I - Tendo sido formulado nos articulados pedido de condenação por litigância de má- fé deve o mesmo ser conhecido na sentença sob pena de nulidade da mesma por omissão de pronúncia sobre questão que devia ser apreciada.
II - Ocorrendo impossibilidade de cumprimento da prestação de facto a que estava obrigado o executado, dela não decorre extinção por impossibilidade superveniente da ação executiva para prestação de facto, que se converte em execução para pagamento de quantia certa, nos termos do artigo 869.º do Código de Processo Civil.
III - Apenas quando a impossibilidade da prestação tenha causa imputável ao devedor o mesmo se tornará responsável perante o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação.
(Da responsabilidade da Relatora)
Recorrente: A... - Unipessoal, Lda.
Recorrida: B... – Administração de Condomínios, Unipessoal, Lda.
Relatora: Ana Olívia Loureiro
Primeira adjunta: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
Segundo adjunto: José Eusébio Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório:
1. Em 20-11-2020 B... – Administração de Condomínios, Unipessoal, Lda. instaurou processo de execução contra A... - Unipessoal, Lda. pedindo a fixação de prazo à executada para cumprimento de obrigação de prestação de facto titulada por sentença homologatória de transação com o seguinte teor (no que aqui releva convocar): “1. A requerente aceita ceder a posição contratual no contrato de locação financeira a que se refere o doc. 1 da petição inicial a favor da 1.ª requerida que a partir da presente data assume a posição de locatária do aludido contrato com as obrigações do pagamento das rendas, seguros e demais referentes ao mesmo contrato. 2. Para o efeito a 1.ª requerida diligenciará junto da locadora para que esta permita a cessão contratual obrigando-se a 1.ª requerente a assinar toda a documentação que seja necessária para esse efeito.”.
2. A Executada foi citada em 17-12-2020 e em 23-04-2021 deduziu embargos de executado em que alegou em suma: ter contactado o locador C... com vista a proceder à cessão da posição contratual a que se obrigara o que não logrou fazer porque o mesmo lhe disse que a mesma não tinha legitimidade para fazer tal pedido por ser alheia ao contrato celebrado entre tal locador e a Exequente (locatária) e que o confinamento decorrente da pandemia inviabilizou as diligências necessárias a tal cessão. Concluiu que não obstante as diligências que fez com vista a cumprir a sentença exequenda, está impossibilitada de o fazer sustentando ainda que era nula a cláusula da transação que a obriga a tal cessão, nos termos do artigo 280.º, número 1 do Código Civil.
3. Em 16-05-2022 foi proferida sentença que julgou tais embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução, fixando em 10 dias o prazo para realização da prestação e determinando que “findo o prazo fixado, caso a Exequente mantenha que o facto não está prestado conforme ao título, é a executada novamente notificada para deduzir embargos, com as limitações previstas no número 2 daquele artigo 875º”
4. Por decisão sumária do Tribunal da Relação do Porto de 13-01-2023 foi julgado improcedente o recurso que a Embargante interpôs de tal sentença e procedente o recurso subordinado da Embargada que tinha por objeto a alteração da redação dada a um dos factos provados.
5. Ali foram julgados provados os seguintes factos:
1. Nos autos de procedimento cautelar (CPC 2013) n.º 1011/19.8T8VCD, que correram termos pelo Juízo Local Cível da Póvoa do Varzim (Juiz 1), foi proferida sentença datada de 09/01/2020, já transitada em julgado, que homologou a transacção judicial celebrada entre Exequente, a Executada e AA.
2. Nessa transacção, na parte relevante, foi determinado: «1. A requerente aceita ceder a posição contratual no contrato de locação financeira a que se refere o doc. 1 da petição inicial a favor da 1.ª requerida que a partir da presente data assume a posição de locatária do aludido contrato com as obrigações do pagamento das rendas, seguros e demais referentes ao mesmo contrato. 2. Para o efeito a 1.ª requerida diligenciará junto da locadora para que esta permita a cessão contratual obrigando-se a 1.ª requerente a assinar toda a documentação que seja necessária para esse efeito.”».
3. O prazo de 10 dias é suficiente para a Executada proceder ao preenchimento e assinatura dos formulários indicados pela locadora e instruí-los com todos os documentos por esta solicitados relativos aos elementos da empresa (cessionária): a. IRC ou código de validação;b. IES ou código de validação;c. Certidão do Registo Comercial ou código de validação; d. Último Balancete. Elementos dos Fiadores/Avalistas: a. Proposta preenchida, em anexo;b. Fotocópia do Bilhete de Identidade / Cartão do Cidadão, frente e verso;c. Fotocópia do Cartão de Contribuinte;d. Comprovativo do NIB da conta a debitar; e. Comprovativo da morada.
4.A Exequente solicitou à locadora (C..., S.A.), em 03 de Março de 2020, informação sobre a possibilidade de transferência do contrato de leasing para a Executada e, ainda, os elementos/documentos necessários para o efeito;
5.A locadora confirmou ser possível a cessão da posição contratual para a Executada e indicou os documentos necessários à apreciação do pedido e remeteu o formulário que deveria ser preenchido e entregue pela Executada e nos serviços da locadora;
6.A Exequente, em 06/03/2020, remeteu à Executada o formulário que esta deveria preencher, destinado a solicitar à locadora a transmissão da posição contratual. I. Elementos da empresa (cessionária): a. IRC ou código de validação;b. IES ou código de validação;c. Certidão do Registo Comercial ou código de validação; d. Último Balancete. II. Elementos dos Fiadores /Avalistas: a. Proposta preenchida, em anexo;b. Fotocópia do Bilhete de Identidade / Cartão do Cidadão, frente e verso;c. Fotocópia do Cartão de Contribuinte;d. Comprovativo do NIB da conta a debitar; e. Comprovativo da morada.
