LISTA DE CREDORES
NOTIFICAÇÃO
PRAZO DE APRESENTAÇÃO
Sumário

Sumário (da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil
I. Considerando que os artigos 128.º a 131.º do CIRE estatuem um regime de prazos concatenados uns com os outros, sendo a lista definitiva de créditos reconhecidos e não reconhecidos apresentada pelo Administrador da Insolvência no prazo previsto pelo n.º 1 do artigo 129.º do CIRE, não tem a mesma que ser notificada, notificação essa que apenas se impõe nos casos previstos no n.º 4 do mesmo preceito.
II. Fora desses casos, todos os demais intervenientes, incluindo o insolvente, estão sujeitos ao ónus de acompanhamento e consulta do processo, por forma a que, uma vez decorrido o prazo fixado na sentença para a reclamação de créditos e o prazo de 15 dias para que sejam apresentadas as listas definitivas, consigam inteirar-se dos actos que naquele tenham sido praticados e, querendo, contra eles possam reagir, nomeadamente apresentando as competentes impugnações nos termos previstos pelo artigo 130.º, n.º 1 do mesmo código.
III. Porém, em face do regime aludido no ponto I, caso o Administrador da Insolvência tenha incumprido o prazo de 15 dias a que está obrigado, apresentando as listas para além dele, deverá já notificar as mesmas a todos os interessados (inclusive ao insolvente), sob pena de ocorrer violação do princípio do contraditório e do direito a um processo equitativo.

Texto Integral

Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
AA foi declarada insolvente por sentença proferida em 21/04/2023 (sendo igualmente essa a data do edital e do anúncio à mesma referentes), já transitada em julgado.
Em 26/06/2023, pela Sra. Administradora da Insolvência (AI) foi apresentado o relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE[1], ao mesmo tendo anexado, para além do mais, a lista provisória de credores a que alude o artigo 154.º, bem como a respectiva notificação ao mandatário da insolvente.

Em 02/07/2023, a AI apresentou a lista definitiva dos créditos reconhecidos a que alude o artigo 129.º do CIRE, tendo sido autuado o competente apenso de reclamação de créditos.[2]
A listagem apresentada mereceu impugnação por parte do Ministério Público, em representação da Autoridade Tributária, à mesma tendo a AI apresentado resposta.

Em 31/01/2024 foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, na qual se pode ler: “(…) Consideram-se verificados todos os créditos reconhecidos pela Srª. Administradora da Insolvência, ressalvando-se, no entanto que os créditos reconhecidos à Autoridade Tributária e Aduaneira apenas têm natureza comum.”. Bem como: “Tendo sido formulado pedido de exoneração do passivo restante, graduando os créditos, determina-se que os pagamentos se façam anualmente pelo Sr. Fiduciário, com a cessão dos rendimentos do Devedor, nos seguintes termos: // 1. As custas do processo de insolvência que se mostrem ainda por liquidar; // 2. Reembolso do IGFEJ referido na al. b) do art.º 241º do CIRE; // 3. Remuneração e despesas do fiduciário; // 4. Créditos com natureza comum.”

Notificado da sentença, em 09/02/2024, veio a insolvente apresentar requerimento pelo qual peticionou: “(…) deverá a insolvente ser notificada da lista definitiva de créditos elaborada nos termos do art.º 129º do CIRE (para exercício do estatuído no art. 130º do mesmo diploma legal) e serem declarados nulos todos os atos que hajam sido praticados subsequentemente à apresentação da referida lista, por clara e flagrante violação do princípio do contraditório e ao abrigo do disposto nos artigos 195º nº 2 do CPC”[3]. Tal pretensão mereceu a oposição do credor BB.

E, em 20/02/2024, interpôs RECURSO da referida sentença, tendo para tanto formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
“1. Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo de Comércio – Juiz 6, proferida a 31 de Janeiro de 2024, que decidiu julgar verificados todos os créditos reconhecidos pela Sra. Administradora da insolvência.
2. Nem a insolvente, nem o seu mandatário foram notificados da lista definitiva de credores elaborada pela administradora de insolvência nos termos do artigo 129º do CIRE, o que equivale a dizer que à devedora foi coartada a possibilidade de sobre a mesma se pronunciar, impugnando-a nos termos do disposto no artigo 130º do mesmo diploma legal
3. Tendo sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos sem que tenha sido dada a conhecer à ora recorrente (insolvente), por qualquer meio, a lista definitiva apresentada pela Sra. Administradora da Insolvência nos termos do artigo 129º do CIRE, e, por consequência, a possibilidade de a mesma se pronunciar acerca do seu conteúdo, verifica-se assim uma clara e frontal violação dos princípios do contraditório e do direito a um processo equitativo.
4. A Mmª Juiz “a quo” não podia ignorar que a recorrente, sendo principal interessada na discussão dos créditos a verificar ia graduar na sentença recorrida, nunca fora notificada de nenhum dos factos relevantes para este efeito (isto é, da lista definitiva de créditos reconhecidos e não reconhecidos), e tendo feito deixei de conhecer uma questão muito relevante subjacente a decisão ora recorrida que estava obrigado a conhecer.
5. Nos presentes autos havia questões prévias e nulidades sobre as quais a Mmª Juiz “a quo” se deveria ter pronunciado e deixou de o fazer e que impediam prolação da douta sentença ora recorrida - designadamente a exclusão injustificada do processo da principal interessada no mesmo (a insolvente) com subsequente prejuízo grave dos seus interesses.
6. A sentença ora recorrida é nula por violação do disposto no artigo 615º nº 1, alínea d) do Código do Processo Civil, tal como é nulo todo o processado posterior à apresentação da lista definitiva elaborada pela Sra. Administradora da Insolvência nos termos do disposto no art.º 129º do CIRE.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, com que V. Exas. sempre doutamente suprirão, deve ao presente recurso ser dado provimento e, em consequência, ser a douta sentença ora recorrida declarada nula por violação do disposto no artigo 615º nº 1, alínea d) do Código do Processo Civil, assim como declarados nulos todos os atos praticados subsequentemente à apresentação da lista definitiva elaborada pela Sra. Administradora da Insolvência nos termos do disposto no art. 129º do CIRE, por clara e flagrante violação do princípio do contraditório – art. 3º do CPC.
MAS V. Exas., como sempre, decidirão por forma a fazer JUSTIÇA.”

