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TRANSIÇÃO PARA O NRAU
COMUNICAÇÃO AO LOCATÁRIO
FORMALIDADES
INEFICÁCIA
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário
As formalidades exigidas para a comunicação constituem requisitos constitutivos do direito invocado em juízo ao abrigo do disposto nos artigos 30º NRAU, e 342º, nº1 do CC – processo de transição do arrendamento para o regime do NRAU -, a sua incompletude dá origem a ineficácia que deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal.
Texto Integral
Apelação nº 690/22.3T8PRD.P1
Acordam no Tribunal da relação do Porto
“A autora AA, NIF ..., casada, residente na Rua ..., ..., ... Vila Nova de Gaia, vem propor a presente acção declarativa de condenação, como processo comum contra BB, viúvo, residente na Avenida ..., ..., ... Paredes, pedindo que seja julgada provada e procedente e, por consequência: a). Se reconheça que os sucessivos depósitos de renda, por si efectuados, sejam declarados ineficazes, com todas as legais consequências, por via da ineficácia da resposta do réu à proposta de mudança de regime de arrendamento, o que fez com que a renda proposta de € 41,34 passasse a ser válida; b). Seja declarada a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas que abrange o imóvel descrito no item 1º desta petição inicial, artigo 1083º., nºs. 1 e 2, al. a) e 3 do CCivil e, sempre se excluindo o logradouro anexo; c). A proceder de imediato à entrega do locado, livre e devoluto de pessoas e bens, e no mesmo estado em que o encontrou; d). A proceder ao pagamento da parte das rendas vencidas e não pagas até à data e que até ao momento ascendem a € 172,78 e as vincendas. e). A proceder ao pagamento dos juros legais sobre as rendas em dívida até integral pagamento, que se calculam já em € 8,22 e em custas e o mais que foi de lei por ter dado causa à acção. Para os devidos efeitos, alega que a autora adquiriu o prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar, com anexo e logradouro sito na Avenida ..., na freguesia e concelho de Paredes, anterior e extinta freguesia ..., descrito na CRP sobre o nº. ... de ..., onde se encontra registada a seu favor pela Ap. ... de 26.01.2021, por escritura pública de compra venda celebrada no dia 26.01.2021, no cartório notarial sito na Rua ..., na freguesia e concelho de Paredes pelo preço de € 61.220,00. E que este imóvel, com excepção do quintal e do anexo ali existentes, encontra-se arrendado ao réu, desde há muito tempo, que não consegue precisar, estando este a pagar a renda mensal de € 20,67. E que, no dia 28 de Janeiro, a autora enviou a carta junta como nº. 4 e recepcionada a 1 de Fevereiro em que se comunica ao Réu ser a nova titular da propriedade e senhoria do arrendamento. Em 31 de Março de 2021, e recepcionada a 22 de Abril de 2021, a autora enviou ao Réu a carta junta como nº. 7, que se dá por reproduzida, na qual propõe a transição do actual contrato de arrendamento para o NRAU, propondo uma nova renda mensal de € 350,00, um contrato com prazo certo e uma duração de 3 anos. E, na mesma missiva, convidava o Réu a responder, no prazo de 30 dias, sobre as questões colocadas e alertando o réu de que deveria juntar prova nos termos legalmente exigidos. O réu respondeu em 17.05.2021, por carta que se junta sob o nº. 8, e se dá por reproduzida, onde refere que o meu rendimento anual bruto corrigido é de € 4.948,53, logo inferior a 5 retribuições mínimas nacionais anuais, juntando certidão emitida pelo serviço de Finanças, referindo ter 72 anos e junta a cópia do cartão de cidadão, diz ainda ser doente e portador de deficiência, não aceitando a transição para a NRAU, nem o valor da renda proposta, em alternativa, sugere € 21,00. Mais invoca a falta de condições de habitabilidade, necessitando de obras de conservação. Finalmente, propõe € 40.00,00 de indemnização para abandonar o locado. Em 15 de Junho de 2021, a autora enviou ao Réu a carta que se junta sob o nº. 8, que se dá por reproduzida e que foi recepcionada a 16 de Junho, a, onde recusa que o arrendamento abranja o quintal e o anexo, declarando que não foi junta prova de qualquer deficiência do e pelo réu, rejeita a proposta de renda de € 21,00, contrapropondo € 41,24, de acordo com o nº. 2 do artigo 35, al. 5 do artigo 36º. da Lei nº. 6/2006, informando que nunca foi comunicada a necessidade de qualquer obra e rejeita o pedido de