrontar de Norte com ZZ, a Nascente com o Caminho da Variante IC..., a Sul com AAA e a Poente com BBB.
21º Ou seja, com as suas declarações, a primeira recorrida, adulterou por completo as áreas e confrontações dos prédios, de forma a que estas fossem de encontro aos seus intentos, incluindo as áreas de 500m2 do artigo ...87 (propriedade dos aqui Autores) e de 390m2 do artigo ...51, num único artigo – artigo ....
22º No fundo, aquelas declarações permitiram alterar as confrontações e as áreas dos diferentes prédios, açambarcando para si o prédio dos Recorrentes, que se encontrava no meio dos prédios pertencentes aos ora Recorridos, fazendo assim, crer que naquele lugar existia apenas um prédio quando, na verdade, existem três. Mais,
23º Em 26.02.2007, por escritura pública de compra e venda, outorgada Cartório Notarial de Espinho, vieram CCC e DDD, vender ao entretanto falecido EEE, o imóvel objeto da presente ação, tendo, entretanto, sido efetuado o registo da respetiva aquisição.
24º Renova-se que, quanto aos factos relatados, é possível aos Recorrentes comprovar de forma documental e testemunhal a verdade que ora se relatou. Todavia,
25º A complexidade da causa não é exclusiva dos factos e estende-se, infelizmente, ao direito, ao ponto de os Recorrentes estarem há quase 10 anos a litigar sem que a matéria de facto tenha sido por uma única vez apreciada.
26º Representados pelo Ilustre Dr. LL, deram entrada:
Em 2017, de uma ação de reivindicação, ao qual foi atribuído o n.º ...57/...7.7T8ESP, que correu termos no Tribunal da Comarca de Aveiro Santa Maria da Feira-Instância Central Cível-Juiz 1. (Todavia, e facto é, que aconselhada por aquela Senhora Juíza, em sede de Audiência Prévia, o ilustre Mandatário à data constituídos pelos Recorrentes e com poderes especiais para o ato, desistiu do pedido);
Em 2019, deu entrada numa ação de demarcação, sob o nº ...21/...9.3T8AVR, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Espinho, Juiz 1.(Acontece que, tal ação terminou por sentença, confirmada em sede de recurso para o Tribunal da Relação e assim transitada em julgado, que julgou procedente a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir e do pedido);
Em2020, intentou nova ação de reivindicação sobre a forma de processo comum na qual pediram a final e, uma vez mais, deu origem à ação nº ... que correu termos, no Juízo de Competência Genérica de Espinho, Juiz 1.(Nessa ação, os Recorridos foram absolvidos por se verificar a exceção de caso julgado, precisamente por conta da julgada desistência do pedido, confirmada por sentença transitada em julgado, naquela ação nº ...57/...7.7T8ESP);
27ºEsgotada a relação de confiança com o ilustre Mandatário à data constituído, os Recorrentes, fizeram-se representar, posteriormente, pelo Ilustre Dr. FFF, cujo mandato data de 23.09.2022, tendo dado entrada da ação em análise nos autos sub judice em 12.01.2023.
28ºJustificando a legitimidade dos Autores com base na execução absolutamente defeituosa do mandato por parte do Ilustre Mandatário à data constituído, que agiu de forma contrária à vontade expressa dos mandantes, devendo, nesses termos, a desistência do pedido ser objeto de anulabilidade e consequentemente, ser a mesma considerada ineficaz, ao abrigo do artigo 269º do Código Civil.
Sucede que,
29.º Em 30.04.2024,é proferida Sentença, da qual se extrai, com especial ênfase, o seguinte: “Pretendem pois os AA. que se julgue ineficaz a decisão sobre a desistência do pedido por parte dos AA. pois a mesmo só foi possível por manifesto lapso de representação do Dr. LL, que não representava a vontade real e conhecida dos AA.(…) Nestes termos, ressalta que o direito de anulação pretendido pelos AA. deve ser exercido no prazo de um ano, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento (cfr. art. 278º citado).
E como contar tal prazo de um ano? Das muitas achegas da jurisprudência, resulta incontestado que tal prazo deve contar-se a partir da cessação do vício que torna a pretensão atacável.
(…) Convocando o Ac. do STJ Proc. 12977/16 datado de 14/12/2021, entendemos que “I –O vício que serve de fundamento à anulabilidade cessa quando o interessado dele toma conhecimento.
II – A ‘cessação do vício’ a que se reporta o nº 1 do art. 287º do Código Civil é a data do conhecimento do mesmo e não a data da certeza da existência do vício.(…)
Ora, subsumindo o nosso caso em apreço àqueles sábios ensinamentos, resulta que os ora AA., se não tomaram conhecimento antes (…) pelo menos na data do trânsito em julgado da sentença proferida no processo ...7, em 13/02/2019, tiveram conhecimento da atuação do seu Ilustre Mandatário, Dr. LL. Podemos, pois, revisitando os factos já demonstrados e acima alinhados, concluir com segurança que resulta à saciedade que, pelo menos em 13/2/2019 os AA. tomaram conhecimento da atuação do seu advogado Dr. LL, ficaram sabedores da atuação do seu Advogado. E, não tendo reagido no prazo de 1 ano contado daquela data (de 13/2/2019), pois que só intentaram a presente acção em 12/01/2023, resulta que o prazo de um ano para proporem a presente acção se encontrava mais que esgotado, precludido (cfr. Art. 279º do C.C.). (…)
Termos em que se conclui que se encontrava precludido o prazo de caducidade para propositura da acção pelos AA. em 12/01/2023, procedendo, pois, a exceção perentória de caducidade invocada pelos R. (…)
Face a quanto antecede, julgo validamente excecionada e procedente a caducidade do direito, que se verifica, consequentemente se absolvendo os Réus do pedido.” (sublinhado nosso)
30ºPosição com a qual se discorda e que se pretende ver reapreciada e revertida.
Isto porque,
31.º Como se sabe, o contrato de mandato é um contrato “…pelo qual, uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta de outrem”, assim consagra o artigo 1157º do Código Civil.
32º À figura jurídica do abuso de representação, regulada nos termos do artigo 269º do Código Civil são aplicadas as disposições que regulam a representação sem poderes.
33º A jurisprudência é uniforme e dita, que existe abuso de representação, tal como previsto no artigo 269º do Código Civil, quando o representante, atuando dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utiliza conscientemente esses poderes em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado.
34º Assim profere, por exemplo, o Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo 3545/19.5T8LRA.R1, do qual se extrai, e cita-se: “Há abuso de representação se o exercício da atividade representativa, embora dentro dos limites formais dos poderes conferidos, ocorre de modo substancial ou materialmente contrário aos fins da representação ou às indicações do representado. (…)
II – O que obriga a ter em conta a relação jurídica subjacente à procuração, posto, em regra, ser nesta relação que se colhem os fins da representação, a função da procuração e o modo de exercício dos poderes representativos, sem esquecer, por outro lado, as exigências da boa-fé.”
35º No caso em apreço, dúvidas não restam, que são estas as circunstâncias jurídicas que rodeiam a matéria em apreço.
36º Na medida em que no seio da instauração da ação aludida, cujo número identificativo é o ...57/...7.7T8ESP e que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1, ocorreu uma diligência na qual se discutiu a desistência do pedido, e não, como o Ilustre Mandatário à data constituído, erradamente, entendeu, a desistência da instância. Facto esse, que ele próprio confessa, por declaração assinada em 22.12.2021.
37º Renovam os Recorrentes que desta vicissitude só poderá ser extraída a ineficácia por anulabilidade do ato de desistência do pedido, o que expressamente se invoca.
38º Assim dita, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 4 de julho de 2019 no seio do processo 2939/15.0T8STR.E1. S2 que profere, e cita-se:
“(…) IV - A ineficácia do negócio representativo, para o representado, decorrente do abuso de representação, prevista no art. 269.º do CC, pressupõe a verificação de uma atividade abusiva do representante e o conhecimento do abuso ou dever de conhecer pelo representado.
V - Não há abuso de representação quando o representado não provou, como lhe competia, que o representante agiu com intenção de o prejudicar ou que atuou contra a vontade daquele (…)”.
39º Ficou plenamente demonstrado pelos Recorrentes o ónus do abuso de representação.
40º Todavia, pugna o Tribunal a Quo, pela verificação da exceção de caducidade quanto ao invocado, nos termos do artigo 287º do Código Civil, que consagra, que: “Só tem legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento.”
