EMBARGOS DE EXECUTADO
PRAZO DE DEDUÇÃO
DILAÇÃO
Sumário

I - No cômputo do prazo para a dedução de embargos à execução, não pode olvidar-se a dilação aplicável, caso em que, seguindo-se o peremptório ao prazo dilatório, os dois prazos contam-se como um só.
II - São admissíveis os incidentes de intervenção de terceiro no âmbito de embargos de executados que não causem embaraço ao andamento dos autos e na dependência da sua pertinência face às circunstâncias do caso concreto.
III - Para a regularidade da citação não basta a indicação do prazo abstrato previsto na lei, devendo ser indicado de modo inequívoco o prazo concreto para a defesa, sob pena de esta ser admissível se oferecida em data compatível com aquela que do expediente da citação resulta para o normal destinatário.
IV - O art. 728.º/3 CPC deve ser interpretado restritivamente no sentido de excluir da sua aplicação o caso em que a citação dos executados seja simultânea e a diferença do prazo para embargar resulte apenas de dilação.
V - Tal como sucede com a falta de procuração, no caso do patrocínio a título de gestão de negócios, o tribunal apenas pode extrair consequências da irregularidade depois de tentar, em vão, a sua sanação.
VI - Compete à primeira instância a apreciação de uma eventual diferença entre o valor que ali tenha sido pago a título de taxa de justiça e da multa, devidas pela dedução dos embargos no segundo dia útil após o final do prazo, e o montante exacto devido, ainda que a questão seja suscitada, pela primeira vez, na resposta ao recurso, e quando o recorrido não tenha ou não possa requerer a ampliação a que se refere o art. 636.º do CPC.

Texto Integral

Embargos Execução nº3822/24.T8PRT-A


ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
(3.ª SECÇÃO CÍVEL):


Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
1.º Adjunto: Carla Jesus Costa Fraga Torres
2.º Adjunto: Carlos Gil




RELATÓRIO.

AA, titular do NIF ...78 e residente na Rua ..., na ..., intentou execução sumária, baseada em documento particular autenticado e com o valor de € 8 716,44, contra BB, portadora do NIF ...90..., CC, com o NIF ...82..., DD, titular do NIF ...59..., e EE, portador do NIF ...35..., todos com domicílio na Rua ..., em ....
Após a realização das diligências de penhora, os executados, devidamente citados a 28/5/2024, por via postal, na pessoa de DD, deduziram embargos à execução, por apenso, mediante requerimento enviado a juízo a 26/6/2024.
Todavia, os embargos foram logo objecto de indeferimento liminar, quer porquanto, segundo se decidiu em primeira instância, o prazo para a dedução de oposição à execução, sendo de 20 dias, teria terminado em 17 de junho de 2024, nove dias antes da apresentação da petição, quer porque “a Exmª Advogada não alegou a urgência (nem uma palavra aduziu a tal respeito), não pode intervir como gestor de negócios”.

E dessa decisão, inconformados, vieram os embargantes interpor o presente recurso, admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos do apenso e com efeito meramente devolutivo.
Formularam as seguintes conclusões:
1º- Foi ordenado, o desentranhamento dos embargos de executado apresentados pelos executados, porquanto o Tribunal a quo, entendeu que os mesmos foram apresentados apos o termo do prazo para a sua apresentação que, considerou a terminar a 17/06/2024.
2º- Andou mal o Tribunal a quo, ao efetuar o cálculo do prazo para a apresentação da defesa dos executados, porquanto:
- os executados foram citados a 28/05/2024
- ora, tendo 20 dias para embargar, tem-se que, o termo do prazo para apresentação dos embargos de executado terminava a 17/06/2024,
- sucede porem que, aos executados BB e BB, acresceu a dilação de 5 dias, na medida em que a citação, foi efetuada em pessoa diferente dos executados,
- desta forma, o prazo terminaria a 23/06/2024;
- contudo, de acordo com o n.º 5 do art. 139º do CPC, os executados dispõe ainda de 3 dias uteis apos aquela data,
- o que significa que, o último dia para a pratica do ato, terminou no dia 26 de junho de 2024,
- precisamente o dia, em que os executados apresentaram a sua defesa, por meio de embargos de executado, facto que se verificou pelas 20h40mn.
3º- Pelo que, os executados praticaram o acto em tempo, devendo os embargos de executados serem recebidos e autuados por apenso, seguindo os seus tramites legais, até final
Prosseguindo,
4º- É verdade que, a signatária, aquando da assinatura da peça processual por erro de simpatia, pelo qual se penitência, escreveu, que atuava como gestora de negócios, protestando juntar procuração forense, quando o que pretendia escrever era informar que, assinava como advogada que protestava juntar procuração forense, como alias, já o procedeu.
5º- Não pode pois este lapso de escrita, prejudicar os executados, na medida em que, cfr se afere dos art.s 48º e 49º do CPC, deve ser fixado prazo, ao mandatário para a sua junção, e não como decidiu o Tribunal a quo, ordenar o imediato desentranhamento dos embargos.
6º- Facto que a suceder, não se faz a verdadeira justiça, como deve ser feita em abono da boa verdade e da justiça.
Remataram com o pedido de que, com a revogação da decisão recorrida, seja ordenado o recebimento e o prosseguimento até final dos embargos de executado.
A exequente ofereceu contra-alegações, sem conclusões, defendendo que todos os executados foram citados por cartas registadas com AR, todas recebidas em 28 mai 2024, pelo executado DD.