indemnização. Finalmente, por carta enviada a 15 de Julho, que se junta sob o nº. 9, o réu informa a autora de que considera o anexo e o quintal como parte do arrendado e insiste na necessidade de obras, que a autora não aceita, acrescentando ainda o réu entender que não deve ser alterada a renda. Alegando que a resposta do réu contem falhas irretratáveis e fatais de que o mesmo foi alertado. Porquanto, invocou uma incapacidade física que não comprovou e omitiu que com ele vive há vários anos, em economia comum, comunhão de mesa e habitação o seu filho CC como declarado no processo criminal. Concluindo que o réu manipulou a declaração da autoridade tributária, fazendo crer não só que o agregado familiar é unipessoal, quando não é, reduzindo substancialmente o rendimento bruto corrigido do agregado familiar, situação que ilícito criminal, devendo o Tribunal agir em conformidade. E, por consequência, a resposta do réu terá que ser considerada inválida, por sua culpa exclusiva, e ineficaz, o que implica que a renda proposta pela autora, a final passe a ser efetiva e que o réu se recusa a pagar, no valor de € 41,24 mensais, no 1º. dia do mês de gosto ade 2021 até à presente data e as vincendas a partir daí, estando em falta, por cada mês, € 20,57, no total de € 164,57. Logo, mostram-se em dívida as rendas é causa de resolução do contrato, nos termos do artigo 1084º. do CCivil, tornando-se inexigível à autora a manutenção do contrato de arrendamento. Para além disso devem ser devidas a título de indemnização, as rendas que estiverem em vigor até ao momento da efectiva restituição do locado, nos termos previstos no artigo 1045º., nºs. 1 e 2 do CCivil e nos demais termos alegados que aqui se dão por reproduzidos.
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O Réu regularmente citado deduziu contestação e, por excepção, alega a falta de alegação dos elementos essenciais que integram a causa de pedir nomeadamente a data do início do contrato de arrendamento, enquanto, pressuposto para a transição para o NRAU como imposto pelo artigo 5º., nº.1 do CPC. Sendo que, perante a falta de alegação deste facto essencial, nem sequer é permitido o convite ao aperfeiçoamento previsto no artigo 590º., nº. 2, al. b) e nºs. 3 e 4 do CPC e, por isso, ocorre a impossibilidade absoluta de transição do arrendamento para o NRAU, como pretende a autora, pois não se consegue converter um contrato sem se saber quando iniciou a vigência, porquanto o NRAU, data de 2006 e daí para cá efectivamente já decorreu “muito tempo”, coisa que também não consta da comunicação da Autora ao Réu pelo que sempre teria que soçobrar os pedidos formulados, em conformidade com os termos e fundamentos alegados e que aqui se dão por reproduzidos”.
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Oportunamente foi proferida sentença na qual se decidiu: “Face ao exposto julgo totalmente improcedente, a presente acção absolvendo o Réu BB da totalidade dos pedidos formulados. Custas a cargo da autora (cfr. artigo 527º nºs. 1 e 2 do CPC). Notifique e Registe.”
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Desta sentença apelou AA concluindo nas suas alegações:
1 - O Tribunal identificou factos que considerou "não provados", mas não os elencou, antes optou por uma preguiçosa remissão, tornando a sentença se tornou ininteligível.
2 —Violou os arts 607. 4 e 615 2 b) ambos do CPC
3- O Tribunal tanto dá como provada uma agressão do Réu à A. como dá como não provado que esta é agredida pelo R..,e dá como provado em 12 que a partir do dia 21 de Junho de 2021,data da ocorrência dos factos a autora evita o réu .Esta evidente contradição entre factos provados e não provados infecta de forma irretratável a sentença em causa, uma vez que gera evidente ambiguidade na sua total percepção devendo ainda decretar a resolução do contrato por violação por parte do réu do sossego,boa vizinhança sem falar ainda nas regras da higiene que a admitir-se que incluiria parte do jardim(o que não aceita a autora) o mesmo deixa ao total abandono .com silvas que passam para a vizinhança nomeadamente para a propriedade da testemunha conforme acima transcrito, com terra a monte, com silvas e ervas.
4 — O Tribunal dá como provado que o arrendamento incide sobre todo o imóvel (ponto 2 da matéria dada como provada com remissão para a 1) para, depois, dizer que, afinal, há um primeiro-andar da A. e um rés-do-chão do R.