41º Ora, a génese da divergência para com a posição assumida pelo Tribunal a Quo, e que tem influência direta na decisão proferida, está, precisamente, no momento em que o Tribunal entende ser o adequado para iniciar a contagem deste prazo e no raciocínio que utiliza para fazer essa dedução.
42º A este propósito, dita o Tribunal a Quo, na sentença proferida, e bem, o seguinte, e cita-se: “E como contar tal prazo de um ano? Das muitas achegas da jurisprudência, resulta incontestado que tal prazo deve contar-se a partir da cessação do vício que torna a pretensão atacável.
(…) Convocando o Ac. do STJ Proc. 12977/16 datado de 14/12/2021, entendemos que “I –O vício que serve de fundamento à anulabilidade cessa quando o interessado dele toma conhecimento.”
43º Ou seja, a data que releva para o início da contagem do referido prazo de caducidade é a data do conhecimento do vício.
44º Contudo, erra o Tribunal a Quo, ao PRESUMIR que os Recorrentes tiveram conhecimento deste vício, pelo menos com o trânsito em julgado da decisão proferida ao abrigo do artigo 557/17, em 13.02.2019.
45º Proferindo, nesse sentido, e cito: “Ora, subsumindo o nosso caso em apreço àqueles sábios ensinamentos, resulta que os ora AA., se não tomaram conhecimento antes (durante o decurso da própria acção, com a outorga de procuração com poderes especiais ao respetivo Mandatário e aquando da Audiência Prévia levada a feito no processo ...7), pelo menos na data do trânsito em julgado da sentença proferida no processo ...7, em 13/02/2019, tiveram conhecimento da atuação do seu Ilustre Mandatário, Dr. LL.”.
46º Sucede que, naqueles autos, os Recorrentes não foram notificados por correio postal registado pelo Tribunal, portanto, naquela data, a única forma que os Recorrentes teriam de obter conhecimento íntimo do vício relatado seria se esse mesmo vício lhes tivesse sido comunicado por quem o cometeu, ou seja, pelo Ilustre Mandatário à data constituído, o que, infelizmente, não sucedeu no caso em apreço.
47º A verdade dos factos, é que os Recorrentes só tiveram conhecimento deste vicio quando constituíram novo mandatário, em 23.09.2022, quando, no âmbito da preparação para dar entrada na presente ação, se deparou com confissão escrita do Ilustre Mandatário à data constituído, datada de 22.12.2021.
48º Não existe nenhum indício nos presentes autos ou em quaisquer outros que permita ao Tribunal concluir com certeza para além da dúvida que os Recorrentes tomaram conhecimento do vício com o transito em julgado da sentença proferida no processo ...7.
49º Nunca, em momento algum, promoveu ou diligenciou o Tribunal a Quo, pelo conhecimento do supra invocado, o que poderia e deveria ter feito.
50º Aliás, em sede de Audiência Prévia, apesar de ter sido concedida a possibilidade aos Mandatários presentes de se pronunciarem quanto às exceções invocadas em sede de contestação, essas prenderam-se, fundamentalmente, com a exceção de caso julgado, que os Recorrentes entendem não existir em virtude do reconhecimento, tempestivo, da figura do abuso de representação, primando pela realização das suas legais consequências, não tendo até à sentença sido colocada a questão da caducidade da arguição do vício invocado.
51º Ora, como se sabe, as presunções judiciais, não constituem meios de prova, em sentido próprio, mas antes operações “de elaboração das provas alcançadas por outros meios” ou, como profere Antunes Varela “meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência.”
52º Também é uniforme, que um dos princípios assentes em termos probatórios é o de que é lícito às instâncias retirarem ilações lógicas da materialidade assente, podendo esclarecê-la e desenvolvê-la.
53º Contudo, e conforme teoriza o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 24.11.2020:“Há muito que se problematiza a questão da sindicância pelo Supremo Tribunal de Justiça dos juízos de inferência retirados pelas instâncias, apenas se admitindo que este Órgão controle se as presunções foram ou não obtidas como recurso a normativos legais aplicáveis, bem como se a sua obtenção se encontra ferida de alguma deficiência, nomeadamente, se o método discursivo utilizado lhe tolda a logicidade.
Como é comumente aceite, admite-se e é admissível, um controle pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre a construção ou desconstruções das presunções judicias, podendo verificar-se a (in)utilização das mesmas pelo Tribunal da Relação violou alguma norma legal, se carecem de coerência lógica ou, ainda, se falta o facto base, ou seja, se o facto concedido não está provado.”
54º Apela-se, assim, a este Tribunal Superior, que sancione o manifesto contrassenso e a falta de razoabilidade da decisão proferida pelo Tribunal a Quo, que proferiu uma sentença com base numa presunção, quando poderia ter sido diligente e decidir com base em factos, bastando-se, para isso, ouvir os intervenientes processuais.
55º Com todo o respeito, que é muito, sentenças sustentadas em presunções colocam em causa a segurança jurídica e não dignificam os seus intervenientes nem o estado de direito.
Para concluir, dir-se-á ainda que:
56º Bem sabemos, que a desistência do pedido representa o reconhecimento pelo demandante de que a situação jurídica alegada não existiu ou se extinguiu, arrastando consigo a situação jurídica que pretendia tutelar, sendo que a homologação da desistência do pedido, ao contrário do que sucede com a absolvição da instância, constitui caso julgado formal.
57º Por outras palavras, a VÁLIDA e EFICAZ desistência do pedido, constitui caso julgado material.
58º Sucede que, no caso concreto, a desistência perpetrada pelo Ilustre Mandatário à data constituído, contra a vontade do dominus, é geradora de um vicio de vontade e, por consequência, é suscetível de ser anulada e considerada ineficaz.
59º Uma vez considerada ineficaz, cai, com ela, a sorte da procedência da exceção de caso julgado material, o que expressamente se invoca.
60º Pugna-se, assim, pela reverão da decisão proferida.
I- Na presente ação os autores, ora recorrentes, demandaram os réus aqui recorridos HH e seus filhos II, JJ e KK, estes filhos como sucessores de seu falecido pai EEE, pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada, e consequentemente:
A) Ser julgada ineficaz a decisão sobre a desistência do pedido por parte dos Autores, pois a mesma foi só possível por manifesto abuso de representação, que não representa a vontade real e conhecida dos Autores.
B) E por via disso, ser reconhecido aos Autores o direito de propriedade sob o prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., sob o número ...87 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o número ...00 da aludida freguesia e fixados os limites e as confrontações do mesmo;
C) Consequentemente, condenar os Réus a restituírem, aos Autores, a referida propriedade sobre o prédio supracitado;
D)Sejam os Réus solidariamente condenados a pagar aos Autores a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora até integral e efetivo pagamento a título de pagamento do valor correspondente aos pinheiros e
eucaliptos que se encontravam no prédio e que foram indevidamente cortados e vendidos pelos Réus.
II- Tal desistência do pedido fora subscrita pelo ilustre advogado dos autores Sr. Dr. LL no uso de uma procuração que os autores lhe tinham outorgado na qual lhe conferiram poderes precisamente para desistir.
III- Alegaram os autores que tal declaração não correspondia à vontade deles e que fora feita por mero lapso, erro e abuso de representação desse ilustre advogado.
IV- Como se verifica pela precedência lógica com que os diferentes pedidos são deduzidos, a procedência ou improcedência do pedido da alínea A) –e por via disso, diz-se- é condicionante do conhecimento dos pedidos deduzidos nas alíneas B), C) e D), pelo que se torna necessário previamente analisar se procede ou não o pedido da alínea A), pois que se este pedido improceder logicamente que se torna desnecessário e inútil conhecer os restantes que dele dependem.
V- Os réus afirmaram na sua contestação que o abuso de representação alegado pelos autores não passava de um suposto erro na declaração, ou erro obstáculo.
VI- E que já tinha caducado o prazo previsto no nº 1 do artigo 287º do Código Civil para os autores fazerem valer esse suposto erro pelo facto de os mesmos dele terem tomado conhecimento há mais de um ano.
VII- E foi o que, embora de modo diferente, foi decidido na douta sentença recorrida que absolveu os réus desse pedido da alínea A) com aquela já referida inerente consequência de tornar inútil e desnecessário conhecer dos restantes pedidos.
VIII- E é dessa douta sentença que os réus interpõem o presente recurso que passamos a analisar.