7.A Executada remeteu-se à inércia e em 19/10/2020 solicitou à Exequente que apresentasse novo pedido junto da locadora, o que esta fez em 20/10/2020, tendo esta emitido a declaração, nessa data, junta com a contestação cujo teor se dá por reproduzido.
8.Em 24/10/2020, a Exequente informou a Executada de que já tinha formulado novo pedido de cessão de posição contratual, anexou a declaração emitida pela locadora em 20/10/2020 com a relação dos documentos necessários da proponente.
9.Em 27/10/2020, a Executada confirmou a recepção dos documentos e prometeu que iria proceder, sem demora, ao pedido de cessão da posição contratual, juntando para o efeito todos os documentos solicitados pelo C....
10.Mas não o fez até à presente data, tanto mais que deduz embargos de executado vindo invocar a nulidade do acordo. III. Elementos da empresa (cessionária): a. IRC ou código de validação; b. IES ou código de validação; c. Certidão do Registo Comercial ou código de validação; d. Último Balancete. IV. Elementos dos Fiadores / Avalistas: a. Proposta preenchida, em anexo; b. Fotocópia do Bilhete de Identidade / Cartão do Cidadão, frente e verso; c. Fotocópia do Cartão de Contribuinte; d. Comprovativo do NIB da conta a debitar; e. Comprovativo da morada.”
6. Da referida decisão sumária consta, nomeadamente, a seguinte fundamentação: “Resulta claramente da factualidade constante dos documentos juntos aos autos que, apesar dos esforços da Exequente no sentido de facilitar à Executada o cumprimento do acordado, pedindo informação ao locador e remetendo-lhe os documentos necessários (formulários) para esse efeito, a verdade é que, desde há cerca de dois anos, que esta última nada fez em concreto nomeadamente não preencheu e entregou no C... o formulário e documentos por este exigido para aceitar a cessão da posição de locatária. Com efeito, em 20 de Outubro de 2020, o locador declarou, em resumo, que apenas poderá avaliar e decidir se aceita a cessão da posição contratual proposta no contrato de locação financeira em causa se, para o efeito, lhe forem disponibilizados os mencionados elementos da empresa e dos fiadores/avalistas. Ora, a Embargante alegou que se dirigiu ao locador, mas o formulário que lhe foi remetido posteriormente para ser possível a transmissão da posição contratual a seu favor não foi preenchido e entregue. Em suma, dúvidas não restam que a prestação é possível, sendo o prazo de 10 dias razoável para tal, pelo que improcede o recurso.”.
7. Em 17-05-2023 a Executada juntou à Execução requerimento pelo qual alegou ter enviado carta registada à Exequente, solicitando que se concretizasse a cessão da posição contratual, mas que dado o lapso temporal decorrido entre a dedução dos embargos e a prolação do acórdão, se encontravam já liquidadas todas as rendas do contrato de locação, pelo que já não era possível a cessão da posição contratual, requerendo a extinção da execução por impossibilidade legal, nos termos do artigo 277º e) do Código de Processo Civil.
8. Tal requerimento foi indeferido por despacho de 29-06-2023 em que se decidiu que cabia ao agente de execução apreciar o requerido.
9. Em 25-05-2023 a Exequente veio liquidar em 25. 966, 97 € a dívida exequenda em consequência do incumprimento da prestação de facto pelo Executada, pedindo o prosseguimento da execução para pagamento desse montante para o que alegou que a mesma não tinha procedido à prestação de facto no prazo fixado pelo Tribunal e que em consequência disso sofreu prejuízo decorrente do pagamento das rendas vencidas desde 17-01-2020 até 27-08-2022, dos valores devidos a título de Imposto Único de Circulação, do pagamento do valor residual previsto no contrato de locação, entre outras despesas que discrimina e diz terem decorrido do facto de não ter sido cedida para a Executada a sua posição contratual de locatária de veículo automóvel. Pediu, ainda, a aplicação de sanção pecuniária compulsória à taxa de 50 € por cada dia de incumprimento.
10. A 19-01-2024 foi proferido despacho pelo qual se notificou a agente de execução para proceder à notificação da Executada para deduzir embargos com as limitações previstas no artigo 875.º, número 2 do Código de Processo Civil, o que a mesma veio comprovar ter feito em 31-01-2024.
11. Em 26-02-2024 a Executada deduziu embargos de executado alegando a impossibilidade da cessão contratual, impossibilidade essa que disse (de novo e como já fizera nos anteriores embargos) ser do conhecimento da Exequente quando foi celebrada a transação dada à execução. Alegou, ainda, que no período decorrido entre a celebração dessa transação e a data da decisão do Tribunal da Relação do Porto referida em 4 (13-01-2023) interpelou por várias vezes o locador C... com vista a que o mesmo permitisse a cessão contratual o que nunca foi possível porque a Exequente nunca comunicou àquele a transação judicial celebrada, e que em 22 e 30 de setembro de 2022 o mesmo lhe respondeu que a cessão da posição contratual não era possível. Alegou, ainda, que interpelou a Exequente por carta expedida a 22-02-2023 para que informasse o locador da cessão da posição contratual por forma a viabilizar a mesma, ao que a mesma respondeu exigindo o pagamento de determinando montante que a Embargante entendia não ser devido. Mais argumentou que a Exequente já adquiriu o veículo objeto da locação, que se encontra registado em seu nome na Conservatória do Registo Automóvel desde 30-10-2023. Pediu a condenação da Embargada, do seu mandatário e da agente de execução como litigantes de má-fé.