5 — Dessa forma, violou a alínea c) do artigo 615 2 CPC,
6 - Estabeleceu a sentença que as comunicações expedidas pela A. não cumpriam várias formalidades e, por isso, seria "legalmente ineficazes".
7 No entanto, se atentarmos no conteúdo das respostas do Réu, concluiu-se rapidamente que ele recebeu as cartas mas não invocou qualquer invalidade (ineficácia, nulidade ou anulabilidade) das mesmas, antes opondo-se com outros argumentos, voltando a fazer o mesmo na contestação.
8 - Não podia o Tribunal "substituir-se" ao Réu, mesmo invocando o "conhecimento oficioso".
9 - Aliás, nem se percebe bem onde é que está qualquer falha da carta enviada a 31 de Março, uma vez que ela foi acompanhada da caderna predial, constando na carta o valor do imóvel e na caderneta junta estão inscritos todos os índices de avaliação e ainda a carta enviada em pela senhoria em 15.6.2021 que face á rejeição do inquilino propôs uma renda nos termos do arigo 35 2 n e 2 e 36 da lei 6/2006 de 27 Fevereiro que remete para as alíneas a) e b) do artigo 35 2 da lei onde teve em conta face ao RABC do inquilino apresentado pelo mesmo e que deu aquele valor de 41,24 euros mensais atenta a avaliação da A.T indicada na carta pela autora datada de 31 de Março de 2021 com limites de 1/15 avos do valor do locado.
IO — Violou o art. 32 . do CPC, quer o n 2 1, quer o n 23. E, a ser aceite tal entendimento, então haveria que se invocar o instituto do abuso de direito (3342 CC),
11 — Há erro na apreciação da matéria de facto, uma vez que o arrendamento nunca incluiu logradouro e anexos, como consta da prova documental e decorre da prova testemunhal.
12-A autora requereu o apoio jurídico na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos rececionado em 7 de Junho de 2023 conforme documento que aqui junta e se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais não tendo decorrido mais de trinta dias obtido qualquer resposta devendo o mesmo mo ser considerado tacitamente deferido.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente.
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A matéria de facto fixada na sentença recorrida.
1). Por escritura pública de compra e venda celebrado no dia 26.01.2023, no cartório notarial sito na Rua ..., na freguesia e concelho de Paredes, pelo preço de € 61.220,00, a Autora comprou o prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar, com anexo e logradouro, sito na Avenida ..., na Conservatória do Registo Predial sobre o nº. ... ..., onde se encontra registada a seu favor pela Ap. ... de 26.01.2021, conforme teor dos documentos nºs. 1 e 3 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos.
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
2). Por acordo verbal celebrado em 5 de maio de 1973, o réu tomou de arrendamento ao pai da autora o imóvel descrito em 1), estando este a pagar a renda mensal de € 20,67 (vinte euros e sessenta e sete cêntimos).
3). No dia 28 de janeiro e recepcionada a 1 de fevereiro, a autora enviou a carta sob o nº. 4, que se dá por integralmente por reproduzida, em que comunica ao réu ser a nova titular da propriedade e senhoria do arrendamento.
4). Em 31 de Março de 2021, e recepcionada a 22 de Abril de 2021, a autora enviou ao réu a carta que se junta sob o nº. 7, que se dá por reproduzida, na qual propõe a transição do actual contrato de arrendamento para o Novo Regime de Arrendamento Urbano, propondo uma nova renda mensal de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), um contrato com prazo certo e uma duração de 3 anos. Na mesma missiva convidava o réu a responder, no prazo de trinta dias, sobre as questões colocadas e alertando o Réu de que deveria juntar prova: 1). Do rendimento bruto anual corrigido do agregado familiar, nos termos do artigo 35º. e 36º. NRAU; 2). Idade e de eventual deficiência com grau comprovado igual ou superior a 60%.
5). O réu respondeu em 27 de maio de 2021, por carta que se junta sob o nº. 8 e se dá por reproduzida, onde refere que “o meu” rendimento anual bruto corrigido é de € 4.948,53, logo inferior a 5 retribuições mínimas nacionais anuais, juntando certidão emitida pelo serviço de finanças; diz ter 72 anos e junta cópia do cartão de cidadão, diz ser doente e portador de deficiência; diz não aceitar a transição para a NRAU; não aceita o valor da renda proposto; e propôs, em alternativa, €21,00. Mais invoca a falta de condições de habitabilidade, necessitando de obras de conservação finalmente, propõe € 40,000,00 de indemnização para abandonar o locado.