IX- Essa douta sentença tem subjacente os seguintes factos alegados pelas partes ou que se podem retirar fielmente dos documentos juntos aos autos pelas mesmas, a maior parte dos quais estão, aliás, descritos na douta sentença recorrida:
a)- No processo nº ...57/...7.7T8ESP que correu seus termos na Instância Central Cível-J1 de Santa Maria da Feira do Tribunal da Comarca de Aveiro os aqui recorrentes, representados pelo ilustre Advogado Sr. Dr. LL, propuseram ação de reivindicação com processo comum contra, entre outros, a aqui recorrida HH e seu falecido marido EEE deduzindo, entre outros, o pedido de “ser reconhecido aos Autores o direito de propriedade sob o prédio inscrito ma matriz predial rústica da freguesia ... sob o número ...87 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o número ...00 da aludida freguesia”.
b)-No decorrer dessa ação a Sra. Juíza do processo entendeu por bem designar para o dia 23 de outubro de 2018 uma audiência prévia com o objetivo, entre outros, de “ realizar tentativa de conciliação entre as partes” e “caso aquela se frustre, discutir a posição das partes com vista ao esclarecimento de qualquer insuficiência da exposição das suas pretensões e ao conhecimento imediato de questões que possam ser decididas (doc. nº 2 junto pelos réus com a sua contestação)
c)- Notificada ao ilustre mandatário dos autores, ora recorrentes, a realização dessa audiência prévia, e tendo em vista o seu objeto, colheu o mesmo Sr. Advogado doa autores nesse mesmo dia 23 de outubro de 2018 uma procuração com poderes especiais(como dela consta) para os representar “ no âmbito da audiência prévia a realizar no dia 23 de outubro de 2018 no processo 557/17.7TBESP que corre termos no Tribunal da Comarca de Aveiro Santa Maria da Feira-Inst. Central Cível- Juiz 1, podendo em seu nome confessar, transigir e desistir (Doc. nº 3 junto pelos réus com a sua contestação
d)-Munido dessa procuração que juntou aos autos, e no decorrer dessa audiência prévia, o Sr. Dr. LL declarou “ que pretende negociar com a ré GG o pagamento de valor com vista a terminar o litígio, para o que requer o prazo de dez dias, adiantando que, caso essas negociações de frustrem pretende desistir do pedido quanto aos réus HH e herança de II (queria claramente dizer herança de EEE, falecido marido e pai dos réus) e da instância quanto aos demais réus” (doc. nº 4 junto pelos réus com a sua contestação)
e)- Em 26/11/2018 os autores, ora recorrentes, em requerimento subscrito pelo Sr. Dr. LL, e usando este os poderes especiais que para o efeito lhe tinham conferido, apresentaram no processo requerimento a desistir da instância e do pedido formulado contra os Réus.
f)- Desistiram, assim, os autores do pedido contra os aqui recorridos, pois só contra estes se propuseram desistir do pedido naquela audiência prévia
g)- Por sentença proferida em 8/1/ 2019 foi homologada tal desistência do pedido e os réus foram dele absolvidos.
h)- Esta sentença transitou em julgado em 13/2/2019
i)- A presente ação nº 32/23.0T8ESP foi proposta em 12/01/2023.
X- Os recorridos dão aqui como integralmente reproduzidas as conclusões das alegações dos recorrentes.
XI- Como resulta dos artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações do recorrente.
XII- Este entendimento pode ser revisto e confirmado, por exemplo, no Acórdão desse Tribunal da Relação do Porto de 9/11/2020 proferido no Processo 18625/18.6T8PRT.P1 e na anotação 4. ao artigo 639 do C P .Civil de Abrantes Geraldes, a páginas 767 do Vol. I, do seu Código de Processo Civil Anotado, Edição Almedina: “ As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º, nº 3.
XIII- Como ponto prévio relativo a tais conclusões. deve corrigir-se o que erradamente consta da parte final da conclusão nº 1: é que a douta sentença recorrida não absolveu os réus da instância mas sim do pedido deduzido na alínea A), o que obviamente não é a mesma coisa e tem efeitos diferentes.
XIV- O que foi definitivamente decidido na douta sentença recorrida foi que os autores/recorrentes já não têm o direito de invocar o suposto vício de vontade, concretizado no suposto erro praticado pelo Sr. Dr. LL quando declarou que os autores desistiam do pedido na ação nº ...57/...7.7T8ESP pois que caducou já o prazo para proporem a ação em que invocam tal vício.
XV- Pelo que, repete-se, e tal como ressalva a Meritíssima Juíza do processo na douta sentença recorrida, está já prejudicado o conhecimento dos demais pedidos apresentados pelos AA, porque dependem da proferida decisão de caducidade do prazo para a propositura da presente ação.
XVI- E por isso jamais os autores/recorrentes poderão pedir que lhes seja reconhecido o direito de propriedade sob aquele seu suposto prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o número ...87 e descrito na Conservatória do Registo predial de Espinho sob o número ...00 da aludida freguesia que supostamente estaria abrangido pelo prédio que a recorrida HH e seu falecido marido adquiriram, com inteira boa fé pela escritura de 26/02/2007 referida pelos Autores/recorrentes no artigo 73º da sua petição inicial e por eles junta aos presentes autos como documento nº 15 dessa petição
XVII- Cotejando as conclusões das alegações dos recorrentes verifica-se que a única questão a decidir no presente recurso, limitado que está ao conhecimento do pedido deduzido na alínea A), é a de apurar se caducou já o direito de os mesmos invocarem na presente ação o suposto vício de vontade, concretizado no suposto erro por abuso de representação, praticado pelo Sr. Dr. LL, quando declarou que os autores desistiam do pedido na ação nº ...57/...7.7T8ESP
XVIII- Primeiro que tudo há que afirmar que o Dr. LL não abusou, nem podia ter abusado, dos poderes contidos na procuração que os então autores, ora recorrentes, lhe conferiram para o efeito´.
IX- Afirma-se no artigo 269 do Código Civil que “o disposto no artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso”.
XX- E no nº 1. do anterior artigo 268, referente à representação sem poderes, estabelece-se que “o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado”
XXI- A consequência do abuso de representação é, pois, a ineficácia do negócio realizado com abuso de representação
XXII- Desenvolvendo a teoria do abuso de representação, diversa jurisprudência (os recorrentes indicam alguma) afirma que há abuso de representação se o exercício da atividade representativa, embora dentro dos limites formais dos poderes conferidos, ocorre de modo substancial ou materialmente contrário aos fins da representação ou às indicações do representado.
XXIII-A doutrina vai no mesmo sentido, e a título de exemplo, veja-se Pires de Lima e Antunes Varela e Carlos Alberto da Mota Pinto. Os primeiros autores escrevem em anotação ao artigo 269.º: “Há abuso dos poderes de representação quando o representante, actuando, embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utiliza conscientemente esses poderes em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado” [Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição revista e actualizada, Coimbra Editora, página 249].
Carlos Alberto da Mota Pinto escreve: “Haverá abuso de representação quando o representante actuar dentro dos limites formais dos poderes conferidos, mas de modo substancialmente contrário aos fins de representação” [Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, página 550].
XXIV- Mas nada disso aconteceu nos presentes autos.
XXV- A procuração que os recorrentes outorgaram ao Dr. LL foi a este outorgada, como dela expressamente consta, precisamente para este poder, se assim o entendesse, desistir (do pedido ou da instância). Foi esse o fim da representação! Foi isso que o Dr. LL fez! E fazendo-o cumpriu rigorosamente o mandato e não abusou dele.
XXVI- E na audiência prévia em que o Dr. LL entregou e usou essa procuração logo expressamente afirmou que, se não chegasse a negociar com a ré GG, pretendia desistir do pedido quanto aos réus HH e herança do falecido marido desta e da instância quanto aos demais réus.
XXVII- E foi o que conscientemente fez quando, no uso dessa procuração, cumpriu o fim para que os representados, ora recorrentes, lha outorgaram.
XXVIII- A procuração foi outorgada com um fim bem determinado e sem quaisquer condições e nela os outorgantes não impuseram ao Sr. Dr. LL qualquer obrigação de previamente os informar da decisão concreta que posteriormente o mesmo tomaria no uso dela.
XXIX- De resto, e noutra vertente, e decisivamente, se na audiência prévia o Dr. LL já tinha declarado a intenção de desistir do pedido contra a Ré HH e herança de seu falecido marido, como poderiam estes conhecer, ou sequer suspeitar, que o Dr. LL poderia eventualmente estar a abusar dos poderes expressos da procuração quando declarou tal desistência?