Em consequência, prazo para deduzir os embargos terminou:
- para o executado DD, em 17 jun que, nos termos do disposto no art. 139º-5, precludia em 20 jun
- para os restantes executados, em 24 jun que, precludia em 27 jun, na condição do pagamento da respetiva multa.
Pelo que, como os embargos foram apresentados em 26 jun, por todos os executados, eles são claramente extemporâneos, quanto ao executado DD.
Quanto aos restantes, teriam os mesmos de ser acompanhados do comprovativo de pagamento de uma taxa de justiça por cada embargante, no montante total de € 918,00 (306,00*3) e da respetiva multa, do 2º dia, no montante total de € 229,50 (306,00*0,25*3), pelo que, não o tendo sido, nem sequer podiam ter sido recebidos, ut art. 558º-1 f).
Nessa sequência, pugnou pela manutenção da douta decisão recorrida.
Nada obsta ao conhecimento do recurso, o qual foi admitido na forma e com os efeitos legalmente previstos.

*
OBJECTO DO RECURSO.
Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões, as quais, assim, definem e delimitam o objeto do recurso (arts. 635.º/4 e 639.º/1 do CPC).
Assim sendo, importa apreciar:
a) Se os embargos foram deduzidos tempestivamente quanto a todos os executados (conclusões 1 a 3);
b) Se a apresentação dos embargos com a menção à gestão de negócios por parte da Il. advogada subscritora justifica o imediato indeferimento e desentranhamento da petição (conclusões 4 a 6);
Importa ainda determinar se merece apreciação e em que medida, na afirmativa, a questão, a que se refere o recorrido, da regularidade da taxa de justiça e multa pagas com a apresentação dos embargos.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A factualidade relevante a considerada é a que resulta do relatório.
Assim, procurando proceder à sua ordenação e densificação, na parte relevante para a decisão do recurso, importa considerar os seguintes factos, extraídos dos autos e que as partes não colocam em crise:
1. AA, titular do NIF ...78, intentou execução sumária, baseada em documento particular autenticado e com o valor de € 8 716,44, contra BB, portadora do NIF ...90..., CC, com o NIF ...82..., DD, portador do NIF ...59..., e EE, titular do NIF ...35....
2. Realizada a penhora, todos os executados foram citados a 28/5/2024, na pessoa do embargante DD, por carta registada com aviso de recepção, de teor idêntico quanto à indicação dos prazos e das dilações aplicáveis.
3. Na sequência, os executados deduziram embargos à execução, por apenso, mediante requerimento enviado a juízo a 26/6/2024.
4. A petição de embargos finalizava com a seguinte menção: “A Advogada, que age como gestora de negócios, protestando juntar procuração forense, no prazo de 3 dias”.
5. A il. Advogada subscritora da referida petição juntou procuração passada a seu favor pelos embargantes, com ratificação de todo o processado, mediante requerimento de 9/9/2024 (imediatamente anterior ao recurso).
6. Todavia, os embargos foram objecto de indeferimento liminar, por decisão de 3/7/2024, que se transcreve:
A I. Advogada FF veio apresentar a petição de embargos em nome dos embargantes BB, CC, DD e EE.
Sem juntar procuração, limitou-se a assinar aquela peça como gestora de negócios.
Nos termos do artº 49º, nº1 do Código de Processo Civil, em casos de urgência, o patrocínio judiciário pode ser exercido como gestão de negócios.
Todavia, este preceito só é aplicável nos casos de urgência, que tem de ser alegada. Coisa que a I. Advogada não fez.
No caso do artº 49º o Advogado actua, portanto, como gestor; inversamente, no artº 48º, ele procede como mandatário.
Ora, é evidente que o acto de vontade praticado pelo interveniente tem alcance e significação diferentes num e noutro caso. Uma coisa é o Advogado (...) querer agir a título de mandatário e apresentar-se como tal, embora, de facto, por esquecimento ou inadvertência, não exiba mandato; outra coisa é querer actuar a título de gestor de negócios e assumir declaradamente essa posição (A. Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 138).
Nesse caso, repete-se, o gestor tem de alegar a urgência e deve procurar convencer dela o juiz (J. Bastos, Notas, I, pág. 141).
A urgência consistirá naturalmente em a parte se encontrar impossibilitada de providenciar e sofrer prejuízo se não for exercida a gestão (A. Reis, ob. cit.).
No caso dos autos a urgência nem remotamente se intui, pois além do mais os embargos seriam claramente intempestivos, salvo justo impedimento, que também não veio invocado, pois os executados BB, CC, DD e EE foram citados em 28//05/2024, por via postal registada com aviso de recepção cfr. documentos juntos em 06-06-2024 aos autos principais; os presentes embargos deram entrada em juízo em 26/06/2024; os embargantes não vieram invocar qualquer vício daquela citação.
O prazo para a dedução de oposição à execução é de 20 dias, pelo que terminou em 17 de junho de 2024, nove dias antes da apresentação da petição.
Assim, porque a Exmª Advogada não alegou a urgência (nem uma palavra aduziu a tal respeito), não pode intervir como gestor de negócios.
Consequentemente, desentranhe-se e restitua-se-lhe a petição de embargos.
Nos termos do artº 534º, nº 2 do Código de Processo Civil, condeno a advogado nas custas do incidente.
Notifique.
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O DIREITO.