6). Em 15 de Junho de 2021, e recepcionada a 16 de junho, a autora enviou ao réu a carta que se junta sob o nº. 8, que se dá por reproduzida, onde recusa que o arrendamento abranja o quintal e o anexo; declara que não foi junta prova de qualquer deficiência do e pelo Réu; rejeita a proposta de renda de € 21,00, contrapropondo € 41,24 com base no nº. 2 do artigo 35º., alínea 5 e 36º. da Lei nº. 6/2006, informa que nunca foi comunicada a necessidade de qualquer obra; rejeita o pedido de indemnização.
7). Por carta enviada a 15 de julho, que se junta sob o nº. 9 o réu informa a Autora que considera o anexo e o quintal como parte do arrendado e insiste na necessidade de obras, o que a autora não aceita, acrescentando ainda o réu entender que não deve ser alterada a renda.
8). O réu respondeu nos termos melhor consignados no documento nº. 8, rejeitando a proposta de transição do contrato de arrendamento para o NRAU.
9). Ocorrem factos que deram origem a participações criminais que correm termos no Tribunal de Paredes, na fase de inquérito contra o réu e outro, amigo e pai da autora.
10). A relação entre a autora e o pai é inexistente em virtude de terem existido em tempos problemas com a progenitora.
11). A autora precisou de ser assistida no Instituto de Medicina Legal devido ao comportamento do réu e outro, no âmbito do processo NUIPC 417/21.7GAPRD.
12). A partir do dia 21 de junho de 2021, data da ocorrência dos factos participados no NUIPC 417/21.7GAPRD que a autora evita o réu.
13). O quintal na frente do edifício sempre foi fruído (com delimitação física), na proporção de metade do terreno para o ocupante do rés-do-chão e a outra metade para o ocupante do 1º. Andar.
14). Desde sempre o réu se serviu do referido em 13)., conjuntamente com a habitação, por lhe terem sido disponibilizados juntamente com esta, incindindo a renda paga sobre este conjunto.
15). O prédio descrito em 1), conforme decorre da certidão do registo predial é um único prédio urbano, com quintal e anexo, sendo o quintal necessário à cabal fruição do rés-do-chão.
16). O réu já tinha uma relação contratual com o anterior proprietário daquele prédio, o pai da autora.
17). O réu padece da doença da diabetes e de psoríase artropática, com bloqueio completo do ramo direito, padecendo de incapacidade de grau superior a 90%, traduzido em grande dificuldade de mobilidade, necessitando do auxílio do filho CC.
18). O filho do réu CC reside ocasionalmente no locado.
19). O réu paga pontual e ininterruptamente o valor mensal estipulado de renda de € 20,67.
20). O réu apresentou queixa contra a Autora, estando a correr termos o processo de inquérito nº. 827/21.0T9PRD, no DIAP de Paredes, conforme documento nº. 3 cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
21). A autora abriu a fechadura de uma das portas dos anexos que estavam a ser utilizados pelo réu.
22). O réu informou a autora das condições da habitação, da necessidade de obras e lhe solicitou que procedesse às mesmas, tendo a autora recusado executar obras de conservação (carta de 15.06.2021).
23). O imóvel não dispõe de saneamento, nem de caleiros, o que o torna mais húmido e desagradável a quem o habita.
Mais resultou demonstrado.
24). O imóvel descrito em 1) foi adquirido pela autora no âmbito do processo de execução comum que corre termos como processo nº. 3.463/15.6T8LOU, em que é exequente DD e o executado EE.
25). A habitação referida em 1). dispõe de instalação de água.
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B). - Não Provados:
Todos os demais factos que se mostrem conclusivos, contrários aos supracitados, nomeadamente:
A). Da petição inicial: 2, com excepção do quintal e do anexo ali existente; 8 conclusivo; 10; 11 a partir de “reduzindo…” até final; 12 conclusão de direito; 14; 15; 16; 20; 21; 23; 25 e 26.
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B). Da contestação: 12; 16; 17 como sempre foi; 23 não tem quaisquer rendimentos; 24; 25 conclusivo; 27, 30; 34; 35; 37; 39, 44.
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O recurso.
O recurso delimita-se pelas conclusões das alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 640º n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), em tudo o mais transitando em julgado.
A apelante vem arguir a nulidade da sentença por contradição:
1.Entre factos provados e não provados, mas não tem razão. Não existe contradição entre factos provados e não provados. Para o processo os factos contidos nos pontos julgados não provados não existem.