XXX- Admitindo, todavia, por mera hipótese académica, que houve aquele vício de vontade na declaração de desistência do pedido do Dr. LL, dúvidas não pode haver que caducou já o prazo para os autores/recorrentes invocarem nos presente ação tal vício.
XXXI- Como acertadamente está afirmado na douta sentença recorrida o que os Autores recorrentes verdadeiramente alegam são eventuais declarações inexatas que o Dr. LL proferiu na audiência prévia que teve lugar no Processo nº ...57/...7.7T8ESP, quando aí declarou que os autores desistiam do pedido
XXXII- O que, no entender dos autores, levaria à ineficácia da decisão tomada na sequência das referidas declarações.
XXXIII- O que pretendem pois os AA. é lançar mão do erro vício que terá minado a sua vontade por entenderem que a declaração do Ilustre Mandatário que os representava assentou em erro ou lapso e foi declarada contra a vontade dos autores
XXXIV- A idêntica conclusão, aliás, já tinham chegado os réus aqui recorrentes quando no artigo 35º da sua contestação afirmaram que o erro alegado pelos autores só poderia ser o chamado erro na declaração, ou erro obstáculo que consiste numa divergência entre a vontade real e a vontade declarada prevista no artigo 247º do Código Civil, que daria lugar à anulabilidade e não á ineficácia da declaração.
XXXV- “Vício de vontade” é, aliás, também a expressão usada pelos recorrentes no artigo 58º e no pedido final das suas conclusões
XXXVI- Alegando esse vício de vontade os recorrentes pedem a final, a anulabilidade da desistência do pedido no referido processo nº 557/17 e a revogação da sentença recorrida
XXXVII- Dispõe, todavia, o artigo 287º do Código Civil que a anulabilidade só pode ser arguida dentro de um ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento.
XXXVIII- Como se extrai da douta sentença recorrida e da jurisprudência ali citada, este relativamente curto prazo explica-se por razões de segurança jurídica e destina-se a evitar que as possíveis causas de anulabilidade total ou parcial de um negócio se possam perpetuar quase indefinidamente, sendo invocáveis muitos anos após a sua plena cognoscibilidade pelo interessado.
XXXIX- Tal limitação visa, por outro lado, assegurar a estabilidade de uma determinada relação jurídica impondo ao interessado o ónus de avaliar rapidamente se pretende ou não manter a declaração de vontade nela manifestada.
XXXX- Como estipula o artigo 287º do Código Civil, tal prazo deve contar-se a partir da cessação do vício que lhe serve de fundamento, ou seja, quando o interessado dele toma conhecimento.
XXXXI- Há pois que apurar e decidir no presente recurso quando é que os autores /recorrentes tomaram conhecimento do vício em questão.
XXXXII- Nos artigos 46º e 47º das suas conclusões os recorrentes tentam trazer aos autos um facto novo ao afirmarem que só tomaram conhecimento desse vício quando, no âmbito da preparação para dar entrada da presente ação, em 23/09/2022, constituíram como mandatário o Sr. Dr. FFF.
XXXXIII- Dando a entender, com atrevido desplante e inconsistência, que o vicio e a sentença que julgou válida a desistência do pedido lhe deviam ter sido dados a conhecer por notificação por correio postal registado pelo Tribunal.
XXXXIV- Mas não o podem fazer agora: esse facto novo não constava do processo quando a Sra. Juíza proferiu a sentença recorrida e por isso também não pode ser objeto de qualquer apreciação ou valoração por este Tribunal da Relação do Porto porque dessa sentença não consta.
XXXXV- O momento próprio teria sido na audiência prévia que teve lugar nos presentes autos, em 4 de dezembro de 2023, pois que, como consta do douto despacho que a convocou, ela se destinou, entre outros fins “ao conhecimento imediato das questões que possam ser decididas” e à “enunciação dos temas de prova” no despacho saneador.
XXXXVI- E, como se vê do teor da ata dessa audiência e das declarações da ilustre mandatária dos autores, nela transcritas, esta nada diz sobre a exceção de caducidade invocada pelos réus na sua contestação, nomeadamente sobre o momento em que os autores tomaram conhecimento da desistência do pedido declarada naquele processo nº 557/17. abordando apenas o alegado abuso de representação.
XXXXVII- Dispõe, todavia, o nº 1. do artigo 247º do Código de Processo Civil que “as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários”
XXXXVIII- E o nº 2. diz que só quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal além de ser notificado o mandatário, é também notificada a parte…pela expedição pelo correio de um aviso registado à própria parte…”
XXXXIX- Ao contrário do que os recorrentes dão a entender nos art.ºs 43º e 44º das suas alegações, o conteúdo normativo do artigo 247 do C.P. Civil não corresponde a uma presunção. É um imperativo legal que tem por base o princípio fundamental da certeza e segurança jurídica.
L- Podendo o legislador optar, nos processos pendentes, por qualquer outro modo de dar conhecimento às partes das decisões tomadas pelo julgador durante o decurso do processo (a via eletrónica prevista no nº 5 do art.º 219, quando aplicável, ou a pela expedição pelo correio de um aviso registado), determinou que, nesse caso, havendo mandatários constituídos bastaria que essas decisões a estes lhes fossem comunicadas.
LI- Mandatários que, dizemos nós, pelo especial conhecimento técnico do direito estarão em melhores condições de lhes avaliar o respetivo conteúdo.
LII- Interpretando o pensamento do legislador, julgam os recorridos que a imperativa norma do art.º 247º do C. P. Civil, para alem de atingir e concretizar um princípio de segurança jurídica na prática do direito, se destina também a proteger as próprias partes que, por falta de conhecimentos jurídicos, não estão nas melhores condições de avaliar e compreender, em toda a sua amplitude e consequências, o sentido das decisões judiciais.
LIII- A não ser assim, cair-se-ia no absurdo de qualquer sentença transitada em julgado que não fosse notificada à parte vencida por correio postal registado poder ad aeternum ser posta em causa por essa parte e ad aeternum ser objeto de impugnação ou recurso.
LIV- E são precisamente razões de certeza e segurança jurídica e estabilidade no trafico negocial que obstam a tal absurda tese.
LV- Torna-se assim incontornável a conclusão a que chegou a Meritíssima Juíza do processo ao afirmar que, pelo menos quando em 13-02-2019 transitou em julgado a sentença homologatória da desistência do pedido notificada ao Sr. Dr. LL naquele processo ...7, se deve entender que os autores/recorrentes tomaram conhecimento dela e tomaram conhecimento do eventual erro do seu mandatário Dr. LL.
LVI- E, como se diz na douta sentença recorrida “não tendo reagido no prazo de 1 ano contado daquela data (de 13/2/2019), pois que só intentaram a presente acção em 12/01/2023, resulta que o prazo de um ano para proporem a presente acção se encontrava mais que esgotado…”
. Considerando que o prazo para arguição da anulabilidade previsto no Art. 287º do CC é um prazo de caducidade, representando esta a extinção do direito pelo seu não exercício durante um ano, com fundamento em razões de certeza e segurança jurídica, resulta incontornável que tal prazo de um ano estava já mais que ultrapassado e precludido aquando da instauração pelos AA. da presente acção.
LVII- Os recorridos não resistem, com o devido respeito, a aqui expor o absurdo que parece ser o concreto desejo último dos recorrentes ao afirmarem a, aliás não existente, presunção subjacente ao art.º 247º do C. P. Civil que erradamente parece quererem impor nos art.ºs 43 e 44º das suas conclusões.
LVIII- Se as coisas se passassem como parece ser esse concreto desejo último dos recorrentes, teríamos que seria o próprio Sr. Dr. LL a vir, nos presentes autos, a tentar ilidir a alegada presunção através da sua lamentável declaração escrita de 22 de dezembro de 21 junta aos autos com a petição inicial, ou, quiçá, até pessoalmente como testemunha.
LIX- Tal declaração constitui, aliás, um insanável contrassenso na medida em que dela resulta que os autores quando conferiram ao Sr. Dr. LL poderes para desistir do pedido, afinal nunca foi a vontade deles que ele desistisse! Como eles expressamente lhe transmitiram!
LX- -Coisa que, aliás, o Dr. LL nunca pôs na boca deles quando propôs contra os réus as ações números ...21/...9.3T8AVR e ... documentadas nos autos juntamente com a contestação dos réus e nas quais estes lhe lembram e alegam a desistência do pedido.