I) A análise dos autos demonstra, o que, face às alegações do recurso e à resposta, merece, aliás, acordo das partes, o equívoco do tribunal recorrido na contagem do prazo para a dedução de embargos à execução, por não ter considerado a dilação prevista no art. 245.º/1, al. a), do CPC.
De acordo com esse preceito legal, ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias quando, entre o mais, a citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu, nos termos dos n.os 2 do artigo 228.º.
Norma segundo a qual, a carta de citação pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a outra pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.
A dilação é também identificada na lei como prazo dilatório, susceptível de diferir para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo (art. 139.º/2 do CPC).
Por outro lado, por expressa determinação do art. 142.º do CPC, quando um prazo peremptório se seguir a um prazo dilatório, os dois prazos contam-se como um só.
Ora, uma vez que os executados BB, CC e EE foram citados para a execução, pela via postal, na pessoa do executado DD, é manifesto que beneficiam daquela dilação.
Tudo se passando, pois, para eles, como se o prazo para a dedução de embargos fosse de vinte e cinco dias, daí resulta que o cômputo correcto, face à citação ocorrida a 28/5/2024, determina que tal prazo terminou a 24/6/2024 e que os embargos foram deduzidos no segundo dia útil após o seu final.
Pelo que, acompanhados de comprovação do pagamento da taxa de justiça e multa prevista no art. 139.º/5 do CPC, tais embargos são tempestivos.
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II) As coisas não assumem a mesma simplicidade, porém, relativamente ao executado DD, uma vez que foi ele quem assinou o expediente relativo à citação e, por isso, não beneficia, pelo menos directamente, da dilação prevista no art. 245.º/1, al. a), do CPC.
Em acréscimo, o art. 728.º/3 do CPC prescreve que não é aplicável aos embargos de executado a extensão do prazo de contestar prevista para o processo declarativo comum quando termine em dias diferentes o prazo de defesa por parte dos vários demandados.
Apesar disso, existem bons motivos, se bem pensamos, para concluir que também a sua participação nos embargos é ainda oportuna.
É sabido que “a oposição à execução, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter duma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia” (cfr. J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Depois da Reforma da Reforma, 5.ª ed., p. 189).
Como se refere na jurisprudência, “os embargos de executado são uma verdadeira acção declarativa” embora funcionalmente ligada à execução, cuja extinção visa “mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da acção executiva” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 7/12/2023, tirado no processo 3189/19.1T8ENT-A.E2, relatado por Tomé de Carvalho e acessível na base de dados da DGSI).
O que significa, entre o mais, a nosso ver, que nada obsta à aplicação a esta acção de natureza declarativa das regras previstas para os incidentes de intervenção de terceiros, nos arts. 311.º e segs. do CPC.
No mesmo sentido, assinala a jurisprudência que “sendo certo que os incidentes de intervenção de terceiros estão vocacionados e estruturados em função da acção declarativa, não existe qualquer justificação para que se conclua, em termos gerais e absolutos, pela inadmissibilidade legal desses incidentes no âmbito da acção executiva, ou seja, e dito de outro modo, não se descortina fundamento para que um terceiro não possa ser chamado no decurso da execução, sabido que a admissibilidade, em geral, da intervenção principal provocada é aceite quanto a pessoas com legitimidade para a acção executiva”.
Em consequência, “a admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiro no âmbito da acção executiva e respectiva oposição tem que ser analisada em face das circunstâncias do caso concreto, com vista a apurar se, nessas circunstâncias, estão ou não verificados os respectivos pressupostos legais, se a intervenção tem ou não a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e se a intervenção implica ou não com a estrutura e a finalidade da acção executiva” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/6/2021, relativo ao processo 283/10.8TBVLN-E, da autoria de Jorge Teixeira e disponível no referido sítio).
Por outro lado, as preclusões acham-se mais esbatidas no processo executivo, desde logo porque, “ainda que não tenha deduzido oposição à execução, pode o executado, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, suscitar, por simples requerimento, a apreciação de excepção dilatória de conhecimento oficioso” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/11/2022, no processo 1493/22.0T8PRT-A.P1, relatado por Judite Pires, e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25/3/2023, no processo 471/21.1T8STB.E1, da autoria de Anabela Luna de Carvalho, ambos pesquisáveis na identificada base de dados).
Mas igualmente na medida em que “deixando de invocar um qualquer fundamento (exceção) contra a execução, não poderá falar-se de um efeito preclusivo para além do próprio processo executivo, de modo que nada impedirá que o executado venha depois a invocar num outro processo o fundamento (a exceção) omitido e que sempre podia ter invocado na oposição” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/3/2019, tirado no processo 751/16.8T8LSB.L2.S1, José Rainho, na referida base de dados).
Vertendo ao caso dos autos, no entanto, é de crer que a intervenção como terceiro não tem cabimento, visto que, para além de DD ser já executado, resulta da petição inicial que a sua pretensão é a de participar nos embargos exactamente nas mesmas condições e subordinado aos mesmos direitos e deveres processuais dos demais embargantes.
Em qualquer caso, importa sublinhar a ideia da menor vinculação imposta no processo executivo às regras da preclusão, tanto mais que, como refere a acertadamente a doutrina, “o art. 202.º-2 CRP aponta aos tribunais a função de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos (…) acentuando assim que a tutela efetiva a que se refere o art. 20.º-5 implica a prevalência da decisão de mérito sobre a decisão baseada no jogo das preclusões processuais” (cfr. J. Lebre de Freitas, Novos Estudos sobre o Direito Civil e Processo Civil, p. 31).