Por despacho de 08/04/2024 foi ordenada a notificação da AI para que se pronunciasse “quanto à alegada falta de notificação da devedora”, o que a mesma fez através de requerimento apresentado no dia 16 do mesmo mês (defendendo não assistir razão à insolvente[4]).

Não consta de que tenham sido apresentadas contra-alegações/resposta.

Na peça processual pela qual o recurso foi admitido (datada de 06/07/2024), a Mma. Juíza a quo consignou:
Refª: 47936720: Dado que se mostra esgotado o poder jurisdicional face ao disposto no artº 613º, do CPC julga-se improcedente a reclamação apresentada tanto mais que é o objecto do recurso instaurado pela Insolvente. (vd Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3.05.2021, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.08.2022 disponíveis in www.dgsi.pt,). // Notifique.
***
Refª: 48034228: Porque incide sobre decisão recorrível, está em tempo, foi presente por quem tem legitimidade, admito o recurso interposto, o qual é de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – arts. 14º, n.ºs 5 e 6, al. b), do CIRE, 629º, 631º, 637º, 638º, nºs 1 e 5, 639º, 640º do Código de Processo Civil. // Notifique.
***
Veio a Insolvente, notificada de sentença de reclamação de créditos proferida em 31/01/2024, da mesma recorrer invocando a sua nulidade por violação do disposto no artigo 615º nº 1, alínea d) do Código do Processo Civil. Mais alega que é nulo todo o processado posterior à apresentação da lista definitiva elaborada pela Sra. Administradora da Insolvência porquanto esta não lhe foi notificada, violando-se assim o princípio do contraditório. // Compulsados os autos podemos verificar que: // Por sentença de 21.04.2023 AA foi declarada insolvente. // Na sentença proferida foi dispensada a Assembleia de Credores e fixado o prazo de 30 dias para reclamação de créditos. Mais foi determinado que todos os prazos previstos no CIRE que têm como referência a data de realização da assembleia de apreciação do relatório são, nestes autos e caso não venha a ser designada data para realização de assembleia de apreciação do relatório, contados com referência ao 45º dia subsequente à data de produção desta sentença. // Mais se determinou que caso não venha a ser designada data para realização de assembleia de apreciação do relatório deverá a Srª. Administradora da Insolvência no prazo máximo de 60 dias contados da presente decisão, apresentar o seu relatório aos autos, o qual deverá ser pelo mesmo notificado à Devedora, bem como aos Credores, a quem se concede desde já o prazo de 10 dias (contados do decurso dos mencionados 60 dias ou da apresentação do relatório, se posterior) para, querendo, se pronunciarem quanto ao teor do mesmo. // O relatório do artº 155 do CIRE foi apresentado a 26.06.2023, dele consta a lista provisória de créditos reclamados e o mesmo foi notificado à Insolvente. (…). Por todas as razões aduzidas, afigura-se que inexiste qualquer nulidade na sentença que cumpra suprir ou corrigir. // No entanto, Vossas Excelências melhor decidirão, fazendo justiça.”

Já nesta Relação, por despacho de 05/08/2024 (proferido da Exma. Sra. Desembargadora de turno), determinou-se: “Segundo o despacho de 06.07.2024 proferido no presente apenso, “O relatório do art.º 155 do CIRE foi apresentado a 26.06.2023, dele consta a lista provisória de créditos reclamados e o mesmo foi notificado à Insolvente”. Nessa sequência, ao abrigo do art.º 652 nº1 al. d) do CPC, determino que se solicite ao tribunal recorrido que informe e certifique se os créditos indicados na lista provisória de créditos reclamados já notificada à Insolvente coincidem com os constantes da lista definitiva aludida na sentença proferida no presente apenso”.
Pela 1.ª instância foi então prestada a seguinte informação: “(…) os créditos indicados na lista provisória de créditos reclamados que faz parte do relatório do artº 155º do CIRE que foi apresentado a 26.06.2023 (onde inclui comprovativos da notificação do mesmo) e cuja cópia segue em anexo coincidem com os constantes da lista definitiva aludida na sentença proferida no apenso de Reclamação Créditos (…)”.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim a questão a decidir prende-se com a alegada putativa nulidade da sentença recorrida, por violação dos princípios do contraditório e do direito a um processo equitativo, em virtude de a insolvente não ter sido notificada da lista de credores a que alude o artigo 129.º, n.º 2 do CIRE, dessa forma não lhe tendo sido possível apresentar impugnação à mesma.