12. A 11-03-2024 foram liminarmente admitidos os embargos e ordenada a notificação da Embargada para os contestar, o que esta veio a fazer em 30-03-2024 reiterando que a Embargante se obrigara, pelo título executivo, a diligenciar “junto da locadora para que esta permita a cessão contratual obrigando-se a 1.ª requerente a assinar toda a documentação que seja necessária” bem como a pagar as “rendas, seguros e demais referentes ao mesmo contrato”. Alegou que a mesma nunca contactou o locador com vista à referida cessão e nem contactou a Embargada solicitando a sua colaboração. Reiterou que a locadora, por si contactada, confirmou a possibilidade da cessão contratual pelo que enviou à Embargante os necessários documentos para preenchimento, o que a mesma nunca fez, não obstante as diversas interpelações da Exequente em março, junho, julho e outubro de 2020. Daí que tenha continuado a pagar as prestações devidas pela locação, até ao seu final, já que a Executada o não fez, pelo que o referido contrato atingiu o seu termo tendo a Exequente adquirido o veículo locado cuja propriedade, contudo, entende que poderá ainda ser transmitida para a Executada mediante o pagamento por esta dos valores que liquidou em sede executiva. Concluiu pela não verificação da impossibilidade da lide e pela afirmação do seu direito à indemnização pelo dano sofrido em consequência do não cumprimento culposo da obrigação da prestação de facto pela Executada/Embargante.
13. Foi designada e realizou-se, em 04-06-2024, audiência prévia em que foi facultado contraditório às partes sobre a possibilidade de o Tribunal se pronunciar sobre o mérito dos embargos sem necessidade de produção de prova, “ou se pelo contrário, entendiam ser necessária a produção de prova e, neste caso, indicando desde já quais os factos relevantes controvertidos”. Ambas deram o seu acordo ao imediato conhecimento do mérito e foi dada a palavra os respetivos mandatários para alegações orais.
14. A 12 de junho de 2024 foi proferida sentença pela qual se julgaram “os embargos totalmente improcedentes, por falta de fundamento e consequentemente (…) verificado o incumprimento da prestação referida supra em 3º dos factos provados”[1]. Foi ainda julgado improcedente o pedido de condenação da Embargada como litigante de má-fé.
É desta sentença que recorre a Embargante arguindo a nulidade da sentença, pretendendo que se julguem provados os factos que entende decorrerem da prova documental junta aos autos, com a consequente declaração de procedência dos embargos por impossibilidade de cumprimento da obrigação de prestação de facto objeto da execução e defendendo a extinção, por impossibilidade, dessa lide.
Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:
“1- A omissão pelo tribunal a quo, quer dos factos alegados pela parte quer da prova documental, constitui um caso típico de omissão de pronúncia da decisão recorrida previsto no art.615, nº1, al. d), 1ªparte do CPC, produzindo a nulidade da sentença recorrida.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
2- A inexistente fundamentação de facto quer quanto aos factos provados espelha a falta de ponderação por parte do julgador do tribunal de 1ª Instância, pelo que, atenta a deficiência ocorrida deverá a decisão recorrida ser alterada.
DO ERRO NA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
3 – Foi dado como provado, respectivamente, no ponto 3 dos Factos Assentes, que a embargante/executada não encetou junto da locadora as diligências necessárias para que esta permita a cessão contratual, designadamente proceder ao preenchimento e assinatura dos formulários indicados pela locadora e instruí-los com todos os documentos por esta solicitados no prazo de 10 dias que lhe foi fixado no apenso A.”
4- Contudo, já antes da dedução dos embargos, bem como, com a dedução dos presentes embargos, a Recorrente fez juntar aos autos inúmera prova documental onde resulta provado precisamente o oposto do vertido no Ponto 3.
5- Por conseguinte, deve ser dado como não provada a matéria de facto constante do ponto 3 dos Factos Assentes.
6- Deve ser dado como provado, atendendo à prova documental junta aos autos, que por carta datada de 22 de Fevereiro de 2023, a Recorrente interpelou a Recorrida, solicitando que fosse efectuada a cessão da posição contratual.
7- Deve ser dado como provado, atenta a prova documental junta aos autos, que por carta datada de 7 de Março, a Recorrida exigia o pagamento do valor de 57 455,81, após o qual aceitava ceder a titularidade do veículo automóvel.
8- Deve ser dado provado, atenta a prova documental junta aos autos, que Recorrida, em sede de contestação de embargos, peticiona apenas o valor de 24 290,37€.
9- Deve ser dado provado, atenta a prova documental junta aos autos, que a Recorrente, no período que decorreu entre a celebração da transacção judicial e a prolação do douto acórdão de 16 de Janeiro de 2023, por diversas vezes interpelou o C..., visando o cumprimento da transacção judicial, ou seja, que a locadora permitisse a cessão contratual.
10- Deve ser dado provado, atenta a prova documental junta aos autos, que a Recorrente, tentou proceder ao pagamento dos valores em dívida junto da locadora C..., numa única prestação, mas porque a Exequente/Embargada/Recorrida nunca tinha comunicado à locadora, como era sua obrigação contratual, a transacção judicial, o C... emitia os documentos necessários ao pagamento apenas e tão só em nome da Exequente/embargada.
