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TÍTULO CONSTITUTIVO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL
EXISTÊNCIA DE CONDOMÍNIO
Sumário
I – Em princípio, contra as nulidades processuais, reclama-se; do despacho proferido que não atenda a reclamação, recorre-se. II – A existência de condomínio emerge do título constitutivo da propriedade horizontal, não se confundindo nem com a assembleia de condóminos, nem com a administração dele (nem com eventual inexistência de regulamento de condomínio).
Texto Integral
APELAÇÃO N.º 1660/23.0T8GDM.P1
Sumário, nos termos do art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, C.P.C.([1]):
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Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relator: Jorge Martins Ribeiro;
1.º Adjunto: Carlos Gil e
2.ª Adjunta: Eugénia Cunha.
ACÓRDÃO
I – RELATÓRIO
Na presente ação declarativa de condenação, com processo comum, é autor (A.) AA, titular do N.I.F. ...41..., residente na Rua ..., ..., ... ..., ..., e são réus (RR.) “Herdeiros por óbito de BB”, a citar na Rua ..., ..., ..., ... ..., ....
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Procedemos agora a uma síntese do processado([2]), e factual, destinada a facilitar a compreensão do objeto do presente recurso.
1) A presente ação deu entrada em juízo no dia 09/05/2023.
Muito em suma, o A. pretende a condenação dos RR. por não terem efetuado obras no “telhado comum”([3]) do edifício onde habita, o A. no primeiro andar e onde habitava, no r/c, a falecida mãe daqueles.
Por não o terem feito, diz, houve infiltrações pelo telhado e a água provocou diferentes estragos, no chão, tetos e mobiliário, pelo que pediu a condenação dos RR. a pagarem-lhe uma indemnização por danos patrimoniais, uma compensação por danos não patrimoniais e a repararem, a expensas suas, o telhado comum do prédio (que, desde já referimos, está constituído em propriedade horizontal), tudo nos precisos termos constantes da petição inicial.
2) Aos 06/07/2023 foi apresentada a contestação por CC, titular do N.I.F. ...14..., e por DD, titular do N.I.F ...10..., enquanto filhos da falecida BB.
Também muito em síntese, entre o mais, invocaram a sua ilegitimidade passiva, pois que deveria ter sido demandado o condomínio, por o prédio estar constituído em propriedade horizontal, desde 28/03/1982, e que, de todo o modo, o próprio A. poderia ter efetuado as reparações que fossem necessárias para evitar as alegadas infiltrações; deduziram reconvenção (por terem vendido o imóvel do r/c, que herdaram, por preço inferior àquele que pretendiam, dado que o A. afugentava os interessados na compra do imóvel, dizendo que tinha problemas no telhado e destratava, quer os visitantes, quer os agentes imobiliários) e pediram a condenação do A. como litigante de má--fé.
3) No dia 25/09/2023 foi proferido despacho, determinando-se ao A. que esclarecesse em que qualidade demandava os RR., ao que, por requerimento de 11/10/2023([4]), o A. veio esclarecer que os demandava a título pessoal por “não haver condomínio constituído”.
4) Na sequência de informação prestada aos autos pelos RR, dizendo que as obras no telhado já tinham sido feitas e custeadas pelos agora donos do r/c, no dia 15/11/2023 foi proferido despacho em que, entre o mais, se ordenou ao A. que confirmasse se assim era – ao que o mesmo respondeu, no dia 04/12/2023, dizendo que tal era verdade.
5) Aos 21/12/2023 foi proferido despacho em que se extinguiu parcialmente a instância por inutilidade superveniente da lide, indeferiu-se (por inadmissibilidade) a reconvenção e em que, após resumo do teor dos autos, se determinou às partes que se pronunciassem sobre a intenção de o tribunal conhecer imediatamente do objeto do processo no despacho saneador; perante a oposição apresentada pelo A., no dia 15/01/2024, foi proferido despacho (no dia 23/01/2024) a convocar([5]) a pretendida audiência prévia – que viria a realizar-se no dia 06/03/2024, constando da respetiva ata([6]) que os ilustres mandatários de ambas as partes apresentaram as suas alegações de facto e de direito por, novamente, o tribunal ter anunciado pretender conhecer do mérito da causa.