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III – FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Para além dos factos e incidências processuais que constam do relatório que antecede (e cujo teor se dá por reproduzido), como complemento, nos termos previstos pelos artigos 607.º, n.º 4, 2.ª parte, 662.º, n.º 1 e 663.º, n.º 2, todos do CPC, adita-se a seguinte factualidade:
- Na sentença que declarou a insolvência fixou-se em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos e decidiu-se não convocar a realização da assembleia para apreciação do relatório (à qual alude o artigo 156.º);
- Os credores reconhecidos pela AI nas listas elaboradas para efeitos do artigo 154.º e 129.º, n.º 2, são os seguintes: a) Autoridade Tributária e Aduaneira – Lisboa – crédito no valor global de 1.035,17€; b) Inspira Mater – produções culturais unipessoal, Lda. – crédito no valor de 105.513,60€; c) “BB” – crédito no valor de 29.403,51€; d) CC – crédito no valor global de 43.731,10€; e) MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA – crédito no valor de 806,99€; f) NOS Comunicações, SA – crédito no valor de 2.132,35€; e g) Santander Consumer Finance – Suc Portugal – crédito no valor global de 11.610,60€.
- O patrono da insolvente foi notificado da junção aos autos do relatório para efeitos do artigo 155.º e respectivos anexos - cfr. notificação certificada de 26/06/2023 (Ref.ª/Citius 145184753);

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Fundamentação de direito
Sendo o processo insolvencial um processo de execução universal (abrangendo todo o património do devedor) e concursal, ao mesmo são chamados a intervir todos os credores, os quais apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE, durante a pendência do processo de insolvência – cfr. artigos 1.º, 46.º, n.º 1 e 90.º.
Por assim ser, aquando da prolação da sentença que declare a insolvência ter-se-á de fixar o prazo dentro do qual poderão ser apresentadas as reclamações de créditos, prazo esse que, no presente caso, foi fixado em 30 dias – cfr. artigo 36.º, n.º 1, al. j).
E, como resulta do artigo 128.º, n.ºs 1 e 2, nesse prazo, as reclamações terão que ser efectuadas por requerimento endereçado ao AI. Sobre cada um dos credores incide um ónus de reclamação cujo incumprimento poderá constituir impedimento a que os seus interesses/créditos sejam satisfeitos, designadamente por não lhes ser viabilizado que beneficiem do produto da liquidação do activo (desde logo em face do previsto no artigo 173.º). Porém, para além dos créditos que tenham sido reclamados, o AI deverá igualmente reconhecer aqueles que, apesar de o não terem sido, constem da contabilidade do devedor ou cheguem ao seu conhecimento por qualquer outro meio (artigo 129.º).
Feita esta nota introdutória, analisemos as questões suscitadas pela apelante.

Da putativa nulidade da sentença recorrida          
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, do CPC que a sentença é nula quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Como decorre desta norma, as causas de nulidade aqui previstas reportam-se à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronúncia do julgador, consubstanciando as mesmas, vícios formais da sentença ou vícios referentes à extensão/limites do poder jurisdicional (não contendendo, pois, com o mérito da decisão)[5].
No caso, a apelante invocou a nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do citado artigo 615.º, sendo que a Mma. Juíza a quo (aquando da pronúncia para efeitos do artigo 617.º, n.º 1 do CPC) refutou a sua existência.
Apreciemos.
A referida al. d) reporta-se às situações nas quais o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, isto é, casos nos quais ocorre uma omissão ou um excesso de pronúncia.
Trata-se de uma nulidade que se mostra interligada com a previsão do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Ora, alega a recorrente que “[n]os presentes autos havia questões prévias e nulidades sobre as quais a Mmª Juiz “a quo” se deveria ter pronunciado e deixou de o fazer e que impediam prolação da douta sentença ora recorrida (…)” – Conclusão n.º 5.
Como escreveu João Castro Mendes[6], o vício que a apelante imputa à sentença, de omissão de pronúncia, corresponde a vício de limite, por não conter o que devia conter por referência à instância e ao caso delineado na acção[7].
Porém, inexiste qualquer omissão de pronúncia que afecte a sentença recorrida do vício de nulidade, porquanto a 1.ª instância pronunciou-se quanto às questões que importava conhecer e decidir - impugnação apresentada pela credora AT (representada pelo MP) e verificação e graduação dos créditos reclamados e reconhecidos pela AI.