11- Deve ser dado como provado, atenta a prova documental junta aos autos, que a cessão da posição contratual, só seria possível, se a exequente/Embargada/Recorrida tivesse previamente solicitado e obtido autorização do C... para esse efeito, o que efectivamente nunca aconteceu, ou seja, quando a exequente/Recorrida celebrou a transação judicial, isto em 9 de Janeiro de 2020, agora dada à execução, não tinha solicitado nem obtido autorização do C... para proceder à cessão contratual.
DO DIREITO
12- A impossibilidade legal decorre do facto de já não existir contrato de locação financeira.
13- A lide torna-se impossível, porque a inexistência de contrato de locação, inviabiliza o pedido formulado na acção executiva para prestação de facto.
14- A inexistência actual do contrato de locação financeira ocorre após a prolação do Acórdão da Relação do Porto proferido em Janeiro de 2023 no âmbito do apenso A.
14- A douta decisão recorrida viola, por erro de interpretação, de aplicação do direito e erro de determinação das normas aplicáveis, o preceituado no art.729, al.g) do Código Processo Civil.”
Formulou as seguintes conclusões:
“1. Certamente por lapso, o Tribunal a quo não verteu na sentença a motivação da decisão da matéria de facto, vício que pode (e deve) corrigir oficiosamente antes da subida do recurso;
2. O Tribunal a quo seleccionou toda a matéria de facto alegada pelas partes relevante para a apreciação da única questão suscitada: se ocorre a inutilidade superveniente da lide;
3. Atendendo ao teor da transacção judicial, às obrigações aí assumidas, aos 84 documentos juntos na contestação, e ao caso julgado formado pelas decisões proferida nos apensos A, B e C, não ocorre erro na apreciação da matéria de facto, que assim deve manter-se inalterada;
4. Porque o contrato de locação financeira “caducou” e a propriedade do veículo reverteu a favor da Embargada, torna-se agora impossível a Embargante “diligenciar junto da locadora para que esta permita a cessão contratual”;
5. Porém, a Embargante também se obrigou a assumir “as obrigações do pagamento das rendas, seguros e demais referentes ao mesmo contrato”, sendo que o cumprimento dessa obrigação é ainda possível, bastando que a Embargante pague à Embargada as rendas, seguros e demais despesas referentes ao contrato, que actualmente se liquidam em €24.290,37;
6. Ainda, dispõe o artigo.º 801.º, n.º 1 do Código Civil que tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este o responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação;
7. Por seu turno, dispõe o artigo.º 868.º, n.º 1 do ARTIGO que se alguém estiver obrigado a prestar um facto em certo prazo e não cumprir, o credor pode requerer a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação;
8. Ora, no caso dos autos, a Embargada requereu a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação logo em sede de requerimento executivo, liquidando o prejuízo sofrido até àquele momento;
9. E posteriormente actualizou e liquidou esse montante indemnizatório, através do requerimento formulado nos autos principais em 25/05/2023;
10. Donde, também por este motivo não ocorre a inutilidade superveniente da lide”.
4 – Se ocorre impossibilidade superveniente da instância executiva;
5 – Se a sentença deve ser revogada em consequência da alteração do elenco dos factos provados, julgando-se procedentes os embargos e extinta a execução.
IV – Fundamentação:
Foram os seguintes os factos selecionados pelo Tribunal a quo como relevantes para a decisão da causa:
1. Nos autos de procedimento cautelar (ARTIGO 2013) n.º 1011/19.8T8VCD, que correram termos pelo Juízo Local Cível da Póvoa do Varzim (Juiz 1), foi proferida sentença datada de 09/01/2020, já transitada em julgado, que homologou a transacção judicial celebrada entre Exequente, a Executada e AA.
2. Nessa transacção, na parte relevante, foi determinado: «1. A requerente aceita ceder a posição contratual no contrato de locação financeira a que se refere o doc. 1 da petição inicial a favor da 1.ª requerida que a partir da presente data assume a posição de locatária do aludido contrato com as obrigações do pagamento das rendas, seguros e demais referentes ao mesmo contrato. 2. Para o efeito a 1.ª requerida (ora executada) diligenciará junto da locadora para que esta permita a cessão contratual obrigando-se a 1.ª requerente (ora exequente) a assinar toda a documentação que seja necessária para esse efeito.”».
3. A embargante/executada não encetou junto da locadora as diligências necessárias para que esta permita a cessão contratual, designadamente proceder ao preenchimento e assinatura dos formulários indicados pela locadora e instruí-los com todos os documentos por esta solicitados no prazo de 10 dias que lhe foi fixado no apenso A.
4. A Embargada/exequente continuou a pagar as prestações do contrato de locação financeira.
5. Por virtude do pagamento pontual daquelas prestações pela embargada, o contrato de locação financeira terminou e a titularidade do veículo reverteu a favor da Embargada/exequente.
6. Porque o contrato de locação financeira “caducou” e a propriedade do veículo reverteu a favor da Embargada/exequente, o que foi levado ao registo automóvel em 30/10/2023, torna-se agora impossível a Embargante “diligenciar junto da locadora para que esta permita a cessão contratual”.
7. A executada foi citada «nos termos e para os efeitos do artigo 874.º do Código Processo Civil» em 17/12/2020.”.
A Recorrente sustenta que a sentença é nula nos termos do artigo 615.º, número 1 d) do Código de Processo Civil porque o Tribunal não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, nomeadamente quanto à litigância de má-fé da Embargada, seu mandatário e da agente de execução e porque não se pronunciou quanto aos factos por si alegados e ocorridos após a citação para a execução.