*
III) Já abona, porém, no caso dos autos, a favor do reconhecimento da admissibilidade da participação do executado DD no âmbito dos embargos a forma como, em concreto, ocorreu a sua citação.
Recorde-se que todos os executados foram citados simultaneamente, na pessoa daquele executado, por carta registada com aviso de recepção, sendo de teor idêntico o expediente da citação quanto à indicação dos prazos e das dilações aplicáveis.
Nestas circunstâncias, impõe-se reconhecer que o comum cidadão, destinatário da citação, muito dificilmente poderia ter noção de que os prazos para reagir à execução, por embargos, seriam diferentes, por força do referido art. 728.º/3 do CPC, para cada um dos executados.
Com efeito, lidas as cartas e as notas de citação, constata-se que todas elas fazem idênticas referências a prazos e a dilações, não se vislumbrando qualquer diferença no expediente especificamente dirigido ao executado DD susceptível de o advertir ou levar a perceber claramente que, quanto a ele, os embargos teriam de ser deduzidos antes dos demais.
É certo que para os restantes executados foi enviada a advertência a que alude o art. 233.º do CPC, mas esse expediente apenas serve para, perante os três executados que não foram citados na própria pessoa, confirmar que eles devem considerar-se citados.
Por isso, não interfere com o prazo concedido na citação do executado DD e muito menos interfere com a clareza ou falta dela da citação desse executado ou com a indicação concreta ou falta dela de um prazo, que teria de ser com a indicação de ser diverso dos demais, para esse executado DD.
Ao invés, como essa confirmação da citação dos restantes executados teve de conter, nos termos do art. 233.º/al. b) CPC, a data concreta para o oferecimento da defesa, daí é possível vislumbrar, na falta de clareza sobre o prazo para defesa na citação do executado DD, mais um motivo para que ele possa ter sido induzido em erro quanto ao seu prazo, pensando que seria o dos demais, quanto ao oferecimento dos embargos.
Ora, é sabido que os erros ou imperfeições das comunicações do sistema judiciário com os seus principais destinatários, as pessoas em geral, não podem ter por efeito confundir ou prejudicar o exercício dos seus direitos (art. 131.º/3 do CPC), sobretudo quando esteja em causa a citação, destinada a chamar alguém ao processo para se defender (art. 219.º/1 do CPC).
Acto para cuja regularidade, mercê da sua importância para o acesso do cidadão à justiça e para o processo equitativo, a lei redobra as cautelas, desde a consagração de normas específicas, face aos outros actos, sobre a sua falta e nulidade (arts. 187.º e segs. do CPC), até à previsão do conhecimento oficioso das respectivas invalidades, directamente (art. 197.º do CPC) ou mercê de uma situação de revelia absoluta do demandado (art. 566.º do CPC).
Como tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdão de 30/3/2017, de Abrantes Geraldes, processo 6617/07.5TBCSC.L1.S2,), “os actos processuais que hajam de ser reduzidos a escrito devem ser redigidos de modo que o seu teor se mostre inequívoco, o que é especialmente relevante quando se trata da citação do réu (art. 131º, nº 3, do CPC)” e por isso que “os erros ou deficiências dos actos processuais, incluindo os praticados por agentes de execução, não podem prejudicar as partes (art. 157º, nº 6, do CPC)”.
Assim se explica, por exemplo, a jurisprudência no sentido de que, “tendo a secretaria assinalado na nota de citação um prazo de 35 dias para contestar, é este que deve ser considerado o prazo de contestação e não o previsto no art. 569.º CPC, posto que os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”, atento o disposto no art. 157.º/6 CPC (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/12/2021, relatado por Fernanda Almeida no processo 296/21.4T8PVZ-A.P1 e acessível no referido sítio).
E que na situação versada no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/9/2023 (da autoria de Manuel Bargado, no processo 175/22.8T8CTX-A.E1 e disponível em www.dgsi.pt), tenha sido sentenciado que “ao prazo de defesa acresce a dilação de 30 dias, o qual foi expressamente referido na carta de citação. Ainda que fosse outro o prazo de dilação, não poderia em caso algum ser recusada a contestação apresentada pela interveniente/recorrente, visto a mesma ter seguido as informações constantes daquela carta, considerando, desde logo, o disposto no n.º 6 do art. 157.º do CPC”.
Tal como estes fundamentos justificam que o Tribunal Constitucional, no Acórdão 719/2004, não tenha julgado inconstitucional a norma equivalente do pretérito CPC “na interpretação segundo a qual deve ser admitida a defesa do citado para a ação judicial dentro do prazo que lhe foi indicado no caso de irregularidade da sua citação consubstanciada em a secretaria, por erro não corrigido posteriormente, induzido pela circunstância de esta haver tomado a assinatura da pessoa do citado pela assinatura de terceira pessoa, lhe assinalar prazo superior, em 5 dias, ao que a lei concede para essa defesa” (cfr. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e L. Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pp. 230-1).
Importa concluir, assim, à luz destes ensinamentos, que a possibilidade fundada de o destinatário da citação ter sido induzido em erro, por força das circunstâncias em que foi citado, sobre o prazo em que poderia embargar, como sucedeu nos autos, é bastante para, por aplicação do art. 191.º/3 do CPC, admitir a defesa oferecida em data compatível com aquela que do expediente da citação resulta para o comum destinatário.