Sem prejuízo de assim ser, importa ter em conta que a recorrente invocou expressamente a violação dos princípios do contraditório e do direito a um processo equitativo
Cumpre, assim, indagar se tais princípios foram ou não ofendidos na sequência de a lista apresentada pela AI não ter sido notificada à insolvente.
Actualmente, vigora no nosso ordenamento jurídico uma concepção ampla do princípio do contraditório[8], estando o mesmo associado, não apenas a uma efectiva participação das partes no desenvolvimento do litígio, mas também ao poder de as mesmas influenciarem o que no processo se decide. Nessa medida, não é lícito ao tribunal conhecer de quaisquer questões (de facto ou de direito) sem que as partes tenham oportunidade de sobre elas se pronunciarem (razão pela qual não se admite a prolação das chamadas decisões surpresa [9]). Assim, se uma decisão for proferida com preterição do contraditório, será a mesma intrinsecamente nula, por excesso de pronúncia, já que o foi sem que os autos estivessem processualmente preparados para tanto (por não ter sido possibilitada a pronúncia pela parte contrária).
Prescreve o n.º 3 do artigo 3.º do CPC que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”, sendo que o artigo seguinte impõe que o tribunal deverá assegurar, “ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”, com isso se visando impedir o tratamento privilegiado ou discriminatório de alguma das partes, designadamente quanto ao exercício de determinadas faculdades ou uso de certos meios de defesa[10].
Por seu turno, o artigo 20.º, n.º 4 da CRPortuguesa garante o direito a um processo equitativo – qualquer visado por uma decisão judicial não poderá ver a sua posição ou os seus direitos processuais limitados ou excluídos sem que para tanto com isso pudesse ou devesse contar (ou seja, não pode ser surpreendido por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não pudessem contar).
Reportando ao caso, resulta que a insolvente defende que deveria ter sido notificada da lista definitiva de credores reconhecidos (apresentada pela AI), por forma a que à mesma pudesse reagir, designadamente, impugnando-a nos termos previstos pelo artigo 130.º.
Pretende, assim, que sejam declarados nulos todos os actos praticados após a apresentação da referida lista, aí se incluindo a sentença recorrida.
Sendo incontrovertido que tal lista não foi notificada à insolvente ou ao seu patrono, importa indagar se tal notificação se impunha.

Começar-se-á por referir que o facto de existir total identidade entre os credores elencados para efeitos da lista a que se reporta o artigo 129.º e aqueles que constavam já da lista elaborada para efeitos do artigo 154.º (junta com o relatório a que se reporta o artigo 155.º) – lista esta da qual a recorrente foi devidamente notificada – de nada releva para a questão em apreciação no presente recurso.
Com efeito, a tramitação do apenso de reclamação de créditos não se confunde com a dos autos principais e, mesmo que a lista provisória apresentada tivesse sido objecto de impugnação pela insolvente, nem assim esta última estaria dispensada de, com referência à lista definitiva, a impugnar nos moldes previstos pelo artigo 130.º (assim como a apresentação da lista provisória não desobriga o AI de apresentar a lista definitiva).

Isto posto, importa ter presente que os artigos 128.º a 131.º estipulam um regime de prazos concatenados uns com os outros (consecutivos), sendo que cada um deles se inicia (de forma automática) com o término do que o antecedeu. Ou seja, apesar de manterem a sua autonomia, o início de cada um desses prazos está dependente do término daquele que o antecedeu, dessa forma também condicionando aquele que lhe é subsequente.  
Concretizando: findo o prazo que na sentença declaratória da insolvência tenha sido fixado para os credores reclamarem os créditos (o qual foi aqui de 30 dias) – artigos 36.º, n.º 1, al. j) e 128.º -, o AI apresenta, nos 15 dias subsequentes, a lista de todos os credores por si reconhecidos e a lista dos não reconhecidos – artigo 129.º, n.º 1. Nos 10 dias seguintes a tal junção, qualquer interessado pode impugnar a lista através de requerimento dirigido ao juiz – artigo 130.º, n.º 1 - e, nos 10 dias seguintes, qualquer interessado pode responder, incluindo o devedor – artigo 131.º, n.º 1. Caso a impugnação seja dirigida a outro credor, o referido prazo de 10 dias apenas se inicia com a notificação da impugnação ao credor impugnado (sendo que apenas este último poderá então responder à impugnação sob pena de ser a mesma julgada procedente).
Considerando o estatuído no n.º 1 do artigo 129.º - “Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento” -, impõe-se afirmar, sem margem para dúvidas, que do mesmo não decorre qualquer obrigatoriedade de notificação das listas apresentadas, seja pelo AI, seja pela secretaria (listas essas que terão se observar o disposto nos n.º 2[11] e 3 do artigo 129.º).
E tal obrigatoriedade também não resulta de qualquer outro preceito, tanto mais que, durante o prazo fixado para as impugnações e as respostas, “e a fim de poderem ser examinados por qualquer interessado e pela comissão de credores, deve o administrador da insolvência patentear as reclamações de créditos, os documentos que as instruam e os documentos da escrituração do insolvente no local mais adequado, o qual é objecto de indicação no final das listas de credores reconhecidos e não reconhecidos” – artigo 133.º.
Só assim não sucede na situação prevista no n.º 4 do artigo 129.º - com relação aos credores cujos créditos não tenham sido reconhecidos, credores cujos créditos sejam reconhecidos sem que tenham sido reclamados ou credores cujos créditos sejam reconhecidos em termos diversos dos da respectiva reclamação -, na qual os credores são avisados por carta registada com aviso de recepção (ou nos moldes previstos no artigos 128.º, n.ºs 2 e 3), iniciando a contagem do prazo para a impugnação a partir do 3.º dia útil posterior à data da respectiva expedição – artigo 130.º n.º 2.
Ou seja, não estando em causa uma situação enquadrável neste n.º 4, uma vez decorridos prazos legalmente previstos (o fixado na sentença para a reclamação de créditos e o previsto para o AI apresentar a lista), e sem que se imponha qualquer notificação, recai sobre os intervenientes processuais o ónus de se inteirarem do estado do processo (ao mesmo acedendo e consultando – cfr. artigo 134.º, n.º 5[12]) com vista a aferirem e ponderarem a eventual apresentação de impugnações (com relação ao seu próprio crédito ou a algum dos demais créditos)[13].
Tal regra (ónus de consulta e acompanhamento da marcha do processo) aplica-se igualmente ao devedor[14], o qual não tem assim que ser notificado das listas apresentadas.
Consequentemente, poder-se-ia concluir que o facto de a insolvente, aqui recorrente, não ter sido notificada (pessoalmente ou na pessoa do seu patrono) da lista apresentada pela AI, não traduz qualquer violação dos invocados princípios (contraditório e processo equitativo), nessa medida não configurando qualquer nulidade, já que à mesma sempre seria exigível o acompanhamento do processado (por forma a se inteirar dos exactos momentos em que cada um dos actos foi praticado e para, querendo, contra os mesmos reagir).
Efectivamente, assim seria, não fosse o que a seguir se irá expor.