O artigo 615.º, número1 d) do Código de Processo Civil, que o Apelante convoca, prevê que ocorre nulidade da sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Com tal estatuição, na sequência do previsto no artigo 608.º do Código de Processo Civil pretende referir-se o legislador à discussão e análise jurídica, em sede de fundamentação de direito da respetiva peça processual, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que caiba ao juiz conhecer oficiosamente[2].
Ora, a fundamentação da sentença recorrida tem o seguinte teor quanto à alegada litigância de má-fé:
“Quanto à litigância de má-fé, não resultou provada nenhuma factualidade relevante, mas apenas divergências jurídicas, que estão longe de justificar a aplicação de qualquer sanção.
Ainda assim não se afigura que a factualidade provada bastante para que se possa considerar suficientemente preenchidos os pressupostos previstos no art. 542º do Código de Processo Civil.
Os pressupostos da litigância de má-fé encontram-se regulados no art. 542º do Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho), podendo distinguir-se entre aqueles que têm natureza subjectiva e os que assume natureza objectiva, havendo tal tipo de litigância quando estão reunidos os pressupostos das duas mencionadas naturezas.
A responsabilidade por litigância de má-fé está sempre associada à verificação de um puro ilícito processual. Daqui resulta que os danos referidos no art. 543º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho) só podem ser assim os resultados desse ilícito processual, não os resultantes de ofensa de posições jurídicas substantivas que o litigante de má fé possa igualmente dar lugar com o seu comportamento (neste sentido, Pedro de Albuquerque, in A Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil Em Virtude de Actos Praticados no Processo, Almedina, pág. 54 ).
Nos termos do art. 542º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
Por outro lado, dispõe o n.º 2, als. a) e b), do mesmo artigo, que diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou tiver alterado a verdade dos factos.
No caso vertente, o tribunal entende que não se provou que os factos principais alegados por qualquer das partes fossem ostensivamente inverídicos, antes resultando apenas de uma divergência quanto às normas legais aplicáveis e sua interpretação.”
A final há uma expressa pronúncia sobre tal pedido constando da decisão o seguinte: “Absolvo a embargada/exequente do pedido de condenação como litigante de má-fé”.
Certo é que a Embargante tinha alegado a litigância de má-fé da Embargada e também a do seu mandatário e da agente de execução e que a sentença não se pronunciou sobre tal pedido e respetivos fundamentos. Se é manifesto concluir do teor dos artigos 542.º a 545.º do Código de Processo Civil que a condenação como litigante de má-fé apenas podia ser decidida pelo Tribunal quanto à parte e que apenas poderia, quanto ao seu advogado, ser apenas dado cumprimento ao previsto no artigo 545.º do Código de Processo Civil, também não há dúvidas de que tendo sido requerida tal condenação contra o mandatário e a agente de execução, tinha o Tribunal que se ter pronunciado sobre a mesma, o que não fez.
Pelo que nessa parte ocorre, de facto nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre uma concreta questão que foi objeto de pedido e não foi decidida[3].
“(…) como a executada foi citada «nos termos e para os efeitos do art.874.º do Código Processo Civil» em 17/12/2020 e o título executivo é uma sentença homologatória de transação, pode invocar os meios de defesa ocorridos após aquela data que sejam admitidos pelo art. 729º do Código de Processo Civil.
De entre esses apenas se poderia cogitar a aplicação da al. g), ou seja, “Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio”;
Afigura-se, não obstante, que a embargante olvida que a questão da possibilidade ou impossibilidade do cumprimento já foi apreciada nos anteriores embargos, tendo sido aliás nessa parte que o Tribunal da Relação alterou a decisão proferida por este Tribunal, na sequência do recurso também interposto pela embargada/exequente.
Resta assim apenas saber se depois da citação prevista no art.º 874.º e até ao termo do prazo fixado no apenso A ocorreu a invocada impossibilidade, e se essa é meio de defesa.
Perante uma situação em que uma obrigação já não pode ser cumprida, ou o credor perdeu objectivamente o interesse na mesma – artigos 790º e 808º do Código Civil – como é o caso dos autos, e a própria exequente o reconhece, pois a Exequente já não pretende a prestação de qualquer facto, mas ao invés ser reembolsada do montante que alega ter despendido com o incumprimento da prestação.
O art. 801º do Código Civil dispõe que (…) Ora a prestação de facto - a cessão da posição contratual - só deixou de ser possível com o termo do contrato e a consequente aquisição, pela embargante, do veículo automóvel, muito depois de findo o prazo fixado para a mesma.
E porque motivo se tornou impossível? Porque até lá, até ao natural termo do contrato, a embargante nunca cedeu a sua posição contratual.
Note-se que a embargante não alega um único facto posterior à sua citação e que não tenha sido apreciado no apenso A, maxime na decisão da Relação, que pudesse afastar esta presunção de culpa – facto esse que teria que alegar e provar. (…) Até ao momento a embargante continua sem alegar que preencheu e entregou o formulário instruído com os documentos e continua a insistir na questão da autorização que, como se vê, já foi apreciada, estando pois esta questão totalmente coberta pelo caso julgado formado por aquela decisão.
O que tudo leva à total procedência dos embargos, tornando-se assim totalmente desnecessária a apreciação das demais questões suscitadas.”.
É manifesto que o Tribunal não tomou em conta factos alegados pela Embargante não se pronunciando sobre eles em termos de os julgar provados ou não provados.