2.Entre os pontos 1 e 2 da matéria de facto que refere que o arrendamento é de todo o prédio e o ponto 13º que alude ao 1º andar ocupado por um terceiro ocupante.
Ocorre efetivamente contradição que se impõe retificar.
Decorre de toda a sentença que se alude ao arrendamento do Réu como sendo o R/C, e, o mesmo aceita.
Assim o ponto 2. dos factos provados passa a ter a seguinte redação:
2). Por acordo verbal celebrado em 5 de maio de 1973, o réu tomou de arrendamento ao pai da autora o R/C imóvel descrito em 1), estando este a pagar a renda mensal de € 20,67 (vinte euros e sessenta e sete cêntimos).
A questão em análise inscreve-se no âmbito do regime que disciplina o procedimento facultado ao senhorio para fazer transitar para o NRAU, com as especificidades a que alude o artigo 30º da Lei n.º 6/2006, na versão resultante da Lei Lei n.º 79/2014 aqui aplicável, os contratos de arrendamento para fins habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do RAU.
No caso particular que nos ocupamos a questão delimitada pelas conclusões das alegações consiste em saber se:
- Se os elementos constantes da comunicação a que alude o artigo 30º do NRAU podem realizar-se por remissão para as cadernetas prediais e restantes documentos;
- Se a ineficácia cominada na lei para a falta de elementos exigidos nesta comunicação ou a sua imperfeição só pode ser conhecida por invocação das partes, isto é, não é de conhecimento oficioso.
É pacífico que foi celebrado um contrato de arrendamento verbal, em maio de 1973 mediante o qual foi cedida ao Réu o R/C do prédio referido no ponto 1 dos factos provados, com destino à habitação mediante o pagamento da renda de €20,67.
Não contestam as partes que a autora enviou a carta datada de 31.03.2021 ao Réu invocando a qualidade de proprietária, desencadeando a iniciativa do processo de transição do arrendamento para o regime previsto na Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro e de atualização da renda.
O contrato foi celebrado em momento anterior a 19.11.1990, data da entrada em vigor do RAU.
A transição do contrato de arrendamento para fim habitacional para o NRAU é regulada pela lei em vigor à data da comunicação do então senhorio da intenção de transição do contrato de arrendamento para o NRAU.
A questão a decidir prende-se com a interpretação do artigo 30º da Lei n.º 6/2006, na redação conferida pela Lei n.º 79/2014 (cfr. disposição transitória do artigo 6.º desta Lei), aqui aplicável.
O art.º 30.º do NRAU confere ao senhorio a iniciativa de espoletar a atualização da renda e a passagem do contrato de arrendamento para o regime do NRAU, comunicando-o ao arrendatário com os elementos previstos neste artigo, o que é condição de eficácia da comunicação.
Dispõe este artº sob a epigrafe “Iniciativa do senhorio”
A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando, sob pena de ineficácia da sua comunicação:
a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;
b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante da caderneta predial urbana;
c) Cópia da caderneta predial urbana;
d) Que o prazo de resposta é de 30 dias;
e) O conteúdo que pode apresentar a resposta, nos termos do n.º 3 do artigo seguinte;
f) As circunstâncias que o arrendatário pode invocar, isolada ou conjuntamente com a resposta prevista na alínea anterior, e no mesmo prazo, conforme previsto no n.º 4 do artigo seguinte, e a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos, nos termos do disposto no artigo 32.º;
g) As consequências da falta de resposta, bem como da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo seguinte.
Refere a sentença recorrida, questão não posta em causa neste recurso, Urge acrescentar que na obra a “Nova Disciplina do Arrendamento Urbano”, Coimbra 2006, de Maria Olinda Garcia se refere que “…o ónus do senhorio de comunicar ao arrendatário que pretende actualizar a renda e qual o respectivo montante – através de carta com aviso de recepção (artigo 9º., nº.1 NRAU) -. Não obstante, nem todas as rendas poderão ser imediatamente actualizadas. O senhorio só adquire o direito de exigir a actualização das rendas depois de o locado ter sido avaliado (CIMI) e, desde que, a avaliação tenha atribuído a esse imóvel um coeficiente de conservação pelo menos de nível médio. E, estando verificado tal requisito, o senhorio tem, nesta comunicação, de enviar o correspondente documento comprovativo bem como os demais elementos exigidos pelo nº. 4 do artigo 38º., sob pena de ineficácia da comunicação”.