É que o acabado de defender pressupõe que todos os prazos tenham sido cumpridos.
Sucede que, como resulta dos autos, a AI apenas deu cumprimento ao estatuído no n.º 1 do artigo 129.º no dia 02/07/2023, ou seja, decorrido mais de um mês desde o término do prazo previsto para as reclamações de créditos (dessa forma não tendo sido respeitado o prazo de 15 dias para a apresentação das listas de créditos reconhecidos e não reconhecidos).
Ora, quando as listas são apresentadas para além do prazo legalmente previsto (15 dias), o início do prazo subsequente (10 dias para impugnação das listas) já poderá não ser determinável nos exactos termos em que se descreveu (contagem automática e sucessiva de todos os prazos aplicáveis), desde logo por passar a ser incerto o momento dessa apresentação, acarretando para os interessados o ónus de, findos os 15 dias, diariamente, terem de consultar o processo para se inteirarem da exacta data em que aquela ocorreu[15] (o que, em termos abstractos, poder-se-á até prolongar-se por períodos temporais bastante alargados).
Precisamente para evitar que assim suceda, como a jurisprudência tem vindo a decidir, na eventualidade de a lista a que se reporta o artigo 129.º não ter sido apresentada no prazo previsto no seu n.º 1, justificar-se-á já que seja a mesma notificada aos intervenientes (notificação essa que, insiste-se, a ter sido cumprido esse prazo, e não estando em causa a situação aludida no seu n.º 4, careceria de ser efectuada).
Como se sumariou no acórdão desta Secção de 26/11/2019 (Proc. n.º 14966/17.8T8SNT-F.L1-1, relatora Amélia Sofia Rebelo), “O incumprimento do prazo legal para apresentação da lista pelo Administrador da Insolvência, associado a subsequente preterição da notificação da mesma aos credores, consubstancia nulidade suscetível de influir na decisão da causa por preterição do contraditório, nulidade que cumprirá declarar pelo tribunal da 2ª instância se, entretanto, não se apresentasse sanada com a admissão do requerimento de impugnação da lista de créditos (…)”.
Mais se podendo ler neste aresto: “(…) o referido sistema legal de prazos sucessivos pressupõe que o início do primeiro prazo corresponda a uma data certa conhecida ou cognoscível por todos os interessados para que estes, com o grau de certeza e segurança que a matéria exige, possam prever e determinar o início do prazo seguinte, e assim sucessivamente. (…) O descrito regime e os respetivos pressupostos ficam porem prejudicados se o Administrador da Insolvência não cumprir com a junção da lista de credores no prazo legal para o efeito previsto (15 dias após o termo do prazo para reclamação de créditos), posto que, a partir daí, torna incerta, indeterminável e imprevisível a data do início do prazo para apresentação de impugnação à lista que, no mínimo, pressupõe que esta conste dos autos. Por outro lado, não é exigível que a mora do Administrador da Insolvência no cumprimento daquela obrigação resulte no agravamento da posição dos credores, onerando-os com a incerteza e o encargo de a ela obviar através da consulta diária dos autos, para aferir se a lista foi ou não entretanto junta, e em que data.” E, continua: “Nesse contexto, de incumprimento do prazo para junção da lista de créditos pelo Administrador da Insolvência, impõe-se que seja este a obviar às consequências do seu próprio incumprimento, procedendo à notificação da lista de créditos a todos os que nela constam inscritos, pois que só assim resulta potenciado o pretendido efetivo exercício do contraditório na medida em que, naquele cenário, não podem aplicar-se as regras (de prazos sucessivos e ausência de notificações) previstas pelos arts. 130º, nº 1 e 131º, nº 1 e ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. // Assim, o que é expectável e devido, por legalmente previsto, é que a lista de créditos seja apresentada pelo Administrador da Insolvência até ao termo do prazo legal para o efeito previsto. Quando assim não suceda e quando aquele incumprimento não é colmatado com a notificação da lista de credores simultaneamente com a junção (tardia) da mesma aos autos, ocorre violação do principio constitucional do acesso à justiça previsto pelo art.º 20º da CRP traduzida em omissão perturbadora do pleno e efetivo exercício do contraditório que, nos termos do art.º 195º do CPC e caso não seja sanada até à prolação da sentença, produz a nulidade desta por idónea a influir no exame ou na decisão da causa.”