Todavia, tal não decorreu de omissão de pronúncia, mas do entendimento de que tais factos já tinham sido antes apreciados e/ou não constituíam fundamento admissível para a procedência dos embargos. A discordância do Apelante sustenta-se exatamente na afirmação de que alegou factos posteriores à sua citação que deveriam ter sido considerados por relevarem para a procedência dos embargos.
Como sumariado em Acórdão desta secção de 13-07-2022[4] “ I - A suficiência dos elementos para proferir decisão antecipada de mérito não constitui propriamente uma questão a decidir, tal como previsto no artigo 608º do Código de Processo Civil, mas antes uma exigência legal de ordem adjetiva para que possa ser proferida decisão antecipada de mérito, exigência que terá que ser apreciada pelo julgador tendo em conta as diversas soluções plausíveis das questões decidendas.
II - Um julgamento antecipado do mérito da causa sem que se achem preenchidas as condições legais para tanto não conduz a uma decisão nula por excesso ou omissão de pronúncia, mas determina sim a ilegalidade da decisão por violação do critério legal constante da alínea b) do nº 1 do artigo 595º, do Código de Processo Civil.
III - Sendo proferida decisão de mérito na fase do despacho saneador e criticando-se esse conhecimento antecipado do mérito da causa sem produção de prova pessoal, compete ao recorrente evidenciar a existência de um outro enquadramento jurídico plausível além do adotado pelo tribunal a quo e para o qual era necessária a realização da instrução da causa, com produção das provas pessoais por si oferecidas em sede de audiência final.”.
De tudo o exposto resulta, como aliás acontece com indesejável frequência, que o Recorrente pretende sustentar a nulidade da sentença em motivações que se prendem com o seu mérito confundido invalidade da sentença com discordância em relação aos seus fundamentos.
É inúmera a jurisprudência que contribui de forma positiva para a clarificação dessa distinção[5][6].
A sentença em apreço elenca os factos que considera provados e fundamenta juridicamente a decisão com indicação dos respetivos pressupostos e do direito que considerou aplicável.
Pelo que improcede, nessa parte a pretendida declaração de nulidade da sentença.
Questão diversa será a de aferir se o Tribunal a quo estava em condições de decidir do mérito dos embargos sem produção de prova, como fez, o que adiante será apreciado.
Duas notas se impõem para dar resposta tal pretensão da Recorrida:
Em primeiro lugar deve assinalar-se que a arguição das nulidades da sentença deve ser feita ou perante o tribunal que proferiu a sentença, caso esta não admita recurso, ou em sede de recurso, no caso contrário. No primeiro caso o prazo para arguição das nulidades é o previsto nos artigos 199.º, número 1 e 149.º, número 1 do Código de Processo Civil, ou seja, de dez dias. A Recorrida não recorreu da sentença (e nem podia já que a mesma não lhe é desfavorável – cfr. artigo 631º, número 1 do Código de Processo Civil) e nem arguiu a suposta nulidade perante o Tribunal a quo no prazo de dez dias.
Em segundo lugar é manifesto, face ao elenco taxativo previsto no artigo 615.º do Código de Processo Civil que a falta de motivação da decisão de facto não é causa de nulidade da sentença que, a ocorrer pode apenas dar lugar à aplicação do disposto no artigo 662º, número 2 d) do Código de Processo Civil: a remessa dos autos à primeira instância para fundamentar devidamente o facto ou factos que se reputem de essenciais à decisão.
Pelo não deve ser dado acolhimento à pretensão da Recorrida.
Prevê o artigo 595.º, número 1 b) do Código de Processo Civil que o despacho saneador se possa destinar ao conhecimento do mérito da causa sempre que o estado dos autos o permitir, sem necessidade de mais provas. Nesse caso, como previsto no número 3 do mesmo artigo, o mesmo tem valor de sentença.
Estando controvertidos vários dos factos alegados na petição inicial de embargos – que a Ré impugnou –, a decisão recorrida assenta, contudo, na consideração de que esses factos, ainda que provados, não podem conduzir à procedência dos embargos quer porque, quanto a alguns, são anteriores à citação da Embargante e não podem, por isso, ser fundamento de embargos, quer, ainda, porque, outros, visavam sustentar um fundamento – a impossibilidade da prestação de facto pela Executada -, que já foi apreciada anteriormente estando a coberto de caso julgado.
O artigo 732.º do Código de Processo Civil permite a rejeição liminar dos embargos de executado quando os respetivos fundamentos não se ajustem aos que a lei permite em função de cada título executivo e quando forem manifestamente improcedentes. No caso os embargos foram liminarmente admitidos tendo sido ordenada a notificação da Embargada para os contestar nos termos do artigo 732.º, número 2 ex vi artigo 875.º, número 2.
É pacífico o entendimento de que “a decisão que, recebendo os embargos, determina o seu prosseguimento não impede a apreciação posterior das circunstâncias que não tenham sido liminarmente apreciadas, na sequência da contestação que seja apresentada”[7]. Foi o que sucedeu no caso em apreço, em que, tendo prosseguido os embargos, os mesmos vieram a ser julgados improcedentes por se ter entendido ora que os seus fundamentos não cabiam nas causas admissíveis de oposição à execução, ora que conduziam manifestamente à sua improcedência.
Lebre de Freitas[8] apelida de “inconcludência jurídica” a “situação em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, constituindo causa de improcedência da ação”. Tal improcedência decorreu, no caso, de se ter considerado inadmissível a causa de pedir dos embargos em face dos limites previstos no artigo 875º, número 2 do Código de Processo Civil por a mesma já ter sido objeto de apreciação - tendo-se formado caso julgado quando a parte desses fundamentos - e porque se entendeu que não foram alegados factos posteriores à citação. Perante os factos alegados o Tribunal entendeu, em suma, que não tinham sido alegados novos factos admissíveis no âmbito da oposição permitida pelo artigo 875.º, número 2 do Código de Processo Civil.