LXI- Ou então essa tentativa de ilidir a suposta presunção seria do Sr. Dr. FFF (que entretanto substabeleceu sem reserva na atual ilustre mandatária dos recorrentes os poderes da sua procuração e portanto passou a ser um terceiro alheio no processo) quando, no âmbito da preparação para dar entrada da presente ação, em 23/09/2022, foi constituído mandatário judicial dos recorrentes…
LXII- Que outras provas poderiam os recorrentes apresentar?
LXIII- Em total consonância com a sentença recorrida, não resta, pois, mais aos recorridos senão concluir finalmente da forma como a douta sentença o faz
LXIV- Tendo em conta a sequência temporal e lógica dos pedidos dos autores deduzidos na petição inicial (”E por via disso, diz-se”), decidida a favor dos aqui réus contestantes a exceção de caducidade, resulta prejudicado o conhecimento dos demais pedidos apresentados pelos autores, porque dependentes daquele visto que os pedidos deduzidos pelos autores nas alíneas B), C, e D) estão na direta dependência do pedido deduzido em A).
Por conseguinte, em obediência do princípio do contraditório, deu-se oportunidade às partes para se pronunciarem.
Os Réus reiteraram, na sua exposição, a inexistência do direito que os Autores se arrogam.
A questão principal decidenda, consiste em saber, em primeira linha, se procede o direito invocado pelos Autores com a finalidade de obterem a ineficácia/anulação da sentença homologatória da desistência do pedido e na hipótese afirmativa, se esse direito caducou.
Com efeito, a substituição do tribunal recorrido, segundo as palavras de Abrantes Geraldes,[1] “…abarca mesmo os casos em que o tribunal a quo se tenha abstido de apreciar certas questões, por considerá-las prejudicadas pela solução dada ao litígio, ou tenha deixado de se pronunciar sobre os outros fundamentos da acção ou da defesa.Em tais circunstâncias, desde que todos os elementos de facto relevantes estejam acessíveis, a Relação, se tiver de revogar a decisão recorrida, passa a apreciar as decmais questões apreciadas pelas partes (art.665.º,n.º 2).
Acrescentando, com interesse para o nosso caso, que “Nesta solução aflora o objectivo fundamental de aproveitamento do processado, o que leva, nestes casos, à supressão de um grau de jurisdição, substituído pela intervenção reforçada do Tribunal Superior.”
É justamente o que sucede no caso em apreço porquanto a decisão proferida sobre a questão da caducidade implicitamente considerou prejudicado o conhecimento do direito no qual os Autores se alicerçaram, invertendo, salvo o devido respeito, a ordem de apreciação dos fundamentos da acção e da defesa.
Tendo sido cumprido o contraditório, compete a este Tribunal decidir se procede a pretensão jurídica dos Autores e, em caso afirmativo, se o direito invocado caducou.
FACTOS PROVADOS
1. No dia 31.10.2017, os aqui autores AA, BB, CC, DD, EE casada com GGG, FF casado com HHH, na qualidade de únicos e universais herdeiros de MM, intentaram ação comum de reivindicação contra GG, HH, II, JJ, KK.
2. A ação referida em 1., deu origem ao processo n.º ...57/...7.7T8ESP, que correu termos no J2, juízo de competência genérica de Espinho, tendo transitado, (atento o valor da causa) para o Juízo Central Civil de Santa Maria da Feira.
3. Na ação referida em 1., os ali autores formularam os seguintes pedidos:
A. Ser reconhecido aos autores o direito de propriedade sob o prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o número ...87 e descrito na Conservatória do registo Predial de Espinho sob o número ...00 da aludida freguesia;
B. Seja decretada a nulidade da escritura de Compra e Venda lavrada a fls. 138 e 139 do Livro de notas ... para escrituras diversas do cartório de ... da Dra. III por se tratar de uma venda de coisa alheia;
C. Seja ordenado por conseguinte, o cancelamento da ap3 de 2006/11/30 e da ap4 de 2007/03/19 correspondentes às aquisições do prédio descrito na Conservatória do Registo predial sob o número ...85 e inscrito na matriz sob o número ...49 a favor dos quintos e sétimos réus respetivamente, em virtude de na referida descrição estar incluída a área do prédio dos autores;
D. Sejam os réus solidariamente condenados a agar aos autores a quantia de € 5000,00, acrescida de juros de mora até integral e efetivo pagamento a titulo de pagamento do valor correspondente aos pinheiros e eucaliptos que se encontravam no prédio e que foram cortados e vendidos pelos réus; (…)
4. Para esses pedidos, os autores narraram os seguintes factos, na parte que interessa:
4.3. Os Autores tomaram conhecimento que por escritura pública, celebrada a 29 de janeiro de 1996, no Cartório Notarial de Espinho, QQ, casada com RR e SS, casada com TT, venderam a PP um imóvel que confina do lado Norte com o Prédio que integra o acervo da herança indivisa e descrito supra.
4.8. Acresce que, no pretérito dia ../../2005 faleceu PP, tendo os seus herdeiros, respetivamente os primeiros e quintos réus procedido à partilha dos seus bens por escritura pública de partilha, lavrada de fls. 96 a fls. 101, do Livro ...8 A de Notas para Escrituras diversas celebrada em 30 de Agosto de 2006 no Cartório Notarial de Santa Maria da Feira do Dr. VV.
4.9. No âmbito dessa partilha, o imóvel correspondente ao artigo matricial que havia sido adquirido originariamente por PP, foi adjudicado aos pais dos segundos réus, (WW e XX).
4.10. Foi igualmente objeto dessa partilha outro prédio, que fazia parte do acervo hereditário partilhado que confinava a Sul com o prédio dos Autores e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º ...49, mas que, entretanto, havia sido atravessado pela IC..., passando a realidade física a ser a constante da Planta 2.
4.11. Tendo passado o prédio dos Autores inscrito na matriz sob o artigo ...87 a estar no meio dos dois citados prédios pertencentes aos Réus, resultando da expropriação a divisão do artigo ... em duas parcelas.
4.12. No entanto, ao invés de fazer corresponder a realidade documental com a realidade física que seria a descrita na Planta 2, a Primeira Ré, na qualidade de herdeira e cabeça de casal da Herança aberta por óbito de seus pais, YY e PP, requereu a retificação à descrição matricial de vários prédios rústicos, entre os quais os referidos ... e ...51 da freguesia ....
4.13. Com efeito, a Ré EE, declarou que o artigo ... ao invés dos 3400 m2 que originalmente tinha, e que em virtude da expropriação efetuada pelo Instituto de Estradas de Portugal para a construção da IC..., passou a ter a área de 1762 m2 e a confrontar de Norte com ZZ, ..., Sul AAA e Poente Caminho da Variante IC....
4.14. E que o artigo ...51, em virtude de erro na mediação das avaliações gerais à propriedade rústica que tinha a área de 390 m2, passou a ter a área de 638 m2 e a confrontar de Norte com ZZ, ..., Sul AAA e Poente BBB.
4.15. Ou seja, a Ré, adulterou a verdade dos factos e, falsificou a realidade física dos prédios, já descrita na referida, Planta 2, aproveitando-se da intervenção produzida pelas obras de construção da A...9 e, assim, adulterar por completo, as áreas e confrontações dos prédios por forma a que estas encaixassem nos seus intentos, tendo como resulta da Planta 3, incluído as áreas de 500 m2 do artigo ...87, propriedade dos aqui Autores, e de 390 m2 do artigo ...51 num total de 890 m2, num único artigo isto é o artigo ....
4.16. Apropriou –se, assim, de um prédio que estava entre os seus prédios, alterando as áreas, as confrontações e, fazer crescer que o imóvel era um só e não três, como o é a realidade.
4.17. Ao alterar as confrontações, “anulou” o prédio dos autores que se encontrava no meio dos dois dos réus.
4.18. Ou seja, A Ré EE, em vez de criar um artigo novo, como deveria ter feito em consequência da expropriação, para a parte sobrante do artigo ... a Nascente da Variante IC..., como legalmente lhe era exigido; alterou a localização do artigo ...51, que passou a corresponder à área sobrante desse mesmo artigo ..., passando esta de 390 m2 para 638 m2.
4.19. Todos os procedimentos efetuados pela primeira ré enquanto representante da herança, foram feitos sem qualquer consentimento dos autores ou dos seus pais;
4.20. Não tendo os autores cedido aos réus e, causa, seja a que titulo a propriedade desse imóvel, pelo que nunca poderiam agir da forma como agiram.