Aliás, sobre tal questão já o Tribunal Constitucional se tinha pronunciado no seu acórdão n.º 16/2018, de 10/01/2018 (Proc. n.º 978/2016, relatora Joana Fernandes Costa), no qual se pode ler: “sempre que o administrador da insolvência apresentar as listas dos créditos reconhecidos e não reconhecidos depois de volvido o prazo de quinze dias de que para o efeito dispõe, contado a partir do termo final do prazo para a reclamação de créditos fixado na sentença declaratória da insolvência, a regra do desencadeamento automático do prazo seguinte a partir do esgotamento do prazo imediatamente anterior deixa de poder funcionar; neste caso, o prazo para a impugnação da lista dos créditos reconhecidos só poderá iniciar-se com a prática do acto correspondente ao da sua efectiva apresentação na secretaria judicial e a possibilidade de o insolvente determinar, a partir da mera notificação da sentença que declara a insolvência, o termo inicial do prazo de que dispõe para exercer a faculdade prevista no n.º 1 do artigo 130.º do CIRE é, obviamente, eliminada. // Por isso, se a dispensa de notificação das listas dos créditos reconhecidos e não reconhecidos se mantiver nas situações em que o administrador da insolvência incumpre o prazo fixado no artigo 129.º, n.º 1, do CIRE, será somente através da diária deslocação à secretaria judicial, onde aquelas listas são entregues, que, ao contrário do que se prevê para o conjunto de credores a que alude o artigo 132.º, n.º 2, o insolvente poderá tomar conhecimento, em momento compatível com o seu aproveitamento integral, do dies a quo do prazo para impugnação dessas listas, faculdade que lhe é conferida pelo artigo 130.º, n.º 1, do referido diploma legal. (…)”.
Mais se acrescentando: “Tal ónus, já em si conflituante com os princípios do contraditório e da proibição da indefesa, torna-se mais problemático ainda em face do efeito cominatório quase pleno que a lei associa à falta de impugnação dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência: independentemente da maior ou menor latitude consentida pela interpretação do conceito, é seguro que será apenas nos casos de «erro manifesto» que, na falta de impugnação, o juiz deixará de proferir de imediato sentença de verificação e graduação de créditos, limitando-se aí a homologar a lista dos credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e a graduar os créditos reconhecidos em atenção ao que conste dessa lista (artigo 130.º, n.º 3, do CIRE). // Daqui resulta que o desconhecimento do termo inicial do prazo para impugnação dos créditos reconhecidos não gera apenas a consequência de impedir o insolvente de contraditar a pretensão do credores reclamantes; por força do efeito cominatório atribuído à falta de impugnação, tal desconhecimento produz ainda o efeito de tornar o património do insolvente automaticamente responsável pela totalidade dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência, nos exatos termos em que o tiverem sido, salvo caso de erro manifesto. // Ora, a gravidade do efeito cominatório e preclusivo que a lei impõe ao insolvente não impugnante não pode deixar de reforçar a necessidade de uma certeza prática no conhecimento ou cognoscibilidade do ato que desencadeia o início do prazo dentro do qual poderá ser contestada a existência dos créditos reconhecidos, a exatidão do seu montante e/ou a qualificação que receberam do administrador da insolvência (…), tornando, por isso, mais problemática ainda, à luz do princípio do contraditório, a dispensa de notificação (…) da entrega da lista dos créditos reconhecidos, sempre que a mesma tiver lugar depois de esgotado o prazo previsto para esse efeito. // Ao comprometer determinantemente o exercício pelo insolvente da faculdade de impugnação dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência, a dispensa de notificação consentida pela norma impugnada afeta, em suma, uma projeção nuclear do princípio da proibição da indefesa, que assenta na inadmissibilidade de prolação de qualquer decisão sem que ao sujeito processual pela mesma afetado seja previamente conferida a possibilidade de discutir e contestar a pretensão que nela obtém procedência e se intensifica perante o efeito cominatório e/ou preclusivo associado à inação processual.”
Também aderindo a esta posição, vejam-se os acórdãos da Relação do Porto de 28/01/2021 (Proc. n.º 2422/20.1T8AVR-A.P1, relator Jorge Seabra) e de 04/04/2022 (Proc. n.º 421/17.0T8BGC-R.P1, relatora Eugénia Cunha) ou, ainda, o acórdão da Relação de Coimbra de 04/05/2021 (Proc. n.º 4422/17.0T8VIS-B.C1, relator José Avelino Gonçalves).
Sendo certo que, nos autos, ao contrário das situações tratadas nos citados arestos, não está em causa decidir da admissibilidade/tempestividade de qualquer impugnação que tenha sido apresentada à lista (designadamente por parte da insolvente), não se poderá deixar de concluir nos mesmos moldes, tendo as transcritas considerações plena aplicação.
É que, não tendo ocorrido qualquer notificação da apresentação tardia da lista e tendo a insolvente apenas tido conhecimento de que a mesma já havia sido apresentada aquando da sua notificação da sentença de verificação e graduação de créditos, mostrava-se já precludida qualquer possibilidade de a mesma deduzir impugnação ao abrigo do disposto no artigo 130.º, n.º 1 (impugnação essa que, a ter sido apresentada, sempre se assumiria como juridicamente irrelevante, em face da sentença entretanto proferida).