Ora, não é correta tal afirmação. Na verdade, tendo a Executada sido citada em 17-12-2020 a mesma alegou na petição inicial dos embargos que foram, entretanto, liquidadas todas as rendas devidas pelo contrato de locação no qual deveria ter havido cessão da posição contratual da locatária, que a propriedade do bem locado fora, em consequência, transmitido à locatária/Exequente e que, por isso, não podia já ocorrer a prestação do facto objeto de execução. Afirmou que o registo da referida transmissão de propriedade ocorreu em 30 de outubro de 2023 e que já depois da sua citação tentara junto da locadora a cessão da posição contratual o que lhe foi negado pela mesma por emails de 22 e de 30 de setembro de 2022 (muito posteriores à sua citação, portanto).
Mais afirmou na petição inicial que já “após a prolação do acórdão de 16 de Janeiro de 2023, a Embargante interpelou a Exequente/ Embargada para que informasse o C... que a documentação da viatura supra identificada deveria ser enviada à Embargante, para assim a registar em seu nome, após pagamento dos valores em dívida” alegando que o fez por via de carta registada que juntou aos autos.
Foram, assim, alegados factos posteriores à citação da Executada dos quais a mesma retira que a impossibilidade que veio a ocorrer da prestação do facto a que estava obrigada não decorreu de culpa sua.
É certo que a Embargante pretende retirar dessas alegações a conclusão de que a instância executiva deve ser julgada extinta por impossibilidade superveniente, no que não tem razão. A mesma confunde a impossibilidade da prestação de facto – que imputa a inércia da Embargada/Exequente e que diz não decorrer de culpa sua (cfr. artigo 801.º do Código Civil) com a impossibilidade da lide (cfr. artigo 277.º e) do Código de Processo Civil).
Pronunciando-se sobre os efeitos na instância executiva da impossibilidade de prestação de facto fungível (em raciocínio inteiramente aplicável à presente situação em que o facto a prestar tem natureza infungível) afirma-se em Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12-2000 o seguinte: “A lide torna-se impossível quando sobrevêm circunstâncias que, de todo o modo, inviabilizariam o pedido, não em termos de procedência, pois então estar-se-ia no âmbito do mérito mas por razões conectadas com a não possibilidade adjetiva de lograr o objetivo pretendido com aquela ação, por já ter sido atingido por outro meio ou já não poder sê-lo.” .
Ora a execução para prestação de facto não se extingue no caso do mesmo não vir a ser prestado (por incumprimento ou por impossibilidade) antes se convertendo, nos termos do artigo 869.º do Código Civil (cuja epígrafe é “conversão da execução”) que remete para o artigo 867.º de que decorre que ao Exequente é, nesse caso, facultada a possibilidade de liquidar o seu prejuízo decorrente da não prestação.
Foi o que fez a Exequente, que veio alegar que após o decurso do prazo de 10 dias fixado pelo Tribunal para a prestação a Executada continuava a não cumprir a mesma pelo que alegou, liquidando-os, os prejuízos decorrentes desse incumprimento.
Ou seja, dando resposta à questão a decidir acima enunciada sob a alínea 4 (se ocorreu impossibilidade superveniente da execução), conclui-se que ocorrendo incumprimento/impossibilidade de cumprimento da obrigação de prestação de facto a execução não se extingue, convertendo-se em execução para pagamento de quantia certa, iniciando-se esta tramitação com o incidente de liquidação a que se seguem os demais termos do processo de execução. Nesse caso, como bem referido na sentença e recorrendo às palavras de Lebre de Freitas[9] substitui-se a “citação do devedor por notificação, apenas se admitindo oposição com fundamento (…) em facto posterior à citação inicial”.
Tais factos, posteriores a citação, foram alegados - ao contrário do que é afirmado na sentença sob recurso -, e deles, uma vez provados, poderá resultar que o incumprimento/impossibilidade da prestação decorreu de facto não imputável à Embargante, o que terá reflexo na decisão sobre o direito da Embargada/Exequente ser indemnizada pela mora e pelos prejuízos decorrentes do alegado incumprimento.
A sentença sob recurso conclui que a prestação de facto exequenda se tornou impossível porque “até ao natural termo do contrato a embargante nunca cedeu a sua posição processual”. Tal afirmação está correta, todavia, já não verdade que se possa afirmar a culpa da Embargante pela referida impossibilidade, já que a mesma alegou factos com vista a afastar a mesma.
Ao contrário do afirmado na sentença não resulta dos factos provados que “a prestação de facto (…) só deixou de ser possível (…) muito depois de findo o prazo fixado para a mesma”. Não nos esqueçamos, contudo, que foi por decisão de 13-01-2023 que foi fixado à Executada um prazo de dez dias para a prestação do facto a que estava orbigada.
Ora, não resulta dos factos provados em que data ocorreu o pagamento da última prestação do contrato de locação levando à sua extinção por cumprimento e nem se apurou se depois de notificada para a prestação de facto em 10 dias – notificação que resultou do trânsito da decisão sumária do Tribunal da Relação do Porto de 13-01-2023 -, ou antes dessa notificação, mas após a citação da Embargante (em 17-12-2020) esta encetou, como alega, diligências tendentes à cessão da posição contratual. Caso se prove que assim sucedeu poderá concluir-se que a impossibilidade (ou o incumprimento) não foram culposos, ou, pelo menos, que o não foram a partir de certo momento em que a Apelante alegou ter procurado prestar o facto a que estava obrigada descrevendo as diligências feitas e as respetivas datas.