4.21. Por escritura pública de compra e venda outorgada no pretérito dia 26 de Fevereiro de 2007 no Cartório de ..., vieram CCC e DDD a vender ao Falecido EEE aqui representado pelos Réus o imóvel objeto da presente ação, tendo, entretanto, sido efetuado o registo da respetiva aquisição.
4.22. Por outro lado, já depois de alegadamente terem adquirido o aludido prédio onde foi ilicitamente incluído o prédio que constitui acervo hereditário dos Autores, os quintos Réus, ordenaram o corte de todos os pinheiros aí existentes, incluindo os eucaliptos, propriedade da herança indivisa dos herdeiros e aqui Autores, possuindo a totalidade dos pinheiros e eucaliptos existentes na propriedade do acervo hereditário dos Autores, de valor nunca inferior a €5.000,00.
5- Naquele processo ...57/...7.7T8ESP, em 23/10/2018, os AA. outorgaram procuração ao Sr. Dr. LL, com poderes especiais para os representar no âmbito da Audiência prévia a realizar no dia 23 de Outubro de 2018, podendo em seu nome confessar, transigir e desistir.
6-No decorrer da referida audiência pela sra. Juíza, além do mais, foi dito “entender que os autos reúnem elementos que permitirão decidir pela absolvição dos segundos e quartos réus por falta de causa de pedir e pela improcedência dos pedidos formulados nas alíneas b) e c) à luz do artigo 291.º do Código Civil”
“…que a demanda da herança de II deverá dirigir-se ou à totalidade dos herdeiros e respectivos cônjuges caso a que assistirá razão aos quintos réus (…) ou em alternativa, contra a referida herança, representada pelo cabeça de casal.”
E que, no seu entender, “a melhor forma de acautelar a principal pretensão dos autores será pelo exercício do direito a demarcação previsto nos artºs 1353 a 1355 do Código Civil”.
7-“Face ao exposto o ilustre mandatário dos autores, alegou que pretendia negociar com a ré GG o pagamento de valor com vista a terminar o litígio, para o que requereu o prazo de dez dias, adiantando que, caso essas negociações se frustrem, pretende desistir do pedido quanto aos réus HH e herança de II e da instância quanto aos demais Réus.
8-Os Autores, por intermédio do seu mandatário, apresentaram no processo ...57/...7.7T8ESP requerimento a desistir da instância e do pedido formulado contra os Réus uma vez que não chegou a entendimento com os réus.
9-Em 08/01/2019 foi proferida sentença homologatória de desistência do pedido e absolvidos os réus.
10-No dia 10.05.2019, os aqui autores AA, BB, CC, DD, EE casada com GGG, FF casado com HHH, na qualidade de únicos e universais herdeiros de MM, intentaram ação comum de demarcação contra GG, HH, II, JJ, KK, na qualidade de únicos e universais herdeiros de EEE.
11-A ação referida deu origem ao processo n.º..., que correu termos no J1, juízo de competência genérica de Espinho, tendo os autores formulado os seguintes pedidos:
A. Ser reconhecido aos Autores o direito de propriedade sob o prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., sob o número ...87 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o número ...00 da aludida freguesia e fixados os limites e as confrontações do mesmo;
B. Sejam os segundos Réus solidariamente condenados a pagar aos Autores a quantia de €5.000,00, acrescida de juros de mora até integral e efectivo pagamento a título de pagamento do valor correspondente aos pinheiros e eucaliptos que se encontravam no prédio e que foram cortados e vendidos pelas Rés.
12- Para esses pedidos, os autores narraram, essencialmente, os mesmos factos expostos na anterior acção.
13-Nesta acção, a 28.10.2019, foi proferida decisão, confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto que julgou procedente a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir e pedido formulado pelos autores e, em consequência, foram os réus absolvidos da instância.
14- Nessa decisão consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
De igual forma, falece uma ação de reivindicação.
Desde logo porquanto existe claro caso julgado quanto a esta ação.
Na verdade, e tal como referido pelos réus na sua contestação, existiu já a ação que correu termos sob o n.º ...57/...7.7T8ESP, em que os autores visavam, precisamente, o reconhecimento do direito de propriedade do prédio ...87, tendo intentado tal ação contra os aqui réus.
Ora, havendo coincidência entre partes, pedido e causa de pedir, é forçoso haver caso julgado, sendo que aquela ação findou por sentença homologatória da desistência de pedido (cfr. fls. 97).
Não podem, agora, os autores vir intentar nova ação com os mesmos réus, causa de pedir e pedido.
De todo o modo, e mesmo que se entendesse que não ocorre caso julgado, o certo é que de igual forma existia ineptidão da petição inicial quanto à ação de reivindicação. (…)”.
15- No dia 1 de outubro de 2020, os aqui autores intentaram ação comum de reivindicação contra GG, HH, II, JJ, KK, na qualidade de únicos e universais herdeiros de EEE, a que correspondem os presentes autos que correm termos sob o número ....
16- Nessa ação os autores formularam os seguintes pedidos:
A. Ser reconhecido aos Autores o direito de propriedade sob o prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., sob o número ...87 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o número ...00 da aludida freguesia e fixados os limites e as confrontações do mesmo;
B. E consequentemente, condenar os Réus a restituírem aos Autores, a referida propriedade sobre o supracitado prédio;
C. Sejam os segundos Réus solidariamente condenados a pagar aos Autores a quantia de €5.000,00, acrescida de juros de mora até integral e efetivo pagamento a título de pagamento do valor correspondente aos pinheiros e eucaliptos que se encontravam no prédio e que foram cortados e vendidos pelas Rés.
14. Para esses pedidos, os autores narraram essencialmente os mesmos factos expostos nos anteriores processos.
15- Nessa ação os réus foram absolvidos por se verificar a exceção de caso julgado, precisamente a já julgada desistência do pedido, confirmada por sentença transitada em julgado, naquela ação nº ...57/...7.7T8ESP (Doc. nº 11)
16- A respetiva sentença transitou em julgado por acórdão da Relação do Porto de 28 de maio de 2020, no qual se consignou, além do mais, que “Em suma, de acordo com os autores citados – e na concordância de outros referidos na sentença, bem como da jurisprudência na mesma indicada – parece-nos ocioso acrescentar razões repetidas: no caso presente, os autores instauraram esta ação, depois de terem desistido do pedido em anterior e idêntica (quanto aos sujeitos à causa de pedir e ao pedido) ação de reivindicação. O direito em propriedade que os autores invocam – e antes invocaram – não é um direito indisponível, nem é da sua natureza que possa estar imune aos efeitos do caso julgado e esse caso julgado existe, porquanto, além da referida identidade entre as ações, aquela desistência do pedido foi homologada por uma sentença que transitou em julgado.”
17- Conforme resulta de certidão junta a estes autos em 23/1/2024, - informação certificada da data de trânsito em julgado da sentença proferida em 8/01/2019 no processo ...57/...7.7T8ESP, proferida pelo Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juíz 1, resulta que a sentença ali proferida a 8/1/2019, transitou em julgado em 13/2/2019.
18- A acção ...57/...7.7T8ESP deu entrada em juízo em data anterior a 10/11/2017 (cfr. por ex. citação da R. KK para contestar aquela acção por ofício datado de 10/11/2017, conforme Doc. 1 junto com a contestação dos ora 2º a 5º RR.).
19- Em 22/12/2021 o mandatário que representou os Autores na acção ...7 e na seguinte designada de “demarcação”, declarou, por escrito, que “embora tenha praticado os atos dentro dos limites formais que lhe foram conferidos por…agindo, assim, contrariamente aos limites da representação e definidos no mandato, que incluindo os poderes de transigir e desistir, a desistência do pedido nunca foi a vontade das autoras (es) que, expressamente, lhe transmitiram. A desistência seria sempre, feita no âmbito de uma negociação e não num acto/diligência processual, como foi o caso, ocorrido nos autos identificados supra, razão porque não foi aquela decisão ratificada. O advogado declarante, agiu assim, em nome dos representantes, mas não no seu interesse.”
20-A presente acção foi proposta em 12/01/2023.
Os Autores pretendem obter a declaração de ineficácia da sentença homologatória de desistência do pedido formulado numa acção destinada, essencialmente, ao reconhecimento de propriedade de uma parcela de terreno.
Para esse efeito, invocaram o abuso de representação por parte do respectivo mandatário forense, o qual, alegadamente, actuou, por lapso, contra a vontade real e conhecida dos Autores, seus constituintes.