O que cumpre reconhecer mesmo que para esse erro tenha contribuído alguma, negligenciável, falta de atenção do citado, desde logo na medida em que, face ao critério da proporcionalidade na interpretação da lei, a imposição da preclusão “é desrazoável quando a negligência da parte é leve”.
Mas, também e sobretudo, por resultar do preceituado no art. 191.º/3 do CPC que na citação “o prazo a indicar é, em qualquer caso, o prazo concreto, não bastando a indicação do prazo abstrato da lei”, o que “implica necessariamente, ou a comunicação do terminus ad quem, ou a comunicação do terminus a quo, da duração do prazo abstrato e do modo de o contar” (J. Lebre de Freitas, Novos Estudos cit., pp. 32-4).
Em observância da regra prevista no art. 191.º/3 do CPC, pois, e à luz das exigências de clareza nas comunicações judiciais e de protecção da confiança e da boa-fé que a actuação dos poderes públicos deve gerar nos destinatários, deve concluir-se que são admissíveis, por tempestivos, os embargos do executado que, embora na própria pessoa, foi citado através de expediente idêntico aos demais e que não foi suficientemente advertido de que o prazo para o efeito terminava mais cedo.
Contanto que, como sucedeu no caso dos autos, os embargos tenham sido oferecidos em prazo compatível com aquele que resulta do expediente das citações globalmente considerado.
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IV) Por último, quanto à admissibilidade dos embargos na parte em que foram deduzidos pelo executado DD, depõe ainda, a nosso ver, a interpretação que é justificada do preceito que, contido no art. 728.º/3 do CPC, determina que não é aplicável à oposição o disposto no n.º 2 do artigo 569.º.
De acordo com o disposto no art. 569.º/2 do CPC, quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.
Trata-se de uma regra com a maior importância na organização da defesa em processos com mais que um demandado.
Assim, ela permite, desde logo, a extensão do prazo de oposição a todos os réus quando as citações sejam realizadas em momentos diversos ou não haja coincidência quanto ao momento em que terminaram os respectivos prazos por efeito da aplicação de uma dilação.
Tal como torna possível que, “havendo pluralidade de réus, concedida a um deles a prorrogação do prazo para contestar, nos termos do nº5, os demais beneficiem indirectamente dessa dilação” (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e L. Pires de Sousa, Ob. cit., pp. 637-8).
Da mesma forma, a referida norma legal alarga o prazo de defesa para todos os demandados quando “o Ministério Público, representante de um dos réus, pediu e obteve a prorrogação do prazo para contestar” (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual do Processo Civil, p. 335).
Em suma, ela assegura, como tem sentenciado a jurisprudência, que “em caso de pluralidade de réus, se a prorrogação do prazo de defesa for concedida apenas a um deles, tal benefício deve considerar-se extensivo aos restantes demandados, por aplicação adaptada do regime do artigo 569º, nº2, do CPC” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/9/2017, relatado por Maria João Areias, no processo 4632/16.7T8VIS-A e acessível na já referida base de dados).
E esta preocupação do legislador, na organização coordenada do prazo de defesa dos vários demandados, vai ao ponto de, mantendo-se algum deles sem ser citado, gerando nos demais a expectativa da tempestividade da contestação a apresentar, se o autor desistir da instância ou do pedido quanto ao primeiro, apenas após a notificação dessa desistência começa a contar o prazo para os restantes contestarem (art. 569.º/3 do CPC).
Por outro lado, atenta a sua inserção sistemática, a norma em causa é aplicável, mercê das disposições conjugadas dos arts. 549.º/1 e 569.º do CPC, a todos e quaisquer dos processos – comuns, incidentais e especiais – previstos no Código de Processo Civil.
Com a única ressalva, introduzida somente na reforma promovida pelo DL nº329-A/95 no CPC, e expressa agora no seu art. 728.º/3, da acção executiva.
Ora, a par da indesmentível vocação universal daquela regra do art. 569.º para todos os processos previstos no Código de Processo Civil, importa tomar em atenção que as normas previstas na parte geral deste diploma (Livros I e II) estão especialmente estruturadas tendo em vista o processo declarativo.
Assim se compreende que, por um lado, quando nela se pretenda referir à acção executiva, o legislador aluda a “disposições especiais sobre execuções” (cfr. arts. 53.º e segs. e 85.º e segs.) e, por outro, que os institutos da alteração do pedido e da causa de pedir, tal como o da reconvenção (arts. 264.º e segs.), só façam sentido e tenham aplicação no processo declarativo.
E da conjugação destas duas constatações (potencialidade universal do art. 569.º e a inerência das regras gerais do CPC ao processo declarativo), é justificada a interpretação, extraída da sua vertente histórica e sistemática, que a lei, ao consagrar as normas sobre a dilação na contestação, teve subjacente o pressuposto de que, como sucede na generalidade dos processos declarativos, elas aproveitam a todos os demandados.
Isto é, o legislador que sempre estabeleceu, por exemplo, que ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias, quando a citação ocorra fora da área da comarca (art. 245.º/1, al. b), do CPC), representou necessariamente, face à vocação universal da extensão do prazo de contestar, que ao consagrar a referida dilação para a oposição iria beneficiar todos os outros demandados, incluindo os residentes na comarca.
Daqui resulta, pois, que os pontos de vista sistemático e histórico da hermenêutica jurídica podem justificar a interpretação restritiva da excepção prevista no art. 728.º/3 do CPC, no sentido de que a sua aplicação não deva ter lugar quando a diferença do prazo para contestar, no âmbito da acção executiva, resulte unicamente da aplicação das regras atinentes à dilação.