6) Aberta a conclusão ordenada, para prolação de sentença, foi, aos 10/04/2024, proferido despacho saneador – o em causa neste recurso; o tribunal a quo concluiu pela ilegitimidade passiva dos RR., por considerar que deveria ter sido demandado o condomínio, tendo, entre o mais, absolvido aqueles da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, al. e), do C.P.C.
6.1) A notificação de tal decisão, datada de 15/04/2024, considera-se efetuada aos 18/04/2024.
7) Aos 20/05/2024 o A. interpôs recurso.
Formulou as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na firme convicção que o mesmo enferma de nulidade, ao abrigo do disposto no art.º 195.º, do CPC., atenta o incumprimento de várias formalidades legalmente prescritas e que, em boa verdade, influenciam o exame e a decisão da causa bem como, de uma errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido bem diferente daquele que, Vossas Excelências, elegerão, certamente, como mais acertada, depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de facto e de direito, e à luz dos meios probatórios disponíveis.
2. O objecto do presente recurso consubstancia-se na impugnação da decisão proferida pelo Tribunal a quo nos seguintes termos:
- o ter sido julgado improcedente o requerimento apresentado pela A.
- o tribunal a quo não se ter pronunciado quanto ao pedido formulado pela A.
3. Desde logo, salvo o devido respeito, jamais a ora recorrente poderá concordar com o entendimento do Tribunal recorrido.
4. Desta forma, violou o Meritíssimo Juiz a quo uma das formalidades do artigo 3.º n.º 3 do C.P.C.
5. NESTES TERMOS, cumpre concluir que, atento o supra exposto, a decisão, aqui em apreço é nula atenta a preterição de formalidades essenciais legalmente consignadas.
II - DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO:
6. No seguimento daquilo que já supra melhor se mencionou, os fins do Processo Civil, resumidamente, são os de, em contraditório, determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, proferir o despacho destinado a identificar o objecto do litígio.
7. ACONTECE QUE, não obstante a existência de matéria controvertida, o Meritíssimo Juiz a quo, entendeu que os autos já possuíam todos os elementos necessários à decisão sobre o mérito da causa e, como tal, proferiu a respectiva sentença, proferindo decisão no âmbito dos presentes autos.
8. Porém, ao arrepio da lei, designadamente, ao abrigo do disposto no art.º 3.º n.º 3 do C.P.C., o Tribunal recorrido decidiu sobre o mérito da causa nem facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito.
9. Ora, a audição das partes quanto à matéria de facto e de direito constitui uma formalidade legalmente imposta pelo artigo 3.º n.º 3 do C.P.C., cuja violação acarreta a nulidade da decisão o que, desde já se invoca, com todas as consequências legais em apreço é nula atenta a preterição de formalidades essenciais legalmente consignadas daí decorrentes.
10. Deste modo, violou o Meritíssimo Juiz a quo um dos mais elementares princípios processuais, nomeadamente, o princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º n.º 3 do CPC.
11. Face ao exposto, não restam dúvidas de que a prolação da decisão é proferida com preterição de uma formalidade essencial e, que se encontra prescrita na lei, ou seja, foi a mesma efectuada sem que as partes tivessem oportunidade de se pronunciar em relação às questões de facto e de direito.
12. Em, face disso e, uma vez que a omissão de tal formalidade influi no exame ou na decisão da causa, tal decisão é nula, atenta a violação do art.º 3º n.º 3 do CPC.
13. Assim sendo e, sempre com o devido respeito, a verdade é que, muito mal andou oTribunal de que se recorre.
14. Em suma, não se conforma, de modo algum, o ora apelante com a douta decisão em crise, por entender que a decisão judicial proferida é, nula, atenta a violação de formalidades legais, conforme supra melhor se explanou, com todas as consequências legais daí decorrentes.
Termos em que concedendo-se provimento ao recurso, deve revogar-se a decisão recorrida, julgando-se ao invés, o presente requerimento procedente, com as legais consequências, fazendo-se a sã e habitual justiça”.