Por outras palavras, alegaram que o seu mandatário, na mencionada acção de reconhecimento do direito de propriedade, apesar de ter poderes especiais para desistir, apresentou um requerimento de desistência do pedido, sem previamente os consultar com o propósito de apurar se seria realmente essa a sua intenção.
O tribunal a quo declarou que o direito à anulação da sentença homologatória da desistência do pedido caducou argumentando que pelo menos desde a data do trânsito em julgado da sentença homologatória, em 13/02/2019, os Autores tiveram conhecimento da actuação do seu mandatário, iniciando-se o prazo de um ano para reagir, o que não fizeram.
Antes de analisarmos a solução jurídica preconizada na decisão impugnada sobre a caducidade do direito de anulação, cumpre, antes de mais, averiguar, como acima se explicou, se assiste aos Autores o direito no qual se fundamentam para obter o efeito jurídico pretendido.
Concretamente, está em causa saber se o mandatário forense, nas circunstâncias relatadas e apuradas nos autos, abusou da representação dos seus clientes ou incorreu em qualquer erro susceptível de fundamentar a pretendida ineficácia/anulação da sentença homologatória da desistência do pedido.
Do Quadro Legal aplicável
Os arts. 258.º a 261.º do C. Civil aplicam-se à representação legal e voluntária, ou seja, são regras que disciplinam essas duas formas de representação, no que respeita à fonte.
Assim, no termos do referido artigo 258.º do C.Civil “O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”.
A representação, na noção sugerida por Manuel de Andrade[2], consiste em ser realizado um negócio em nome doutrem, para na esfera jurídica desse outrem se produzirem os seus efeitos.
No entanto, para que os efeitos do negócio se produzam na esfera jurídica do representado é necessário que o representante esteja dotado dos poderes necessários e suficientes para tal.
Na representação voluntária, utiliza-se a procuração para atribuir a outrem poderes representativos, que deverá revestir a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar (cfr. art. 262.º, n.º 1 e 2 do C.Civil).
Dentro dos limites atribuídos por esse acto, o representante pode realizar negócios jurídicos, em nome do representado, cujos efeitos se produzem na esfera jurídica deste último.
Na representação voluntária, como elucidava Carlos Mota Pinto[3], os poderes do representante e a respectiva extensão provêm da vontade do representado, manifestada na procuração; se for especial só abrange os actos nela referidos e os necessários à sua execução.
E acrescenta, sobre os pressupostos da representação, que “Deve existir, por parte do representante, legitimação representativa, que pode ser originária, isto é, já existente ao tempo do negócio representativo, ou conferida, posteriormente, através de uma ratificação do negócio (legitimação representativa subsequente).[4]
Nesta conformidade, e segundo o art. 268.º, n.º 1 do C.Civil, o acto praticado por um representante, sem ter poderes para o efeito nomeadamente por ter excedido os limites atribuídos pela procuração, é ineficaz em relação à pessoa em nome da qual se fez o negócio, salvo se for por esta ratificado posteriormente.
Na hipótese de o representante actuar dentro dos limites formais dos poderes conferidos, mas de forma contrária à finalidade da representação ou às indicações do representado, verifica-se abuso de representação, sendo igualmente ineficaz em relação a este último, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso (cfr. art. 269.º do CCivil).
O regime mais severo que a lei consagrou para se obter a ineficácia do acto na hipótese de abuso de representação comparativamente com a representação sem poderes explica-se, segundo P. de Lima e A. Varela[5], “pela circunstância de, na primeira hipótese, as expectativas da outra parte, fundadas na existência dos poderes de representação, nascerem de uma base mais sólida, mais consistente, visto o representante actuar, formalmente, dentro dos limites dos poderes que lhe foram outorgados.”
No caso em apreciação, o mandatário dos Autores estava munido de procuração com poderes especiais para desistir, pelo que não se verifica, com a desistência do pedido, falta de legitimação representativa, sendo, por isso, os efeitos decorrentes dessa declaração de desistência na esfera jurídica daqueles, plenamente eficazes.
Por outro lado, não ficou demonstrado que a contraparte conhecia ou era cognoscível o alegado vício do advogado, concretamente a circunstância de ter actuado contra a vontade e intenção dos seus representados ou contra a finalidade da representação.
Para se concluir no sentido de que o mandatário abusou dos poderes representativos não basta, como sustentam os Autores, que tenha apenas laborado em erro, face ao mencionado regime legal aplicável.
A questão que essencialmente se coloca é a de saber se o mandatário, ao proceder daquela forma, desistindo do pedido, incorreu em erro, isto é, se queria efectivamente escrever apenas desistência da instância e enganando-se, consignou, no requerimento, uma desistência do pedido e da instância.
Não se trata, em bom rigor, de abuso de representação em qualquer das suas vertentes, formal ou substancial, mas sim de um eventual lapso cometido, por escrito, pelo mandatário forense dos Autores na dita acção judicial.
Aqui chegados, importa saber se, na verdade, o mandatário dos Autores se enganou e na afirmativa, as consequências desse vício.
Do regime da Falta e Vícios da vontade
O regime padrão[6] formulado para o erro na declaração (designado erro-obstáculo) permite que a declaração negocial seja anulável, segundo o preceituado no citado art.º 247.º, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre o qual incidiu o erro.
Outra situação que se verifica frequentemente é o simples erro de cálculo ou de escrita, o qual, se for revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, mas apenas dá direito à rectificação, ao abrigo do art. 249.º do C. Civil.
No plano adjectivo, o art. 146.º, n.º 1 do C.P.Civil admite a rectificação do erro de cálculo ou de escrita, desde que revelados no contexto da peça processual apresentada.
O n.º 2 dessa norma permite ainda o suprimento ou correcção de vícios ou omissões puramente formais, desse que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa.
Poderá também ocorrer erro na transmissão da declaração, ou seja, a declaração é inexactamente transmitida por quem seja incumbido da transmissão, podendo ser anulada mas tão-só se se verificarem os pressupostos do art.º 247.º-(cfr. art. 250.º, n.º 1 do CC).
Nestes casos de erro-obstáculo estamos perante uma divergência entre a declaração e a vontade: o que foi declarado não corresponde, em resultado do erro, à vontade do declarante.
Sobre esta temática, Heinrich Hörster[7] explica que “Para haver um erro na declaração é necessário que o declarante diga (1.º) uma coisa diferente daquilo que realmente queria dizer ou (2.º) aquilo que realmente queria dizer, atribuindo embora às palavras que emprega um significado ou sentido diferentes dos que elas objectiva e efectivamente têm.
No primeiro caso, acrescenta o autor, “trata-se de um erro na própria declaração, ou no acto da declaração (engano no meio declarativo (lapsus linguae, erro mecânico, erro ortográfico,etc(; no segundo caso, trata-se de um erro sobre o conteúdo da declaração…”.
O erro-vício, na definição de Carlos Mota Pinto[8] traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância-se tivesse exacto conhecimento da realidade-, o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou. (erro nos motivos determinantes da vontade).
Portanto, nas palavras do mencionado autor[9], o erro-vício é um erro da vontade e o erro na declaração ou erro-obstáculo consiste numa divergência entre a vontade e a declaração.
Tendo em consideração o descrito quadro legal aplicável ao caso sub judice e as explicações doutrinárias pertinentes acima expostas, chegou o momento de averiguar se os Autores têm o direito de obter a anulação da declaração de desistência do pedido produzida pelo respectivo mandatário e consequentemente, da sentença homologatória.
Concretamente pretendem que o tribunal destrua os efeitos jurídicos produzidos pela sentença homologatória da desistência do pedido alegando que a mesma foi proferida em resultado do manifesto lapso do advogado, o qual não representou, como devia, a vontade real dos Autores, o que era do seu conhecimento.
Neste particular, afigura-se-nos desde logo evidente que não ficou demonstrado ter o mandatário cometido o invocado erro de escrita relativo à desistência do pedido.
E muito menos ficou provado que o mandatário dos Autores transmitiu, no requerimento que subscreveu, em representação daqueles, algo diferente daquilo que realmente queria dizer ou que lhe havia sido manifestado pelos seus constituintes.
Vejamos.
Os antecedentes desse requerimento confirmam que o mesmo correspondeu ao já por si declarado verbalmente na audiência prévia, em representação dos Autores, e com plenos poderes para transigir e desistir.
Recorde-se que, nessa audiência, a Mma. Juíza revelou que os autos reuniam elementos que lhe permitiam decidir pela absolvição por dois dos réus (segundos e quartos) por falta de causa de pedir e ainda pela improcedência dos pedidos à luz do art.º 291.º do Código Civil.