Ou, dito de outro modo, e ainda mais simples, que a norma do art. 728.º/3 do CPC pode ser interpretada no sentido de não ser aplicável quando a citação dos executados, como sucedeu no caso dos autos, tenha ocorrido na mesma data.
Para além disso, se esta é a ideia que resulta dos dois citados elementos da interpretação, o mesmo resulta, e ainda com maior evidência, do ponto de vista racional ou da ratio legis que presidiu ao referido art. 728.º/3 do CPC.
A explicação da instituição dessa norma, na reforma de 1995, é dada pelo Prof. Lebre de Freitas e tem na base o entendimento de que “a aplicação do art. 486.º-2 (actual 569.º/2 do CPC) ao prazo para a oposição (na execução) implicaria que os actos executivos, maxime a penhora, tivessem de aguardar o termo do prazo para a oposição do executado citado em último lugar, em detrimento do exequente e em contradição com o carácter individualizado das providências executivas. Por isso, defendemos a sua inaplicabilidade” e “que hoje expressamente estatui o art. 813.º-4” (cfr. A Acção Executiva, Depois da Reforma da Reforma, 5.ª ed., pp. 198-9).
Em face do referido pensamento legislativo, subjacente ao art. 728.º/3 do CPC, é assaz discutível a resposta à questão de saber se a sua aplicação deve cingir-se, restritivamente, à execução ordinária, certo que no processo sumário as diligências de penhora precedem a citação (art. 856.º/1 do CPC).
Todavia, é já mais seguro, a nosso ver e salvo melhor opinião, a ideia de que, atenta a referida intencionalidade da norma, a aplicação do art. 728.º/3 do CPC deve ser limitada aos casos em que a citação dos executados ocorra em datas diferentes.
Tanto mais que, sendo os executados citados na mesma data, e face à rigidez e brevidade dos prazos de dilação (cfr. art. 245.º do CPC), não existirá indefinição sobre a data em que podem começar as diligências de penhora, tal como elas não sofrerão apenas por isso retardamento excessivo.
É de concluir, pois, como é próprio do resultado de hermenêutica jurídica inerente à interpretação restritiva, que a “formulação legal é mais abrangente do que o sentido que se deve retirar do pensamento legislativo, pelo que se conclui que o resultado interpretativo é mais restrito” (cfr. Pedro Romano Martinez, Introdução ao Estudo do Direito, 2024, p. 316).
Vale por dizer que, embora a letra da lei aparente a completa exclusão do regime do art. 569.º/2 do CPC ao processo executivo, os demais elementos da interpretação evidenciam que o legislador, tendo visado impedir apenas que as diligências de penhora “tivessem de aguardar o termo do prazo para a oposição do executado citado em último lugar”, disse mais do que pretendeu.
Razões pelas quais, a estatuição do referido art. 728.º/3 do CPC não abrangerá a situação em que os executados foram citados simultaneamente e em que a diferença do prazo de defesa resulta unicamente da dilação aplicável.
Com a inerente constatação de que, igualmente por este ponto de vista, os embargos do executado DD são tempestivos.
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V) A referida asserção, que ao cabo de contas legitima a procedência das conclusões 1 a 3 do recurso, não sofre qualquer alteração em razão do facto de a petição de embargos ter sido acompanhada da menção à gestão de negócios por parte da Il. advogada subscritora, a que respeitam as conclusões seguintes.
Sobre essa matéria, dispõe o art. 49.º do CPC que em casos de urgência, o patrocínio judiciário pode ser exercido como gestão de negócios (nº1)
Acrescentando, porém, que se a parte não ratificar a gestão dentro do prazo fixado pelo juiz, o gestor é condenado nas custas que provocou e na indemnização do dano causado à parte contrária ou à parte cuja gestão assumiu (nº2), o que pressupõe, como parece evidente, mas o nº3 cuidou de destacar, a elaboração de despacho que fixar o prazo para a ratificação, o qual é notificado pessoalmente à parte cujo patrocínio o gestor assumiu.
A diferença essencial de tal regime, comparativamente com a falta de procuração referida no artigo 48.º, reporta-se à iniciativa, a qual, como é próprio da gestão de negócios, pertence a quem assume a defesa de outrem.
E por isso que, enquanto a regularização da falta de procuração é feita mediante notificação ao subscritor do articulado, ex vi do art. 48.º do CPC, já no patrocínio a título de gestão de negócios, segundo o art. 49.º do mesmo diploma, quem é notificado para regularizar a situação é a própria parte.
Para além disso, como resulta expressamente do disposto no art. 49.º/1 do CPC, a gestão de negócios pressupõe sempre a urgência da situação, o que não é indispensável, embora possa também ocorrer, no caso previsto no art. 48.º daquele diploma.
Em todo o caso, de comum a ambas figuras é a circunstância, expressa também naquelas disposições legais, de que o tribunal apenas pode extrair consequências da irregularidade depois de tentar, em vão, a sua sanação.
Não é admissível, pois, como sucedeu no despacho recorrido, decidir o desentranhamento da peça processual subscrita pelo advogado que não esteja munido de procuração ou que tenha actuado em gestão de negócios, sem previamente conceder a oportunidade para sanar o vício.
Para além de que, in casu, como o acto foi praticado no segundo dia útil após o final do prazo para embargar, a urgência da situação é manifesta.