Nos termos do artigo 801.º, número 1 do Código Civil, apenas quando a impossibilidade da prestação tenha causa imputável ao devedor o mesmo se tornará responsável perante o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação. A Embargante alegou factos posteriores à citação tendentes a afastar a sua culpa pela extinção por impossibilidade da sua obrigação de prestação de facto, afirmando ter feito diligências com vista ao seu cumprimento em datas posteriores a tal citação.
Podia, como reconhecido na sentença, a Embargante ter invocado factos posteriores à citação a que se refere o artigo 874.º número 1 do Código de Processo Civil com vista a opor-se ao pagamento da indemnização liquidada (ou de parte dela) desde que deles pudesse, em face das várias soluções plausíveis de direito, retirar-se a conclusão de que não causou com culpa os prejuízos que a Exequente liquidou ou, pelo menos, parte deles.
Foi o que fez a Apelante e, como tal, deve ser permitida a oposição à execução que deduziu através de embargos, que devem prosseguir para apuramento dos factos, controvertidos[10], que alegou na petição inicial e que, ao contrário do que sustenta, não podem ter-se por assentes com base nos documentos particulares que juntou.
Sem embargo de ser correta a afirmação de que parte dos factos alegados (e dos fundamentos dos embargos) já foram objeto de decisão, outros há que são posteriores à citação, e que devem ser apurados com vista a decidir do mérito da oposição à execução.
Nestes termos, devem os autos prosseguir para fixação do objeto do litígio e dos temas da prova tidos por relevantes, seguindo os seus ulteriores termos para apuramento desses factos controvertidos em função das várias soluções plausíveis de direito.
V – Decisão:
Julga-se procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e ordenando que os autos prossigam os seus termos com vista ao apuramento da matéria de facto relevante de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.
Custas pela Recorrida, nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil.
Porto, 11/12/2024
Ana Olívia Loureiro
Fernanda Almeida
José Eusébio Almeida
_________________________
[1] Que tem o seguinte teor: “A embargante/executada não encetou junto da locadora as diligências necessárias para que esta permita a cessão contratual, designadamente proceder ao preenchimento e assinatura dos formulários indicados pela locadora e instruí-los com todos os documentos por esta solicitados no prazo de 10 dias que lhe foi fixado no apenso A”.
[2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, Almedina, 4ª edição, 2019, pág. 737, em anotação ao artigo 615º do Código de Processo Civil.
[3] Não se desconhece que o Supremo Tribunal de Justiça em Acórdãos de 12-02-1998 (cujo sumário está disponível em STJ075495) e de 16-11-2006 (cujo sumário está disponível em STJ1982/05) entendeu que o não conhecimento de pedido de condenação da contraparte como litigante de má-fé não consubstancia omissão de pronúncia por entender que tal decisão não faz “propriamente parte da lide”, não sendo “elemento da parte essencial da sentença”. Discordamos, salvo o devido respeito, desse entendimento uma vez que tal pedido tem que ser conhecido até à decisão final do processo, momento a partir do qual se esgota o poder jurisdicional. Em sentido contrário se pronunciou este Tribunal em Acórdão de 10-02-1997 (cujo sumário está disponível em TRP9750722. Como já decidido por Acórdãos deste Tribunal de 15-12-2021 (disponível em TRP1211/14.7TCMTS.P1) 27-06-2023 (TRP58145/22.2YIPRT-A.P1) e de 27-02-2023 (disponível em TRP19346/20.5T8PRT-A.P1), “Se a questão da litigância de má fé está colocada, oficiosamente ou a requerimento, no momento da sentença, é nessa peça que a mesma deve ser decidida, só podendo ser relegada para momento posterior a fixação do montante da indemnização a favor da parte contrária. Proferida sentença sem aquela questão ter sido decidida, a decisão que vier a ser proferida sobre a mesma depois da sentença é nula por excesso de pronúncia por já se encontrar esgotado o poder jurisdicional do juiz”.
[4] Disponível em: http://www.gde.mj.pt.3765/20.0T8LOU-A.P1.
[5] Convocando-se aqui apenas um acórdão, por particularmente inteligível e sucinto: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-04-2014, no processo 185/14. 9 TBRGR. L1 – 2, disponível em https://jurisprudencia.pt/acordao/69599/.
[6] Acompanham-se a este propósito as pertinentes considerações de Abrantes Geraldes “Não se compreende a atração que é revelada em múltiplos recursos de apelação e de revista pela arguição de “nulidades” da sentença da 1ª instância ou do acórdão da Relação e que, com muita frequência apenas têm subjacente o inconformismo em relação à decisão da matéria de facto ou à respetiva integração jurídica. Se essa “técnica” se instalou numa altura em que o prazo para a interposição de recurso apenas se contava a partir da notificação da decisão sobre arguição de nulidades, visando ampliar o prazo para a interposição do recurso e subsequente apresentação das respetivas alegações, agora nenhum benefício se alcança (…).”.
[7] Abrantes Geraldes, Paula Pimenta, Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2021, página 90.
[8] Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1º Volume, página 323.
[9] A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, Gestlegal, 8ª edição, página 480.
[10] No artigo 38º da contestação a Embargada impugnou os factos alegados nos artigos 1.º, 4.º, 5.º, 8.º, 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º e 37.º da petição inicial.