Cumpre, por fim, afirmar que nada obstava ao conhecimento da nulidade invocada por esta instância superior, quer se defenda estarmos em face de uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia, quer se defenda estarmos em face de uma nulidade processual que se impunha que tivesse sido arguida junto da 1.ª instância.
No primeiro caso, o recurso seria de conhecer por estar a nulidade acobertada pela própria sentença recorrida, a qual, como não pode deixar de ser, foi proferida quando constavam já dos autos os elementos dos quais resulta a concreta data em que a AI apresentou a lista a que se reporta o artigo 129.º, n.º 1.
No segundo caso, não se poderá ignorar que, como também resulta dos autos, a insolvente, dentro dos 10 dias subsequentes àquele em que foi notificada da sentença de verificação e graduação de créditos, veio arguir a nulidade por violação do princípio do contraditório (em face da falta de notificação da lista apresentada, nos exactos termos em que sustentou o seu recurso).
Porém, o tribunal a quo, na mesma peça processual pela qual admitiu o recurso entretanto interposto, argumentando ter-se esgotado o seu poder jurisdicional, pronunciou-se pela improcedência da reclamação apresentada, mais acrescentando “tanto mais que é o objecto do recurso instaurado pela Insolvente”. Simultaneamente determinou a subida dos autos a esta Relação.
Sendo certo que se pronunciou quanto à reclamação apresentada, também o é que não conheceu da nulidade invocada, nenhuma posição tendo assumida quanto à verificação (ou não) da mesma. E, sendo os fundamentos do recurso precisamente os mesmos dos invocados na reclamação, sobre os quais inexiste ainda qualquer pronúncia transitada em julgado, sempre a esta Relação se mostrava possível deles conhecer nos moldes em que conheceu.