Procedendo também, por isso, as restantes conclusões do recurso, sem necessidade de outras considerações, nomeadamente a respeito da existência do invocado lapso na referência na petição à gestão de negócios, embora ele pareça realmente existir, face ao facto de, simultaneamente com ela, ter sido protestada a junção posterior da procuração.
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VI) Finalmente, é mister averiguar, como se disse a propósito do objecto do recurso, se deve ser apreciada e em que sentido, na afirmativa, a questão, a que se refere o recorrido, da regularidade da taxa de justiça e da multa pagas com a apresentação dos embargos.
Ora, a esse propósito crê-se ser justificada a resposta negativa à primeira das apontadas questões.
Por um lado, porque o exequente, para além de não ter recorrido do despacho em crise, não requereu a ampliação do âmbito do recurso de acordo com o disposto no art. 636.º/1 do CPC.
E, por outro, porque estava mesmo impedido de o fazer, visto que o despacho recorrido resultou de indeferimento liminar e não foi antecedido, como seria imprescindível para convocar o art. 636.º do CPC, da dedução de fundamentos de defesa por parte do embargado.
Acresce que, mesmo ponderando o conhecimento oficioso da questão da regularidade da taxa de justiça e da multa pelos embargos, a sua apreciação sempre requereria o cumprimento prévio do contraditório e cuja observância, ao invés do que se passaria em sede de recurso, face à inviabilidade da referida ampliação, não causa delongas em primeira instância e é própria da tramitação dos embargos nessa sede após o oferecimento da petição inicial.
Por fim, importa ter presente que o pagamento da taxa de justiça e da multa, pela dedução dos embargos no segundo dia útil após o final do prazo, foi realizado pelos executados em primeira instância.
Razão pela qual, apenas podendo estar em causa a questão do acerto do exacto montante pago, o conhecimento da questão, oficioso ou na sequência de requerimento, deve ocorrer em primeira instância, quer porque a diferença para o valor máximo da taxa de justiça e da multa devidas não atinge o valor da sucumbência necessário para justificar a intervenção da Relação, quer porque foi ali que o pagamento foi realizado.
Assim, a apreciação da questão da regularidade da taxa de justiça e multa pagas pelos embargos e suas consequências deve caber à primeira instância.
Onde os autos deverão prosseguir para que seja proferida decisão que admita os embargos, salvo se a tanto obstar qualquer outro fundamento legal de indeferimento liminar ou de rejeição e que não haja sido ainda conhecido, incluindo, se for o caso, atinente à referida regularidade do pagamento feito.
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Pelo exposto, julgando procedente a apelação, revoga-se a decisão recorrida e, em sua substituição, decide-se o prosseguimento dos embargos, para que sigam a respectiva tramitação legal em primeira instância.
Custas do recurso pelo embargado, que nele decaiu (art. 527.º do CPC).

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SUMÁRIO
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(o texto desta decisão não segue o Novo Acordo Ortográfico)




Porto, 11/12/2024

Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo

Carla Jesus Costa Fraga Torres

Carlos Gil – [Voto de vencido: Revogaria a decisão recorrida na parte referente aos executados BB, CC e EE e voto vencido na parte em que se julgou procedente o recurso quanto ao executado DD pelas seguintes razões:
1. A meu ver, as notas de citação de todos os executados são iguais e não podiam deixar de o ser já que está em causa uma citação postal em que, como é óbvio, não se sabe, antecipadamente, se o expediente vai ser recebido pelo próprio ou por terceiro.
O que consta das notas de citação, na parte pertinente ao objeto do recurso, é o seguinte:
“1 - A citação/notificação por via postal considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção (nº 1 do artigo 230º do CPC) ou entregue a nota de citação, e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando mesmo quando entregue a terceira pessoa.
2 - A citação/notificação por contato pessoal considera-se feita na data da entrega da nota de citação (ou da
sua afixação) tem-se por efetuada na própria pessoa do citando mesmo quando entregue a terceira pessoa.
(…)
4 - Nos termos do disposto no artigo 245º do CPC, ao prazo de defesa acresce uma dilação de 5 (cinco) dias
quando tenha sido realizada em pessoa diversa do seu destinatário (alínea b) do nº 2 do artigo 228º do CPC) ou tenha sido realizada por afixação (nos termos do nº 4 do artigo 232º do CPC).”
Atentos os termos da nota de citação que foi entregue ao executado DD, que aliás recebeu em 28 de maio de 2024 todas as citações dos recorrentes, pois todos têm a mesma morada, parece-nos que este executado não pode deixar de saber que foi ele próprio que recebeu a sua citação e que, como tal, não beneficia da dilação de cinco dias, de que beneficiam os coexecutados, em virtude de a citação a eles respeitante ter sido recebida pelo coexecutado DD.
E menos razões existem para qualquer dúvida quando, como era de lei, apenas foi remetida a notificação prevista no artigo 233º, para os três coexecutados que foram citados na pessoa do coexecutado DD (notificações expedidas em 06 de junho de 2024 e entregues em 11 de junho de 2024).
Acresce que não foi suscitada pelo embargante DD qualquer dúvida quanto à citação que lhe foi feita e nenhuma referência é feita no recurso quanto a essa matéria, sendo certo que a nulidade da citação, a existir, o que patentemente não cremos verificar-se no caso em apreço, e não estando em causa a falta de indicação de prazo para a defesa (vejam-se a segunda parte do nº 2 do artigo 191º e o artigo 196º, ambos do Código de Processo Civil), é uma patologia que não é de conhecimento oficioso (artigo 196º do Código de Processo Civil, a contrario sensu).