Concretizando, a comunicação do senhorio deve conter, sob pena de ineficácia, ou melhor de não produção dos efeitos jurídicos, os seguintes elementos:
- cópia do resultado de avaliação do locado nos termos do IMI e da determinação do nível de conservação;
- os valores da renda devida após a primeira actualização correspondentes a uma actualização em dois, cinco ou dez anos;
- o valor em Euros do RABC que, nesse ano, determina a aplicação de diversos escalões;
- A indicação de que a não invocação de algumas das circunstâncias nº. 3 do artigo anterior deve ser realizada em 30 anos, mediante apresentação de documento comprovativo;
- a indicação das consequências da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no nº. 3 do artigo anterior;
- a invocação de o arrendatário dispor de um RABC superior a quinze RMNA, com o comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente.
E, sendo assim analisada a comunicação expedida pela autora (fls. 14 a 15 dos autos) temos que concluir que a mesma não cumpre os supracitados indicadores porque apesar de estar indicado o valor obtido com a avaliação, não está referido qual foi o coeficiente de conservação atribuído a esse imóvel, nem tão pouco foi remetido com esta comunicação o respectivo documento comprovativo, e conformidade com o previsto no nº. 4 do artigo 38º. do NRAU.
Respondendo á questão do conhecimento oficioso desta ineficácia, vamos citar Ac. STJ Ac. STJ de 18.09.2018, em www.dgsi.pt, por elucidativo, mostra-se pertinente, no que se refere, ao presente processo “Assim, atenta a circunstância de a comunicação em causa dar início a um verdadeiro processo negocial obrigatório que enceta com vista à formação de um novo contrato, atentando na finalidade dessa comunicação, torna-se claro que a incerteza gerada pela falta de elementos não é compaginável com a tomada conscienciosa de decisões respeitantes ao futuro da relação arrendatícia, gerando dúvidas e insegurança, desde logo por falta de indicação e comprovação do valor do locado. E constatando-se o cumprimento apenas parcial das exigências legais a comunicação padece de ineficácia, já que sofre, ab initio, de um vício estrutural, atinente aos seus requisitos constitutivos, que impede a produção dos efeitos por ela visados, pois que carece de requisitos essenciais de que a lei faz depender a respetiva eficácia”.
Está em causa dar início a um verdadeiro procedimento negocial obrigatório iniciado com o objetivo de celebração de um novo contrato não se tratando de mera burocracia. Para que o arrendatário possa tomar uma decisão prudente quanto ao novo contrato deve estar na posse de todos os elementos indispensáveis para o efeito. Uma comunicação deficiente põe em causa desde o início todo o processo negocial, e, que a lei comina com a ineficácia.
As formalidades exigidas para a comunicação constituem requisitos constitutivos do direito invocado em juízo ao abrigo do disposto nos artigos 30º (e 38º, nº 4) NRAU, e 342º, nº1 do CC – processo de transição do arrendamento para o regime do NRAU -, a sua incompletude dá origem a ineficácia que deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal.
Improcede este segmento do recurso.
Pelas mesmas razões a comunicação deve conter todos os elementos não podendo a sua falta ser colmatada com a remessa para as cadernetas prediais ou outros documentos.
Improcedem as conclusões das alegações de recurso.
Na improcedência das conclusões das alegações de recurso confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante – artº 527º do CPC.
Sumário:
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Porto, 11/12/2024
Maria Eiró
Artur Dionísio Oliveira [Voto a decisão, mas não subscrevo integralmente a sua fundamentação.
Considerando que a comunicação da transição para o NRAU em apreço nestes autos foi feita em 2021 e que, por isso, é regulada pelo artigo 30.º desse diploma, na versão introduzida pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro, como se refere no acórdão, entendo não ser aplicável ao caso o artigo 38.º, n.º 4, do NRAU, que foi revogado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, nem ser invocável a doutrina citada na decisão recorrida e reiterada no acórdão, a qual se debruça sobre a versão originária do NRAU.
Mas porque os vícios da comunicação prevista no artigo 30.º são de conhecimento oficioso, como também se refere no acórdão, analisado o teor da comunicação em apreço nestes autos, entendo que não foi cumprida a parte final da al. g), o que é suficiente para se concluir pela total ineficácia dessa comunicação (neste sentido, para além dos argumentos esgrimidos no acórdão, vide o ac. do TRL de 11.01.2024, proc. n.º 1195/22.8T8AMD.L1).
São estas, a meu ver, as razões que deveriam sustentar a confirmação da decisão recorrida.]
Alexandra Pelayo