8) No dia 18/06/2024 foram apresentadas as contra-alegações, constando delas as seguintes conclusões:
“I) Ao longo das suas alegações, doutas, o Apelante não alinha um único argumento que fundamente a sua afirmação de que a sentença recorrida padece de algum vício.
II) E em parte alguma das suas alegações o Apelante formula qualquer argumento que vise contrariar a perfeitíssima análise jurídica do Tribunal a quo, quanto à verificação de uma exceção dilatória de ilegitimidade passiva dos Apelados.
III) As alegações de recurso apresentadas são assim ineptas, não contendo qualquer argumento que justifique a revogação da sentença recorrida, que assim se deverá manter, na íntegra.
IV) Ao formular o presente recurso, bem sabendo ser o mesmo manifestamente infundado e carecido de argumentos que mereçam consideração, e estando o Apelante, como está, doutamente representado por Ilustre Causídica, não poderá deixar de se concluir que fez um uso manifestamente reprovável do processo, com vista a protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da sentença.
V) Deverá pois o Apelante ser julgado litigante de má-fé, sendo-lhe aplicada pedagógica multa e determinando-se a compensação aos Apelados pelas despesas e incómodos causados, em montante a arbitrar, mas nunca inferior a € 1.000,00 (mil euros).
Com o que se fará JUSTIÇA”.
9) O requerimento de interposição de recurso foi corretamente admitido, por despacho datado de 26/06/2024, como sendo de apelação, a subir nos autos e com efeito devolutivo, mencionando-se as normas corretas; também foi observado o disposto no art.º 641.º, n.º 1, do C.P.C., pronunciando-se o tribunal sobre as arguidas nulidades, concluindo que não se tinham verificado.
10) A ilustre mandatária do A. renunciou posteriormente à procuração, no dia 01/07/2024; contudo, após os autos terem sido remetidos a este Tribunal, foi junto o expediente da Ordem dos Advogados, por e-mail de 09/09/2024, a nomear patrona ao A.([7]).
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O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.).
Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação.
Posto isto, as questões (e não razões ou argumentos) são as seguintes: 1) Se a decisão recorrida enferma de nulidade, por referência aos invocados artigos 195.º e 3.º, n.º 3, do C.P.C. 2) Se a decisão recorrida omitiu pronúncia quanto ao pedido formulado pelo A.([8]). 3) Se o Direito foi corretamente aplicado no caso. 4) Ainda que os RR. não tenham interposto recurso, se se justifica a condenação do A. por litigância de má-fé ao tê-lo feito.
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II – FUNDAMENTAÇÃO Os factos
Os factos relevantes são os atrás enunciados na sinopse processual, que nesta vertente adjetiva têm força probatória plena. O Direito
Seremos tão sucintos quanto possível; assim, por ordem e sempre com o devido respeito por diferente entendimento, passamos à análise das questões. Questão n.º 1:Se a decisão recorrida enferma de nulidade, por referência aos invocados artigos 195.º e 3.º, n.º 3, do C.P.C.
A matéria de impugnação de decisões judiciais é vasta e complexa; o Direito é campo fértil para questões, especulações e dissidências.
Assim, também o regime de arguição de nulidades processuais é passível de diferentes entendimentos, o que se torna ainda mais complexo em função da concreta nulidade que esteja em causa (e dos seus efeitos) e se a mesma ocorre num despacho interlocutório ou num final, seja sentença, seja despacho, tal como releva também o momento em que a parte dela tomou conhecimento e se, em prazo para a arguir, entretanto os autos, em recurso, subiram ao tribunal de recurso – hipótese diretamente contemplada no art.º 199.º, n.º 3.
O recorrente funda a sua pretensão na alegada violação do disposto nos artigos 195.º e 3.º, n.º 3, a omissão de “formalidades”, de um ou mais atos atinentes ao exercício do contraditório, que poderia ter influído na decisão da causa.