A nosso ver, o erro do embargante DD, bem denunciado pelos termos do recurso (veja-se o quarto parágrafo da segunda conclusão do recurso), é o de que beneficia do prazo para embargar mais longo de que beneficiam os seus coexecutados, olvidando de todo o que resulta do disposto no artigo 728º, nº 3, do Código de Processo Civil.
2. No caso de citação postal, a indicação concreta do termo final para oferecimento de contestação não é possível. Seguindo a leitura do projeto de que dissentimos, por falta de indicação concreta do termo final do prazo para contestar ou para a dedução de oposição, são nulas todas as citações postais que se vão realizando em todos os processos…
Ora, o que a este respeito consta das notas de citação é o seguinte:
“7 - O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais (que decorrem de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, do domingo de Ramos à segunda -feira de Páscoa e de 16 de Julho a 31 de Agosto) salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
8 - Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
9 - Os tribunais consideram-se encerrados quando for concedida tolerância de ponto (Conferir artigos 137º e 138º do CPC) o artigo 28º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.”
Não é isto bastante para que qualquer cidadão comum perceba como se conta o prazo que lhe foi indicado?
A nosso ver é mais do que suficiente.
3. A ressalva do disposto no nº 3 do artigo 728º do CPC, apenas introduzida no Código de Processo Civil de 1961 pela reforma do processo civil operada pelo decreto-lei nº 329-A/95 de 12 de dezembro (veja-se o nº 3 do artigo 816º do Código de Processo Civil de 1961), correspondia já a uma orientação doutrinal, ainda que não unânime (por todos vejam-se: A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª Edição, Coimbra Editora 1977, Artur Anselmo de Castro, páginas 315 a 316; José Lebre de Freitas, então assistente da Faculdade de Direito de Lisboa, na Colectânea de Jurisprudência, Ano XIV, 1989, tomo 3, páginas 43 a 56), e a alguma prática jurisprudencial (veja-se a jurisprudência citada por José Lebre Freitas in A Ação Executiva, 8ª Edição, Gestlegal 2024, página 236, nota 75), o que levou a que inclusivamente houvesse jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a considerar interpretativa essa nova previsão (vejam-se os Boletins do Ministério da Justiça nº 487, páginas 269 a 272 e nº 497, páginas 320 a 323 – sublinhe-se os dois acórdãos foram proferidos pelo mesmo coletivo, sendo relator o Sr. Juiz Conselheiro Miranda Gusmão e com votos de vencido do Sr. Juiz Conselheiro Sousa Inês).
Não vemos qualquer razão para interpretar restritivamente o nº 3 do artigo 728º do Código de Processo Civil, não o aplicando aos casos em que a citação dos executados ocorra no mesmo dia, tanto mais que mesmo assim sucedendo, o termo do prazo para contestar dos diversos executados, por efeito da dilação eventualmente aplicável, pode divergir significativamente, podendo chegar até trinta dias (veja-se o nº 3 do artigo 245º do Código de Processo Civil), assim excedendo em mais dez dias o prazo para a dedução da oposição por embargos (artigos 728º, n º 1 e 856º, ambos do Código de Processo Civil).
A dilação e o prazo para a prática do ato processual a que se refere a dilação são legalmente tratados como um só prazo (artigo 142º do Código de Processo Civil) e não vemos razão válida para a interpretação restritiva defendida no acórdão recorrido no caso de a citação dos coexecutados ocorrer no mesmo dia e já assim não suceder se a citação não se verificar no mesmo dia.
Não alcançamos por que razão se o executado DD tivesse sido citado um dia antes ou depois dos restantes coexecutados se aplicaria o nº 3 do artigo 728º do Código de Processo Civil, não beneficiando da dilação de que os outros executados pudessem gozar, mas já não se aplica quando, como sucede no caso em apreço, a citação de todos os executados se verificou no mesmo dia.
4. Finalmente, refira-se que a interpretação sustentada no acórdão de que se dissente é afastada por alguns dos doutrinadores mais conceituados, não se tendo localizado qualquer doutrina ou jurisprudência publicada que abone a interpretação que fez vencimento.
Assim, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª Edição, Almedina 2022, página 80, anotação 6 ao artigo 728º do Código de Processo Civil escrevem que “[p]or expressa previsão legal, nenhum dos coexecutados beneficiará dos embargos apresentados por outro, nem poderá aproveitar-se de algum prazo diferenciado que porventura encontre justificação na diversidade das vicissitudes processuais, máxime da diversidade das datas em que foram efetuadas as respetivas citações ou da aplicação a algum dos executados de uma dilação” [sublinhado nosso].
Também o Professor Lebre de Freitas, em obra publicada em coautoria com Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, intitulada Código de Processo Civil Anotado, 3ª Edição, Almedina 2022, página 454, anotação 6 ao artigo 728º do Código de Processo Civil, ainda que de modo não tão claro como os outros autores antes citados, a propósito da inaplicabilidade do nº 2 do artigo 569º do Código de Processo Civil à oposição por embargos, referem que a diversidade do prazo para embargar tanto pode resultar de as citações não terem sido realizadas no mesmo dia como de algum dos citados beneficiar duma dilação.
Estas, em síntese, as razões da nossa parcial divergência.]