Os Autores intentaram essa acção contra GG, a quem imputaram uma descrição falsa do prédio, na qualidade de cabeça-de-casal da herança deixada por PP, actuação que, no seu entender, determinou que o seu prédio fosse “anulado” entre dois prédios.
Dirigiram também as suas pretensões contra o ex-cônjuge (HH) e os três filhos do falecido adquirente desse prédio-EEE, (II, JJ e KK) a título pessoal e não na qualidade de herdeiros.
Ainda por esse motivo a Mma. Juíza alertou que a demanda da herança de II devia dirigir-se contra a totalidade dos herdeiros e respectivos cônjuges ou, em alternativa, contra a herança representada pelo cabeça-de-casal.
Nessa diligência, perante o exposto pela Mma. Juíza, o mandatário dos Autores declarou que pretendia negociar com a ré GG e que, caso essas negociações se frustrassem, pretendia desistir do pedido quanto aos réus HH e herança de II e da instância quanto aos demais Réus.
Por não ter sido alcançado esse acordo, apresentou requerimento a desistir da instância e do pedido formulado contra os Réus.
Numa palavra, o mandatário tinha perfeita consciência de ter desistido do pedido em relação a todos os Réus, pois não ressalvou qualquer deles no seu requerimento e que, em consequência, a instância terminava.
Por conseguinte, dúvidas não restam que, na sequência de um propósito, manifestado na audiência prévia, de desistência do pedido em relação à Ré HH, ex-cônjuge do falecido adquirente do prédio em causa e da herança de EEE (que não fora demandada) e de desistência da instância quanto aos demais, optou, em consequência dos malogrados esforços no sentido de obter uma transacção, por desistir do pedido em relação a todos os Réus e da instância, acolhendo o entendimento sugerido nessa diligência pelo tribunal de total inviabilidade da acção, com o juízo, liberdade e ponderação jurídica que lhe incumbia fazer no âmbito das suas funções de mandatário,
Ademais inexiste o alegado erro do mandatário atendendo a que foi notificado da sentença homologatória de desistência do pedido e da consequente absolvição dos Réus, e não reagiu.
Pelo contrário, interpôs, representando os Autores, uma nova acção designada de demarcação, na qual, para além de requerer a fixação dos limites dos prédios, incluiu o pedido de reconhecimento da propriedade contra novamente os aqui Réus GG, HH, II, JJ, KK, na qualidade de únicos e universais herdeiros de EEE.
As circunstâncias objectivas acima assinaladas, decorrentes dos autos, contrariam a declaração escrita do referido mandatário dos Autores, junta aos presentes autos, no sentido de que a “desistência seria sempre, feita no âmbito de uma negociação e não num acto/diligência processual, como foi o caso, ocorrido nos autos identificados supra, razão porque não foi aquela decisão ratificada.”
Acrescentou que “agiu, assim, em nome dos representantes, mas não no seu interesse.”
Em suma, esta declaração não basta para dar como provado que o mandatário agiu por mero lapso desistindo do pedido, sem consultar previamente os Autores e que não lhes deu conhecimento dessa desistência.
Os Autores reconheceram que se verificou “uma deficiente execução do mandato, embora os Autores acreditem que tenha sido involuntária, mas com negligência, uma vez que, não obstante os poderes especiais de desistência e de transigir estarem expressamente conferidos, ficou acordado, de forma expressa e sem qualquer margem para erro na declaração de vontade expressa dos mandantes, que o mandatário forense estava obrigado a contactar, anteriormente à tomada de uma posição, os mandantes (aqui Autores), o que não fez, pelo que actuou em abuso de representação.”
O quadro factual alegado pelos Autores para fundamentar o abuso de representação do mandato forense (que já concluímos pela sua improcedência) enquadra-se antes no eventual cumprimento defeituoso das obrigações do mandatário, como os próprios Autores reconhecem, cujo resultado, a provar-se, determinará a responsabilidade do advogado e nunca a ineficácia da sentença homologatória da desistência do pedido.
Com efeito, o contrato designado por mandato obriga a que uma das partes pratique um ou mais actos jurídicos por conta da outra (cfr. art. 1157.º do C.Civil).
O mandatário, nos termos do art.º 1161.º, al. a) do C.Civil, é obrigado a praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante.
Os actos jurídicos em sentido lato compreendem os negócios jurídicos (ex.º testamento ou qualquer contrato) cujos efeitos se produzem ex voluntate e não apenas ex lege e os actos simples jurídicos que se traduzem em acções humanas lícitas das quais resultam efeitos jurídicos ex lege (ex.º interpelação do credor).[10]
Os actos jurídicos stricto sensu designados por Manuel de Andrade[11] por quase-negócios jurídicos consistem na manifestação duma vontade ou duma ideia, dando como exemplos, para além da interpelação ao devedor, a gestão de negócios, a notificação da cessão, etc.
Relativamente à distinção entre mandato e representação, Menezes Cordeiro[12] entende que ao contrário do mandato que vincula o mandatário à prática de um ou mais actos jurídicos, a procuração legitima o representante perante terceiros, ficando autorizado ao desenvolvimento da gestão.
O mandato configura uma das modalidades do contrato de prestação de serviços que é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição-cfr. arts. 1155.º e 1154.º do C.Civil.
Da Importância das Funções do Advogado
O advogado, no desenvolvimento da sua actividade profissional, que se traduz numa obrigação de meios e não de resultado, deve estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.[13]
Quer isto significar que o advogado, na qualidade de mandatário forense, não se compromete perante o cliente a ganhar a causa mas a encetar o seu profícuo labor, de forma dedicada e zelosa, recorrendo ao estudo e experiência adquirida, sempre com independência técnico-jurídica.
Nesta conformidade, se não há dúvida de que o mandatário deve pautar a sua actuação pelo critério de um bom pai de família, também se exige ao mandante uma especial cooperação com aquele na medida em que o contrato de mandato assenta numa relação de confiança.[14]
Segundo o art.º 97.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) a relação entre advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca, devendo aquele agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente.
O exercício das funções de advogado deve, assim, pautar-se por rigorosos critérios deontológicos e técnicos, almejando a defesa dos interesses do mandante, os quais, pela sua relevância, assumem uma importância fundamental na sociedade, garantindo, dessa forma, o direito constitucional de acesso ao direito por parte do cidadão.
No desenvolvimento deste raciocínio, devemos observar que, a ser verdade que o advogado agiu contra as instruções ou vontade conhecida dos Autores e não defendeu, com o zelo e a competência que lhe era exigida, os interesses dos seus representados, compete a ambas as partes intervenientes no contrato de mandato esclarecer essa responsabilidade.
A relação interna estabelecida no contrato de mandato, mesmo que se comprove ter ocorrido cumprimento defeituoso, nenhum efeito produz nos actos jurídicos, válidos e eficazes, praticados pelo representante.
Aqui chegados, podemos concluir que a questão jurídica da caducidade do direito da anulação/ineficácia, na nossa perspectiva, não se coloca pela simples razão de inexistir qualquer erro-obstáculo ou abuso de representação susceptível de fundamentar uma acção de anulação da sentença homologatória da desistência do pedido.
Concluindo-se, atendendo ao regime legal aplicável ao quadro factual, que a sentença deve ser mantida, apesar dos fundamentos serem diferentes.
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, pelos motivos acima expostos, mantêm a absolvição dos Réus dos pedidos.
Custas pelos Recorrentes.
Notifique.
Porto, 11/12/2024
Anabela Miranda
João Ramos Lopes
João Diogo Rogrigues
________________
[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, Almedina, pág. 267.
[2] Cfr. Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, pág. 286.
[3] Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição revista por Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pág. 543.
[4] Ob. cit., pág. 548.
[5] Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, pág. 250.
[6] Expressão utilizada por Paulo Mota Pinto, Direito Civil Estudos, GestLegal, 1.ª edição, pág. 53.
[7] A Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, pág. 561, citando R. Bastos, III (nota 64).
[8] Ob. cit., pág. 504.
[9] Ob. cit., pág. 504.
[10] Andrade, Manuel Domingues, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Coimbra 1983, pág. 8 e segs.
[11] Ob. cit., pág.9.
[12] Direito das Obrigações, 3.º vol., AAFDL, 1991, págs. 302 e 303.
[13] Artigo 100.º, n.º 1 al. b) do EOA.
[14] Neste sentido, v. Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 363.