Como bem realçado pelo tribunal a quo, tal “é falso” – resulta da sinopse processual que o tribunal persistentemente, em cumprimento da lei, sempre evitou qualquer decisão-surpresa, anunciando sempre as suas intenções, clarificando a linha de raciocínio, e dando às partes a oportunidade de se pronunciarem, o que sucedeu por duas vezes: primeiro, em sequência de despacho referido em 3) da sinopse processual, proferido aos 25/09/2013 (na sequência da arguição de ilegitimidade passiva dos RR., porquanto, de acordo com estes, deveria o A. ter demandado o condomínio([9])), veio o A. esclarecer que os demandava a título individual e, depois, ao designar a audiência prévia e fim visado com a mesma, constando da ata que as partes nela alegaram de facto e de Direito([10]) – por ser intenção do tribunal conhecer do mérito da causa.
Fizemos estas observações em nome da clareza, na medida em que a arguição destas (subjetivamente) configuradas nulidades, omissão de formalidades para cabal exercício de contraditório, deveria ter sido objeto de reclamação no prazo (geral) de 10 dias, este em conformidade ao disposto no artigos 149.º n.º 1, após a notificação da decisão recorrida – que se considera efetuada aos 18/04/2024, de acordo com o previsto no art.º 248.º, n.º 1, sendo que só o argui em sede de recurso, interposto aos 20/05/2024 – pelo que consideramos, ressalvando o devido respeito por diferente entendimento, extemporânea a arguição, acrescendo que o formalismo que deveria ter sido observado seria, como dissemos antes, o de reclamar perante o tribunal a quo (em decorrência do estatuído no art.º 199.º) e do despacho que sobre tal recaísse interpor recurso, fosse o caso.
Este juízo de extemporaneidade (e de procedimento([11])) tem fundamento, também, no disposto no art.º 199.º, n.º 3, ao prever que “se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo referido neste artigo, pode a arguição ser feita perante o tribunal [superior]”([12]).
No sentido do que vimos referindo, citamos, por todos, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “[e]m princípio, as nulidades processuais devem ser conhecidas logo que reclamadas por qualquer das partes, cumprindo ao juiz fazê-lo em despacho avulso, qualquer que seja o sentido da decisão. Esta resposta imediata justifica-se sobremaneira em situações em que a decisão sobre o incidente possa determinar a anulação de algum ou de alguns dos atos já [praticados]”([13]). Como claramente referem, entre outros, estes autores, “[m]antém-se a atualidade e pertinência do brocardo segundo o qual «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se». A reclamação e o recurso não são meios de impugnação concorrentes, cabendo à parte reclamar previamente para suscitar a prolação de despacho sobre a arguida nulidade”([14]).
No entanto, como referimos no início desta resposta, a resposta pode revelar-se mais complexa.
Citando agora apenas António Santos Abrantes Geraldes, “[a] expressão segundo a qual «das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se» aparenta uma simplicidade que não condiz com o que a prática judiciária revela. Importa, pois, distinguir as nulidades de procedimento das nulidades de [julgamento]. Mas a questão nem sempre encontra uma resposta tão evidente noutros casos, designadamente quando é cometida alguma nulidade de conhecimento oficioso em que é o próprio juiz que, ao proferir a sentença, omite uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa (art. 3.º, n.º 3). Nestes casos, em que a nulidade é revelada apenas através da prolação da [decisão] a sujeição ao regime geral das nulidades [processuais], levaria a que a decisão que a deferisse se repercutiria na invalidação da [sentença]. Porém, tal solução defronta-se cm o enorme impedimento constituído pela [regra] que, uma vez proferida a sentença (ou qualquer outra decisão), fica esgotado o poder jurisdicional, de modo que, sendo admissível recurso, é exclusivamente por esta via que pode ser alcançada a revogação ou a modificação da decisão”([15]).
Como vemos, há situações difíceis, geradoras de dúvidas e passíveis de diferentes soluções ou entendimentos.
Revertendo ao caso, é verdade que o tribunal a quo não seguiu um caminho linear, pois adiantou que pretendia conhecer do mérito da causa, permitiu às partes as alegações de facto e de Direito, determinou a abertura de conclusão para proferir sentença (de mérito) e depois terminou a conhecer de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (ilegitimidade passiva dos RR., nos termos dos artigos 577.º, al. e) e 578.º) – sendo que o lógico seria ter tomado posição após o articulado do A. em que, respondendo ao despacho proferido aos 25/09/2023, veio dizer que demandava os RR. a título individual.