Termos em que terá o presente recurso de proceder, nessa sequência se declarando a nulidade do processado após a apresentação da lista apresentada pela AI, incluindo a sentença recorrida, devendo os autos de reclamação de créditos prosseguir com a notificação de tal lista nos moldes e para os efeitos pretendidos e solicitados pela recorrente, sem prejuízo de serem aproveitados os actos já praticados e que não se mostrem viciados.

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IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam as Juízas da Secção do Comércio deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, por provada, e, nessa sequência, declarar nulo o processado posterior à apresentação da lista a que se reporta o artigo 129.º, n.º 1 do CIRE, incluindo a sentença recorrida, prosseguindo os autos de reclamação de créditos com a notificação de tal lista à recorrente, sem prejuízo do aproveitamento dos actos já praticados e que não se mostrem viciados .

Custas pela massa insolvente.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2024
Renata Linhares de Castro
Manuela Espadaneira Lopes
Susana Santos Silva
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[1] Diploma a que se está a aludir quando for citado um artigo sem menção de origem.
[2] É com a lista definitiva dos créditos reconhecidos e não reconhecidos, e a subsequente autuação, que se inicia a tramitação judicial do incidente de verificação e graduação de créditos (o qual tem uma tramitação própria e diferenciada do processo principal), passando os credores a poder reagir, designadamente através da dedução de impugnações (não apenas com relação ao tratamento que o respectivo crédito mereceu, como também com relação aos demais créditos).
[3] Nesse requerimento pode ler-se: “(…) 2 – A insolvente só teve conhecimento dos presentes autos, que correm por apenso ao processo principal da insolvência, com a notificação da sentença proferida em 31/01/2024. // 3 – Nem a insolvente, nem o seu mandatário foram notificados da lista definitiva de credores elaborada pela administradora de insolvência nos termos do artigo 129º do CIRE, o que equivale a dizer que à devedora foi coartada a possibilidade de sobre a mesma se pronunciar, impugnando-a nos termos do disposto no artigo 130º do mesmo diploma legal. // 4 – Nem a insolvente, nem o seu mandatário foram notificados da impugnação da relação de créditos apresentada pelo Ministério Público em representação da Autoridade Tributária e Aduaneira, desconhecendo por completo os presentes autos. // 5 – Verifica-se assim uma clara e frontal violação dos princípios do contraditório e do direito a um processo equitativo. // 6 – A insolvente, sendo principal interessada na discussão dos créditos a verificar e graduar, nunca foi notificada de nenhum dos factos relevantes para este efeito (ou seja, da lista definitiva de créditos reconhecidos e não reconhecidos), com subsequente prejuízo grave dos seus interesses, ao ver graduados e reconhecidos créditos que não existem, em violação da lei.”
[4] Para o efeito, a AI alegou: “(…) - em 26.6.23 com a REFª: 45949657 foi expressamente notificado o sr. Mandatário da insolvente do relatório do 155º do CIRE // - o n. 1 do art.º 129º CIRE atribui expressamente os 15 dias subsequentes para que o administrador judicial venha apresentar a lista definitiva do 129º // - A lei não determina que sejam notificados os interessados; em contrapartida atribui um tempo a partir do qual se inicia o 130º do CIRE: -10 dias, após esses 15 dias, os interessados devem impugnar a lista. No caso presente teria decorrido até ao dia 21 de julho // Verificou-se inclusivamente que houve um credor a impugnar a lista e não consta ter sido notificado para tal efeito. // No entendimento da AJ a insolvente não teve em conta o art.º 129º/1 do CIRE e daí resultou a sua indignação porém sem base legal.”
[5] Veja-se, nesta matéria, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2018 (Proc. n.º 1867/14.0TBBCL-F.G1, relator José Alberto Moreira Dias), disponível in www.dgsi.t, como os demais que forem citados, sem qualquer outra menção.
[6] Direito Processual Civil, Vol. II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ed. da Associação Académica, 1987, pág. 802.
[7] Como se escreveu no acórdão do STJ de 03/10/2017 (Proc. n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1, relator Alexandre Reis, cujo sumário está disponível nos sumários de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça. Secções Cíveis): "I –As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art. 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável. II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. IV - É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver. V - Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão reclamado que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da recorrente/reclamante.
[8] Princípio que tem consagração legal e constitucional - cfr. artigos 3.º e 4.º do CPC e artigo 20.º, n.º 1 da CRP.
[9] Como escrevem TEIXEIRA DE SOUSA/CASTRO MENDES, in Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, pág. 633, a decisão é nula quando “o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia: art. 615.º, n.º 1, al. d)); a não possibilidade do conhecimento de uma questão pode ser absoluta, se o tribunal não pode conhecer, em circunstância alguma, dessa questão (…), ou relativa, se o tribunal não pode conhecer, em certas condições, dessa questão, mas poderia conhecê-la em outras circunstâncias (por exemplo: (…) o tribunal não pode proferir uma decisão-surpresa (art. 3.º, n.º 3) (…)”.
[10] Cfr. ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil, 6.ª edição actualizada, 2020, Almedina, pág. 98.
[11] A lista de credores reconhecidos apresentada pelo AI terá conter todos os elementos necessários (nos moldes descritos pelo n.º 2 do artigo 129.º) para que possa ser proferida a competente decisão de verificação e graduação dos créditos, até porque, na ausência de impugnações à mesma, poderá ela ser de imediato homologada, com a subsequente graduação dos créditos daí resultante (n.º 3 do artigo 130.º).
[12] Estatui este n.º 5: “Durante o prazo para impugnações e respostas, o processo é mantido na secretaria judicial para exame e consulta dos interessados”.
[13] Nesse sentido, cfr. acórdão desta Secção de 22/11/2022 (Proc. n.º 823/11.5TYLSB-I.L1, relatora Isabel Maria Brás Fonseca) - “o modelo que decorre dos arts. 128.º a 131.º traduz um regime de prazos concatenados uns com os outros e sucessivos, de tal forma que o prazo de impugnação dos créditos, para a generalidade dos credores e ressalvando aqueles que se encontram na situação prevista no número 4 do art.º 129.º, se inicia logo após o termos do prazo fixado no artº. 129.º, nº 1, para o administrador apresentar a relação de todos os créditos por si reconhecidos e não reconhecidos recaindo sobre os intervenientes processuais o ónus de acompanhamento da marcha do processo, sendo que esse regime obedece a evidentes preocupações de celeridade, condição de eficácia” – bem como acórdão da Relação de Guimarães de 03/03/2022 (Proc. n.º 4054/20.5T8VNF-H.G1, relatora Maria João Matos) – “(…) verifica-se que no regime legal consagrado nos arts. 128.º e seguintes do CIRE o legislador optou por um sistema de prazos legais sucessivos, em que o início do prazo seguinte tem lugar logo após o termo do prazo que o precede sem necessidade de intermediação por notificação dos actos objecto de contraditório (isto é, o novo prazo desencadeia-se automaticamente, sem qualquer outra qualquer dependência, no desencadeamento da respectiva contagem, que não seja, e apenas, a do expirar do outro e precedente prazo). // Trata-se de um regime que a natureza urgente (conforme art. 9.º do CIRE) do processo de insolvência justifica, impondo por isso a respectiva natureza consultiva (conforme arts. 26º, n.º 2 e 133º, ambos do CIRE), tanto mais que dirige ao universo dos credores; e a exigir dos mesmos um particular ónus no acompanhamento da sua marcha.”.
[14] Neste sentido, veja-se o acórdão desta Secção de 14/11/2023 (Proc. n.º 1546/23.8T8LSB-B.L1-1, relatora Fátima Reis Silva) - “1 – Resulta da regra do nº 4 do art.º 129º do CIRE que a relação de credores reconhecidos e não reconhecidos apenas é objeto de notificação aos credores não reconhecidos, aos credores reconhecidos em termos diversos das respetivas reclamações e aos credores que tenham sido reconhecidos sem terem reclamado créditos. 2 – Todos os demais intervenientes nos autos têm o ónus de, decorrido o prazo fixado em sentença para a reclamação de créditos e o prazo de 15 dias previsto no nº1 do art. 129º, vir aos autos verificar a relação de credores, nomeadamente para impugnarem, querendo, os créditos de outros credores. O devedor não está excecionado desta regra, pelo que não tem que ser notificado da relação, tendo o ónus de consultar os autos para verificar a relação e decidir se a quer impugnar.” – e o da Relação de Coimbra de 27/04/2017 (Proc. n.º 8056/16.8T8CBR-A.C1, relator Isaías Pádua) – “1 – O insolvente não tem que ser notificado ou avisado da apresentação pelo administrador da insolvência da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artº. 129º, nº 1, do CIRE. 2 – (…)
[15] Se o prazo para a prática de um determinado acto se inicia logo após o esgotamento daquele que se mostra fixado para a prática do acto imediatamente anterior, ocorrendo incumprimento do primeiro prazo, o seguinte apenas se terá por iniciado tendo subjacente o momento no qual o acto anterior tenha sido efectivamente praticado.