No entanto, se tal é verdade, também o é que, nem em sede recursiva, o A. dirigiu a nulidade que arguiu em tal sentido, não sendo de esquecer que, processualmente, a questão da legitimidade passiva já tinha sido abordada pelo tribunal, pelo que a decisão em causa não será, neste preciso contexto, uma decisão-surpresa que viole o princípio do contraditório, tal como previsto no art.º 3.º, n.º 3.
Improcede assim esta questão. 2)Se a decisão recorrida omitiu pronúncia quanto ao pedido formulado pelo A.
Novamente abordamos a matéria por clareza e para que não se diga, eventualmente, que este Tribunal omitiu pronúncia – mas, dizemos, a forma como a questão surge colocada suscita-nos sérias dúvidas se o é verdadeiramente… – mais, perante o atrás decidido, e tendo em conta a delimitação do objeto do recurso emergente das conclusões, questionamo-nos até se o objeto não estará esgotado…
Posto isto, é patente que não há qualquer omissão de pronúncia na decisão, para efeito do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d); o tribunal não deixou de apreciar o pedido efetuado pelo A., como este afirma em recurso. Tendo os RR. sido julgados parte ilegítima nada mais havia, logicamente, a decidir – mormente quanto ao mérito da ação e quanto ao pedido formulado… 3) Se o Direito foi corretamente aplicado no caso.
O recorrente parece não atender a que a existência do condomínio é contemporânea do estabelecimento da propriedade horizontal([16]) ([17]), dela decorre, que no caso aconteceu por ato administrativo de aprovação de requerimento em tal sentido, no dia 28/03/1982, não deixando de existir por não ter havido reunião de assembleia de condóminos ou não ter sido eleito administrador (ou de não haver um regulamento de condomínio).
Sobre a figura do condomínio citamos agora Ana Filipa Morais Antunes e Rodrigo Moreira, “[m]uito embora o condomínio não tenha personalidade jurídica, o legislador reconheceu-lhe uma organização própria, assente numa estrutura dual, que compreende um órgão deliberativo – a assembleia dos condóminos – e um órgão executivo – o administrador. [O (CPC)] reconhece personalidade judiciária ao «condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do [administrador»]”([18]) – o que é caso, como resulta do disposto no art.º 1437.º, n.º 1, do Código Civil, C.C., “[o] condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele”.
Assim, e também por aqui, não é a decisão recorrida passível de censura. 4) Ainda que os RR. não tenham interposto recurso, se se justifica a condenação do A. por litigância de má-fé ao tê-lo feito.
Como José Lebre de Freitas explica, “[a]s partes têm o dever de pautar a sua actuação processual por regras de conduta conformes à [boa fé]. A lide diz--se temerária, quando essas regras são violadas com culpa grave ou erro grosseiro, e dolosa, quando a violação é intencional ou consciente. A litigância temerária é mais do que a litigância imprudente, que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, actuando culposamente, mas apenas com culpa [leve]”([19]).
Citando António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “[a]través da litigância de má-fé, a lei sanciona a instrumentalização do direito processual em diversas vertentes, quer ela se apresente como uma forma de conseguir um objetivo considerado ilegítimo pelo direito substantivo, quer como um meio de impedir a descoberta da verdade, quer ainda como forma de emperrar ainda mais a máquina judiciária, com a colocação de obstáculos ou com a promoção de expedientes dilatórios”([20]).
Afigura-se-nos que a interposição de recurso poderá ser impudente, mas que não configura uma litigância de má-fé (que é do conhecimento oficioso – e que, nesta sede, tivéssemos opinião diferente, teria de ser precedida de contraditório), pelo que não há motivo para a declarar e, como tal, arbitrar qualquer indemnização aos RR.
Pelo exposto, o presente recurso será julgado improcedente.
III - DECISÃO
Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, art.º 527.º, do C.P.C.
Porto, 11/12/2024.
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Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos:
Relator: Jorge Martins Ribeiro;
1.º Adjunto: Carlos Gil e
2.ª Adjunta: Eugénia Cunha.
_________________________________ [1] Diploma a que doravante nos referiremos se não fizermos outra menção. [2] Um pouco mais detalhada do que, em rigor, seria estritamente necessário, mas que, cremos, facilitará a compreensão deste acórdão. [3] Expressão do próprio. [4] Antes, aos 27/09/2023, o A. havia apresentado réplica, defendendo a improcedência da reconvenção e pedindo a condenação dos RR. como litigantes de má-fé. Na sequência deste pedido, os RR. responderam, aos 12/10/2023, considerando não ter cabimento e que deveria ser julgado improcedente. [5] Nos seguintes termos: “Atento o teor do requerimento que antecede, terá lugar audiência prévia, subordinada à finalidade prevista no artigo 591.º, n.º 1, al. b) do CPC (facultar às partes a discussão de direito e de facto, uma vez que o Tribunal tenciona conhecer imediatamente do mérito, pelos fundamentos constantes do despacho anterior). Para a sua realização, designa-se o dia 21/2/2024, pelas 14h, neste juízo. A audiência prévia será gravada (n.º 4 do artigo 591.º do CPC). Notifique” (negrito e sublinhado no original). [6] Transcrevemos em nota parte da ata: “--- Seguidamente, foi pelo Mmº. Juiz de Direito concedida a palavra aos Ilustres Mandatários das partes presentes, tendo os mesmos dito que nada têm a requerer.
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--- A seguir, o Mmº. Juiz de Direito deu a palavra aos Ilustres Mandatários presente para alegações finais, aos quais no seu uso as fizeram.
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As alegações da Ilustre Mandatária do autor encontram-se gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início a 14:34:10 e fim a 14:34:34 horas.
*
As alegações do Ilustre Mandatário da ré encontram-se gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início a 14:34:37 e fim a 14:35:16 horas”. [7] Menção que fazemos tendo em conta o disposto nos artigos 40.º, n.º 1, al. a), 41.º, in fine, e 48.º, n.º 1. [8] Ainda que vagamente enunciada na conclusão n.º 2, é o que depreendemos… [9] Da contestação, composta de 37 páginas, os RR. dedicaram a esta matéria as primeiras sete. [10] A autenticidade da ata não foi, tão-pouco, questionada. [11] Sobre os procedimentos de impugnação e sobre as vantagens processuais de uma reclamação perante o próprio tribunal, cf., também, Rui PINTO, O RECURSO CIVIL. UMA TEORIA GERAL. NOÇÃO, OBJETO, NATUREZA, FUNDAMETO, PRESSUPOSTOS E SISTEMA, reimpressão, Lisboa, A.A.F.D.L., 2018, respetivamente, pp. 32 e 33, 122 e ss., bem como pp. 34 a 39. [12] Interpolação nossa. [13] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, p. 266 (interpolação nossa). [14] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, p. 261 (aspas no original). [15] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pp. 24-26 (interpolação nossa; aspas e itálico no original). [16] Como observa Ana Taveira da Fonseca, “[o] negócio jurídico, a decisão judicial ou a decisão administrativa da qual emerge a propriedade horizontal deve individualizar as partes que compõem o edifício, especificando aquelas que correspondem a cada uma das frações. A primeira função do título constitutivo é, consequentemente, a de definir quais as partes do edifício que se consideram comuns e aquelas que integram casa uma das frações autónomas”. Cf. Ana Taveira da FONSECA, AA.VV., Comentário ao Código Civil. Direito das Coisas, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2021, p. 442. [17] E, como resulta do título junto com a contestação, a fração do A. (B), no primeiro andar, tem a percentagem de 50%, igual à do rés do chão (fração A), definindo quais as partes comuns. [18] Cf. Ana Filipa Morais ANTUNES e Rui MOREIRA, AA.VV., Comentário ao Código Civil. Direito das Coisas, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2021, p. pp. 472-473 (interpolação nossa; itálico e aspas no original – com citação do disposto no art.º 12.º, al. e), do C.P.C. [19] Cf. José Lebre de FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p. 194 (interpolação nossa e negrito no original). [20] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, p. 642 (interpolação e itálico nosso).